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Artigo de Revisão

Existe razão para reabilitação pulmonar após o tratamento quimioterápico bem-sucedido para tuberculose?

Is there a rationale for pulmonary rehabilitation following successful chemotherapy for tuberculosis?

Marcela Muñoz-Torrico1, Adrian Rendon2, Rosella Centis3, Lia D'Ambrosio3,4, Zhenia Fuentes5, Carlos Torres-Duque6, Fernanda Mello7, Margareth Dalcolmo8, Rogelio Pérez-Padilla9, Antonio Spanevello10,11, Giovanni Battista Migliori3

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562016000000226

ABSTRACT

The role of tuberculosis as a public health care priority and the availability of diagnostic tools to evaluate functional status (spirometry, plethysmography, and DLCO determination), arterial blood gases, capacity to perform exercise, lesions (chest X-ray and CT), and quality of life justify the effort to consider what needs to be done when patients have completed their treatment. To our knowledge, no review has ever evaluated this topic in a comprehensive manner. Our objective was to review the available evidence on this topic and draw conclusions regarding the future role of the "post-tuberculosis treatment" phase, which will potentially affect several million cases every year. We carried out a non-systematic literature review based on a PubMed search using specific keywords (various combinations of the terms "tuberculosis", "rehabilitation", "multidrug-resistant tuberculosis", "pulmonary disease", "obstructive lung disease", and "lung volume measurements"). The reference lists of the most important studies were retrieved in order to improve the sensitivity of the search. Manuscripts written in English, Spanish, and Russian were selected. The main areas of interest were tuberculosis sequelae following tuberculosis diagnosis and treatment; "destroyed lung"; functional evaluation of sequelae; pulmonary rehabilitation interventions (physiotherapy, long-term oxygen therapy, and ventilation); and multidrug-resistant tuberculosis.The evidence found suggests that tuberculosis is definitively responsible for functional sequelae, primarily causing an obstructive pattern on spirometry (but also restrictive and mixed patterns), and that there is a rationale for pulmonary rehabilitation. We also provide a list of variables that should be discussed in future studies on pulmonary rehabilitation in patients with post-tuberculosis sequelae.

Keywords: Tuberculosis/complications; Tuberculosis/rehabilitation, Tuberculosis/therapy; Quality of life; Diagnostic imaging; Respiratory function tests.

RESUMO

O papel da tuberculose como uma prioridade de saúde pública e a disponibilidade de ferramentas diagnósticas para avaliar o estado funcional (espirometria, pletismografia e DLCO), a gasometria arterial, a capacidade de realizar exercícios, as lesões (radiografia de tórax e TC) e a qualidade de vida justificam o esforço de se considerar o que deve ser feito quando os pacientes completam seu tratamento. Até onde sabemos, nenhuma revisão avaliou esse tópico de forma abrangente. Nosso objetivo foi revisar as evidências disponíveis e obter algumas conclusões sobre o futuro papel da fase de "tratamento pós-tuberculose", que irá potencialmente impactar milhões de casos todos os anos. Realizou-se uma revisão não sistemática da literatura tendo como base uma pesquisa no PubMed usando palavras-chave específicas (várias combinações dos termos "tuberculose", "reabilitação", "tuberculose multirresistente", "doença pulmonar", "doença pulmonar obstrutiva", e "medidas de volume pulmonar"). As listas de referências dos artigos principais foram recuperadas para melhorar a sensibilidade da busca. Foram selecionados manuscritos escritos em inglês, espanhol e russo. As principais áreas de interesse foram sequelas de tuberculose após diagnóstico e tratamento; "pulmão destruído"; avaliação funcional das sequelas; intervenções de reabilitação pulmonar (fisioterapia, oxigenoterapia de longo prazo e ventilação); e tuberculose multirresistente. As evidências encontradas sugerem que a tuberculose é definitivamente responsável por sequelas funcionais, principalmente causando um padrão obstrutivo na espirometria (mas também padrões restritivos e mistos) e que há razão para a reabilitação pulmonar. Fornecemos também uma lista de variáveis a serem discutidas em futuros estudos sobre reabilitação pulmonar em pacientes com sequelas pós-tuberculose.

Palavras-chave: Tuberculose/complicações; Tuberculose/reabilitação; Tuberculose/terapia; Qualidade de vida; Diagnóstico por imagem; Testes de função respiratória.

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que 3,3% dos casos novos de tuberculose e 20% dos casos pre-viamente tratados da doença em todo o mundo em 2014 se devem a cepas de Mycobacterium tuberculosis multidro-ga-resistentes (MDR). As mais altas prevalências de tuberculose MDR (TB-MDR) foram relatadas em países do leste Europeu e da Ásia central, embora taxas de prevalência relativamente altas tenham sido descritas na América Lati-na. Até hoje, o "recorde mundial" de prevalência de TB-MDR foi descrito na Bielorrússia (34% entre casos novos e 69% entre casos de retratamento), onde 29% dos casos são relatados como sendo de tuberculose extensivamente multidroga-resistente (TB-XDR).(1)

Infelizmente, é bem sabido que os desfechos dos casos de TB-MDR e de TB-XDR (particularmente aqueles com padrão de resistência além da TB-XDR) são ruins, pois a taxa de sucesso do tratamento é de menos de 20% e as taxas de insucesso e óbito combinadas são de 49%.(2,3)

A OMS publicou recentemente dois documentos centrais que abordam a importância crítica da prevenção do sur-gimento de resistência às drogas, ambos os quais sublinham a relevância do manejo adequado da TB-MDR.(1,4-8) O quadro de ações da OMS "para a eliminação da tuberculose em países com baixa incidência" apresenta oito áreas de ação prioritárias, duas das quais são centradas na (ação #5) otimização do manejo da TB-MDR e no (ação #7) in-vestimento em pesquisas sobre novas ferramentas diagnósticas e drogas.(1,4,6,9) Porém, o foco científico e programá-tico atualmente está no diagnóstico e tratamento da doença, enquanto o acompanhamento pós-cura é visto como uma abordagem para avaliar a proporção de recidiva, particularmente nos casos de TB-MDR/TB-XDR.

O papel da tuberculose como uma prioridade de saúde pública e a importância da disponibilidade de ferramentas diagnósticas para avaliar os pacientes de forma integral, por meio do estado funcional - via espirometria, pletismo-grafia e DLCO - da gasometria arterial, da capacidade de realizar exercícios - via teste de caminhada de seis minutos (TC6) - da descrição das lesões - via radiografias de tórax (RxT) e TC - e da qualidade de vida (QV) - via Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ) - justificam o esforço de se considerar o que deve ser feito quando os pacientes completam seu tratamento com sucesso. Essa visão tem implicações éticas, clínicas, organizaci-onais, programáticas e econômicas.

Até onde sabemos, o acompanhamento de pacientes com tuberculose que completaram seu tratamento nunca foi revisado de forma abrangente na literatura. Portanto, o objetivo do presente estudo foi revisar as evidências dispo-níveis sobre o tema e obter algumas conclusões sobre o futuro papel da fase de "tratamento pós-tuberculose", o que irá potencialmente impactar milhões de casos todos os anos em todo o mundo.

MÉTODOS

Realizamos uma revisão não sistemática da literatura tendo como base uma pesquisa no PubMed usando palavras-chave específicas, incluindo várias combinações dos termos "tuberculose", "reabilitação", "TB-MDR", "doença pulmo-nar", "doença pulmonar obstrutiva" e "medidas de volume pulmonar". As listas de referências dos artigos principais foram recuperadas para melhorar a sensibilidade da busca. Foram selecionados manuscritos escritos em inglês, espanhol e russo. As principais áreas de interesse identificadas a fim de descrever o tema foram as seguintes:

1. Sequelas de tuberculose após diagnóstico e tratamento da doença

2. Pulmão destruído

3. Avaliação funcional das sequelas

4. Intervenções de reabilitação pulmonar (RP), tais como fisioterapia, oxigenoterapia domiciliar prolongada (ODP) e ventilação

5. TB-MDR

Após descrevermos cada uma dessas áreas de interesse, forneceremos um resumo das evidências compiladas a partir da busca na literatura (Tabela 1) e observações finais.
 

 




SEQUELAS DE TUBERCULOSE APÓS DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA DOENÇA

Embora o potencial papel da RP tenha sido claramente sublinhado em um estudo que discutiu o papel das novas recomendações da OMS sobre esquemas mais curtos de tratamento,(10) o conceito de que reabilitação é um compo-nente do tratamento da tuberculose é tão antigo quanto o dos sanatórios.(11,12) Em 1964, Chapman e Hollander es-creveram que, com base em sua experiência com 454 pacientes com tuberculose ativa "colocados em um programa de exercício físico intensivo, combinado com tratamento quimioterápico," "o conceito de exercício mínimo e repouso prolongado no leito do hospital e de um período prolongado de convalescença após a alta não mais se justifica".(12)

Em 2006, um grupo de autores na Índia(13) estudou prospectivamente a apresentação clínica e os preditores de desfecho em 116 pacientes com exacerbações agudas da DPOC que tiveram que ser internados em UTI e constatou que 28,4% dos mesmos já haviam tido tuberculose pulmonar. Entre esses pacientes, alguns necessitaram de ventila-ção mecânica invasiva e alguns morreram. Os autores concluíram que existia "uma relação intrigante" entre taba-gismo, tuberculose pulmonar e DPOC "que merece ser estudada com mais profundidade."(13)

Em 2010, Jordan et al.(14) escreveram que "a prevalência global de bronquiectasia, uma reconhecida sequela da tuberculose, é desconhecida, mas não é de forma alguma insignificante. A fisiopatologia da obstrução crônica ao fluxo aéreo em ambas as doenças é pouco compreendida, mas se associa com uma taxa acelerada de perda da função pulmonar."

Hassan e Al-Jahdali(15) relataram que "além das agudas consequências clínicas, pacientes com tuberculose pulmo-nar podem ficar com significativas sequelas em longo prazo," "associadas com considerável morbidade, mortalidade e gasto em saúde", e comentaram que tanto anormalidades funcionais obstrutivas quanto restritivas estavam presen-tes.

Shah e Reed(16) descreveram, entre as complicações mais comuns da tuberculose, "micetomas que se desenvol-vem no interior de cavidades residuais de tuberculose, comprometimento da função pulmonar ou déficits neurológi-cos focais de tuberculomas," e, portanto, "os programas de saúde pública para tuberculose e os sistemas de saúde necessitam de recursos adicionais para proporcionar atendimento abrangente a tuberculose e pós-tuberculose."

Bansal e Prasad(17) comentaram que "DPOC, doença pulmonar intersticial, tuberculose e câncer de pulmão juntos são as principais causas de morbidade e mortalidade," as quais estão "aumentando em todo o mundo"; também afirmaram que "fadiga precoce e falta de ar" tornam os pacientes "socialmente isolados e deprimidos". A incapacida-de funcional e as hospitalizações repetidas reduzem a eficiência dos pacientes em casa e no trabalho, sendo associ-adas com maiores gastos e utilização dos sistemas de saúde, o que resulta em ônus socioeconômico. A RP, interven-ção não farmacológica abrangente, multidisciplinar e baseada em evidências, surgiu como um padrão recomendado de cuidado em saúde para pacientes que sofrem de doenças respiratórias. A RP é aconselhada para pacientes com condições pulmonares crônicas os quais apresentam dispneia ou outros sintomas respiratórios, redução da tolerância ao exercício, restrição de atividades ou comprometimento do estado de saúde apesar da melhor terapêutica medi-camentosa possível. Pioneiros observaram há dois séculos que o exercício é um elemento importante no cuidado de pacientes com doenças pulmonares e cardíacas, especialmente na tuberculose.(17)

Em uma recente declaração da American Thoracic Society (ATS)/European Respiratory Society (ERS), assim como em uma diretriz da África do Sul para o manejo da DPOC, a tuberculose claramente está entre as doenças que ne-cessitam do uso de RP.(18,19)

"PULMÃO DESTRUÍDO"

O diagnóstico tardio é muitas vezes responsável por extensas lesões bilaterais, geralmente causadas por bron-quiectasias, cicatrizes, deformação do parênquima, perda do volume pulmonar e espessamento pleural, que podem evoluir para o chamado "pulmão destruído" (Figura 1).(20)
 



Dois estudos descreveram o efeito de "pulmão destruído" na função pulmonar de pacientes tratados para tubercu-lose pulmonar, ambos realizados na Coreia do Sul.(21,22) Rhee et al.(21) estudaram 595 pacientes com tuberculose de 21 hospitais entre 2005 e 2011. A extensão média das lesões era de 2,59 ± 0,05 lobos, e observou-se espessamento pleural em 54,1% dos pacientes. Vários parâmetros de função pulmonar estavam reduzidos (valores médios): CVF = 2,06 ± 0,03 l (61,26% ± 0,79% do previsto); VEF1 = 1,16 ± 0,02 l (49,05% ± 0,84% do previsto); relação VEF1/CVF = 58,0% ± 0,70%; resposta ao broncodilatador = 5,70% ± 0,34%; e número de exacerbações/ano = 0,40 ± 0,04. O número de lobos envolvidos correlacionou-se significativamente com a CVF, o VEF1 e o número de exacerba-ções/ano. O uso de antagonistas muscarínicos de longa duração ou β2-agonistas de longa duração mais corticoste-roides inalatórios alcançou efeitos broncodilatadores. O VEF1% inicial e o número de exacerbações durante o acom-panhamento foram fatores independentes que afetaram a deterioração do VEF1 na análise multivariada.

Lee et al.(22) investigaram a função pulmonar e a resposta pós-broncodilatador em 21 pacientes com obstrução crô-nica ao fluxo aéreo relacionada a "pulmão destruído" contra uma coorte de pacientes com DPOC pareados por sexo, idade e parâmetros de função pulmonar. Os valores médios da CVF (tanto em l quanto em % do previsto) dos paci-entes com "pulmão destruído" foram significativamente menores do que os dos pacientes com DPOC (2,14 ± 0,73 l vs. 2,60 ± 0,69 l e 57,9% ± 14,8% vs. 70,0 ± 14,8%, respectivamente). Os pacientes com tuberculose apresentaram CVF e VEF1 pós-broncodilatador significativamente menores do que os pacientes com DPOC. Além disso, entre os pacientes com tuberculose, aqueles com sintomas de sibilância apresentaram FEF25-75% significativamente menor e maior resistência das vias aéreas do que aqueles sem sibilância. Os pacientes com tuberculose e sibilância respon-deram melhor ao broncodilatador do que aqueles sem sibilância. Os autores concluíram que a terapia broncodilata-dora pode ser útil nesses pacientes.

No México, 127 pacientes curados de tuberculose realizaram espirometria e RxT; 123 (96,85%) exibiram algum grau de anormalidade radiográfica.(23) A extensão do dano pulmonar foi medida dividindo-se o parênquima pulmo-nar em quatro quadrantes e atribuindo-se pontuação de 0 a 5; o número médio de anormalidades radiográficas foi de 6,45 ± 4,14. Nessa amostra, 30 pacientes (24%) apresentaram padrão espirométrico obstrutivo e 22 (17%), pa-drão restritivo; apenas 15 (12%) apresentaram resposta à prova broncodilatadora e 21 (17%) apresentaram SpO2 < 90%. O modelo de regressão multilinear ajustado mostrou que o grau de anormalidade radiográfica se associou de forma independente com a diminuição dos valores absolutos da CVF (0,07 l; IC95%: −0,01 a −0,04) e do VEF1 (0,07 l; IC95%: −0,10 a −0,05; p < 0,001); assim como de seus valores % do previsto (CVF = 2,48%; IC95%: −3,45 a −1,50; e VEF1 = 2,92%; IC95%: −3,87 a −1,97). Esse estudo mostrou que os valores espirométricos se associaram com o grau de anormalidade radiográfica avaliado por um método simples de pontuação.

AVALIAÇÃO FUNCIONAL DAS SEQUELAS

Vários estudos investigaram a função pulmonar mecânica em pacientes com tuberculose (Figura 2).
 



Já em 1961, Hallet e Martin(24) descreveram a síndrome pulmonar obstrutiva difusa (medida via fluxo expiratório máximo) em 34% de 710 pacientes com tuberculose internados em um sanatório durante o período de um ano. Os fatores significativamente associados com a incidência dessa síndrome foram idade, gravidade da tuberculose e algumas comorbidades (asma brônquica, malignidade pulmonar, resfriados do peito frequentes e prolongados e silicose). Os autores concluíram que a mensuração do fluxo expiratório máximo é uma ferramenta útil na determina-ção da doença pulmonar obstrutiva difusa.

Willcox e Ferguson(25) investigaram 71 pacientes já tratados para tuberculose até 16 anos antes. Evidências de obs-trução das vias aéreas foram encontradas em 48 (68%) dos pacientes. Identificou-se uma relação inversa entre a extensão da doença nas RxT originais e o VEF1. Os autores identificaram uma relação inversa semelhante da quanti-dade de escarro produzido com o VEF1 e com a extensão da doença nas RxT. Os autores concluíram que a tuberculo-se tratada é uma causa da DPOC.

Em um grande estudo na África do Sul,(26) acompanhou-se uma coorte para estudar o efeito crônico da tuberculose pulmonar inicial e recorrente: 27.660 mineradores de ouro negros sul-africanos que tinham resultados de teste de função pulmonar confiáveis entre janeiro de 1995 e agosto de 1996 foram acompanhados retrospectivamente quanto à incidência da tuberculose até 1970. Nessa coorte de mineradores, 2.137, 366 e 96 haviam tido, respectivamente, um, dois e três ou mais episódios de tuberculose. O tempo médio entre o diagnóstico do último episódio de tubercu-lose e o teste de função pulmonar foi de 4,6 anos (variação: 1-372 meses). A perda da função pulmonar foi mais elevada nos primeiros 6 meses após o diagnóstico de tuberculose e se estabilizou após 12 meses, quando a perda foi considerada crônica. Os déficits médios estimados para o VEF1 após um, dois e três ou mais episódios de tubercu-lose foram de 153 ml, 326 ml e 410 ml, respectivamente, enquanto os déficits correspondentes para a CVF foram de 96 ml, 286 ml e 345 ml. A perda da função pulmonar foi semelhante em indivíduos HIV positivos e negativos. A proporção de indivíduos com comprometimento crônico do fluxo aéreo (VEF1 < 80% do previsto) foi de 18,4%, 27,1% e 35,2%, respectivamente, naqueles com um, dois e três ou mais episódios de tuberculose. Os autores concluíram que a tuberculose pode causar comprometimento crônico da função pulmonar, o qual aumenta com o número de episódios da doença, e que o diagnóstico e tratamento precoces da tuberculose aliados à prevenção do HIV, exposi-ção à poeira de sílica, silicose e pobreza são intervenções importantes.

Em um recente estudo transversal, populacional geral, multicêntrico,(27) a associação de história de tuberculose com obstrução ao fluxo aéreo e anormalidades espirométricas foi estudada em adultos. História autorrelatada de tuberculose se associou com obstrução ao fluxo aéreo (OR ajustada = 2,51; IC95%: 1,83-3,42) e com restrição espi-rométrica (OR ajustada = 2,13; IC95%: 1,42-3,19). Os autores concluíram que história de tuberculose se associou tanto com obstrução ao fluxo aéreo quanto com restrição espirométrica, e deve ser considerada como uma importan-te causa de doença obstrutiva e de comprometimento da função pulmonar, particularmente onde a tuberculose é comum.

Em um estudo realizado na Coreia do Sul entre 2008 e 2012,(28) o comprometimento da função pulmonar e a per-sistência dos sintomas respiratórios foram estudados em 14.967 adultos com e sem história de tuberculose pulmonar. Os adultos também foram divididos em dois grupos: aqueles com e aqueles sem sequelas residuais na RxT, a fim de se determinar os fatores de risco para obstrução ao fluxo aéreo. Na população estudada, 822 participantes (5,5%) haviam sido tratados para tuberculose pulmonar 29,0 anos (média) antes do início do estudo. Os indivíduos com história de tuberculose, quando comparados àqueles sem a mesma, apresentaram valores significativamente meno-res de CVF% (84,9 vs. 92,6), VEF1% (83,4 vs. 92,4) e VEF1/CVF% (73,4 vs. 77,9). Entre os 12.885 indivíduos sem sequelas na RxT, aqueles com história de tuberculose pulmonar (n = 296; 2,3%) apresentaram valores significati-vamente menores de VEF1% (90,9 vs. 93,4) e VEF1/CVF% (76,6 vs. 78,4). Os indivíduos com história de tuberculose pulmonar, mas sem sequelas na RxT relataram uma frequência significativamente maior de tosse e de limitação das atividades físicas causada por sintomas pulmonares do que aqueles sem essa história (p < 0,001 para ambas). Histó-ria de tuberculose pulmonar (OR = 2,314) juntamente com maior idade, sexo masculino, asma e tabagismo foram fatores de risco independente para obstrução ao fluxo aéreo. Por fim, o estudo sugeriu que lesões tuberculosas inati-vas na RxT (OR = 2,3) foram fatores de risco para obstrução ao fluxo aéreo em indivíduos com história de tuberculo-se pulmonar. Os autores concluíram que os pacientes tratados para tuberculose devem realizar testes de função pulmonar regularmente e parar de fumar a fim de prevenir doenças crônicas das vias aéreas.

Em um estudo recente,(29) 56 pacientes tratados para tuberculose e considerados curados realizaram espirometria simples, sendo registrados o VEF1, a CVF e a relação VEF1/CVF pré- e pós-broncodilatador. Padrões obstrutivos, res-tritivos e mistos foram identificados em 62,50%, 16,07% e 21,42% dos pacientes, respectivamente.

Em um estudo transversal(30) envolvendo 177 indivíduos que já haviam sido tratados para tuberculose em Cama-rões entre 2012 e 2013, realizou-se espirometria a fim de avaliar o impacto clínico do FEF25-75% reduzido. Obstrução ao fluxo aéreo distal foi definida por FEF25-75% < 65% e relação VEF1/CVF ≥ 0,70. Pelo menos um sinal respiratório crônico estava presente em 110 (62,1%) dos participantes, e obstrução ao fluxo aéreo distal foi identificada em 67 (62,9%). Duração dos sintomas antes do diagnóstico de tuberculose > 3 meses (OR ajustada = 2,91) e presença de obstrução ao fluxo aéreo distal (OR = 2,22) foram determinantes independentes que se associaram significativamen-te com sinais respiratórios persistentes. Os autores concluíram que FEF25-75% < 65% é um instrumento útil para avaliar a obstrução ao fluxo aéreo distal pós-tuberculose.

Em Papua Nova Guiné, atualmente uma região problemática em relação à TB-MDR, um estudo(31) avaliou a morbi-dade durante o tratamento e a incapacidade pulmonar residual em pacientes com tuberculose pulmonar que realiza-ram espirometria, TC6 e avaliação da QV (SGRQ). Os autores avaliaram 200 pacientes com tuberculose pulmonar (no momento basal e após 6 meses de tratamento) e 40 voluntários saudáveis. A distância percorrida no TC6 (DTC6) foi de 497 m nos controles vs. 408 m nos pacientes com tuberculose no momento basal (p < 0,0001) e 470 m após 6 meses (p = 0,02), enquanto o escore do SGRQ foi de zero nos controles vs. 36,9 nos pacientes com tuberculose no momento basal (p < 0,0001) e 4,3 após 6 meses (p < 0,0001). O VEF1 médio previsto foi de 92% nos controles vs. 63% entre os pacientes com tuberculose no momento basal (p < 0,0001) e 71% após 6 meses (p < 0,0001). Após 6 meses de tratamento, 27% dos pacientes com tuberculose ainda apresentavam pelo menos comprometimento mode-rado a grave da função pulmonar, e 57% tinham sintomas respiratórios, embora a maioria deles tenha alcançado desfechos "bem-sucedidos" de tratamento e boa QV autorrelatada. Doença mais avançada no momento basal (maior tempo de doença e piores resultados na RxT no momento basal) e soropositividade para HIV predisseram incapaci-dade residual. Os autores concluíram que a detecção e o tratamento precoces da tuberculose são fundamentais para minimizar o comprometimento residual.

O comprometimento pós-tuberculose pulmonar foi estudado após 20 semanas de tratamento da tuberculose e no-vamente na ou após a conclusão do tratamento.(32) A mediana do intervalo entre a primeira e a segunda espirome-tria foi de 15 semanas. A variação média da CVF foi de −0,02 l (IC95%: −0,09 a 0,06 L) e a da CVF% do previsto foi de −0,02% (IC95%: −2,17% a 2,12%), enquanto a variação média do VEF1 foi de 0 l (IC95%: −0,05 a 0,06 l) e a do VEF1% do previsto foi de −0,11% (IC95%: −1,82 a 1,60%). O comprometimento pulmonar não se relacionou com atraso no diagnóstico ou tratamento da tuberculose, maior idade ou hábitos tabágicos.

A relação entre tuberculose prévia e risco de DPOC foi estudada na Coreia do Sul em uma investigação populacio-nal(33) envolvendo 3.687 indivíduos submetidos a espirometria e RxT. Desses, 294 apresentaram evidências radioló-gicas de tuberculose prévia sem evidências de doença ativa. Evidências radiológicas de tuberculose prévia se asso-ciaram de forma independente com obstrução ao fluxo aéreo (OR ajustada = 2,56) após ajustes para sexo, idade e história de tabagismo. A tuberculose prévia continuou como fator de risco (OR ajustada = 3,13) com a exclusão dos fumantes eventuais ou indivíduos com lesões radiológicas avançadas. Entre os indivíduos que nunca fumaram, a proporção daqueles com tuberculose prévia na RxT aumentou à medida que a doença pulmonar obstrutiva tornou-se mais grave. Os autores concluíram que a tuberculose prévia é um fator de risco independente para DPOC, mesmo em indivíduos que nunca fumaram.

As tendências de deterioração da função pulmonar e os fatores de risco para a mesma foram estudados em 115 pacientes com tuberculose pulmonar após a conclusão do tratamento.(34) Um modelo utilizando o método locally weighted scatterplot smoothing foi elaborado para avaliar as tendências de alteração da função pulmonar. A media-na do intervalo entre o término do tratamento antituberculose e o teste de função pulmonar foi de 16 meses. O nadir da função pulmonar ocorreu aproximadamente 18 meses após a conclusão do tratamento. Os fatores de risco associ-ados com a deterioração da função pulmonar incluíram baciloscopia de escarro positiva, extenso acometimento pulmonar antes do tratamento antituberculose, tratamento antituberculose prolongado e melhora radiográfica reduzi-da após o tratamento. Os autores concluíram que o teste de função pulmonar deve ser utilizado como ferramenta de acompanhamento para monitorar a progressão do comprometimento funcional, especialmente nos primeiros 18 meses após a conclusão do tratamento antituberculose.

Um estudo na China(35) investigou a relação entre história de tuberculose, tabagismo e obstrução ao fluxo aéreo em uma amostra populacional de 8.066 participantes do Guangzhou Biobank Cohort Study. Os participantes realiza-ram espirometria, RxT e uma entrevista estruturada sobre estilo de vida e exposições. Tuberculose prévia foi defini-da como a presença de evidências radiológicas sugestivas de tuberculose inativa. Nessa amostra, 24,2% dos indiví-duos apresentavam história de tuberculose. Após controle para sexo, idade e exposição ao tabagismo, a tuberculose prévia se manteve associada de forma independente com maior risco de obstrução ao fluxo aéreo (OR = 1,37; IC95%: 1,13-1,67). Ajustes adicionais para exposição a tabagismo passivo, combustível de biomassa ou poeira não alteraram essa associação. O tabagismo não modificou a associação entre tuberculose prévia e obstrução ao fluxo aéreo. Os autores concluíram que a tuberculose prévia é um fator de risco independente para obstrução ao fluxo aéreo, o que pode em parte explicar a alta prevalência de DPOC na China.

Em um estudo no Paquistão,(36) a prevalência de DPOC foi estudada em 47 pacientes previamente tratados para tuberculose pulmonar e com relato de dispneia crônica aos esforços sem outra causa aparente. Dos 47 pacientes, 26 (55,3%) apresentaram padrão obstrutivo na espirometria (grave em 18, moderado em 6 e leve em 2), enquanto 14 (29,7%) apresentaram padrão restritivo e 7 (14,8%), padrão misto obstrutivo e restritivo.

Em um estudo caso-controle,(37) a função pulmonar de 107 pacientes com tuberculose pulmonar que foram identifi-cados prospectivamente e haviam completado pelo menos 20 semanas de terapia foi comparada à de 210 pacientes com infecção tuberculosa latente (ITBL). Comprometimento estava presente em 59% dos pacientes com tuberculose e em 20% dos controles com ITBL. Em comparação aos controles, os pacientes com tuberculose pulmonar apresenta-ram valores significativamente menores de CVF, VEF1, relação VEF1/CVF e FEF na fase expiratória média. Observou-se CV < 50% do previsto em 10 (9,40%) e 1 (0,53%) dos pacientes dos grupos tuberculose pulmonar e ITBL, respec-tivamente. Além disso, observou-se CV entre 20% e 50% do previsto em 42 (39%) e 36 (17%) dos pacientes dos mesmos grupos, respectivamente. Após ajuste para risco, os sobreviventes da tuberculose tiveram 5,4 vezes mais chance de apresentar resultados anormais no teste de função pulmonar do que os pacientes com ITBL (p > 0,001; IC95%: 2,98-9,68). Dano pulmonar foi mais comum em fumantes de cigarro; porém, após ajuste para fatores demo-gráficos e outros fatores de risco, essa diferença não foi significativa. Os autores concluíram que "a cura microbioló-gica é o início, não o fim da doença".

Em um estudo populacional multicêntrico realizado em cinco cidades latino-americanas incluindo 5,571 indivíduos, história autorrelatada de tuberculose pulmonar associou-se claramente com diferentes graus de obstrução ao fluxo aéreo, definida por relação VEF1/CVF pós-broncodilatador < 0,7. Nesse estudo, 30,7% dos indivíduos com história de tuberculose apresentavam obstrução ao fluxo aéreo vs. 13,6% daqueles sem essa história. A associação entre histó-ria autorrelatada de tuberculose e presença de obstrução ao fluxo aéreo permaneceu inalterada mesmo após ajustes para variáveis de confusão (OR ajustada = 2,33; IC95%: 1,50-3,62).(38)

Em Tijuana, México,(39) 70 pacientes curados de tuberculose pulmonar foram avaliados a fim de se determinar a prevalência e a gravidade da DPOC e o impacto da mesma na QV. Entre esses pacientes, 24 (34,3%) apresentavam obstrução crônica não reversível ao fluxo aéreo (VEF1 médio pós-broncodilatador = 1,3 ± 0,6 l). Além disso, os paci-entes com obstrução crônica ao fluxo aéreo apresentaram escore de 15,1 ± 10,4 no teste de avaliação da DPOC - um escore ≥ 10 pontos indica impacto significativo na QV. Os autores concluíram que anormalidades funcionais são frequentes em pacientes com tuberculose, e aqueles com obstrução crônica ao fluxo aéreo são muitas vezes sinto-máticos e sofrem um impacto significativo na QV.

INTERVENÇÕES DE RP

Os mecanismos por trás do dano pulmonar após tuberculose e o tratamento do mesmo foram descritos por Zhuk,(40) que sublinhou as vantagens da RP e identificou que aproximadamente 50% desses pacientes passam por programas de RP durante internações hospitalares na Rússia.

Em uma experiência no Japão,(41) a eficácia da RP foi avaliada por um período médio de 3,9 semanas em 37 paci-entes com sequelas de tuberculose pulmonar internados. O programa de RP incluía relaxamento, retreinamento respiratório, treinamento de exercício, treinamento muscular respiratório e apoio educacional. A CV média aumentou significativamente (n = 37), de 1,48 l para 1,59 l, enquanto o VEF1 (n = 37) melhorou de 0,93 l para 1,02 l, assim como a PaO2 (n = 35), de 67,1 Torr para 72,4 Torr. O ganho na DTC6 (n =29) aumentou de 303 m para 339 m, e a PImáx (n = 17) aumentou de 38,5 cmH2O para 47,5 cmH2O. Também houve melhora das atividades da vida diária, dos sintomas de dispneia e da QV. Os efeitos da RP foram independentes de cirurgia torácica prévia para tuberculo-se, padrão de comprometimento ventilatório, achados na RxT e grau de insuficiência respiratória. Os resultados do estudo sugerem que a RP é eficaz na melhora da função pulmonar, da tolerância ao exercício, dos sintomas e da QV em pacientes com sequelas de tuberculose pulmonar.

Um grupo de autores na Colômbia(42,43) investigou os efeitos da RP na capacidade aeróbica e na QV relacionada à saúde em pacientes com sequelas de tuberculose pulmonar que participaram de um programa de RP de oito sema-nas em um hospital público. Os estudos adotaram um delineamento pré- e pós-teste sem grupo controle, com 8 participantes intencionalmente selecionados de um programa público. O programa incluía treinamento físico (fortale-cimento de membros superiores e inferiores e componente aeróbico), educação sobre tuberculose e treinamento em atividades da vida diária. Estabeleceu-se um protocolo de treinamento para membros inferiores baseado em esteira, começando com carga de intensidade inicial de 60% e então aumentando até uma carga de 85%; o consumo de oxigênio no pico do exercício (VO2pico) adotado foi de 90%. As sessões de treinamento foram realizadas três vezes por semana durante oito semanas; cada uma durava uma hora e incluía exame inicial, aquecimento, protocolo de exercícios e exercícios de alongamento. As medidas de desfecho (VO2pico, DTC6 e dois questionários de QV - Medi-cal Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey [SF-36] e SGRQ) foram realizadas antes da primeira sessão de treinamento e após oito semanas. Comparando os resultados basais e finais, observou-se que o VO2pico aumentou em 1,7 ml/kg/min (p = 0,039) e que a DTC6 aumentou em 63,6 m (p = 0,014). Os escores dos questionários de QV também aumentaram: o escore do domínio físico do SF-36 aumentou em 6,98 pontos (p = 0,039), enquanto o escore do SGRQ aumentou em 13 pontos (p = 0,039). Os autores concluíram que o programa de RP nessa amostra de paci-entes com sequelas de tuberculose pulmonar resultou em melhora significativa tanto da capacidade aeróbica quanto da QV.

Um estudo cego, aleatorizado e controlado foi realizado em uma clínica em Khayelitsha, Western Cape, África do Sul, para avaliar os efeitos de um programa domiciliar de RP de seis semanas em pacientes em tratamento para tuberculose pulmonar.(44) O programa incluía mensurações basais e pós-reabilitação da função pulmonar (espirome-tria), da tolerância ao exercício (TC6 e escala de esforço de Borg) e da QV relacionada à saúde (questionário Euro-QoL-5 Dimensions - EQ-5D) em 34 pacientes em tratamento ambulatorial para tuberculose e em 33 controles. Quando comparados aos controles, houve melhora da função pulmonar (VEF1 e CVF), da tolerância ao exercício e da QV nos pacientes com tuberculose, embora não tenha sido alcançada significância estatística ao final do programa de RP de seis semanas. Os autores concluíram que a razão para o uso de um programa de RP para pacientes com tuberculose pulmonar é válida e que são necessárias mais evidências.

Em um ensaio aberto, prospectivo, não aleatorizado durante um período de nove semanas realizado no Japão,(45) o efeito da RP em pacientes com afecções pulmonares pós-tuberculose foi comparado ao efeito da mesma em pacien-tes com DPOC. O grupo pós-tuberculose era composto por 32 pacientes (25 dos quais haviam sido submetidos a toracoplastia; idade média = 71 ± 5 anos; e VEF1 médio = 0,84 ± 0,29 l) que foram comparados a 32 pacientes com DPOC pareados por idade e VEF1 (controles). Primeiramente, os dois grupos foram comparados em relação à tole-rância ao exercício (TC6). Os pacientes foram então treinados para passar por um programa de RP de nove sema-nas. A avaliação das melhoras foi feita por meio de classificações clínicas da dispneia, de um escore de atividades diárias e dos resultados do TC6. Quando do pareamento por idade e VEF1, a DTC6 não diferiu entre os grupos estudo e controle. Após o programa de RP, observou-se melhora significativa nos dois grupos em relação à escala de dis-pneia do Medical Research Council, ao transition dyspnea index e aos escores de atividades diárias, assim como na DTC6 - grupo estudo = 42 m (p < 0,01) vs. grupo controle = 47 m (p < 0,01). O ganho nos vários parâmetros foi comparável entre os grupos. Os autores concluíram que o programa de RP é benéfico tanto para pacientes com afecções pulmonares pós-tuberculose quanto para pacientes com DPOC se a gravidade da incapacidade for seme-lhante.

ODP E VENTILAÇÃO

A importância da ODP foi investigada no Japão, juntamente com a relevância da tuberculose como doença que re-quer reabilitação pós-tratamento.(46) Também foi estudada a importância da ventilação para melhorar o desempenho de pacientes com sequelas de tuberculose.

Em um estudo envolvendo 7 pacientes com sequelas de tuberculose pulmonar e distúrbio ventilatório restritivo grave,(47) aplicou-se ventilação com pressão positiva intermitente nasal (VPPIN) durante o exercício para determinar se a gasometria arterial, a falta de ar e a resistência (endurance) poderiam ser melhoradas. Os autores relataram que a VPPIN prolongou significativamente o tempo de resistência (endurance) e reduziu a falta de ar em todos os pacientes, assim como melhorou significativamente a gasometria arterial.

Yang et al.(48) descreveram os efeitos positivos do suporte ventilatório com um ventilador do tipo poncho (wrapa-round) e ventilação com pressão positiva intermitente por bocal em uma paciente de 44 anos de idade acometida por grave doença pulmonar restritiva secundária a esmagamento do nervo frênico direito/pneumoperitônio e pneumo-nectomia esquerda/decorticação para tuberculose bilateral nos lobos superiores. A paciente desenvolveu dispneia, coriza e sonolência. Com o auxílio de dois dispositivos respiratórios, a paciente conseguiu completar sua educação, se casar e levar uma vida plena na comunidade.

FISIOTERAPIA

Em 2004, Strelis et al.(49) propuseram um método baseado em massagem de vibração para prevenir complicações pós-ressecção precoces após intervenções cirúrgicas por tuberculose. O método incluía o uso de um aparelho de vibromassagem que permitia fisioterapia sistêmica envolvendo vibroacupressão elétrica de toda a circunferência do tórax. Nesse estudo caso-controle,(49) complicações pós-ressecção precoces foram observadas significativamente com menos frequência no grupo estudo do que no grupo controle (60 vs. 50 pacientes). O procedimento reduziu a probabilidade de desenvolvimento de uma série de complicações pleuropulmonares (atelectasia, pneumonia inespe-cífica, cavidade pleural residual pós-ressecção e fístulas brônquicas) e melhorou o estado funcional dos pacientes.

TB-MDR

A maioria dos estudos incluídos no presente artigo de revisão relatou casos de tuberculose droga-sensível. Apenas três estudos discutiram intervenções de RP em pacientes com TB-MDR.

Em um estudo transversal no Brasil,(50) a função respiratória, a capacidade funcional e a QV foram investigadas em 18 pacientes que tinham sido tratados para TB-MDR pulmonar por 18 meses ou mais. Os indivíduos passaram pelas seguintes avaliações: espirometria forçada, RxT, TC6, bioimpedância elétrica, PImáx e PEmáx. Também preenche-ram um questionário de QV relacionada à saúde. A avaliação espirométrica mostrou que 78% dos indivíduos apre-sentavam padrões ventilatórios anormais. Todos os indivíduos apresentavam redução significativa da PImáx e da PEmáx, apesar de o estado nutricional estar dentro dos parâmetros de normalidade. Em 72% dos indivíduos, a DTC6 foi menor do que se esperava, e lesões residuais estavam presentes em 100%, enquanto 78% relataram piora da QV. Os autores concluíram que pacientes curados de TB-MDR apresentam comprometimento da função respiratória, assim como leve redução da capacidade funcional e da QV, sugerindo que uma parte desses pacientes pode necessi-tar de RP.

Em um estudo transversal na Índia,(51) 130 pacientes com TB-MDR que haviam iniciado tratamento foram avaliados entre 2002 e 2006. Durante o período do estudo, 24 pacientes morreram, e 63 (59%) puderam ser rastreados, 51 dos quais estavam vivos. Esses pacientes haviam completado um período pós-tratamento médio de 24,0 ± 14,7 meses (variação, 6-63 meses), 40 (78%) apresentavam sintomas respiratórios persistentes, e 50 (98%) apresentavam sequelas residuais na RxT (40% das quais eram graves). Resultados anormais no teste de função pulmonar foram observados em 45 (96%) dos pacientes, predominantemente com comprometimento ventilatório do tipo misto em 31 (66%), padrão restritivo puro em 9 (19%) e padrão obstrutivo puro em 5 (11%).

Os autores concluíram que comprometimento funcional e lesões radiológicas são comuns nos pacientes após a conclusão do tratamento para TB-MDR.

Em um relato de caso na Colômbia,(52) um paciente com TB-MDR passou por um programa de RP. Após a conclusão do programa, houve melhora na DTC6 (de 240 m para 350 m), no escore da escala de dispneia do Medical Research Council (de 4 para 1) e na escala de Borg (de 7 para 0). Além disso, a força muscular em membros superiores e inferiores aumentou de 3 para 4. Os autores concluíram que um período de RP com duração de 8-10 semanas foi suficiente para melhorar a funcionalidade do paciente.

Um estudo transversal realizado no Brasil(53) comparou alterações funcionais e respiratórias entre pacientes com um único episódio de tuberculose e pacientes com TB-MDR que haviam tido múltiplos episódios antes de receberem tratamento eficaz. O grupo TB-MDR apresentou valores significativamente menores de CVF (72,06% ± 14,95% vs. 43,58% ± 16,03% do previsto), VEF1 (66,13% ± 19,87% vs. 33,08% ± 15,64% do previsto) e DTC6 (484,21 m ± 74,01 m vs. 334,75 m ± 104,07 m). O estudo(53) demonstrou a existência de limitações funcionais significativas nos pacientes com TB-MDR que haviam realizado vários tratamentos de tuberculose e reforçou a importância de se evitar o abandono do tratamento e subsequentes esquemas de resgate.

Em um estudo na Província de Limpopo, África do Sul,(54) 33 pacientes com TB-MDR realizaram espirometria: 14 (42%) apresentaram padrão restritivo, 4 (12%), doença obstrutiva, e 13 (39%), padrão combinado, embora não tenham sido realizados outros estudos para corroborar a presença de restrição. Na análise de regressão linear, VEF1 e CVF (ambos em % do previsto) associaram-se negativamente com o tempo entre o primeiro diagnóstico de tuber-culose e a conclusão do tratamento (tempo médio, 51,8 meses). Os autores concluíram que dano residual pulmonar em pacientes com TB-MDR é comum e que grandes esforços devem ser feitos para garantir diagnóstico e tratamento rápidos.(54)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente revisão das evidências disponíveis na literatura sugere que a tuberculose é definitivamente responsá-vel por sequelas na função pulmonar, a maioria das quais causam padrão obstrutivo, embora padrões restritivos e mistos também estejam presentes.

Infelizmente, poucos são os estudos disponíveis na literatura que investigaram a fisiopatologia da obstrução, a po-tencial necessidade de RP e os efeitos de um programa de RP. A maioria dos estudos investigou o estado funcional por meio da espirometria, alguns deles por meio da pletismografia, enquanto evidências baseadas em medida da DLCO, gasometria arterial, testes de caminhada e QV carecem de comprovação científica.

A grande maioria dos estudos disponíveis incluiu pacientes com tuberculose droga-sensível. Detalhes sobre as ca-racterísticas da tuberculose raramente são completos; particularmente, informações sobre a confirmação microbioló-gica dos casos (cultura ou, pelo menos, baciloscopia do escarro) raramente são relatadas, pois a maioria dos estudos tende a enfocar os aspectos fisiopatológicos dos pacientes estudados. Não encontramos nenhum estudo no qual o diagnóstico de tuberculose tenha sido baseado em testes moleculares rápidos, tais como o teste XpertT MTB/RIF até hoje.(55)

Pouquíssimos estudos relataram casos de TB-MDR, e não encontramos nenhum estudo que tenha investigado se existe alguma diferença em sequelas entre casos de tuberculose droga-sensível e casos de TB-MDR. Pacientes com TB-MDR necessitam de um período muito mais longo de tratamento (18-24 meses em comparação aos 6 meses para casos de tuberculose droga-sensível) e geralmente completaram mais de um tratamento prévio com drogas antitu-berculose de primeira ou segunda linha. O impacto do esquema mais curto para tuberculose (conhecido como o esquema Bangladesh), que tem duração comparável à do esquema para tuberculose droga-sensível (9 meses), não pôde ser avaliado pois foi recomendado pela OMS apenas em maio de 2016.(10,56,57)

É interessante que, embora todos os estudos tenham identificado que a tuberculose desempenha um papel signifi-cativo na deterioração da função pulmonar, o papel adicional do tabagismo como fator que leva a comprometimento adicional da função pulmonar precisa ser mais estudado.

Recomenda-se que qualquer avaliação futura das sequelas de tuberculose e de TB-MDR inclua informações com-pletas sobre

a) As características dos pacientes (idade, sexo, etnia, etc.)
b) Uma descrição completa da doença, incluindo história de tratamentos prévios, estado bacteriológico, padrão de resistência às drogas e história de tratamento atual (drogas e esquema) com ênfase em eventos adversos e seu manejo
c) Uma descrição completa do estado fisiopatológico dos pacientes, incluindo espirometria (e resposta ao bronco-dilatador), avaliação dos volumes pulmonares (pletismografia ou outros), DLCO, gasometria arterial, TC6, ava-liação radiológica (idealmente incluindo RxT) e QV avaliada com um instrumento geral e um instrumento respi-ratório específico (SGRQ ou outros) d) Razão e consistência do plano de RP proposto, com claras compa-rações pré- e pós-teste e avaliação de custos
e) Idealmente, novos estudos devem incluir o número de pacientes que necessitam de RP, pois isso ajudará a estimar a necessidade de planejamento da RP

AGRADECIMENTOS

O presente artigo de revisão foi desenvolvido dentro do projeto colaborativo Latinoamérica sin Tuberculosis (LAT-SINTB) da Asociación Latinoamericana del Tórax (ALAT)/ERS.

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