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Comunicação Breve

Associação entre coleta de escarro guiada e taxas de contaminação de culturas para o diagnóstico de TB pulmonar

Guided sputum sample collection and culture contamination rates in the diagnosis of pulmonary TB

Ethel Leonor Noia Maciel, Thiago Nascimento do Prado, Renata Lyrio Peres, Moises Palaci, John L. Johnson, Reynaldo Dietze

ABSTRACT

A comparative study to evaluate contamination in cultures of morning sputum samples, comparing those collected at home under currently recommended conditions and those collected under supervision after patient orientation and education. The home and supervised collection groups produced 43 and 76 sputum samples, respectively. The contamination rate was nearly 3-times higher among samples collected at home than among those collected under supervision (37% vs. 13%, p < 0.05; OR = 0.25). The simple educational and hygiene measures described can decrease the contamination rate among sputum samples collected for diagnostic culture.

Keywords: Tuberculosis/diagnosis; Sputum/microbiology; Culture techniques.

RESUMO

Realizou-se um estudo comparativo para avaliar a contaminação em culturas de amostras matinais de escarro coletadas em domicílio sob condições recomendadas atualmente e amostras coletadas sob supervisão após orientação e educação dos pacientes. Os grupos de coleta domiciliar e supervisionada produziram 43 e 76 amostras, respectivamente. A taxa de contaminação foi aproximadamente 3 vezes maior nas amostras coletadas em domicílio do que naquelas coletadas sob supervisão (37% vs.13%; p < 0,05; OR = 0,25). As simples medidas educacionais e de higiene descritas podem reduzir a taxa de contaminação de amostras de escarro coletadas para culturas diagnósticas.

Palavras-chave: Tuberculose/diagnóstico; Escarro/microbiologia; Técnicas de cultura.

A cultura de escarro é mais sensível que a baciloscopia para o diagnóstico da TB. A cultura de escarro também apresenta a vantagem de permitir a recuperação da micobactéria para a identificação e testes de sensibilidade. Apesar de tecnicamente simples, a coleta, o armazenamento e o transporte das amostras de escarro devem ser feitas de maneira adequada, já que falhas no processo podem aumentar as taxas de contaminação da cultura e diminuir a sensibilidade da mesma.(1,2) Poucos estudos tentaram identificar o melhor método de coleta de amostras de escarro para o diagnóstico da TB.(3,4) O presente estudo foi delineado para avaliar a taxa de contaminação de cultura em amostras matinais de escarro, comparando as amostras coletadas utilizando-se os procedimentos de rotina estabelecidos pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) àquelas coletadas após a escovação dos dentes e orientação detalhadas aos pacientes.

Entre 2003 e 2006, um total de 367 pacientes com TB foram tratados no Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), localizado em Vitória (ES). Todos os pacientes em tratamento de TB entre junho e dezembro de 2006 (n = 119) foram convidados e aceitaram participar do estudo. A Junta Institucional de Revisão aprovou o delineamento do estudo, e todos os pacientes participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Os 119 pacientes foram divididos em dois grupos: controle (n = 43) e intervenção (n = 76).

No grupo controle, as amostras de escarro eram coletadas no domicílio dos pacientes usando-se os procedimentos do PNCT. Os sujeitos foram instruídos a coletar a primeira amostra matinal permanecendo em jejum desde a noite anterior e a coletar duas amostras em dias consecutivos.

Após a coleta, a primeira amostra foi armazenada em geladeira até o dia seguinte, quando a segunda amostra foi coletada e ambas enviadas ao serviço de TB. Apenas a amostra do segundo dia foi utilizada neste estudo.

No grupo intervenção, as amostras de escarro eram coletadas sob supervisão direta, utilizando-se instrução padronizada; Cada paciente do grupo intervenção recebeu as seguintes instruções:

 Vir ao serviço para a coleta da primeira amostra matinal em jejum desde a noite anterior.

 Usar uma escova de dentes (fornecida pelo estudo), sem creme dental, para remover delicadamente qualquer resíduo de alimentos dos dentes e gengivas.

 Lavar as mãos com água e sabão, secando-as com papel toalha.

 Não tocar o interior do recipiente com as mãos ou a boca.

 Manter o recipiente tampado durante a coleta de escarro (entre cada adição).
Coletar no mínimo 10 mL de escarro, se possível.

As amostras de escarro foram processadas no Laboratório de Micobactérias do Centro de Doenças Infecciosas da UFES. As amostras foram reduzidas por 5 min com ditiotreitol (concentração final, 0,1%), e em seguida descontaminadas em temperatura ambiente por 15 min com NaOH e NaCl (concentrações finais, 1,25% e 0,72%, respectivamente). As amostras foram então neutralizadas com tampão fosfato salina e centrifugadas à 4000 g por 15 min. O sedimento foi cultivado em meio Ogawa sólido e em meio líquido BACTEC 12B enriquecido.(5) As culturas foram definidas como contaminadas se algum dos meios de cultura estivesse contaminado. A diferença entre as médias foi analisada usando-se testes t. O teste exato de Fisher foi usado na comparação das proporções, com OR e IC95% correspondentes. Os dados foram analisados através do programa Stata, versão 9.0 (Stata Corp., College Station, TX, EUA). Valores de p < 0.05 foram considerados estatisticamente significantes.

Foram similares para os pacientes nos grupos intervenção e controle: sexo, idade e duração do tratamento da TB antes da coleta das amostras de escarro (Tabela 1). No grupo intervenção, 100% das amostras de escarro foram classificadas como adequadas em volume (≥ 5 mL), comparadas com apenas 23% das amostras do grupo controle (Tabela 2). Em termos do aspecto das amostras de escarro, 100% e 83% das amostras dos grupos intervenção e controle, respectivamente, foram classificadas como mucopurulentas (p < 0,05). A taxa de positividade de TB, determinada pela microscopia direta de esfregaço de escarro para detectar bacilos álcool-ácido resistente, foi similar nos grupos intervenção e controle: 4% e 7%, respectivamente (p = 0,47). A contaminação de cultura foi identificada em 10 (13%) das 76 amostras do grupo intervenção, comparadas a 16 (37%) das 43 amostras do grupo controle (p = 0,002; OR = 0,25; IC95%: 0,09-0,69).








A cultura de escarro é uma ferramenta importante para o diagnóstico da TB. Entretanto, aspectos operacionais da cultura de escarro, como o custo de implementação, o tempo necessário para a obtenção de resultados e a contaminação da cultura têm limitado seu uso em laboratórios em países em desenvolvimento.(6) Dois estudos recentes examinaram a contribuição da instrução do paciente no rendimento diagnóstico da baciloscopia de escarro.(3,4) Em um desses estudos, a taxa de diagnóstico de TB foi 15.1% mais alta entre pacientes que receberam a orientação de como coletar as amostras de escarro que entre aqueles que não foram instruídos. No outro estudo, um aumento similar porém menor foi observado: 5% entre as mulheres e 3% entre os homens. As taxas de positividade de TB relatadas nesses estudos foram mais baixas que aquelas observadas em nosso estudo, que focou no efeito da instrução sobre a coleta do escarro e em medidas de higiene simples (lavar as mãos, escovar os dentes e manejar corretamente o recipiente de coleta) visando à diminuição das taxas de contaminação das culturas.

Verificamos que estas medidas simples resultaram em uma queda de aproximadamente três vezes na taxa de contaminação da cultura. Nossa intervenção envolveu muitas medidas, e não podemos, baseados em nossos dados, destacar quaisquer medidas como tendo um papel maior nessa diminuição. Nesta era de TB multirresistente e extensivamente resistente, muitas entidades, incluindo a Organização Mundial de Saúde, enfatizam a expansão da capacidade para a cultura de escarro e testes de sensibilidade.(7,8) Para tanto, medidas educacionais simples podem ajudar a diminuir o número de culturas contaminadas e otimizar o uso de recursos laboratoriais limitados.

Referências


1. Brodie D, Schluger NW. The diagnosis of tuberculosis. Clin Chest Med. 2005;26(2):247-71, vi.

2. Steingart KR, Ng V, Henry M, Hopewell PC, Ramsay A, Cunningham J, et al. Sputum processing methods to improve the sensitivity of smear microscopy for tuberculosis: a systematic review. Lancet Infect Dis. 2006;6(10):664-74.

3. Alisjahbana B, van Crevel R, Danusantoso H, Gartinah T, Soemantri ES, Nelwan RH, et al. Better patient instruction for sputum sampling can improve microscopic tuberculosis diagnosis. Int J Tuberc Lung Dis. 2005;9(7):814-7.

4. Khan MS, Dar O, Sismanidis C, Shah K, Godfrey-Faussett P. Improvement of tuberculosis case detection and reduction of discrepancies between men and women by simple sputum-submission instructions: a pragmatic randomised controlled trial. Lancet. 2007;369(9577):1955-60.

5. Susemihl AA, Ferrazolli L, Ueki SY, Gimenez RD, Palaci M. Avaliação do método de Ogawa- Kudoh para o cultivo de micobactérias. Rev Bras Pat Clin. 1993;29(2):51-4.

6. Macq J, Solis A, Velázquez H, Dujardin B. Informing the TB suspect for sputum sample collection and communicating laboratory results in Nicaragua: a neglected process in tuberculosis case finding. Salud Publica Mex. 2005;47(4):303-7.

7. World Health Organization. Global Tuberculosis Control: Surveillance, Planning, Financing. WHO Report 2006. Geneva: World Health Organization; 2006.

8. World Health Organization. Strategic Approach for the Strengthening of Laboratory Services for Tuberculosis Control, 2006-2009. World Health Organization: WHO/HTM/TB/2006.364; 2006.



Sobre os autores

Ethel Leonor Noia Maciel
Professora Adjunta de Epidemiologia. Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.

Thiago Nascimento do Prado
Mestrando. Programa de Pós-graduação em Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.

Renata Lyrio Peres
Mestrando. Programa de Pós-graduação em Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.

Moises Palaci
Coordenador do Laboratório de Microbiologia. Núcleo de Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.

John L. Johnson
Coordenador da Área de Ensaios Clínicos. Tuberculosis Research Unit, Case Western Reserve University, Cleveland, OH, EUA.

Reynaldo Dietze
Coordenador do Nucleo de Doenças Infecciosas. Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.



Trabalho realizado no Centro de Pesquisa Clinica, Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.
Endereço para correspondência: Ethel Leonor Noia Maciel. Av. Marechal Campos, 1468, Maruipe, CEP 29040-091, Vitória, ES, Brasil.
Tel 55 27 3335-7210. E-mail: emaciel@ndi.ufes.br
Apoio financeiro: A parte laboratorial deste estudo foi financiada em parte pelo contrato nº NO1-AI95383 e NO1-AI-70022 (Tuberculosis Prevention and Control Research Unit) do National Institute of Allergy and Infectious Diseases, National Institutes of Health, EUA, e pelo Edital MCT/CNPq/MS-SCTIE-DECIT 25/2006 - Estudo de Doenças Negligenciadas.
Recebido para publicação em 1/8/2008. Aprovado, após revisão, em 7/11/2008.

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