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Artigo Original

Testes de função pulmonar e mortalidade após o transplante de células-tronco hematopoiéticas

Hematopoietic stem cell transplantation: pulmonary function tests and post-transplant mortality

Eliane Viana Mancuzo, Nilton Alves de Rezende

ABSTRACT

Objective: To determine whether the results of pulmonary function tests carried out in patients subsequently submitted to hematopoietic stem cell transplantation (HSCT) are associated with post-HSCT mortality. Methods: This was a prospective study involving patients older than 15 years of age who were submitted to allogenic HSCT between January of 2007 and March of 2008 at the Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, located in the city of Belo Horizonte, Brazil. Prior to HSCT, all of the patients underwent spirometry, determination of lung volumes, and determination of DLCO. Those same tests were repeated six months, one year, and two years after HSCT. Kaplan-Meier curves and two-tailed log-rank tests were used for survival analysis. The relative risk (RR) and 95% CI were calculated using the Cox proportional hazards model. The Cox regression model was used in the multivariate analysis. Results: The pre-HSCT pulmonary function results were normal in 40 (74.1%) of the 54 patients evaluated, 19 (35.2%) of whom died within the first 100 days after HSCT. By the end of the two-year follow-up period, 23 patients (42.6%) had died, the most common causes of death being septicemia, observed in 11 (47.8%), and septicemia-related respiratory insufficiency, observed in 10 (43.4%). The only variables significantly associated with post-HSCT mortality were alterations in spirometry results prior to HSCT (RR = 3.2; p = 0.016) and unrelated donor (RR = 9.0; p < 0.001). Conclusions: Performing spirometry prior to HSCT provides baseline values for future comparisons. Although alterations in spirometry results reveal a higher risk of post-HSCT mortality, such alterations do not contraindicate the procedure.

Keywords: Hematopoietic stem cell transplantation/mortality; Respiratory function tests; Donor selection.

RESUMO

Objetivo: Verificar se os resultados dos testes de função pulmonar realizados em pacientes submetidos a transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) estão associados com a mortalidade após o procedimento. Métodos: Estudo prospectivo no qual foram incluídos pacientes maiores de 15 anos submetidos a TCTH alogênico, entre janeiro de 2007 e março de 2008, no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte (MG), e que realizaram espirometria, medida de volumes pulmonares e medida de DLCO antes do TCTH. Os testes foram repetidos seis meses, um ano e dois anos após TCTH. Para a análise de sobrevida, foram utilizados o método de Kaplan-Meier e testes de log-rank bicaudal. O risco relativo (RR) e IC95% foram calculados por meio do ajuste do modelo de riscos proporcionais de Cox. O modelo de regressão de Cox foi utilizado na análise multivariada. Resultados: Dos 54 pacientes incluídos, 40 (74,1%) apresentaram resultados normais de função pulmonar antes do TCTH. Ocorreram 23 óbitos (42,6%) em dois anos após o TCTH, sendo que 19 aconteceram antes de 100 dias. Dos 23 óbitos, 11 (47,8%) foram por septicemia e 10 (43,4%) por insuficiência respiratória aguda associada à septicemia. As únicas variáveis que mostraram associação significativa com mortalidade após TCTH foram alteração na espirometria antes do TCTH (RR = 3,2; p = 0,016) e doador não aparentado (RR = 9,0; p < 0,001). Conclusões: A realização da espirometria antes do TCTH fornece valores basais para comparações futuras. Alterações nesses resultados indicam um maior risco de mortalidade após o TCTH, embora esses não contraindicam o procedimento.

Palavras-chave: Transplante de células-tronco hematopoéticas/mortalidade; Testes de função respiratória; Seleção do doador.

Introdução

O transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), alogênico, autólogo ou singênico, é uma opção importante no tratamento de doenças hematológicas e oncológicas e está disponível em mais de 500 centros distribuídos em mais de 50 países.(1) As complicações pulmonares constituem consideráveis causas de morbidade e mortalidade após o TCTH e ocorrem em aproximadamente 30-60% dos receptores. Com o avanço na profilaxia e do tratamento de complicações infecciosas, a parcela de complicações pulmonares não infecciosas (CPNI) tem aumentado de forma significativa.(2) O diagnóstico e o tratamento precoce dessas complicações podem mudar o prognóstico dos receptores do TCTH.(3-7)

Os testes de função pulmonar (TFP) utilizados na avaliação e no acompanhamento de pacientes submetidos ao TCTH incluem medidas de volumes pulmonares, espirometria e determinação de DLCO.(2,8-10) Embora a realização dos TFP seja uma diretriz internacionalmente adotada na avaliação antes e após o TCTH, permanecem dúvidas sobre sua real utilidade e o melhor momento de realizá-los após o TCTH.(6,11) A recomendação é de que esses testes sejam realizados antes do TCTH e um ano após a sua realização.(8) Alguns autores sugerem que os TFP devem ser realizados com intervalos menores nos primeiros dois anos, principalmente em pacientes com doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) crônica.(9-11) Acredita-se que os TFP, conduzidos mais frequentemente após o TCTH, não só possibilitariam a identificação de CPNI, como poderiam permitir intervenções preventivas e terapêuticas precoces em pacientes de risco.(8,12)

Os objetivos do presente estudo foram analisar, prospectivamente, as possíveis associações dos resultados dos TFP antes e após a realização do TCTH com mortalidade e CPNI após o transplante e verificar se as alterações encontradas nos TFP antes do TCTH seriam fatores associados à mudança de conduta na realização do TCTH.

Métodos

Foram incluídos no estudo candidatos a TCTH alogênico, com idade > 15 anos e que tivessem realizado espirometria, medida de volumes pulmonares absolutos e determinação de DLCO antes do transplante, no período entre janeiro de 2007 e dezembro de 2008, no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), Belo Horizonte (MG). Foram excluídos os pacientes submetidos a transplantes autólogos, aqueles com idade ≤ 15 anos ou aqueles que tivessem realizado apenas espirometria antes do TCTH.

Foram estudadas as seguintes variáveis: tipo de doença onco-hematológica que motivou a realização do transplante; tratamento quimioterápico recebido; fontes de células-tronco hematopoiéticas utilizadas; status do doador (aparentado ou não aparentado); o regime de condicionamento anterior ao TCTH; profilaxia farmacológica utilizada para DECH; status tabágico; presença de doenças pulmonares; e ocorrência de óbito. A ocorrência de DECH aguda ou crônica foi estabelecida de acordo com critérios clínicos, histológicos e laboratoriais publicados por Sullivan.(13) O relato ou descrição de infecção pulmonar de qualquer natureza não foi considerado como doença pulmonar, anterior ou após o TCTH, para efeito do presente estudo. As principais CPNI investigadas após o TCTH foram: bronquiolite obliterante, bronquiolite obliterante com pneumonia em organização, obstrução ao fluxo aéreo recente, fibrose pulmonar e hemorragia alveolar difusa. Os critérios para o diagnóstico dessas complicações foram clínicos, radiológicos e funcionais.(2,14) Nenhum paciente foi submetido à biópsia pulmonar para o diagnóstico dessas complicações.

Os TFP foram realizados por meio de um sistema Collins, modelo GSII (Collins, Braintree, MA, EUA) até junho de 2009 e por meio de um sistema CPL (Collins) entre julho de 2009 e fevereiro de 2010, de acordo com as diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(15) As seguintes variáveis foram estudadas na espirometria: CV, CVF, VEF1, FEF25-75%, relação VEF1/CVF e relação FEF25-75%/CVF. Os valores de referência previstos utilizados foram os publicados por Pereira et al. para a população brasileira na faixa etária entre 25 e 78 anos e entre 20 e 74 anos para o sexo masculino e feminino, respectivamente.(15) Os valores de Mallozi foram utilizados para a faixa etária entre 15 e 24 anos e entre 15 e 19 anos para o sexo masculino e feminino, respectivamente.(16) Para as medidas dos volumes pulmonares absolutos, utilizou-se o método de diluição de hélio por múltiplas respirações, sendo obtidas as seguintes variáveis: CPT, VR e relação VR/CPT. Os valores de referência foram aqueles de Crapo(17) para pacientes menores de 20 anos e aqueles de Neder et al. para pacientes acima de 20 anos.(18) Para o teste de DLCO, foi utilizada a técnica de respiração única de 10 segundos, com respiração sustentada. Os valores de DLCO foram corrigidos pelos níveis de hemoglobina. A DLCO foi considerada reduzida quando estivesse menor do que 75% do valor previsto, de acordo com Gaensler e Smith.(19)

As alterações da função pulmonar foram classificadas segundo os resultados da espirometria, da medida de volumes pulmonares absolutos e da DLCO da seguinte forma: distúrbio ventilatório obstrutivo, distúrbio ventilatório restritivo, distúrbio ventilatório combinado, VR e VR/CPT aumentados e DLCO reduzida, de acordo com as referências publicadas por Pereira et al.(15) A seguir, os pacientes foram divididos em dois grupos conforme essas alterações: um grupo com alterações observadas em espirometria, medida de volumes pulmonares absolutos e DLCO e um grupo com alterações observadas apenas na espirometria.

Os resultados descritivos foram apresentados sob a forma de frequências e porcentagens. Em uma primeira etapa, a comparação entre as diversas variáveis foi realizada através de análise univariada, utilizando o método de Kaplan-Meier e testes de log-rank bicaudal.(20) A quantificação do risco relativo (RR) e do IC95% foi feita por meio do ajuste do modelo de riscos proporcionais de Cox. Em uma segunda etapa, utilizou-se um modelo de regressão de Cox para verificar quais variáveis estariam associadas de maneira independente à evolução para o óbito.(21) As covariáveis com valor de p < 0,25 para o teste de log-rank, na análise univariada, foram incluídas no modelo inicial. As covariáveis que isoladamente possuíam valor de p < 0,05 permaneceram para a próxima etapa. Adotando o mesmo critério, foram realizadas diversas análises, até que restassem somente aquelas com valor de p < 0,05, indicando que as mesmas apresentavam associação independente com significância estatística. As análises foram feitas através dos programas R (R Development Core Team) e Epi Info, ambos de domínio público.

O projeto desta pesquisa, assim como o termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos participantes, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG através do parecer ETIC 244/06 de 22 de setembro de 2006.

Resultados

Entre janeiro de 2007 e dezembro de 2008, foram realizados 91 TCTH em pacientes no HC-UFMG. Desses, 37 foram excluídos do estudo: 18 porque o TCTH foi autólogo, 10 por terem idade < 15 anos, e 9 por terem realizado apenas espirometria antes do TCTH. Dessa forma, a amostra inicial foi constituída de 54 pacientes, cujas características clínicas estão sumarizadas na Tabela 1. Houve uma maior frequência de pacientes do sexo masculino (59%), pacientes com diagnóstico prévio de leucemia mieloide crônica ou outros diagnósticos (68%) e pacientes não fumantes (87%). Foi constatada doença pulmonar pré-existente em apenas 1 paciente, foram verificadas CPNI após o TCTH em 7 (15%). Dos pacientes submetidos ao TCTH, 18 (33%) tiveram DECH aguda, e 14/21 (40%) apresentaram DECH crônica (19 pacientes foram a óbito antes de 100 dias do procedimento, não sendo possível analisar a presença de DECH crônica). O principal regime de condicionamento utilizado foi a associação bussulfano + ciclofosfamida (em 72%), e a profilaxia para DECH com a associação ciclosporina + metotrexato foi a mais frequente (em 65%). A fonte de células mais frequente para o TCTH foi a medula óssea (57%), sendo 91% desses casos representados por doadores não aparentados. No grupo de pacientes, 4 apresentaram CPNI antes de seis meses (hemorragia alveolar difusa, em 2; bronquiolite obliterante com pneumonia em organização, em 1; e obstrução ao fluxo aéreo recente, em 1). Desses, 3 evoluíram para o óbito, exceto aquele com obstrução ao fluxo aéreo recente. Após seis meses, 3 pacientes (6%) desenvolveram obstrução ao fluxo aéreo; porém, após dois anos de seguimento, não foi observado nenhum evento novo. Dos 4 pacientes que desenvolveram obstrução ao fluxo aéreo recente, 2 melhoraram durante o acompanhamento.





A média de idade dos pacientes foi de 31,6 anos, e a média de tempo entre o diagnóstico da doença e o transplante foi de 14,6 meses. Os resultados das médias e desvios-padrão dos parâmetros funcionais estão listados na Tabela 2. Esses dados mostram que os valores funcionais basais estão próximos aos da população normal.





Os distúrbios ventilatórios mais frequentemente observados, baseados nos dados de espirometria, medida de volumes pulmonares e DLCO, são apresentados na Tabela 3. Observa-se que 22,2% dos pacientes apresentaram alterações significativas nos TFP antes do TCTH. O aumento de VR e da relação VR/CPT não esteve associado a distúrbio ventilatório obstrutivo nem antes, nem após o TCTH. Apenas 1 paciente com obstrução ao fluxo aéreo antes do TCTH sobreviveu após o transplante. Nos 5 pacientes em que se constatou obstrução ao fluxo aéreo recente, 3 foram submetidos à intervenção terapêutica específica. Desses, 1 paciente com bronquiolite obliterante com pneumonia em organização evoluiu para óbito, enquanto 2 com obstrução ao fluxo aéreo recente melhoraram com o tratamento instituído. Todos os pacientes com CV reduzida apresentaram, também, CPT reduzida. Dos sobreviventes, 7 não realizaram os testes pulmonares ao final de dois anos de seguimento.





As principais causas do óbito ocorrido em 23 pacientes (42,6% do total) foram: septicemia, em 11 (47,8%); insuficiência respiratória aguda associada à septicemia, em 10 (43,4%); e insuficiência hepática associada à insuficiência renal, em 2 (8,8%). Observou-se que a probabilidade de sobrevivência aos 100 dias foi de 65%, e aquela aos dois anos foi de 57%.

A Tabela 4 apresenta o resultado do teste de log-rank e o modelo de Cox para comparação das variáveis entre os pacientes que evoluíram ou não para o óbito.



O modelo de regressão multivariado final é apresentado na Tabela 5. A variável doença pulmonar pré-existente foi retirada dessa análise pela baixa frequência na amostra (apenas 1 paciente). Nesse modelo, as variáveis estatisticamente relacionadas ao óbito foram status do doador não aparentado (RR = 9,9; p < 0,001) e alteração na espirometria (RR = 3,2; p = 0,016). No modelo final, não se observou associação da mortalidade com alterações na espirometria, medida de volumes pulmonares e medidas de DLCO avaliadas em conjunto.





Discussão

Os principais resultados do presente estudo mostraram que pacientes com comprometimento da função pulmonar avaliados através de espirometria e status do doador não aparentado apresentaram maior chance de evoluírem para o óbito após o TCTH. Entretanto, essas alterações não contraindicam a realização do procedimento.

Os TFP têm um papel importante na avaliação antes e após a realização de TCTH, sendo uma recomendação universal. Embora uma grande quantidade de estudos sobre esse assunto tenha sido identificada na literatura, persistem dúvidas sobre sua real utilidade.(10) Há apenas um estudo retrospectivo que foi realizado no Brasil, em um importante centro de TCTH, no qual foi utilizada somente a espirometria na abordagem do valor da função pulmonar no TCTH.(5)

Um aspecto relevante do presente estudo foi avaliar os resultados da espirometria associada à medida de volumes pulmonares e de DLCO. Isso porque essas variáveis representam diferentes marcadores do estado fisiológico desses pacientes. A espirometria mede o volume de ar inspirado e expirado, assim como os fluxos respiratórios.(15) Embora as causas dos padrões obstrutivos nos TFP estejam limitadas à via aérea, sendo a bronquiolite obliterante a complicação pulmonar de pior prognóstico, um padrão restritivo pode ser secundário ao comprometimento pulmonar parenquimatoso e não parenquimatoso.(9) A irradiação torácica, a quimioterapia tóxica pulmonar, infecções, a pneumonite idiopática e a DECH são os fatores mais comumente associados ao distúrbio ventilatório restritivo após o TCTH.(9) A DLCO mede a transferência dos gases dos alvéolos até o interior das hemácias e pode estar alterada por inúmeros fatores, como espessamento da membrana alvéolo-capilar, níveis de hemoglobina e aqueles associados aos distúrbios ventilatórios restritivos.(9,15)

Os resultados do presente estudo mostraram que a maioria dos pacientes (78%) apresentou TFP (medida de volumes pulmonares absolutos, espirometria e DLCO) normais antes do TCTH e que, mesmo aqueles que apresentaram alterações desses testes antes do TCTH, realizaram o procedimento.

A mortalidade após o TCTH teve associações significativas com alterações na espirometria antes do TCTH e o status do doador não aparentado. Deve ser ressaltado que 19 óbitos ocorreram antes de 100 dias após o TCTH, fato que impossibilitou a análise de uma possível associação entre a alteração dos TFP após o TCTH e a mortalidade. Ao avaliar as causas de óbito após o TCTH, verificamos que a mortalidade foi associada à infecção em 47,8%, assim como à insuficiência respiratória aguda e à infecção em 43,4%. É sabido que a mortalidade pode variar de 10-40% nos primeiros 100 dias, e essa está associada a fatores do receptor, como idade e doença de base, assim como ao regime de condicionamento, ao procedimento, como DECH, e à imunodeficiência e infecção.(1,2) Apesar dos avanços na profilaxia e no tratamento de complicações infecciosas, a incidência de infecção ainda é alta em nosso serviço e contribuiu de forma significativa para a mortalidade, que, segundo a literatura, é próxima de 80% nos pacientes que evoluem com insuficiência respiratória grave e necessitam de ventilação mecânica.(2) É possível que, mesmo não diferenciando os distúrbios ventilatórios, a presença de alterações na espirometria indique um maior risco de mortalidade após o TCTH, e isso deve ser considerado na pré-avaliação desses pacientes. Contrariamente ao esperado, quando avaliamos em conjunto as alterações na espirometria e medida de volumes pulmonares e de DLCO, não encontramos uma associação significativa com a mortalidade. A incidência de DLCO reduzida foi muita baixa na população antes do TCTH, e o tamanho da amostra pode ter contribuído para esse resultado. Os dados do presente estudo estão de acordo com os de Parimon et al., que também demonstraram uma associação significativa entre alteração funcional antes do TCTH e risco de insuficiência respiratória e de mortalidade após o TCTH. Tal estudo apresentou um escore de risco e verificou associações de valores de VEF1 e DLCO mais baixos e presença de insuficiência respiratória com maior mortalidade após o TCTH.(22)

A maior mortalidade observada nos pacientes receptores de doadores não aparentados também foi citada por Patriarca et al.,(23) os quais encontraram uma associação significativa entre mortalidade e doador não aparentado (p = 0,04). O grau de parentesco e a compatibilidade HLA entre o doador e o receptor desempenham um papel relevante na reconstituição imunológica após o transplante. Assim, os receptores de enxertos não aparentados e/ou não compatíveis necessitam de controle mais rigoroso dos mecanismos de rejeição, que podem estar associados a estados de imunodeficiência e maior mortalidade.(24)

A incidência de CPNI em nosso estudo foi de 15% em dois anos, ressaltando que 15% desses pacientes faleceram antes de 100 dias da realização do TCTH e, portanto, não completaram os TFP. Esses dados estão de acordo com a incidência de 10-20% de CPNI em pacientes submetidos a TCTH descrita na literatura.(23,25) Na presente investigação, não foi possível avaliar a associação entre CPNI e alterações nos TFP, em virtude da baixa ocorrência dessa característica nos pacientes estudados nos diversos tempos avaliados. Existem estudos na literatura que descrevem uma associação entre CPNI e alterações na função pulmonar. Dois grupos de autores verificaram, retrospectivamente, a associação entre distúrbio ventilatório obstrutivo e CPNI após o TCTH.(25,26) Chien et al., em um estudo com 915 pacientes, demonstraram que um declínio no VEF1 de 5% após 100 dias está associado à obstrução do fluxo aéreo após um ano (RR = 2,6; IC95%: 2,1-3,1), mas não à mortalidade.(27)

No presente estudo, ao contrário do descrito na literatura, os TFP foram realizados em intervalos de tempo relativamente curtos, no primeiro ano após o TCTH, em um laboratório credenciado, por um único profissional, seguindo diretrizes internacionalmente aceitas, diminuindo, assim, a chance de variações metodológicas na realização dos mesmos. Além disso, foram utilizadas equações de referência com os resultados dos exames que melhor se correlacionam com as diferentes faixas de idade e sexo. Essas premissas são enfatizadas por Chien et al. quando se referem à revisão que fizeram dos TFP no TCTH.(10) A idade e o número de perdas por óbito antes de 100 dias reduziram significativamente o número de pacientes na pesquisa. O aumento do número de TCTH autólogos, em detrimento do número daqueles alogênicos, também contribuiu para o tamanho da amostra final nos dois anos em que foram incluídos os pacientes, além de dificultar uma confrontação com a maioria dos trabalhos publicados, que foram retrospectivos e incluíram pacientes que receberam transplantes tanto autólogos, como alogênicos.

Em que pesem as restrições acima consideradas, os resultados do presente estudo sugerem que a espirometria, realizada antes do TCTH, é importante porque fornece valores basais para comparações futuras e, quando alterada, prevê um maior risco de mortalidade após o TCTH, apesar de não contraindicar o procedimento. Considerando o baixo custo e a relativa facilidade para a realização da espirometria, em relação à medida de volumes pulmonares absolutos e de DLCO, pouco disponíveis na maioria dos centros do Brasil, parece razoável a utilização apenas da espirometria na avaliação funcional pulmonar antes da realização do TCTH, reservando os testes mais complexos para casos selecionados. A exclusão de CPNI deve ser ressaltada na avaliação de pacientes com sintomas respiratórios após a realização do TCTH.


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* Trabalho realizado na Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil.
Endereço para correspondência: Nilton Alves de Rezende. Rua Aimorés, 462/116, CEP 30140-070, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Tel. 55-31-3226-7738 E-mail: narezende@terra.com.br
Apoio financeiro: Eliane Viana Mancuzo é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Nilton Alves de Rezende é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia/Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (INCT-IATS).
Recebido para publicação em 26/01/2011. Aprovado, após revisão, em 27/6/2011.



Sobre os autores

Eliane Viana Mancuzo
Médica. Serviço de Pneumologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil.

Nilton Alves de Rezende
Professor Associado. Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil.

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