Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
6053
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Importância da anamnese e dos biomarcadores na avaliação de tabagismo nas doenças de vias aéreas

Relevance of anamnesis and of biomarkers in the assessment of smoking among patients with airway disease

Ubiratan de Paula Santos1

"A prevalência de tabagismo em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica e asma é elevada - a importância da anamnese e uso de biomarcadores na prática clinica."

- Ubiratan de Paula Santos.

O tabagismo é o principal fator de risco evitável de óbitos. Estima-se que, em 2010, tenha sido globalmente responsável por 6,3 milhões de óbitos.(1) Estudos sugerem que os fumantes vivem, em média, 10 anos a menos com relação aos não fumantes e que, de cada dois fumantes, um morre em decorrência de doença tabaco-relacionada. (2,3) A razão de tamanho impacto é a presença, na fumaça inalada pela queima do tabaco, de cerca de 5.300 produtos químicos, 250 deles tóxicos, 72 agentes cancerígenos (600 trilhões de moléculas de cancerígenos/cigarro fumado) e 4 × 109 partículas finas/cm3 de fumaça tragada.(4) Entre os principais acometimentos associados ao tabagismo estão as doenças respiratórias das vias aéreas e intersticiais, com destaque para a DPOC e cânceres em mais de 10 sítios, entre eles os de cabeça e pescoço(5) e o câncer de pulmão, que ocupa o primeiro lugar no ranking global de óbitos por cânceres,(6) sendo o tabagismo é responsável por mais de 80% dos casos. Acrescentam-se a essas conhecidas morbidades evidências de novos estudos sugerindo que o tabagismo aumenta o risco de óbitos por insuficiência renal, isquemia intestinal, câncer de mama e câncer de próstata,(7) ampliando assim o espectro e a dimensão de seus efeitos. Em outras doenças como a asma, embora diversos estudos tenham sugerido ser o tabagismo um fator causal, ainda resta controvérsia sobre sua causalidade, mas as evidências confirmam que fumar ou a exposição à fumaça ambiental do tabaco dificulta o controle da asma e causa exacerbações com maior frequência.(8) Com o maior conhecimento dos riscos e as medidas adotadas pelos países, a prevalência de fumantes vem declinando progressivamente, com destaque para o Brasil com redução na prevalência de fumantes, na população com 18 anos ou mais, de 35,4% para 16,8% entre 1989 e 2010.(9)

No presente número, o Jornal Brasileiro de Pneumologia publica um interessante estudo(10) comparando marcadores de tabagismo, envolvendo pacientes com DPOC e asma e controles formados por indivíduos hígidos fumantes e não fumantes, para avaliar a efetividade da autodeclaração da condição de fumante. Os dados são impressionantes: 29% dos pacientes com asma e DPOC que se declararam não fumantes apresentaram valores elevados de cotinina urinária e de CO no ar exalado. Se considerarmos apenas a dosagem isolada da cotinina, cujo valor de corte de 200 ng/ml é empregado para discriminar fumantes de não fumantes é suficientemente elevada para ser explicada apenas pela exposição à fumaça ambiental do tabaco. A prevalência de pacientes declarados não fumantes e com esse marcador elevado atingiu 38% (29% e 47% dos pacientes com asma e DPOC, respectivamente). Como o estudo(10) aponta, os valores observados de falsa informação foram superiores aos observados em outros estudos, o que pode, em parte, ser explicado pelas diferenças de prevalências de fumantes nas populações locais nos períodos dos diversos estudos. Pesquisas realizadas em diversos países evidenciaram que a prevalência de fumantes entre pacientes com DPOC(11,12) e asma(12,13) é semelhante à observada entre os fumantes em geral. No estudo de Stelmach et al.,(10) por ter sido realizado num hospital de atendimento especializado, deve também ser considerada a possibilidade de receio, por parte do paciente, de eventualmente ter seu acompanhamento descontinuado como um dos fatores a influenciar tão elevado número de falsos relatos.

Os dados desse estudo(10) sugerem fortemente que na abordagem dos pacientes com asma ou DPOC se reitere, a cada consulta, a pergunta e se faça a checagem sobre o status tabágico, incluindo o uso de biomarcadores, especialmente nos pacientes com maior frequência de exacerbações, e que seja oferecida ajuda aos que desejem parar de fumar. Embora a cotinina seja um marcador com maior acurácia, a medida de CO exalado, por ser de baixo custo, medição instantânea e não apresentar diferenças relevantes entre fumantes com ou sem DPOC, pode ser utilizada para este fim.(14) Estudo realizado no Reino Unido revelou que apenas 13% dos fumantes recebiam prescrição para parar de fumar, embora os com DPOC fossem mais contemplados.(15) Outro estudo do mesmo grupo(16) revelou também ser elevada (17%) a prevalência de exposição à fumaça ambiental do tabaco em pacientes com asma, reconhecidamente um fator associado a exacerbações.(8) Embora os estudos sugiram que pacientes com doenças crônicas apresentem taxas de cessação, com uso de medicamentos para ajudá-los, semelhantes às daqueles que não as têm,(11) é possível que pacientes com doenças pulmonares crônicas que continuam fumando tenham mais dificuldades para cessar o tabagismo, necessitando de um suporte maior com relação aos fumantes sem essas comorbidades, incluindo maior observância da presença de morbidade psicológicas associadas,(17) que podem influenciar o êxito da cessação.


Referências


1. Lim SS, Vos T, Flaxman AD, Danaei G, Shibuya K, Adair-Rohani H, et al. A comparative risk assessment of burden of disease and injury attributable to 67 risk factors and risk factor clusters in 21 regions, 1990-2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. Lancet. 2012;380(9859):2224-60. Erratum in: Lancet. 2013;381(9867):628; Lancet. 2013;381(9874):1276. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61766-8

2. Doll R, Peto R, Boreham J, Sutherland I. Mortality in relation to smoking: 50 years' observations on male British doctors. BMJ. 2004;328(7455):1519. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.38142.554479.AE

3. Pirie K, Peto R, Reeves GK, Green J, Beral V; Million Women Study Collaborators. The 21st century hazards of smoking and benefits of stopping: a prospective study of one million women in the UK. Lancet. 2013;381(9861):133-41. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61720-6

4. IARC Working Group on the Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans. Personal habits and indoor combustions. Volume 100 E. A review of human carcinogens. IARC Monogr Eval Carcinog Risks Hum. 2012;100(Pt E):1-538.

5. Almeida AÁ, Bandeira CM, Gonçalves AJ, Araújo AJ. Nicotine dependence and smoking habits in patients with head and neck cancer. J Bras Pneumol. 2014;40(3):286-93. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132014000300012

6. World Health Organization. International Agency for Research on Cancer [homepage on the Internet]. Geneva: WHO; [cited 2015 Mar 17]. Globocan 2012: Estimated cancer Incidence, Mortality and Prevalence Worldwide 2012. Available from: http://globocan.iarc.fr/ia/World/atlas.html

7. Carter BD, Abnet CC, Feskanich D, Freedman ND, Hartge P, Lewis CE, et al. Smoking and mortality--beyond established causes. N Engl J Med. 2015;372(7):631-40. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMsa1407211

8. U.S. Department of Health and Human Services. The Health Consequences of Smoking: 50 Years of Progress. A Report of the Surgeon General. Atlanta, GA: U.S. Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention, National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion, Office on Smoking and Health; 2014.

9. Levy D, de Almeida LM, Szklo A. The Brazil SimSmoke policy simulation model: the effect of strong tobacco control policies on smoking prevalence and smoking-attributable deaths in a middle income nation. PLoS Med. 2012;9(11):e1001336. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pmed.1001336

10. Stelmach R, Fernandes FL, Carvalho-Pinto RM, Athanazio RA, Rached SZ, Prado GF, et al. Comparison between objective measures of smoking and self-reported smoking status
in patients with asthma or COPD: are our patients telling us the truth? J Bras Pneumol. 2015;41(2):xxx-xxx .

11. Tønnesen P. Smoking cessation and COPD. Eur Respir Rev. 2013;22(127):37-43. http://dx.doi.org/10.1183/09059180.00007212

12. Vozoris NT, Stanbrook MB. Smoking prevalence, behaviours, and cessation among individuals with COPD or asthma. Respir Med. 2011;105(3):477-84. http://dx.doi.org/10.1016/j.rmed.2010.08.011

13. Lemiere C, Boulet LP. Cigarette smoking and asthma: a dangerous mix. Can Respir J. 2005;12(2):79-80.

14. Chatkin G, Chatkin JM, Aued G, Petersen GO, Jeremias ET, Thiesen FV. Evaluation of the exhaled carbon monoxide levels in smokers with COPD. J Bras Pneumol. 2010;36(3):332-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132010000300011

15. Huang Y, Britton J, Hubbard R, Lewis S. Who receives prescriptions for smoking cessation medications? An association rule mining analysis using a large primary care database. Tob Control. 2013;22(4):274-9. http://dx.doi.org/10.1136/tobaccocontrol-2011-050124

16. Dias-Júnior SA, Pinto RC, Angelini L, Fernandes FL, Cukier A, Stelmach R. Prevalence of active and passive smoking in a population of patients with asthma. J Bras Pneumol. 2009;35(3):261-5.

17. Afonso MF, Alves MG. Psychological morbidity as a moderator of intention to quit smoking: a study of smokers and former smokers. J Bras Pneumol. 2013;39(4):461-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132013000400010


Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia