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Relato de Caso

Síndrome respiratória aguda grave causada por influenza A (subtipo H1N1)

Severe acute respiratory syndrome caused by the influenza A (H1N1) virus

Sandra Aparecida Ribeiro, Graziela Sgreccia Brasileiro, Luciana Novaes Campello Soleiman, Cristiano Cruz Silva, Cláudio Shoki Kavaguti

ABSTRACT

In view of the pandemic caused by a new virus, influenza A (H1N1), we report the case of a 56-year-old patient without relevant risk factors and with severe acute respiratory syndrome resulting from infection with this virus. We present the results of laboratory tests and the imaging findings (chest X-ray and CT scans). The evolution was favorable, and the patient was discharged after 14 days.

Keywords: Influenza A virus, H1N1 subtype; Severe acute respiratory syndrome; Patient care.

RESUMO

Frente à pandemia causada por um novo vírus, influenza A (H1N1), descrevemos o caso de um paciente de 56 anos com síndrome respiratória aguda grave causada por influenza A (H1N1) sem fatores de risco importantes. Os resultados dos exames laboratoriais e de imagem (radiografia e TC de tórax) são apresentados aqui. O paciente teve boa evolução e recebeu alta hospitalar em 14 dias.

Palavras-chave: Vírus da influenza A subtipo H1N1; Síndrome respiratória aguda grave; Assistência ao paciente.

Introdução

A Organização Mundial da Saúde monitora doenças com capacidade de se alastrar rapidamente de um país para outro, incluindo infecções que possam resultar em síndrome respiratória aguda grave (SRAG).(1)

Dentre os principais agentes etiológicos que resultam em SRAG, estão os vírus (influenza A, dengue, vírus sincicial respiratório, adenovírus, hantavírus e coronavírus), e outros agentes (pneumococos, outras bactérias, Legionella sp., leptospirose, etc.). O diagnóstico de pneumonia viral é frequentemente de exclusão e é baseado na ausência de produção de escarro, falha na identificação de bactérias em cultura e contagem normal ou discretamente elevada de leucócitos.(1)

O surgimento da pandemia de gripe ocasionada por um novo subtipo de vírus influenza A (H1N1) fez com que as populações e os profissionais de saúde se deparassem com novos desafios, no sentido de conter a rápida disseminação e realizar o tratamento adequado dos doentes.

Embora não tenha se mostrado mais letal até o momento, essa é outra doença, com outras características: ataca jovens aparentemente saudáveis, é transmitida muito rapidamente e pode evoluir com gravidade.
A vigilância epidemiológica tem a obrigação de manter os registros de casos atualizados, sobretudo no que diz respeito aos casos graves, identificando possíveis fatores de risco que possam estar relacionados.(2,3)

Os setores que realizam atendimento à saúde (público e privado) devem
estar preparados para o enfrentamento da situação, com rápida capacidade de organização e proporcionando acesso ao atendimento e tratamento adequados em tempo hábil. Além disso, é essencial o preparo de uma vacina que seja capaz de conter o vírus.

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 56 anos, comerciante, natural e procedente de São Paulo, não tabagista, hipertenso leve e controlado com candesartana (8 mg/dia). Negava diabetes e outras comorbidades.
Na semana anterior, iniciou com quadro gripal caracterizado por febre (38,5°C), dores no corpo, coriza e obstrução nasal. Três dias depois, passou a sentir muito cansaço e mal-estar e procurou um serviço de emergência, onde se realizou radiografia de tórax e foi diagnosticada pneumonia. O hemograma, nessa data, mostrou os seguintes resultados: hemoglobina, 14,8 g/dL; hematócrito, 41,9%; leucócitos, 4.600/mm3 (3-85-0-0-11-1); plaquetas, 132.000/mm3; e VHS, 16 mm/h.

Foi medicado com moxifloxacina por via oral, com a recomendação de retornar caso piorasse. Continuou cada vez mais cansado, retornando ao serviço de emergência novamente dois dias depois. Negava contatos com casos suspeitos de H1N1.

Ao exame físico, mostrava-se em regular estado geral, corado, hidratado, anictérico, cianótico +/4, dispneico +++/4, sem linfonodomegalias.

Apresentava pressão arterial, 130-90 mmHg; temperatura, 36,8°C; peso, 68 kg; altura, 1,65 m; IMC, 25,0 kg/m2; e FR, 30 ciclos/min. À ausculta pulmonar apresentava estertores crepitantes difusos em ambos os pulmões e bulhas rítmicas normofonéticas sem sopros. Abdome sem visceromegalias, extremidades sem edema, SpO2 = 87% em ar ambiente e SpO2 = 94% com máscara de oxigênio a 5 L/min.

A radiografia de tórax mostrava piora do infiltrado alveolar bilateral e a TC de tórax mostrava infiltrado multifocal em vidro fosco (Figuras 1 e 2).








Foi realizado novo hemograma: hemoglobina, 15 g/dL; hematócrito, 44,5%; leucócitos, 3.300/mm3 (10-79-0-0-8-1); plaquetas, 131.000/mm3; e proteína C reativa, 12,36 mg/dL. Os resultados da gasometria arterial foram os seguintes: pH = 7,45; PaCO2 = 3 5 mmHg; PaO2 = 50 mmHg; bicarbonato = 24 mEq/L; base excess = +0,5 mEq/L; e SaO2 = 87,2%.
O ecodopplercardiograma e a radiografia de seios paranasais foram normais.

As hemoculturas para microrganismos aeróbios e anaeróbios e a urocultura foram negativas. A pesquisa para vírus influenza A (H1N1) obtida de aspirado de secreção de orofaringe (PCR em tempo real) foi positiva.

O paciente foi internado na UTI e medicado com oseltamivir, ceftriaxona, azitromicina e corticoide. Recebeu suporte ventilatório com respiração por pressão positiva intermitente, mantido com máscara de Venturi a 50% e SpO2 = 92% em repouso. Foi melhorando progressivamente, recebendo alta da UTI dez dias depois, com SpO2 = 94% em ar ambiente e melhora radiológica (Figura 3). Não apresentou febre nem instabilidade hemodinâmica durante a internação.




Discussão

Segundo o protocolo de vigilância de influenza, são considerados portadores de SRAG aqueles pacientes que apresentarem febre > 38°C, tosse e dispneia, acompanhados ou não de manifestações gastrointestinais ou de outros sinais de gravidade, como, por exemplo, taquipneia (FR >25 ciclos/min), hipotensão ou quadro clínico, laboratorial e radiológico compatíveis com broncopneumonia, além dos óbitos.(2,3)

Dos 76.639 casos notificados de SRAG até o dia 7 de novembro de 2009 no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, foram confirmados laboratorialmente para infecção por influenza 24.729 dos casos (32,3%), sendo 22.565 (91,0%) causados pelo novo vírus de influenza A (H1N1).

Houve discreta predominância de casos no sexo feminino (57%), e a mediana de idade dos casos confirmados foi de 25 anos, sendo a maior proporção de casos situada na faixa de 15 a 49 anos de idade.(4)

No Brasil, a incidência de SRAG por influenza A (H1N1) é de 12/100.000 habitantes, com destaque para as seguintes unidades federadas: Paraná, com 109/100.000; Santa Catarina, com 15/100.000; e São Paulo, com 14/100.000. A mortalidade é de 0,8/100.000 habitantes.(4)

Dentre os casos de SRAG por influenza A (H1N1), 13.316/24.729 (54%) apresentaram pelo menos um fator de risco para complicação, incluindo gestação. Além da gestação, dentre os fatores de risco associados incluem-se, em ordem crescente: obesidade, hemoglobinopatias, diabetes mellitus, doença renal, idade menor de 2 anos, idade maior de 60 anos, doenças metabólicas, doenças imunossupressoras, doenças respiratórias e doenças cardiovasculares. Desses casos, 1.538 (7%) evoluíram para óbito. A letalidade é maior quando houver concomitância de fatores de risco no mesmo indivíduo.(4)

As manifestações clínicas e radiológicas causadas pelo vírus influenza não são específicas. O diagnóstico diferencial inclui outros vírus e bactérias, incluindo vírus sincicial respiratório, coronavírus, parainfluenza, rinovírus, adenovírus e Mycoplasma sp.(1)

Em época de pandemia por influenza A, um alto nível de suspeição deve ser mantido, e o diagnóstico deve ser confirmado em todos os casos graves pela pesquisa por PCR em tempo real para influenza A do material aspirado de nasofaringe ou orofaringe,(4) bem como deve ser preconizado o início de agentes antivirais, se possível nas primeiras 48 h dos sintomas.(5) O uso precoce de antivirais diminui a severidade da doença e dos sintomas.(5)

Geralmente, a SRAG se manifesta com início precoce, hipoxemia grave e evolução prolongada, com elevado dano tecidual causado pelo vírus, caracterizado por bronquiolite necrotizante, infiltrado neutrofílico, dano alveolar difuso e formação de membranas hialinas.(6)

As manifestações radiológicas mais comuns da pneumonia por influenza consistem em opacidades reticulonodulares, com ou sem superposição de áreas de consolidação. Menos comumente, pacientes com pneumonia por influenza podem apresentar áreas focais de consolidação, usualmente nos lobos inferiores, sem aparentes opacidades reticulares ou reticulonodulares. As anormalidades radiológicas geralmente se resolvem em aproximadamente três semanas. Secundariamente, podem ocorrer consolidações devido a pneumonia bacteriana secundária.(7,8)

À TC de tórax, vários padrões são possíveis, mas os mais comumente relatados são os que mostram áreas de vidro fosco em distribuição lobular, usualmente bilaterais. Outros padrões possíveis são a presença de áreas focais de consolidação, nódulos centrolobulares e padrão de árvore em brotamento.(9)

O caso apresentado ilustra SRAG causada por influenza A (H1N1), de evolução clínica e radiológica arrastada, sem características de infecção bacteriana associada, embora o uso de antibióticos bactericidas tenha sido iniciado precocemente.


Referências


1. Pan American Health Organization - PAHO [homepage on the Internet]. Washington: World Health Organization [cited 2009 Apr 1]. Health Establishments Preparation for Unusual or Unexpected Cases or Clusters of Severe Acute Respiratory Infection (SARI). Available from: http://new.paho.org/hq/index.php?option=com_content&task=view&id=1265&Itemid=569

2. Portal da Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde [cited 2009 Apr 1]. Informe Epidemiológico - Influenza A (H1N1). Situação epidemiológica da nova influenza A (H1N1) no Brasil, até semana epidemiológica 33 de 2009. [Adobe Acrobat document, 10p.] Available from: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/informe_influenza_se_33_25_08_2009.pdf

3. Portal da Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde [cited 2009 Apr 1]. Diretrizes para o enfrentamento à pandemia de influenza A (H1N1): ações da atenção primária à saúde. [Adobe Acrobat document, 36p.] Available from: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/protocolo_influenzaa_aps_atualizado.pdf

4. Portal da Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde [cited 2009 Apr 1]. Situação epidemiológica da Influenza Pandêmica (H1N1) 2009 no Mundo e no Brasil, até a Semana Epidemiológica 44 de 2009. [Adobe Acrobat document, 14p.] Available from: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/boletim_influenza_se_44.pdf

5. Pan American Health Organization - PAHO [homepage on the Internet]. Washington: World Health Organization [cited 2009 Apr 1]. Guias de la OMS para el uso de vacunas y antiviricos en las pandemias de influenza. [Adobe Acrobat document, 67p.] Available from: http://www.paho.org/Spanish/AD/DPC/CD/vir-flu-guia-oms-uso-vac-antivirales.pdf

6. Perez-Padilla R, de la Rosa-Zamboni D, Ponce de Leon S, Hernandez M, Quiñones-Falconi F, Bautista E, et al. Pneumonia and respiratory failure from swine-origin influenza A (H1N1) in Mexico. N Engl J Med. 2009;361(7):680-9.

7. Kim EA, Lee KS, Primack SL, Yoon HK, Byun HS, Kim TS, et al. Viral pneumonias in adults: radiologic and pathologic findings. Radiographics. 2002 Spec No:S137-49.

8. Greenberg SB. Respiratory viral infections in adults. Curr Opin Pulm Med. 2002;8(3):201-8.

9. Müller NL, Silva CI. Imaging of the Chest. Expert radiology series. Philadelphia: Saunders/Elsevier; 2008.




Trabalho realizado no Departamento de Medicina Preventiva, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Sandra Aparecida Ribeiro. Departamento de Medicina Preventiva, Universidade Federal de São Paulo, Rua Borges Lagoa, 1341, Vila Clementino, CEP 04038-034, São Paulo, SP, Brasil.
Tel/Fax: 55 11 5571-5000. E-mail: sandrarib@uol.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 9/9/2009. Aprovado, após revisão, em 11/3/2010.



Sobre os autores

Sandra Aparecida Ribeiro
Chefe da Disciplina de Medicina Preventiva Clínica. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Graziela Sgreccia Brasileiro
Médica Pneumologista. Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Luciana Novaes Campello Soleiman
Médica Pneumologista. Hospital Municipal do Tatuapé, São Paulo (SP) Brasil.

Cristiano Cruz Silva
Médico Intensivista e Pneumologista. Prefeitura Municipal de Diadema, Diadema (SP) Brasil.

Cláudio Shoki Kavaguti
Médico. Prefeitura Municipal de Diadema, Diadema (SP) Brasil.




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