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Artigo Original

Evolução do tratamento cirúrgico do câncer de pulmão em uma instituição terciária de referência no Brasil, 2011-2018

Evolution of the surgical treatment of lung cancer at a tertiary referral center in Brazil, 2011-2018

Mariana Schettini Soares1a, Laura Maria Coltro2a, Pedro Henrique Cunha Leite3a, Priscila Berenice Costa1a, Letícia Leone Lauricella1,3a, Paulo Manuel Pêgo-Fernandes1a, Ricardo Mingarini Terra1,3a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20190426

ABSTRACT

Objective: To evaluate the evolution of clinical and epidemiological data, as well as data related to diagnosis, staging, treatment, and survival, among patients undergoing curative surgery for lung cancer at a tertiary referral center in the city of São Paulo, Brazil. Methods: This was a retrospective study of cases in the International Association for the Study of Lung Cancer database. We selected only cases of patients undergoing curative surgery between January of 2011 and April of 2018. We determined overall and disease-free survival at 36 months and compared the data between two periods (2011-2014 and 2015-2018). Results: Comparing the two periods (N = 437 cases), we observed trends toward increases in the number of female patients, as well as in the proportions of former smokers (44.09% vs. 53.59%), of patients diagnosed with adenocarcinoma (52.21% vs. 59.72%), and of patients diagnosed at an earlier pathological stage, together with a decrease in 30-day mortality (4.05% vs. 2.39%). There were significant increases in the proportions of cases diagnosed at an earlier clinical stage (p = 0.002) or incidentally (p = 0.003). Although lobectomy was the main surgical technique employed, there was a proportional increase in segmentectomies (2.67% vs. 7.11%; p = 0.026). Overall and disease-free survival rates were 79.4% (95% CI: 74.0-83.9%) and 75.1% (95% CI: 69.1-80.1%), respectively. The difference in overall survival between the periods lost statistical significance when adjusted for pathological stage, the only factor that affected survival (log-rank: p = 0.038 to p = 0.079). Conclusions: The clinical and epidemiological evolution presented in this study corroborates global trends. The decrease in 30-day mortality was probably due to better patient selection and improved surgical techniques.

Keywords: Lung neoplasms/surgery; Lung neoplasms/epidemiology; Lung neoplasms/therapy; Survival analysis; Thoracic surgery; Thoracic surgery, video-assisted.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a evolução de dados clínicos e epidemiológicos, assim como dados sobre diagnóstico, estadiamento, tratamento e sobrevida em pacientes submetidos a tratamento cirúrgico curativo de câncer de pulmão em uma instituição terciária na cidade de São Paulo (SP). Métodos: Estudo retrospectivo baseado nos casos inseridos no banco de dados da International Association for the Study of Lung Cancer submetidos à cirurgia curativa entre janeiro de 2011 e abril de 2018. Determinamos a sobrevida global e livre de doença em 36 meses e comparamos os dados em dois períodos (2011-2014 e 2015-2018). Resultados: Comparando-se os dois períodos (N = 437 casos), houve uma tendência de aumento no número de pacientes do sexo feminino, ex-tabagistas (44,09% vs. 53,59%), com diagnóstico de adenocarcinoma (52,21% vs. 59,72%) e em estádio patológico mais precoce, assim como queda da mortalidade em 30 dias (4,05% vs. 2,39%). Houve aumento significativo de casos em estádio clínico mais precoce (p = 0,002) e diagnosticados incidentalmente (p = 0,003). A lobectomia foi a principal técnica cirúrgica; entretanto, houve aumento de segmentectomias (2,67% vs. 7,11%; p = 0,026). As sobrevidas global e livre de doença foram de 79,4% (IC95%: 74,0-83,9%) e 75,1% (IC95%: 69,1-80,1%), respectivamente. Houve perda de significância estatística na sobrevida global entre os períodos quando ajustada por estadiamento patológico, o único fator a impactar a sobrevida (log-rank: p = 0,038 para p = 0,079). Conclusões: A evolução clínica e epidemiológica apresentada neste estudo corrobora tendências mundiais. A diminuição da mortalidade em 30 dias provavelmente ocorreu devido a melhor seleção de pacientes e melhora da técnica cirúrgica.

Palavras-chave: Neoplasias pulmonares/cirurgia; Neoplasias pulmonares/epidemiologia; Neoplasias pulmonares/terapia; Análise de Sobrevida; Cirurgia torácica; Cirurgia torácica videoassistida.

INTRODUÇÃO



O câncer de pulmão evoluiu de um tipo de neoplasia considerada rara no início do século XX(1) para uma das malignidades mais incidentes no mundo atual, sendo estimados mais de 2 milhões de novos casos em 2018 (11,6% do total). A alta letalidade da doença reforça sua importância na medida em que foram estimados 1,8 milhão de óbitos relacionados à doença no mesmo período.(2)



No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer estimou em 31.270 o número de novos casos de câncer de pulmão em 2018 (18.740 homens e 12.530 mulheres). Além disso, esse é o segundo tipo de câncer de maior incidência em homens e o quarto tipo de câncer de maior incidência em mulheres,(3) sendo observado um cenário semelhante na cidade de São Paulo (SP).(4) Como descrito por Araújo et al.(5) em uma revisão sobre o câncer de pulmão no Brasil, a taxa de sobrevida em 5 anos padronizada pela idade no país é de 18%, compatível com as taxas globais, que variam de 10% a 20%.(6)



Alguns aspectos da realidade brasileira dificultam a aplicação de achados de estudos americanos e europeus sobre câncer de pulmão aos nossos pacientes. As desigualdades de acesso a exames e tratamento entre a medicina pública e privada no Brasil,(5) assim como a elevada incidência de doenças granulomatosas,(7) impactam nossos resultados. Temos na literatura nacional estimativas de incidência e mortalidade de câncer de pulmão realizadas pelo Instituto Nacional do Câncer; entretanto, é escassa a descrição de outros dados clínicos, assim como de resultados efetivamente obtidos quanto a mortalidade e sobrevida. Muitos dos estudos publicados são antigos, unicêntricos, com dados restritos a histologia, estadiamento, tipo de tratamento e sobrevida,(8-13) sem um enfoque em pacientes com câncer de pulmão tratados cirurgicamente.



O objetivo do presente estudo foi avaliar evolutivamente (de 2011 a 2018) dados clínicos e epidemiológicos brasileiros relativos a pacientes com câncer de pulmão tratados cirurgicamente com intenção curativa em uma instituição terciária de referência no estado de São Paulo. Dados relativos ao tratamento e à sobrevida pós-operatória também foram avaliados.



MÉTODOS



Este é um estudo retrospectivo unicêntrico baseado em um banco de dados institucional. O serviço de cirurgia torácica de nossa instituição, além de possuir uma base de dados interna, participa ativamente de bancos de dados de relevância regional - como o Registro Paulista de Câncer de Pulmão - e internacional - como o banco de dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica associada ao da European Society of Thoracic Surgeons e o banco de dados da International Association for the Study of Lung Cancer (IASLC), o qual é hospedado em uma plataforma internacional on-line, sendo que diversas especialidades participam voluntariamente nele, onde são coletados dados referentes às características clínicas e epidemiológicas dos pacientes com câncer de pulmão, assim como dados relativos a diagnóstico, estadiamento clínico e patológico, tratamentos realizados e sobrevida. Utilizando-se das informações coletadas em diversos países, são avaliados o valor prognóstico dos fatores já utilizados na classificação TNM e o potencial uso de novos elementos que possam ser futuramente inseridos no estadiamento. Somos o único hospital brasileiro a colaborar com essa base de dados,(14) permitindo que haja uma maior representatividade da população brasileira e latino-americana nos estudos mundiais que determinem eventuais mudanças periódicas no estadiamento da neoplasia pulmonar.



Em nossa instituição os dados são inseridos por médicos e enfermeiros do serviço de cirurgia torácica e são submetidos à auditoria constante por uma coordenadora experiente, com publicações na área de qualidade de dados.(15,16) A plataforma de dados nos permite somente a inserção de dados estruturados e apresenta mecanismos de segurança que aumentam a acurácia e a consistência das informações inseridas, garantindo maior qualidade dos dados coletados.



No presente estudo, utilizamos os dados de pacientes inseridos na base de dados da IASLC e que foram submetidos à ressecção cirúrgica curativa para o câncer de pulmão entre janeiro de 2011 e abril de 2018. O seguimento dos pacientes foi realizado até dezembro de 2018. Pacientes sem exame anatomopatológico definitivo comprovando o diagnóstico foram excluídos. Cada inclusão no banco de dados corresponde a uma neoplasia pulmonar ressecada, podendo o mesmo paciente ser incluído mais de uma vez caso tenha apresentado mais de um câncer de pulmão.



Analisamos inicialmente a qualidade dos dados através de métricas consolidadas na auditoria indireta, sendo elas completude, acurácia e consistência. Foram critérios para avaliação de consistência idade ao diagnóstico menor que 10 ou maior que 100 anos; data do diagnóstico maior que a data do último contato (informação essa que impacta diretamente o cálculo de sobrevida); e presença de estadiamento T3 ou T4 e N1, N2 ou N3 em pacientes classificados com estádio clínico ou patológico I. Os critérios de estadiamento foram adotados para avaliar a consistência dos dados que dependem diretamente do registrador, já que na plataforma são inseridos apenas os dados básicos usados para a determinação do estadiamento TNM, sendo o cálculo do estadiamento realizado manualmente. Consideramos uma proporção mínima de 80% como padrão de qualidade, conforme realizado pela European Society of Thoracic Surgeons(17) na auditoria de seu banco de dados.



Avaliamos variáveis demográficas - sexo, idade na cirurgia, tabagismo, comorbidades e escala de performance status do ECOG - modo de detecção do tumor, tipo histológico, estadiamento clínico e patológico conforme a oitava edição da Lung Cancer Stage Classification,(18) tipo de ressecção cirúrgica, mortalidade em 30 dias e realização de quimioterapia e/ou radioterapia. Para determinar quais variáveis impactaram a sobrevida realizamos a regressão de Cox avaliando tipo histológico, período da cirurgia (ver abaixo) e estadiamento patológico. Utilizando as informações de desfecho no último contato, determinamos a sobrevida global e a sobrevida livre de doença em 36 meses. Foram incluídos na análise apenas os pacientes operados até dezembro de 2015. Posteriormente, dividimos os casos de neoplasias ressecadas em dois períodos, de acordo com a data da cirurgia: de 2011 a 2014 e de 2015 a 2018. Comparamos os mesmos dados citados anteriormente, visando observar se houve diferenças nas variáveis analisadas ao longo do tempo. Comparamos a sobrevida nos dois períodos, corrigida ou não por estadiamento patológico.



As variáveis categóricas foram comparadas através do teste do qui-quadrado de Pearson. Para a variável numérica contínua (idade) testou-se a normalidade da amostra com o teste de Shapiro-Wilk, sendo posteriormente realizada a análise comparativa através do teste de Mann-Whitney por se tratar de uma amostra não normal. Foi considerado significativo um valor de p < 0,05. A partir dos dados de seguimento pós-operatório, foram calculadas a sobrevida global e a sobrevida livre de doença em 36 meses relativas a todo o período e aos dois períodos para sua comparação através do método de Kaplan-Meier e do teste de log-rank. Utilizamos o pacote estatístico Stata, versão 13 (Stata Corp, College Station, TX, EUA).



O presente estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (no. 88741718.3.0000.0065). Não foi necessária a utilização de termo de consentimento informado por se tratar de um estudo retrospectivo baseado em informações de prontuários inseridas no banco de dados.



RESULTADOS



Entre janeiro de 2011 e abril de 2018, houve 442 casos de neoplasia de pulmão submetidos à cirurgia e posteriormente inseridos no banco de dados da IASLC. Foram excluídos 5 casos por indisponibilidade de resultado anatomopatológico no prontuário. Após as exclusões, foram analisados 437 casos de neoplasia envolvendo 431 pacientes.



Avaliamos inicialmente a qualidade dos dados inseridos no banco de dados para determinar a viabilidade de sua análise no presente estudo (Tabela 1). Nenhuma variável foi excluída por falta de qualidade já que todas as categorias estudadas apresentaram mais de 90% de completude e 100% de acurácia. Considerando os critérios de consistência, todas as variáveis atingiram 100%.



 








Na avaliação das variáveis, observamos um maior número de casos em mulheres (52,67%) e em pacientes com história de tabagismo (73,66%, sendo 48,72% ex-tabagistas). A média de idade na cirurgia foi de 63,96 ± 11,60 anos. As principais comorbidades observadas foram as cardiovasculares (49,07%) e as respiratórias (31,40%). A mortalidade em 30 dias foi de 3,25%. Os dados clínicos e epidemiológicos dos pacientes estão detalhados na Tabela 2.



 








A maioria dos casos foi diagnosticada de forma incidental (60,14%), e o tipo histológico mais observado foi adenocarcinoma (55,84%). A distribuição por estadiamento clínico e patológico está descrita na Tabela 3, assim como os demais dados sobre as neoplasias. Grande parte dos pacientes realizou PET/TC para o estadiamento da doença oncológica (85,13%; Tabela 3). A lobectomia foi o tipo de ressecção mais realizada (82,61%), e a maioria dos pacientes foi submetida apenas à cirurgia, sem realizar quimioterapia (81,65%) ou radioterapia (96,09%; Tabela 4).



 






 








Na análise de sobrevida global e livre de doença em 36 meses, respectivamente, foram avaliados 285 e 263 pacientes, sendo a probabilidade de sobrevida ao final da observação de 79,4% (IC95%: 74,0-83,9%) e 75,1% (IC95%: 69,1-80,1%), respectivamente (Figura 1). Na regressão de Cox constatamos que apenas o estadiamento patológico foi um fator independente associado à sobrevida (Tabela 5).



 








Após a divisão dos pacientes de acordo com a data da ressecção cirúrgica, o primeiro período envolveu 226 ressecções realizadas em 222 pacientes (4 pacientes com duas lesões), e o segundo período compreendeu 211 ressecções realizadas em 209 pacientes (2 pacientes com duas lesões).



Evolutivamente, podemos observar uma maior tendência de casos no sexo feminino, sem significância estatística, e a média de idade foi semelhante nos dois períodos (63,78 anos e 64,15 anos; p = 0,778). A proporção de ex-tabagistas aumentou (de 44,09% para 53,59%; p = 0,137). Apesar da maior proporção de pacientes com comorbidades no segundo período, a mortalidade foi menor, mas sem significância estatística (p = 0,331; Tabela 2).



A forma incidental de diagnóstico foi a mais frequente nos dois períodos estudados (52,47% vs. 68,25%; p = 0,003). O adenocarcinoma se manteve como o tipo histológico mais comum, principalmente no período mais recente (de 52,21% para 59,72%; p = 0,406), em detrimento do número de casos de carcinoma epidermoide (de 23,89% para 19,91%). No estadiamento clínico observamos uma maior tendência de casos mais precoces no segundo período (p = 0,002), assim como no estadiamento patológico (p = 0,084; Tabela 3).



A lobectomia foi o tipo de ressecção cirúrgica mais realizada nos dois períodos; entretanto, observamos um aumento significativo no número de segmentectomias (de 2,67% para 7,11%; p = 0,026). Além disso, houve uma tendência de aumento no número de pacientes submetidos à quimioterapia, principalmente a adjuvante (de 13,78% para 19,91%; p = 0,145). Separando-se os pacientes submetidos à quimioterapia em estágio patológico I daqueles nos estágios II-IV (Tabela 4), constatamos que esse aumento foi mais marcante naqueles em estágios mais avançados, sendo que o tratamento adjuvante quase dobrou no período mais recente. Os dados relativos aos tratamentos realizados estão descritos na Tabela 4.



Através do teste de log-rank, a diferença de sobrevida entre os dois períodos (p = 0,038) perdeu sua significância estatística quando ajustada pelo estadiamento patológico (p = 0,079; Figura 1).



 








DISCUSSÃO



Após a auditoria indireta, que confirmou a boa qualidade dos dados, constatamos que as características clínicas e demográficas dos pacientes continuaram similares às de estudos brasileiros mais recentemente publicados,(5,10,11) exceto por uma sobrevida tanto global quanto livre de doença em 36 meses acima de 75%. Esse último fato provavelmente deve-se às características de nosso estudo, que avaliou pacientes curáveis cirurgicamente e, portanto, com doença mais precoce. A semelhança entre as sobrevidas global e livre de doença demonstra a relação direta entre recidiva/progressão e mortalidade.



Ao compararmos os pacientes operados antes e depois de 2015, constatamos tendências já vistas mundialmente, como o aumento da incidência de neoplasia pulmonar em mulheres.(19,20) O Brasil é o país com maior tendência mundial de aumento no número de casos novos de câncer de pulmão em mulheres nos últimos 10 anos.(21) A maior incidência de adenocarcinoma, com redução na de carcinoma epidermoide,(22) também foi observada em nossos pacientes. Essas propensões estão em concordância com outros estudos publicados recentemente sobre o perfil clínico e epidemiológico do câncer de pulmão no Brasil.(23,24) A queda progressiva da taxa de tabagismo no país(25) também foi demonstrada no período mais recente, no qual observamos uma maior proporção de pacientes ex-tabagistas.



Ainda não há um programa de rastreamento de câncer de pulmão estabelecido no Brasil, embora haja estudos demonstrando seu benefício, como o National Lung Screening Trial(26) e o Dutch-Belgian Lung Cancer Screening Trial,(27) assim como um estudo realizado no Brasil.(28) No presente estudo, menos de 1% dos pacientes foi diagnosticado por rastreamento. Na maioria dos casos, o diagnóstico foi incidental, principalmente nos pacientes operados mais recentemente, ou por sintomatologia, formas que diminuem as chances de diagnóstico precoce com possibilidade de tratamento cirúrgico curativo. O aumento da forma de diagnóstico incidental pode ter ocorrido por dois motivos: ou foram realizados exames de imagem mais frequentemente nos pacientes e a malignidade foi um achado, ou, mais provavelmente, a forma sintomática correspondeu a doenças mais avançadas nas quais o tratamento cirúrgico não está indicado, excluindo o paciente da presente análise.



Quanto ao estadiamento clínico e patológico, é possível constatar uma predominância maior de estádios mais precoces nos pacientes submetidos à ressecção cirúrgica entre 2015 e 2018. Provavelmente os pacientes em estádios mais avançados, ao perderem o benefício do tratamento cirúrgico, foram encaminhados à terapia sistêmica, não estando, portanto, incluídos em nossa análise. Pela regressão de Cox observamos que apenas o estadiamento patológico apresentou um impacto significativo na sobrevida global em nosso estudo, de certa forma, validando o estadiamento em nossa população. Essa variável foi também determinante na diferença de sobrevida global entre os dois períodos analisados, já que, ao ajustarmos as curvas por estadiamento patológico, houve perda da diferença estatística. Dessa forma, demonstra-se que a seleção eficiente de pacientes é o principal fator associado à maior sobrevida observada em 2015-2018. Esse fator está provavelmente também relacionado à queda da mortalidade pós-operatória em 30 dias no segundo período, mesmo em pacientes mais graves, o que está dentro do esperado.(29)



Outro fator que pode ter contribuído para a queda da mortalidade no período mais recente foi a melhora da técnica cirúrgica através do aumento na proporção de cirurgias minimamente invasivas, principalmente por videotoracoscopia, mas também pela via robótica, essa última iniciada em 2015.(30,31) A cirurgia mais realizada foi a lobectomia, correspondendo a mais de 80% dos casos nos dois períodos. Entretanto, observamos um aumento significativo da realização de segmentectomias no período mais recente, conforme tendência da literatura cirúrgica atual que reforça os benefícios de ressecções sublobares, surgindo como opção à lobectomia em pacientes com função pulmonar limitante, doença multifocal(32) ou doença inicial.(33,34) Há estudos prospectivos em andamento visando comprovar que a sobrevida global é similar entre a ressecção anatômica sublobar e a lobectomia,(35,36) sendo já comprovada a semelhança de morbidade e mortalidade pós-operatórias entre as duas técnicas.(36,37) Observamos também em nosso estudo uma redução no número de ressecções em cunha, que apresentam um valor oncológico restrito.(38,39)



Houve queda no uso de estadiamento mediastinal invasivo por videomediastinoscopia e, principalmente, por ecobroncoscopia, essa última com significância estatística. Podemos atribuir essa queda a uma maior taxa de diagnóstico de acometimento linfonodal mediastinal nos exames de estadiamento, sendo esses pacientes encaminhados ao setor de oncologia para tratamento sistêmico exclusivo após o diagnóstico de doença localmente avançada. Outro fator que pode explicar essa queda é a maior incidência de casos mais precoces que dispensam o estadiamento invasivo do mediastino.(40)



Como vantagem do presente estudo, temos a alta confiabilidade dos dados analisados. O fato de possuirmos registradores da área da saúde comprometidos com a assistência e com o banco de dados, além da auditoria constante das informações inseridas, certamente impacta positivamente a qualidade dos dados analisados, tornando os resultados do presente estudo mais fidedignos. Outra vantagem é a utilização de dados que foram efetivamente observados e não apenas estimados, que atualizam a situação do câncer de pulmão no Brasil e acrescentam informações quanto a dados clínicos e epidemiológicos, assim como informações relativas ao estadiamento e ao tratamento realizado.



Por se tratar de uma série de pacientes tratados cirurgicamente, há a limitação na avaliação de pacientes em estágios avançados, que ainda são a maioria no Brasil e que não foram contemplados no presente estudo, influenciando a generalização dos dados. O número total de pacientes também é uma limitação por se tratar de um estudo unicêntrico. Outro potencial viés a ser considerado é o fato de que, na comparação da sobrevida entre os dois períodos, houve um menor tempo de seguimento no segundo período.



Concluímos que o perfil clínico e epidemiológico dos pacientes com câncer de pulmão no Brasil tem seguido tendências já observadas mundialmente. Constatamos também que avanços na seleção de pacientes, priorizando os tumores precoces, na técnica cirúrgica e nos cuidados perioperatórios, como no aumento no número de segmentectomias, levaram a uma menor mortalidade cirúrgica. Esse decréscimo ocorreu apesar do fato de que pacientes mais graves têm sido submetidos a cirurgias com intenção curativa no período mais recente, reforçando os benefícios das mudanças implementadas.



CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES



RMT e PMPF: contribuição substancial quanto ao desenho do estudo; análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do manuscrito; e aprovação final do texto para publicação. MSS, PHCL, PBC, LMC e LLL: participação na inserção de dados dos pacientes no banco de dados da IASLC; obtenção e análise dos dados; e escrita e revisão do manuscrito.



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