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Artigo Original

Levantamento randomizado sobre a prevalência de tabagismo nos maiores municípios do Brasil

Random sample survey on the prevalence of smoking in the major cities of Brazil

Fernando Sergio Leitão Filho, José Carlos Fernandes Galduróz, Ana Regina Noto, Solange Aparecida Nappo, Elisaldo Araújo Carlini, Oliver Augusto Nascimento, Sérgio Ricardo Santos, José Roberto Jardim

ABSTRACT

Objective: To provide access to the results of a randomized cross-sectional study conducted by the Brazilian Center for Information on Psychotropic Drugs in 2001. Methods: This survey involved a random sample of individuals ranging from 12 to 65 years of age and residing in the 107 largest cities (over 200,000 inhabitants) in Brazil, which represented 27.7% of the Brazilian population, estimated to be 169,799,170 inhabitants at the time. A total of 8,589 interviews were conducted. The Substance Abuse and Mental Health Services Administration questionnaire, translated and adapted for use in Brazil, was used in the interviews. Results: Of the sample as a whole, 41.1% of the interviewees reported having experimented with tobacco products. The prevalence of daily smokers was 17.4% (20.3% among males and 14.8% among females). We found that 9% of the sample (10.1% of the men and 7.9% of the women) were nicotine-dependent, according to the criteria of the National Household Survey on Drug Abuse. Conclusions: The prevalence of current smoking in the 107 largest cities of Brazil is significantly lower in this decade than was the national prevalence at the end of last century.

Keywords: Smoking/epidemiology; Tobacco use disorder; Smoking cessation.

RESUMO

Objetivo: Divulgar os dados de um estudo transversal randomizado, realizado em 2001, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. Métodos: A população pesquisada neste levantamento incluiu indivíduos com 12-65 anos de idade, residentes nos 107 maiores municípios do Brasil (com mais de 200 mil habitantes), o que representou 27,7% da população brasileira na época, estimada em 169.799.170 habitantes. Foram realizadas no total 8.589 entrevistas. Utilizou-se o questionário Substance Abuse and Mental Health Services Administration, que foi traduzido e adaptado para o uso no Brasil. Resultados: Do total, 41,1% dos entrevistados disseram já ter utilizado produtos derivados de tabaco alguma vez na vida. A prevalência de uso diário de tabaco foi de 17,4% da amostra (20,3% entre os homens e 14,8% entre as mulheres). Observou-se que 9% da população (10,1% entre os homens e 7,9% entre as mulheres) são dependentes da nicotina, segundo os critérios do National Household Surveys on Drug Abuse. Conclusões: A prevalência do uso diário de tabaco, nos maiores municípios brasileiros, é significativamente menor na presente década do que a prevalência nacional ao final do século passado.

Palavras-chave: Tabagismo/epidemiologia; Transtorno por uso de tabaco; Abandono do hábito de fumar.

Introdução

O tabagismo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), é a principal causa prevenível de morte e de doenças do mundo, afetando mais de um bilhão de pessoas. É responsável por mais de 5 milhões de mortes por ano no mundo, devendo alcançar mais de 10 milhões de mortes anuais em 2030. No Brasil, acredita-se que ocorram, aproximadamente, 200 mil mortes por ano como consequência do tabagismo.(1,2)

Com relação à epidemiologia do consumo de tabaco na população brasileira, dados importantes são provenientes da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, conduzida em 1989. Nesse estudo, identificou-se que a prevalência total de fumantes no Brasil atingiu a impressionante taxa de 34,8%, correspondendo a cerca de 30,6 milhões de fumantes na faixa etária acima de 15 anos, sendo 18,2 milhões de homens (43,3%) e 12,4 milhões de mulheres tabagistas ativos (27,0%).(3,4)

Informações importantes e recentes sobre a prevalência de tabagismo na população brasileira, bem como a porcentagem de dependentes da nicotina e os componentes de dependência a essa droga são provenientes do I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas. Trata-se de um estudo randomizado de abrangência nacional, realizado em diferentes faixas etárias, em 2001, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID).(5) Este artigo refere-se aos dados relativos ao consumo de tabaco no Brasil de acordo com esse levantamento.

Métodos

O presente levantamento foi realizado entre setembro e dezembro de 2001, sendo a população-alvo pessoas na faixa etária entre 12 e 65 anos de idade residentes nos maiores municípios brasileiros. A amostragem incluiu todos os municípios com mais de 200.000 habitantes, conforme dados do censo demográfico de 1995 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).(6) No total, foram estudados 107 municípios, que representavam 27,7% da população brasileira, estimada, na época, em 169.799.170 habitantes. Tocantins foi o único estado que não participou do estudo por não possuir nenhum município com mais de 200.000 habitantes.

Cada município estudado foi dividido em setores censitários (com 200-300 domicílios), por esse ser considerado a menor unidade que fornece informações socioeconômicas, de acordo com o IBGE. Em seguida, utilizando-se de técnicas estatísticas multivariadas, criaram-se grupos de setores homogêneos, chamados "estratos". Fixou-se em 24 o número de residências a ser pesquisado em cada setor censitário, número considerado ideal para atender os propósitos da pesquisa e respeitar, ao mesmo tempo, as limitações orçamentárias.

Em cada setor censitário, procedeu-se à seleção dos domicílios de forma sistemática, sendo o primeiro domicílio escolhido aleatoriamente. Para realmente se caracterizar a aleatoriedade da amostra, para cada setor, criou-se um intervalo de seleção, que correspondia ao número total de domicílios existentes no setor em estudo, dividido por 24. Por exemplo, no caso do setor número 25 da cidade de São Paulo (Capão Redondo), havia 260 casas, de modo que o intervalo de seleção para esse setor era, por aproximação, 11 (260 ÷ 24). Voltando ao exemplo do setor de Capão Redondo, o entrevistador responsável deveria escolher como primeira residência, a princípio, qualquer uma do local, devendo, a partir daí, com base no intervalo de seleção, contar 11 casas para identificar o segundo domicílio que deveria ser pesquisado e, assim por diante. Os entrevistadores receberam orientações para, na contagem, não considerar casas comerciais, hospitais, fábricas, pensões e hotéis. No caso de prédios residenciais, cada apartamento foi considerado um domicílio, de modo que, no mesmo prédio, poderia haver mais de uma entrevista.

Para cada residência selecionada, foram identificados todos os seus moradores, sendo o registro realizado em ordem decrescente de idade, começando primeiramente com os homens e depois passando as mulheres. Em seguida, foram utilizadas tabelas de sorteio, como definido por Kish.(7) Essas possuíam uma numeração fixa na linha superior, para o registro do número de moradores na residência, e um número aleatório na linha inferior, utilizado para se determinar quem deveria ser entrevistado, o que era feito de acordo com a ordem de registro dos moradores do domicílio. Em determinadas situações (após três tentativas sem sucesso de se obter a entrevista; recusa total ou parcial da pessoa a ser entrevistada; ou no caso de impedimento por parte da família - comprometimento físico ou mental; impossibilidade de realização da entrevista por motivos de viagem ou de hospitalização), os entrevistadores receberam orientações para proceder com a seleção de um substituto, desde que esse morasse no mesmo censo censitário e possuísse o mesmo sexo, faixa etária e perfil socioeconômico da pessoa que havia sido escolhida inicialmente pelo sorteio.

Utilizou-se o questionário Substance Abuse and Mental Health Services Administration (SAMHSA), desenvolvido pelo U.S. Department of Health and Human Services,(8) tendo sido, inicialmente, traduzido e adaptado para as condições brasileiras. A primeira parte do questionário continha explicações sobre a pesquisa; a segunda era utilizada para o registro dos dados demográficos da pessoa que foi entrevistada (sexo, idade, cor, nível socioeconômico); a terceira e a quarta partes abordavam o uso de quaisquer drogas psicotrópicas, incluindo nicotina, procurando detalhar o seu uso na vida e a frequência de uso; na quinta parte, que não se aplica a este artigo, avaliava-se o consumo de drogas injetáveis; a sexta parte incluía os critérios de dependência para o uso de drogas, de acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 3a edição revisada (DSM-III-R)(9); na sétima parte, o entrevistado era questionado se já havia procurado tratamento para cessar a dependência; e, na oitava parte, perguntou-se sobre possíveis complicações relacionadas ao uso de drogas.

A condição socioeconômica do entrevistado (segunda parte do questionário SAHMSA) foi realizada de acordo com a classificação da Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado,(10) que leva em consideração o grau de instrução e os itens de posse do entrevistado, como o número de automóveis, rádios, geladeiras, etc. Por essa classificação, o entrevistado é categorizado em um sistema de letras, de A a E, com A indicando o melhor nível socioeconômico, e E, o pior.

Com relação ao diagnóstico de dependência a drogas psicoativas, foram utilizados os critérios do National Household Surveys on Drug Abuse (NHSDA), que utiliza seis dos nove critérios presentes no DSM-III-R.(9) Os pacientes foram identificados como dependentes de alguma droga, inclusive nicotina, caso apresentassem pelo menos dois dos critérios abaixo descritos:

 Gasto de grande parte do tempo para conseguir drogas, usá-las ou para se recobrar de seus efeitos
 Uso de quantidades de drogas ou ­frequências maiores de uso dessas do que se pretendia
 Tolerância (mais quantidade para produzir os mesmos efeitos)
 Riscos físicos sob o efeito ou logo após o efeito de drogas (por exemplo, dirigir, pilotar, usar máquinas, nadar, etc.)
 Problemas pessoais por causa de drogas (tais como com familiares ou amigos, no trabalho, com a polícia ou problemas emocionais)
 Desejo de diminuir ou de parar o uso de determinada droga
A adaptação dos critérios do NHSDA (presentes no questionário SAMHSA) e seu teste de confiabilidade foram previamente validados em um estudo realizado no estado de São Paulo em 1999, permitindo sua utilização neste estudo.(11)

Resultados

A população pesquisada neste levantamento incluía todas as pessoas com idades entre 12 e 65 anos, residentes nos 107 maiores municípios do Brasil (com mais de 200 mil habitantes), o que correspondia a 47.045.907 habitantes (27,7% da população brasileira na época; Tabela 1). Foram sorteados 9.480 domicílios, sendo realizadas, no total, 8.589 entrevistas, com uma taxa de insucesso observada de 9,3%. Quanto à distribuição por sexo, na população brasileira, havia 49% de homens e 51% de mulheres, ao passo que a amostra possuía 57% de mulheres e 43% de homens.

A amostra continha 49,0% de pessoas com 35 anos ou mais de idade; 18,0%, com 25-34 anos; 21,0%, com 18-24 anos; e 12,0%, com 12-17 anos. Observou-se, na amostra, uma maior porcentagem de mulheres (57,0%) e de pessoas com mais de 35 anos (49,0%) contra, respectivamente, 51,0% e 41,0% na população brasileira. Em contrapartida, apenas 12,0% dos entrevistados tinham idade de 12-17 anos, enquanto há 18,0% nessa mesma faixa etária na população brasileira.

Em relação à condição socioeconômica, a distribuição dos entrevistados entre as classes foi a seguinte: classe A, 6%; B, 19%; C, 36%; D, 29%; e E, 10%. Isso demonstra que a maior parte da amostra foi proveniente de população de baixa renda, devido ao predomínio das classes C e D.
Observou-se que 41,1% dos entrevistados (IC95%: 37,5-44,7) já haviam experimentado tabaco pelo menos uma vez na vida, sendo essa porcentagem maior no sexo masculino (46,2%; IC95%: 42,3-50,0) que no sexo feminino (36,3%; IC95%: 33,2-39,4). Na Tabela 1, podem ser observadas as porcentagens do uso de tabaco na vida em cada uma das cinco regiões brasileiras, e a Tabela 2 mostra essas porcentagens segundo o sexo e as faixas etárias dos entrevistados no país. Com relação ao uso de tabaco no último ano e no último mês, as taxas são bastante semelhantes, identificando-se 19,5% (IC95%: 18,0-21,1) e 19,2% (IC95%: 18,4-21,0), respectivamente.





No caso do uso diário de tabaco, a prevalência observada de fumantes na amostra foi de 17,4% (20,3% dos homens e 14,8% das mulheres; IC95%: 15,1-19,8); na faixa etária com 35 anos ou mais; a prevalência observada foi a mais alta, atingindo 24,0% (28,3% dos homens e 20,3% das mulheres; IC95%: 22,0-26,0).

Outra informação importante refere-se ao número de fumantes dependentes de nicotina, o que foi avaliado segundo os critérios de dependência do NHSDA. Por este estudo, encontrou-se que 9,0% dos entrevistados (IC95%: 7,2-10,7) preencheram os critérios para dependência nicotínica, sendo 10,1% entre os homens e 7,9% entre as mulheres. Esses dados equivalem a 51,7% de dependentes de nicotina entre os fumantes diários, sendo 49,8% entre os homens e 53,4% entre as mulheres. Observou-se que, a partir dos 18 anos de idade, a dependência à nicotina no sexo feminino esteve mais próxima à do sexo masculino, mas não chegou a superá-la em nenhuma faixa etária.
A Tabela 3 mostra informações mais detalhadas sobre a presença de sinais e sintomas que compõem a dependência à nicotina, especificamente no último ano de uso. A faixa etária com mais de 35 anos obteve a maior taxa de respostas positivas, ao contrário dos entrevistados com idade de 12-17 anos, que obtiveram a menor prevalência de respostas afirmativas no questionário. Outro dado interessante refere-se ao desejo de cessar ou de diminuir o consumo de tabaco, relatado por apenas 16,4% dos entrevistados (IC95%: 14,1-18,7), sendo 19% entre os homens (IC95%: 22,3-26,4) e 14% entre as mulheres (IC95%: 16,1-19,1), mas elevando-se para 20,8% entre os entrevistados com mais de 35 anos (IC95%: 18,9-22,7), e situando-se em 5,3% entre os mais jovens (IC95%: 3,3-7,3). A segunda resposta mais frequente foi a perda de controle, caracterizada pelo consumo de cigarros maior do que o desejado, atingindo 8,2% da amostra.



Discussão

Este estudo, realizado 12 anos após a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (1989), contribui para mostrar o comportamento da população brasileira quanto ao consumo de tabaco. De acordo com os dados obtidos, no ano de 2001, 17,4% da população brasileira residente nos 107 maiores municípios do país eram tabagistas ativos (20,3% dos homens e 14,8% das mulheres); a prevalência se eleva para 24,0% quando se levou em consideração somente as pessoas com 35 anos ou mais (28,3% dos homens e 20,2% das mulheres). Embora o estudo não tenha sido realizado em todos os municípios brasileiros, o que seria praticamente impossível, ele tem o mérito de ter avaliado todas as cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes, em todas as regiões do país, e de modo randomizado, o que deve refletir a atitude da população brasileira em relação ao tabagismo.

Os valores de prevalência de tabagismo encontrados por nós são corroborados por achados, em estudos recentes, nos quais também se encontraram menores prevalências de tabagismo em relação às observadas em estudos realizados nas décadas antecessoras.(3,12,13)

É possível que tenha ocorrido uma estabilização do consumo geral de tabaco na população brasileira entre os anos de 2001 e 2004, uma vez que, em uma avaliação randomizada da população acima de 40 anos na área metropolitana de São Paulo, em 2003, identificou-se uma prevalência de 24,0% de fumantes, exatamente a mesma identificada na faixa etária acima de 35 anos neste estudo.(12) Os dados do módulo brasileiro do World Health Survey, um inquérito mundial desenvolvido pela OMS sobre as condições de saúde de diversos países, parece também apontar para essa estabilização, uma vez que foi identificada, em 2003, uma prevalência de 22,4% de tabagistas ativos na população brasileira após a aplicação de questionários em 5.000 indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos.(13) Por último, em 2008, identificou-se uma prevalência de tabagistas de 23,5% entre os 2.488 residentes, com mais de 19 anos de idade, de um município de pequeno porte do Rio Grande do Norte, também mostrando não haver diferenças entre as zonas urbana e rural.(14)

De acordo com os estágios do modelo proposto por Lopez et al.,(15) para se descrever a evolução do comportamento da epidemia tabagística, com base nos dados deste e de outros estudos, o Brasil provavelmente encontra-se em transição entre os estágios III e IV.(12,13) Por esse modelo, no estágio III, a prevalência entre homens estabiliza-se e passa a cair rapidamente, sobretudo entre os mais jovens e de melhor escolaridade; as mulheres atingem o pico de prevalência nesse estágio e, ao final do mesmo, observa-se o início de sua queda. No estágio IV, a prevalência continua declinando tanto entre homens como entre mulheres, tornando-se o tabagismo, cada vez mais, um comportamento de grupos socioeconômicos menos favorecidos. É interessante observar a diferença observada no comportamento das prevalências de tabagistas em ambos os sexos, ao se comparar os dados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, em 1989 (amostra populacional brasileira; 43,3% entre homens e 27,0% entre mulheres) com os do presente estudo, em 2001 (amostra da ­população dos 107 maiores municípios brasileiros; 20,3% entre homens e 14,8% entre mulheres).(3,5) A avaliação desses dados mostra que, entre ambos os gêneros, a prevalência de fumantes ativos está diminuindo, mas os homens estão deixando mais rápido de fumar, concordando com o modelo proposto por Lopez et al.(15)

Os nossos dados mostram que, na faixa etária de 12-17 anos, 15,7% da amostra já havia fumado na vida. Em um estudo recente realizado entre jovens universitários de Brasília (média de idade = 21,6 ± 3,6 anos), a prevalência de tabagismo situou-se em 17,4% (bastante próxima à do nosso estudo).(16) Vários fatores favorecem a experimentação do cigarro pelos jovens brasileiros, destacando-se, entre eles, o baixo preço do cigarro brasileiro - um dos mais baratos do mundo - e a facilidade de acesso a esses produtos no país.(17,18) Apesar disso, também se observa, nos últimos anos, um declínio considerável do uso de cigarros nessa faixa etária, conforme bem documentado em um levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas,(19) no qual foram entrevistados 1.558 estudantes, com faixa etária predominante de 13-15 anos. Verificou-se que o uso de tabaco na vida entre alunos passou de 33,7%, em 1997, para 21,8%, em 2004.

Além dos achados da redução na prevalência de fumantes no Brasil entre o final do século XX e o início do atual, de acordo com estudos recentes, incluindo o atual, observa-se também uma queda concomitante do consumo anual per capita de cigarros no mesmo período: houve uma queda de cerca de 30% desse consumo entre os anos de 1989 e 2002, mesmo ­computando-se as estimativas de consumo de cigarros provenientes de contrabandos e falsificações,(3) passando o consumo médio de cigarros de 14,9/dia, em 1989, para 12,6/dia, em 2003.(13)

Aproximadamente, 30,0% dos fumantes brasileiros fumam 20 ou mais cigarros por dia, sugerindo elevado nível de dependência.(20) Isso está de acordo com um estudo ­recentemente publicado, no qual se observaram escores elevados (6,2 ± 2,0) no questionário de Fagerström(21) entre 203 fumantes que procuraram um centro de cessação de tabagismo.(22) Esse dado mostra a importância não somente da determinação do número de fumantes, mas também da ­prevalência de dependentes de nicotina na população. Isso se justifica porque o tratamento de fumantes dependentes de nicotina deve ter uma abordagem mais ampla, incluindo a ajuda farmacológica.(23) Nesse contexto, o presente estudo foi, até o momento, o único a fornecer dados sobre a prevalência de dependência à nicotina em uma grande amostra populacional, bem como dos seus principais sinais e sintomas. Por esse levantamento, mostrou-se que 9,0% da amostra e, provavelmente, da população brasileira, são dependentes de nicotina, segundo os critérios do NHSDA (10,1% entre os homens e 7,9% entre as mulheres). As respostas mais frequentes foram o consumo exagerado e o desejo de parar ou diminuir o consumo de cigarros. O maior número de dependentes concentrou-se entre as pessoas com 35 anos ou mais de idade (11,3%), o que se explica pelo tempo de consumo, gerando maior exposição tabagística e, consequentemente, maior probabilidade de gerar dependência. O segmento menos dependente encontrou-se entre os mais jovens, de 12-17 anos, com muitos ainda se encontrando provavelmente na fase de experimentação. É importante ressaltar que os critérios do NHSDA permitem definir a existência ou não de dependência a drogas psicoativas (no caso deste estudo, a nicotina foi a droga de interesse); porém, não permite a avaliação da intensidade da dependência, exigindo para isso a complementação com instrumentos específicos, como o Fagerström Test for Nicotine Dependence.(21,23)

A tendência de diminuição da prevalência de fumantes no Brasil pode ser atribuída a ações desenvolvidas pelo Instituto Nacional do Câncer e à implementação de inúmeras leis antitabaco no país.(3,24) É importante a Portaria 1.575, de 2002, que regulamentou e criou os Centros de Referência em Abordagem e Tratamento do Fumante no âmbito do Sistema Único de Saúde, nos quais os fumantes podem receber, além de orientações, as medicações necessárias no auxílio à cessação do tabagismo. No entanto, apesar da existência dessa portaria, ainda não há disponibilidade adequada de medicamentos antitabaco na rede pública. Também merecem destaque a Lei Federal nº 9.782, de 26/01/99, que regulamenta o controle e a fiscalização de produtos derivados do tabaco pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); a Lei Federal nº 10.167, de dezembro de 2000, que regula o banimento de toda propaganda e patrocínio de produtos de tabaco em TV, rádio, revistas, jornais e outdoors; e a Resolução nº 104 da ANVISA, que obriga a presença de imagens de advertência nos versos dos maços de cigarros.

Concluímos que a prevalência do uso diário de tabaco, nos maiores municípios brasileiros, é menor na presente década, em relação à prevalência nacional no final do século passado, e que uma parcela importante dos fumantes é dependente de nicotina. É possível que essa diminuição seja decorrente da existência de uma legislação antitabaco eficiente, além de uma maior conscientização da população sobre os malefícios do tabagismo. O próximo passo na luta contra o tabagismo requererá a ampliação do Programa Nacional de Controle de Tabagismo, tendo como meta a adequada disponibilização gratuita de medicamentos para o tratamento de tabagismo nas unidades de saúde do país.


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Trabalho realizado no Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas - CEBRID - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: José Roberto Jardim. Rua Botucatu, 740, 3º andar, Pneumologia, CEP 04023-062, São Paulo, SP, Brasil.
Fax 55 11 5573-5035. E-mail: joserjardim@yahoo.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD).
Recebido para publicação em 14/4/2009. Aprovado, após revisão, em 4/8/2009.




Sobre os autores

Fernando Sergio Studart Leitão Filho
Pesquisador. Núcleo de Apoio à Prevenção e Cessação do Tabagismo - PrevFumo - São Paulo (SP) Brasil.

José Carlos Fernandes Galduróz
Pesquisador. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas - CEBRID - São Paulo (SP) Brasil.

Ana Regina Noto
Pesquisadora. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas - CEBRID - São Paulo (SP) Brasil.

Solange Aparecida Nappo
Pesquisadora. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas - CEBRID - São Paulo (SP) Brasil.

Elisaldo Luiz De Araujo Carlini
Professor Titular. Disciplina de Psicofarmacologia. Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Oliver Augusto Nascimento
Médico Assistente. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Sérgio Ricardo Santos
Médico Assistente. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

José Roberto Jardim
Professor Adjunto Livre-Docente. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

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