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Editorial

De volta ao rumo em direção para a eliminação da tuberculose: lições retiradas da pandemia de COVID-19

Getting back on the road towards tuberculosis elimination: lessons learnt from the COVID-19 pandemic

Isabel Furtado1, Ana Aguiar2, Raquel Duarte2,3,4,5

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210123

Desde o início de 2020, a atenção do mundo focou-se na pandemia de COVID-19, e a comunidade médica e científica uniu-se para combatê-la. No entanto, embora tenha sido necessário, esse desvio de atenção teve impacto em todas as áreas da saúde. Estima-se que o efeito da COVID-19 nos serviços de tuberculose seja global e dramático. Testemunhámos a nível mundial a realocação de profissionais da saúde para combater a pandemia de COVID-19; o encerramento de muitos ambulatórios e laboratórios de tuberculose; a escassez de reagentes laboratoriais para o diagnóstico de tuberculose e até mesmo a escassez de medicamentos antituberculosos. (1) Esta escassez de recursos, provavelmente causada pelo impacto económico da pandemia e por orçamentos nacionais reduzidos, veio também afetar os programas de saúde pública de rotina.(2) Na China, todas estas mudanças levaram a uma redução significativa da notificação de casos de tuberculose em comparação com os três anos anteriores.(1) Num estudo que incluía 37 centros de tuberculose do mundo inteiro, a Global Tuberculosis Network (Rede Global de Tuberculose) comparou o primeiro trimestre de 2019 com o de 2020 e concluiu que houve redução do número de novos casos de tuberculose ativa e latente, assim como do número de consultas ambulatoriais de doentes com tuberculose ativa ou latente.(3) O significado exato desta diminuição ainda está por determinar. Houve efetivamente uma diminuição dos casos de tuberculose? Ou trata-se do resultado da interrupção e da falta de acesso aos serviços de tuberculose?(1)
 
Surgiram algumas questões a respeito da coinfeção tuberculose/COVID-19(4-6): 1) A COVID-19 pode aumentar o risco de tuberculose ativa em pacientes previamente expostos ao Mycobacterium tuberculosis?; 2) A COVID-19 aumenta o risco de morte por tuberculose?; 3) Os imunossupressores usados no tratamento da COVID-19 aumentam o risco de reativação da tuberculose?; 4) Doentes com sequelas de tuberculose apresentam maior risco de contrair COVID-19?; 5) A fibrose pulmonar decorrente da COVID-19 dificulta o tratamento da tuberculose? Como a COVID-19 é uma doença recente, a evidência científica ainda é escassa, e é provável que tenhamos de esperar anos até que estas perguntas sejam respondidas.
 
Silva et al.(7) apresentam-nos uma excelente revisão sobre o assunto, abordando a maioria das questões não respondidas a respeito da combinação tuberculose/COVID-19. Além disso, e talvez mais importante, os autores refletem sobre como podemos adaptar e integrar os programas existentes para reduzir o impacto da COVID-19 e retomar o combate à tuberculose.(7) Sugerem que algumas das ferramentas usadas há anos no combate à tuberculose, tais como máscaras, distanciamento físico e diagnóstico molecular, são agora úteis no combate à COVID-19. No entanto, novas estratégias criadas para combater a COVID-19 também podem ser adaptadas e direcionadas para o combate à tuberculose: o reaproveitamento dos sistemas geoespaciais de rastreio recém-criados para localizar contactos de tuberculose, o uso de sistemas virtuais para garantir a adesão ao tratamento e o redirecionamento do apoio financeiro a doentes com COVID-19 para pacientes com tuberculose, dando prioridade àqueles que vivem na pobreza.(7)
 
É possível tentar modificar a nossa prática habitual para minimizar o impacto da pandemia de COVID-19 na tuberculose. A nível mundial, há um número significativo de bons exemplos sobre como manter o padrão de tratamento no combate à tuberculose.(2,8-11) Em primeiro lugar, é importante manter a educação sobre tuberculose, tanto para a população como para os profissionais de saúde. Conferências virtuais, seminários, workshops e consciencialização da comunidade devem ser incentivadas.(2,8) No que respeita à disponibilidade de serviços, por exemplo, a África do Sul estabeleceu um modelo de rastreio a nível comunitário e com foco na vizinhança, garantindo não apenas a educação sobre tuberculose, mas também a recolha de expetoração e o rastreio da doença.(12) Quanto ao tratamento e ao apoio aos doentes, várias mudanças simples podem ser feitas: redução do número de visitas às clínicas,(8,9) substituição de esquemas injetáveis por orais para tuberculose resistente,(9) fornecimento de uma quantidade adequada de medicamentos antituberculosos aos doentes para armazenamento seguro em casa(2) e uso de tecnologias de assistência virtual e digital à saúde para apoio à adesão, início precoce do tratamento, monitorização remota de doentes com tuberculose, aconselhamento e acompanhamento.(2,8) Por fim, a respeito do controlo de infeção, deve-se incentivar o uso de máscaras cirúrgicas tanto para doentes e visitantes como para profissionais de saúde,(8,10,11) a higienização das mãos(8,10,11) e também ambientes com sistemas germicidas ultravioleta.(10)
 
Não há dúvida de que a pandemia de COVID-19 nos trouxe um enorme desafio em todos os níveis e tem pesado muito sobre a mortalidade global. No entanto, o impacto da COVID-19 não se limita à doença em si, e não nos devemos esquecer de que as interrupções causadas pela COVID-19 podem matar milhões de outras pessoas.
 
A tuberculose continua a ser uma doença de alta prevalência em todo o mundo e, até abril de 2020, era responsável pelo maior número de mortes por dia em todo o mundo. Portanto, agora é importante identificar os malefícios, redefinir as estratégias e retomar o caminho em direção à eliminação da tuberculose.
 
REFERÊNCIAS
 



  1. Fei H, Yinyin X, Hui C, Ni W, Xin D, Wei C, et al. The impact of the COVID-19 epidemic on tuberculosis control in China. Lancet Reg Health Western Pacific. 2020;3:100032. https://doi.org/10.1016/j.lanwpc.2020.100032

  2. Alene KA, Wangdi K, Clements ACA. Impact of the COVID-19 Pandemic on Tuberculosis Control: An Overview. Trop Med Infect Dis. 2020;5(3):123. https://doi.org/10.3390/tropicalmed5030123

  3. Migliori GB, Thong PM, Akkerman O, Alffenaar JW, Álvarez-Navascués F, Assao-Neino MM, et al. Worldwide Effects of Coronavirus Disease Pandemic on Tuberculosis Services, January-April 2020. Emerg Infect Dis. 2020;26(11):2709-2712. https://doi.org/10.3201/eid2611.203163

  4. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: WHO c2021 [updated 2021 Mar 01; cited 2021 Mar 01]. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard 2021. Available from: https://covid19.who.int/?gclid=Cj0KCQiAvvKBBhCXARIsACTePW8rolBbEJ0_37IjR0rY1OeWnBWR3_7sU8ucMd4_TdyoJcWqVWYfsSIaAioNEALw_wcB

  5. Motta I, Centis R, D’Ambrosio L, García-García JM, Goletti D, Gualano G, et al. Motta I, Centis R, D’Ambrosio L, et al. Tuberculosis, COVID-19 and migrants: Preliminary analysis of deaths occurring in 69 patients from two cohorts. Pulmonology. 2020;26(4):233-240. https://doi.org/10.1016/j.pulmoe.2020.05.002

  6. Tamuzi JL, Ayele BT, Shumba CS, Adetokunboh OO, Uwimana-Nicol J, Haile ZT, et al. Implications of COVID-19 in high burden countries for HIV/TB: A systematic review of evidence. BMC Infect Dis. 2020;20(1):744. https://doi.org/10.1186/s12879-020-05450-4

  7. Silva DR, Mello FCQ, D’Ambrosio L, Dalcomo MP, Migliori GB. Tuberculosis and COVID-19, the new cursed duet: what differs between Brazil and Europe? J Bras Pneumol. 2021;47(2):20210044. Forthcoming 2021.

  8. Aguiar A, Furtado I, Sousa M, Pinto M, Duarte R. Changes to TB care in an outpatient centre during the COVID-19 pandemic. Int J Tuberc Lung Dis. 2021;25(2):163b-166. https://doi.org/10.5588/ijtld.20.0872

  9. Meneguim AC, Rebello L, Das M, Ravi S, Mathur T, Mankar S, et al. Adapting TB services during the COVID-19 pandemic in Mumbai, India. Int J Tuberc Lung Dis. 2020;24(10):1119-1121. https://doi.org/10.5588/ijtld.20.0537

  10. Shen X, Sha W, Yang C, Pan Q, Cohen T, Cheng S, et al. Continuity of TB services during the COVID-19 pandemic in China. Int J Tuberc Lung Dis. 2021;25(1):81-83. https://doi.org/10.5588/ijtld.20.0632

  11. Duarte R, Aguiar A, Pinto M, Furtado I, Tiberi S, Lönnroth K, et al. Different disease, same challenges: Social determinants of tuberculosis and COVID-19 [published online ahead of print, 2021 Feb 19]. Pulmonology. 2021;S2531-0437(21)00048-9. https://doi.org/10.1016/j.pulmoe.2021.02.002

  12. Zokufa N, Lebelo D, Hacking L, Tabo P, Runeyi N, Malabi SB, et al. Community-based TB testing as an essential part of TB recovery plans in the COVID-19 era. [published online ahead of print, 2021 Feb 16]. Int J Tuberc Lung Dis. 2021. http://dx.doi.org/10.5588/ijtld.21.0077



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