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Artigo Original

Efeito de curto prazo do tiotrópio nos portadores de DPOC em tratamento com β2-agonista

Short-term effect of tiotropium in COPD patients being treated with a β2 agonist

Frederico Leon Arrabal Fernandes, Vanessa Aparecida Leão Pavezi, Sérvulo Azevedo Dias Jr., Regina Maria Carvalho Pinto, Rafael Stelmach, Alberto Cukier

ABSTRACT

Objective: To evaluate the short-term impact of tiotropium in patients with severe or very severe COPD who complain of dyspnea despite being currently treated with other bronchodilators. Methods: A prospective study including patients with severe or very severe COPD and complaining of dyspnea at rest or on minimal exertion. Every 15 days, the bronchodilator treatment regimen was altered, from salmeterol to tiotropium to salmeterol+tiotropium. At the end of each regimen, pulmonary function tests and the six-minute walk test (6MWT) were performed. The degree of dyspnea and the ability to perform activities of daily living were also assessed. To evaluate patient ability to perform activities of daily living, we employed the London Chest Activity of Daily Living (LCADL), validated for use in Brazil. Results: We evaluated 52 patients, 30 of whom completed the study. The use of tiotropium in isolation resulted in significant improvement in dyspnea at baseline (mean Medical Research Council scale score reduced from 3.0 to 2.5) and at the end of 6MWT (mean Borg scale score reduced from 6.1 to 4.5), and the differences were significant (p < 0.05 for both). The use of the salmeterol+tiotropium combination resulted in a significant (81 mL) increase in FEV1 and a 5.7 point improvement in the LCADL score. Conclusions: The introduction of tiotropium into the treatment of patients with severe or very severe COPD and using long-acting β2 agonists improves pulmonary function and provides symptomatic relief, as perceived by patients in the short term. These results, obtained under real life treatment conditions, support the use of the salmeterol+tiotropium combination in specific treatment protocols for these patients.

Keywords: Pulmonary disease, chronic obstructive; Bronchodilator agents; Dyspnea; Activities of daily living.

RESUMO

Objetivo: Avaliar o impacto de curto prazo do uso de tiotrópio em pacientes com DPOC grave e muito grave com queixas de dispneia apesar do tratamento com outros broncodilatadores. Métodos: Estudo prospectivo incluindo pacientes com DPOC grave ou muito grave, com queixa de dispneia de pequenos esforços ou ao repouso. A cada 15 dias, o tratamento broncodilatador foi modificado: salmeterol, tiotrópio e associação salmeterol+tiotrópio. Ao final de cada regime, foram realizados testes de função pulmonar e teste de caminhada de seis minutos (TC6). Também foram avaliados o grau de dispneia e a capacidade de realização de atividades de vida diária. Para a avaliação das atividades de vida diária, foi utilizada a escala London Chest Activity of Daily Living (LCADL) validado para uso no Brasil. Resultados: Foram avaliados 52 pacientes. Desses, 30 completaram o estudo. A introdução de tiotrópio como monoterapia resultou em uma melhora significativa (p < 0,05) da dispneia basal (média do escore da escala do Medical Research Council de 3,0 para 2,5) e ao final do TC6 (média do escore da escala de Borg de 6,1 para 4,5), e as diferenças foram significativas (p < 0,05 para ambos). O uso da associação salmeterol+tiotrópio resultou em um aumento significativo médio de 81 mL no VEF1 e na melhora de 5,7 pontos no escore da escala LCADL. Conclusões: A introdução de tiotrópio no tratamento de pacientes com DPOC grave a muito grave em uso de β2-agonistas de longa duração causa melhora na função pulmonar e alivio sintomático perceptível pelos pacientes a curto prazo. Esses resultados, obtidos em regime de atendimento de vida real, dão suporte ao uso da associação salmeterol+tiotrópio em protocolos de assistência específicos a esses pacientes.

Palavras-chave: Doença pulmonar obstrutiva crônica; Broncodilatadores; Dispneia; Atividades cotidianas.

Introdução

A DPOC se caracteriza pela obstrução não totalmente reversível das vias aéreas. Está associada a uma resposta inflamatória anormal à inalação de fumaça de cigarro ou de outras partículas e gases tóxicos. Tem como ­consequência uma limitação progressiva ao fluxo aéreo e manifestações sistêmicas, como o aumento do risco para doenças cardiovasculares, hipoxemia, depressão e descondicionamento físico.(1)

A lesão da estrutura de suporte alveolar, o aumento da resistência das vias aéreas e o excesso de secreção levam à limitação crônica ao fluxo aéreo, que causa dispneia progressiva e intolerância a atividades físicas. O doente, então, passa a reduzir suas atividades diárias, o que leva a uma espiral descendente de descondicionamento e intolerância ao esforço, que fica clara na anamnese e pode ser comprovada em testes de exercício.(2)

Por ser uma doença crônica, progressiva e pouco reversível, o objetivo do tratamento é o controle sintomático e a diminuição de sua progressão. Com a melhora da dispneia e a maior tolerância a esforço físico, é possível oferecer uma melhor qualidade de vida ao paciente.(3)

Os β2-agonistas de longa duração (salmeterol e formoterol) e os anticolinérgicos de longa duração (tiotrópio) são os broncodilatadores de eleição para o tratamento de manutenção de pacientes com dispneia não controlada com medicação de curta ação. Sua administração em monoterapia está respaldada em diversos estudos.(4-8)

Mesmo antes de existir evidências na literatura, a combinação de broncodilatadores com diferentes mecanismos de ação foi advogada para melhorar a eficácia do tratamento e diminuir o risco de efeitos colaterais em relação ao aumento da dose de um único broncodilatador.(3) A recomendação atual é a de que pacientes sintomáticos, com DPOC com classificação de no mínimo moderada pela Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) - relação VEF1/CVF < 0,7 e VEF1 < 80% do predito - devem receber tratamento com um ou mais broncodilatadores de longa duração. A introdução dessas medicações para o controle da DPOC depende da sintomatologia e da resposta do paciente a cada medicação.(1,9)

Conhecendo os benefícios fisiológicos e clínicos do tiotrópio e a eficácia dos β2-agonistas de longa duração, é intuitivo que a terapia combinada com broncodilatadores de longa duração leve a benefício adicional. De fato, o tratamento combinado com broncodilatadores de longa duração parece acrescentar benefícios de longo prazo tanto na função pulmonar quanto na qualidade de vida, sem aparentes prejuízos ou efeitos colaterais significativos.(10)

Os benefícios clínicos a curto prazo da introdução de tiotrópio ou de sua associação com um β2-agonista de longa duração foram pouco estudados.(11) Uma rápida melhora sintomática não apenas beneficia o paciente por livrá-lo de um incômodo, mas também aumenta a aderência e a confiança no esquema terapêutico vigente.

O objetivo deste estudo foi o de avaliar o impacto de curto prazo do uso de tiotrópio em monoterapia ou em associação com um β2-agonista de longa duração em pacientes com DPOC grave e muito grave com queixas de dispneia apesar do tratamento broncodilatador.

Métodos

Estudo prospectivo, aberto, não aleatorizado, incluindo pacientes com diagnóstico de DPOC (estádio GOLD III e IV) acompanhados na nossa instituição. Os pacientes foram selecionados durante o atendimento ambulatorial. O médico responsável pelo atendimento encaminhava os pacientes elegíveis para a equipe do protocolo. Para sua inclusão, deveriam estar com medicação inalterada e ausência de exacerbações nos últimos 30 dias, estar em tratamento regular com um β2-agonista de longa duração (salmeterol ou formoterol), apresentar VEF1 < 50% do predito após a administração de broncodilatador e apresentar um escore de 3-4 no questionário de dispneia do Medical Research Council (MRC).(12)

Pacientes com limitação ortopédica ou cognitiva para a realização do teste de caminhada de seis minutos (TC6) ou para o preenchimento dos questionários foram excluídos do estudo. Também foram excluídos pacientes com uso prévio de tiotrópio. Outras medicações broncodilatadoras eram permitidas.

Na visita de seleção, no dia zero do estudo (D0), o paciente era avaliado por um único pesquisador quanto aos critérios de inclusão e exclusão. Em seguida, foi realizada espirometria simples com broncodilatador, de acordo com os procedimentos recomendados pelas diretrizes brasileiras,(13) e respondido o questionário MRC para a classificação do grau de dispneia, confirmando a elegibilidade do paciente ao protocolo. Os pacientes incluídos no estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Ao final da visita, era prescrito salmeterol 50 µg a cada 12 h e ensinada a técnica para o uso do dispositivo. Como todos os pacientes selecionados deveriam estar em uso regular de um β2-agonista inalatório de longa duração (formoterol ou salmeterol), os primeiros 15 dias de run-in tinham apenas o intuito de uniformizar o tratamento broncodilatador.

Os pacientes que preencheram os critérios de inclusão foram acompanhados em mais três visitas quinzenais. Foram avaliados o grau de dispneia, a capacidade de exercício, a realização de atividades cotidianas e a função pulmonar dos portadores de DPOC em períodos sequenciais de duas semanas conforme a terapia broncodilatadora era modificada.

O grau de dispneia foi avaliado pela escala do MRC. A capacidade de exercício foi avaliada pelo TC6, seguindo as determinações da American Thoracic Society.(14) Ao término do TC6, eram determinados os seguintes parâmetros: distância percorrida, FC, FR, SpO2 e grau de dispneia pela escala de Borg. Para a avaliação das atividades de vida diária, foi utilizada a escala London Chest Activity of Daily Living (LCADL), validada para uso no Brasil.(15-17)

Na segunda visita (D15), eram repetidas as medidas espirométricas e de dispneia. O paciente era mantido no protocolo se persistisse com um resultado de 3-4 no MRC e com VEF1 após broncodilatador < 50% do predito, já que o objetivo do estudo era avaliar pacientes que persistissem com dispneia aos pequenos esforços apesar do uso de um β2-agonista de longa duração. O paciente que melhorasse de classe funcional ou do grau de dispneia entre D0 e D15 era excluído do estudo. Caso o paciente apresentasse exacerbação ou não fosse aderente à medicação prescrita nessas primeiras duas semanas, também era excluído.

Nesse momento, era aplicada a escala LCADL e realizado o TC6.
Ao final de D15, suspendia-se o uso de salmeterol e prescrevia-se tiotrópio, 18 µg uma vez ao dia por 15 dias. A técnica de aspiração com o dispositivo de cápsula era ensinada nesta ocasião.

Na terceira visita (D30), eram repetidas todas as medidas e questionários e, ao final, associava-se salmeterol ao brometo de tiotrópio. Após 15 dias, a quarta visita (D45), de avaliação final, com a avaliação dos mesmos parâmetros anteriormente descritos.

Durante toda a duração do protocolo, foram mantidas as demais medicações para o tratamento de DPOC e de outras doenças associadas, não sendo permitido, entretanto, o uso de outro anticolinérgico.

Os resultados dos testes de função pulmonar e da escala MRC foram comparados entre as quatro visitas usando-se ANOVA e o método de Holm-Sidak para comparações múltiplas entre as diversas visitas. A escala LCADL e o TC6 foram comparados entre D15, D30 e D45 utilizando-se o mesmo programa estatístico (Sigma Plot v.10.0; SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Foram considerados estatisticamente significativos valores de p < 0,05.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Resultados

A população avaliada foi de 52 pacientes. Desses, 5 foram excluídos: 2 por incapacidade ortopédica para realizar o TC6 e 3 por incapacidade de entender os questionários. Além disso, outros 17 não completaram o estudo: 5 por exacerbação entre D0 e D15; e 12 por falta de aderência à medicação prescrita, observado em D15. Nenhum dos pacientes selecionados foi excluído devido à melhora de classe funcional ou do grau de dispneia entre D0 e D15.

A Tabela 1 mostra os dados demográficos, antropométricos e funcionais dos 30 pacientes que completaram o estudo. A Tabela 2 resume os resultados do protocolo ao longo das quatro visitas.






A avaliação espirométrica mostrou que, apesar de haver um aumento médio de 165 mL na CVF entre D0 e D45, essa variação não foi estatisticamente significativa (p = 0,68). O VEF1 teve um aumento significativo durante o tratamento (p = 0,017), com um incremento médio de 81 mL entre D0 e D45. O aumento da função pulmonar foi progressivo durante o protocolo (Figura 1).



A dispneia, avaliada pela escala MRC, apresentou redução gradual em todas as visitas. Não houve uma diferença estatística significativa dos valores médios da escala entre D0 e D15 (3,06 vs. 2,83). Após a introdução de tiotrópio, essa média caiu para 2,50 em D30 (p < 0,05) e, em D45, com o uso de salmeterol e tiotrópio, essa foi de 2,26, uma redução estatisticamente significativa em relação à medida basal (p < 0,05).

No primeiro TC6 feito em D15, a média da distância percorrida foi de 343 m. Em D30 e D45, respectivamente, a média da distância percorrida foi de 362 m e de 369 m. Não houve diferenças estatísticas ou clinicamente significativas entre as distâncias percorridas nas três visitas. Os valores basais e finais de FC, FR e SpO2 nos três TC6 foram semelhantes.
Ao avaliarmos a dispneia medida pela escala de Borg ao final do TC6, entretanto, houve uma considerável redução, partindo de um valor médio de 6,1 em D15 para 4,8 e 3,8 em D30 e D45, respectivamente (p = 0,004; Figura 2).



A avaliação de atividades cotidianas pelo escore LCADL foi realizada nas três últimas visitas. Os valores médios foram de 25,4; 23,1; e 19,7, respectivamente, em D15, D30 e D45. Essa redução progressiva ao longo do protocolo mostra uma limitação significativamente menor com a associação tiotrópio + salmeterol (p = 0,038; Figura 3).



Após sua introdução no protocolo, nenhum dos 30 pacientes apresentou exacerbações ou relatou a presença de efeitos adversos significativos durante o período de 45 dias de seguimento.

Discussão

A administração combinada de um β2-agonista e de um anticolinérgico de longa duração em pacientes com DPOC grave e muito grave resultou em melhora sintomática e funcional, a curto prazo, que se refletiu no incremento da capacidade de realização das atividades de vida diária.

Essa resposta foi superior à de cada um dos fármacos em monoterapia. Esses resultados dão respaldo à utilização dos medicamentos de forma combinada em pacientes com DPOC que se mantêm sintomáticos com a utilização das drogas isoladamente.

O delineamento de nosso estudo, realizado em ambiente de vida real em um hospital universitário, obedeceu ao protocolo de dispensação de medicamentos oficialmente definido pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.(18) Considerando a eficácia comprovada de ambas as medicações,(4,10,19) o protocolo define que a primeira opção é o β2-agonista, devido a seu custo inferior. Assim, no momento da inclusão, os pacientes já vinham em uso dessa medicação, sem resposta adequada.
Nas primeiras duas semanas (run-in do protocolo), foi mantido o tratamento com o β2-agonista, certificando-nos de que o paciente utilizava o dispositivo adequadamente e aderia à medicação prescrita.

Asseguramos, dessa forma, que a comparação entre os três períodos do protocolo fosse realizada em condições semelhantes.
Embora os pacientes tenham referido menor dispneia após duas semanas de uso de tiotrópio em comparação ao período de monoterapia com salmeterol, essa diferença deve ser analisada com cautela. De acordo com o protocolo, aqueles que se encontravam clinicamente compensados com β2-agonistas de longa duração não foram incluídos. Não podemos, portanto, concluir pela eficácia superior de um broncodilatador em relação ao outro.

Os benefícios do tiotrópio são comprovados em diversos estudos. Em 2002, foi realizado um estudo randomizado, placebo-controlado, duplo-cego durante um ano com o objetivo de avaliar o uso de uma dose diária de tiotrópio a longo prazo. O resultado foi uma melhora sustentada da função pulmonar, menor dispneia, maior desempenho nos questionários de qualidade de vida e menos exacerbações em comparação com o uso de placebo.(6)

Em 2004, em um estudo placebo-controlado, duplo-cego randomizado avaliaram-se os efeitos do tiotrópio sobre a hiperinsuflação pulmonar, dispneia e tolerância ao exercício. Após 42 dias de uso, houve redução da hiperinsuflação pulmonar em repouso e durante o exercício. A mudança da mecânica ventilatória permitiu um aumento da capacidade de exercício e a redução da dispneia.(7)

Poucos estudos compararam a eficácia de β2-agonistas e de tiotrópio. Um grupo de autores avaliou a resposta aguda, em 24 h, às medicações em dois estudos piloto e demonstraram que o formoterol e o salmeterol têm um início de ação mais rápido e atingem uma broncodilatação máxima superior ao tiotrópio; por outro lado, o tiotrópio tem uma duração de ação mais prolongada.(20,21)

Salmeterol e tiotrópio foram comparados em estudos de maior duração.(22,23) De forma geral, esses estudos sugerem uma resposta broncodilatadora e clínica discretamente superior do tiotrópio, mas de significado clínico discreto. Como consequência, diretrizes recentes sugerem que pacientes com DPOC sintomáticos devam ser tratados inicialmente em monoterapia com broncodilatadores de longa duração e que as evidências são insuficientes para recomendar uma droga em relação à outra.(24) Os resultados de nosso estudo permitem inferir que pacientes que persistem com dispneia classificada pela escala MRC em 3-4 apesar do uso de β2-agonistas podem se beneficiar com a monoterapia com tiotrópio.

Mais recentemente, a associação entre esses dois fármacos foi avaliada. Em um estudo com 449 pacientes, demonstrou-se que adicionar tiotrópio à associação salmeterol + fluticasona teve um efeito benéfico na qualidade de vida, na função pulmonar e nas taxas de hospitalização após um ano, quando comparado ao uso de tiotrópio isoladamente.(25)

A associação entre tiotrópio e formoterol em 71 pacientes levou a uma melhora mais pronunciada da função pulmonar após um período de seis semanas do que o uso das duas medicações isoladamente. Não houve aumento nas taxas de efeitos colaterais com a terapia combinada.(26)

Em nossa população de portadores de DPOC grave a muito grave, sintomáticos apesar do uso de salmeterol ou tiotrópio, a associação de ambos acarretou uma melhora perceptível aos pacientes a curto prazo. O aumento estatisticamente significativo do VEF1 e a melhora dos escores de dispneia influenciaram o cotidiano dos pacientes, o que foi detectado pela melhor pontuação no questionário de atividades de vida diária.

Poucos estudos avaliaram a eficácia da associação de β2-agonistas e tiotrópio a curto prazo. Nos dois trabalhos anteriormente citados,(20,21) a resposta espirométrica às drogas combinadas foi superior àquela com as medicações isoladas.

Um estudo comparou o uso de tiotrópio em monoterapia ou associado a um β2-agonista em um período de duas semanas, semelhante ao nosso trabalho. Foram incluídos 95 pacientes com DPOC moderada a grave, que receberam tiotrópio por duas semanas como tratamento basal, seguido de três períodos de duas semanas, nos quais eram medicados com tiotrópio em monoterapia, tiotrópio associado a formoterol uma vez ao dia e tiotrópio associado a formoterol duas vezes ao dia. A medicação combinada, com formoterol em dose única e em duas aplicações, resultou em um incremento significativo do VEF1. Desfechos clínicos não foram analisados.(27)

Em outro estudo de curta duração, 20 pacientes com DPOC moderada a grave foram medicados por uma semana em um delineamento cruzado de três tratamentos: salmeterol+fluticasona duas vezes ao dia; tiotrópio uma vez ao dia + fluticasona 2 vezes ao dia; e tratamento combinado salmeterol+fluticasona 2 vezes ao dia e tiotrópio uma vez ao dia. Não houve diferenças espirométricas significativas entre o uso de tiotrópio e de salmeterol; entretanto, o VEF1 teve um aumento estatisticamente significativo com o tratamento combinado. Desfechos clínicos também não foram examinados nesse estudo.(28)

Em nosso estudo, foram avaliados apenas 30 doentes de um numero inicial de 52 rastreados. Uma proporção considerável dos doentes não completou o estudo por exacerbação no período da visita de seleção ou por se mostrarem não aderentes.

A proporção de pacientes pouco aderentes em nosso estudo foi alta (12 em 52). Nosso grupo foi composto de pacientes que persistiam com sintomas limitantes apesar de medicados com broncodilatador. Como a baixa aderência ao esquema terapêutico é um dos motivos de dificuldade de controle da dispneia, é plausível tivéssemos mais pacientes não aderentes do que a média nesse grupo particular estudado.

O poder do estudo, devido à pequena amostra e à quantidade expressiva de pacientes excluídos, é pequeno, podendo levar a um erro do tipo beta (não encontrar efeito onde ele existe). No entanto, mesmo com baixo poder estatístico, foi possível observar melhora tanto clínica quanto funcional.

Alem disso, por excluir pacientes com baixa aderência ao tratamento prescrito durante a seleção, a validade externa deste estudo, possivelmente, se aplica apenas aos pacientes motivados e aderentes à medicação oferecida.

Outra limitação do estudo é a ausência de um grupo controle. É possível, portanto, que o resultado observado seja decorrente do tempo de tratamento ou de efeito placebo, e não da mudança da medicação prescrita. No entanto, ressaltamos que todos os pacientes inclusos estavam em uso de monoterapia com β2-agonistas de longa duração e não apresentavam um controle sintomático satisfatório, persistindo com dispneia a pequenos ou mínimos esforços. Esse fato minimiza a chance de um efeito atribuído apenas ao tempo de tratamento.
Enfatizamos também que, ao analisarmos os desfechos do estudo, demonstramos que a associação do tiotrópio ao salmeterol nos pacientes sintomáticos em monoterapia induziu à melhora de parâmetros funcionais e clínicos, de tal monta a melhorar o desempenho das atividades de vida diária. O ganho, tanto clínico como funcional, e concordante com estudos previamente citados, não parece decorrer de efeito placebo. Os dois fármacos parecem ter um efeito aditivo real, mesmo a curto prazo.

Os β2-agonistas de longa duração se ligam a receptores da musculatura lisa brônquica e aumentam o estímulo das proteínas G. Isso leva a um relaxamento da fibra muscular e à broncodilatação. Assim, o efeito aumenta se a fibra estiver contraída.(29) O tiotrópio apresenta uma seletividade farmacocinética para os receptores muscarínicos M1 e M3. Por sua afinidade aos receptores M3, tem efeito prolongado, sendo sua utilização em dose única diária. Tem poucos efeitos colaterais e é bastante seguro.(30)

A associação de tiotrópio no tratamento da DPOC não apenas aumenta a broncodilatação, mas muda a forma pela qual o efeito é obtido. O tônus colinérgico broncomotor tem pouca influência nos indivíduos normais. Em portadores de DPOC, a sua redução muda o raio da via aérea em seu estado de relaxamento, exercendo grande influência, visto que pequenas variações do calibre das vias aéreas alteram a resistência a uma ordem de quarta potência.

As diretrizes de DPOC (GOLD, Consenso Brasileiro) recomendam a administração de broncodilatadores de longa duração a pacientes com DPOC sintomáticos com medicação de curta duração de demanda.

Esses documentos enfatizam que o tratamento deve ser adaptado às condições locais, incluídos recursos e peculiaridades dos pacientes.
O protocolo de atendimento de DPOC do estado de São Paulo(18) foi elaborado com base nesses conceitos. Considerando a discutível diferença clínica de ação entre β2-agonistas de longa duração e tiotrópio, determina que o tratamento de primeira escolha seja o uso de β2-agonistas em monoterapia. Nosso estudo, delineado para avaliar a aplicabilidade prática do protocolo, dá respaldo à determinação de que a associação de tiotrópio aos β2-agonistas é benéfica em pacientes com DPOC grave a muito grave.

Em resumo, demonstramos que a associação de tiotrópio a pacientes com DPOC grave a muito grave causa incrementos na função pulmonar e alivio sintomático perceptível pelos pacientes a curto prazo. Esses resultados, obtidos em regime de atendimento de vida real, dão suporte à associação dos medicamentos em protocolos de assistência específicos para esses pacientes.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Aline Lickel Pimentel a ajuda na formatação das imagens.


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* Trabalho realizado na Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Frederico Leon Arrabal Fernandes. Sec. Pneumologia, Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44, CEP 05403-900, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 3069-5034. Email: pnefred@incor.usp.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 6/7/2009. Aprovado, após revisão, em 26/11/2009.


Sobre os autores

Frederico Leon Arrabal Fernandes
Médico Assistente. Disciplina de Pneumologia, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Vanessa Aparecida Leão Pavezi
Fisioterapeuta. Laboratório de Função Pulmonar, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Sérvulo Azevedo Dias Jr.
Médico Pós-Graduando. Disciplina de Pneumologia, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Regina Maria Carvalho Pinto
Médica Assistente. Disciplina de Pneumologia, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Rafael Stelmach
Médico Assistente. Disciplina de Pneumologia, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Alberto Cukier
Professor Livre-Docente. Disciplina de Pneumologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

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