Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
7150
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Correlação entre parâmetros clínicos e qualidade de vida relacionada à saúde em mulheres com DPOC

Correlation between clinical parameters and health-related quality of life in women with COPD

Nilton Maciel Mangueira, Isabel Lucena Viega, Melissa de Almeida Melo Maciel Mangueira, Alcimar Nunes Pinheiro, Maria do Rosário da Silva Ramos Costa

ABSTRACT

Objective: To correlate health-related quality of life (HRQL) of women with COPD with clinical parameters and with the six-minute walk distance (6MWD; six-minute walk test). Methods: Cross-sectional study involving 30 female patients diagnosed with mild or moderate COPD treated at the Respiratory Outpatient Clinic of the Presidente Dutra University Hospital. Patients completed the Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ) and were evaluated in terms of respiratory pressures, spirometry parameters and 6MWD. Descriptive statistical analysis was carried out, as were Student's t-tests for dependent variables, together with Pearson's and Spearman's correlation coefficients for numerical and ordinal variables, respectively. Results: According to the SGRQ total scores, HRQL was impaired, to some extent, in most of the participants. Most SGRQ total scores were between the second and the third quartiles, reflecting poor HRQL. The participants also presented poor functional capacity. Mean 6MWD (317.7 m), inspiratory muscle strength (−53.48 cmH2O) and expiratory muscle strength (69.5 cmH2O) were all below reference values. We found that HRQL was not correlated with body mass index or pulmonary function. However, HRQL presented a negative linear correlation with age, MIP and 6MWD, as well as a positive correlation with the sensation of dyspnea and fatigue. Conclusions: In this study, HRQL, determined using the SGRQ, was severely impaired in COPD patients, who presented severe limitations in functional capacity, breath control and personal life.

Keywords: Quality of life; Pulmonary disease, chronic obstructive; Women.

RESUMO

Objetivo: Correlacionar a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) de mulheres portadoras de DPOC com parâmetros clínicos e com a distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos (TC6). Métodos: Estudo transversal com 30 mulheres portadoras de DPOC leve ou moderada, atendidas no Ambulatório de Pneumologia do Hospital Universitário Presidente Dutra. Foi aplicado o Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ), assim como foram realizadas as medidas das pressões respiratórias, da espirometria e dos resultados do TC6. Executou-se a análise estatística descritiva, assim como o teste t de Student para variáveis dependentes, o coeficiente linear de Pearson para correlações de variáveis numéricas e o de Spearman para variáveis ordinais. Resultados: A QVRS esteve, na grande maioria das mulheres entrevistadas, comprometida, em graus variados, de acordo com o escore total do SGRQ. Os escores totais do SGRQ da maioria das participantes estavam entre o segundo e o terceiro quartil, o que reflete baixa QVRS. As participantes apresentaram ainda baixa capacidade funcional no TC6, com distância média percorrida (317,7 m) e força muscular inspiratória (−53,48 cmH2O) e expiratória (69,5 cmH2O) abaixo dos valores de normalidade. Não houve correlação entre a QVRS e o índice de massa corpórea e a função pulmonar. No entanto, houve correlação linear negativa com a idade, a PImáx e o TC6 e correlação positiva com a sensação de dispneia e de fadiga. Conclusões: A QVRS medida pelo SGRQ das pacientes com DPOC desta pesquisa esteve muito comprometida, de modo a provocar limitações graves na funcionalidade, no controle da respiração e na vida pessoal.

Palavras-chave: Qualidade de vida; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Mulheres.

Introdução

A DPOC caracteriza-se clinicamente pela presença de obstrução ou limitação crônica ao fluxo aéreo, apresentando progressão lenta e não inteiramente reversível, e está associada a uma resposta inflamatória dos pulmões às partículas ou aos gases nocivos.(1,2) Embora a DPOC seja mais comum em homens, o número de casos e as taxas de mortalidade em mulheres vêm aumentando rapidamente.(3)

O tabagismo entre as mulheres vem aumentando paulatinamente em todo o mundo.(4) Desta maneira, temos que considerar que, em futuro próximo, as mulheres possam estar se comparando aos homens em relação à taxa de incidência para DPOC devido ao tabagismo. Somando-se a isso, ainda temos a fumaça produzida pela combustão da lenha, utilizada por muitas mulheres em várias cozinhas do nosso país, o que constitui um possível fator na gênese da DPOC.(5)

Mesmo diante das diferenças físicas, fisiológicas, hormonais, socioculturais e ocupacionais entre homens e mulheres, é especialmente ­relevante o estudo da DPOC em mulheres devido à combinação de fatores relacionados que afetam a etiologia e o progresso da DPOC nesse gênero.(5) As mulheres são mais suscetíveis a desenvolver DPOC em idade mais precoce e em gravidade maior do que os homens. Embora não se conheça com precisão as razões destas diferenças, sabe-se que os pulmões das mulheres são menores do que os dos homens e exigem, portanto, menor exposição à nicotina para produzir os efeitos negativos do tabaco.(6)

Os sintomas crônicos da DPOC (dispneia, sibilância, tosse, produção de expectoração e intolerância ao exercício, associados à ansiedade e à depressão) são os principais responsáveis pela alteração da relação entre saúde e qualidade de vida (QV). Entretanto, sabe-se que a gravidade dos sintomas nem sempre está diretamente relacionada com o grau de limitação ao fluxo aéreo ou com a oxigenação em repouso, motivo pelo qual houve um aumento do interesse no estudo da QV em pacientes portadores de DPOC.(7)

A QV relacionada à saúde (QVRS) apoia-se na compreensão das necessidades fundamentais, materiais e espirituais, referindo-se à capacidade de viver sem doenças ou de superar as dificuldades resultantes de condições mórbidas.(8) Define-se, então, a QVRS como o valor atribuído à duração da vida quando modificada pela percepção de limitações físicas, psicológicas, sociais e de oportunidades que são influenciadas pela doença ou por agravos à saúde.(9)

A QV pode ser definida como a quantificação do impacto da doença nas atividades de vida diária e no bem-estar do paciente, de maneira formal e padronizada. Nesse conceito, está implícita a importância do papel dos questionários padronizados de QV, que permitem a comparação objetiva, mediante pontuações com expressões numéricas absolutas ou percentuais, do impacto das intervenções utilizadas na DPOC.(10) Em portadores de DPOC, a QVRS pode ser medida a partir da identificação das atividades de vida diária perturbadas pelas limitações impostas pela doença. O Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ, Questionário do Hospital Saint George na Doença Respiratória), validado para o Brasil em 2000(11) e modificado em 2006,(12) constitui uma medida padronizada com boa reprodutibilidade e sensibilidade para mensurar, a partir das respostas do paciente, o impacto da doença na QV de pacientes com limitação ao fluxo aéreo.(7)

O número de novos casos de DPOC está crescendo quase três vezes mais rápido nas mulheres do que nos homens a cada ano. Apesar dessa tendência, há uma acentuada escassez de investigação relacionando a importância do gênero às questões de etiologia, diagnóstico, autocuidado, QVRS ou experiências da DPOC em mulheres.(13)

A investigação de informações sobre o tratamento, as condições de saúde e as políticas de assistência para os portadores de DPOC são de fundamental importância para entendermos melhor e respondermos ao crescente problema da DPOC em mulheres. Devido à escassez de trabalhos exclusivos com mulheres portadoras de DPOC, propusemos, nesta pesquisa pioneira, contribuir para a literatura com a correlação entre parâmetros clínicos e QVRS destas pacientes.

Métodos

Este estudo teve caráter transversal, envolvendo 30 mulheres portadoras de DPOC, acompanhadas pelo programa de controle e tratamento de DPOC no Ambulatório de Pneumologia do Hospital Universitário Presidente Dutra (APHUPD), no período de 04 de agosto de 2005 a 30 de outubro de 2006. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Presidente Dutra da Universidade Federal do Maranhão, parecer número 150/2005.

Os critérios de inclusão foram os seguintes: mulheres com diagnóstico de DPOC leve ou moderado, de acordo com o Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease,(14) encaminhadas para a avaliação pelos médicos do APHUPD, apresentando estado clínico estável e sem episódios de agudização nos últimos 30 dias. Foram critérios de exclusão: mulheres com episódio recente de angina instável e/ou infarto agudo do miocárdio, déficit cognitivo e doenças associadas que limitassem a realização deste estudo.

Os testes de função pulmonar foram realizados com um espirômetro (modelo Pulmowin versão 2.30E; DTLI Datalink Instruments, Grabels, França) no Laboratório de Prova de Função Pulmonar do APHUPD, utilizando-se como critério para a aceitação das curvas a proposta da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(15) Os valores previstos para a manobra de CVF e para a capacidade inspiratória foram baseados nos valores sugeridos para a população brasileira.(16)

A avaliação da QVRS ocorreu através dos domínios do SGRQ: 1) domínio sintomas: perguntas sobre as queixas dos problemas respiratórios (tosse, secreção, falta de ar e chiado no peito); 2) domínio atividades: questões relacionadas às atividades que normalmente têm provocado falta de ar nos últimos dias (tomando banho, sentado e caminhando); e 3) domínio impacto: como o paciente descreve a doença respiratória e se há interferência nas atividades funcionais (se a tosse e a falta de ar prejudicam suas atividades diárias). Os pontos de cada domínio do SGRQ foram somados e o total foi referido como percentual deste máximo. Valores acima de 10% refletiram QV alterada.(11)

As voluntárias da pesquisa foram avaliadas apenas uma vez: no dia de sua primeira consulta ou no dia de seu retorno ao médico do APHUPD. Primeiramente, foi aplicado o SGRQ, seguido da mensuração da PImáx e PEmáx e do teste de caminhada em seis minutos (TC6). O SGRQ foi aplicado sob a forma de entrevista, quando foram explicadas, de maneira clara e compreensível, as perguntas de cada domínio do questionário para a paciente poder respondê-las, sem haver influência na resposta.

Caso ainda existissem dúvidas, o pesquisador repetia a questão até que a paciente soubesse escolher a alternativa que julgasse correta.
As medidas da PImáx e PEmáx foram realizadas com o auxílio de um manovacuômetro (Comercial Médica, São Paulo, Brasil). A PImáx correspondeu ao índice da força diafragmática, e a PEmáx correspondeu à força da musculatura abdominal e intercostal.(17) Foram realizadas três manobras inspiratórias e três expiratórias com um clipe nasal, sendo escolhido o maior valor obtido. Para o registro da PImáx, o paciente foi orientado a expirar a partir da capacidade pulmonar total (CPT) até o volume residual com subsequente esforço inspiratório máximo contra uma válvula ocluída. Para medir a PEmáx, o paciente foi orientado a inspirar a partir do volume residual até a CPT com subsequente esforço expiratório máximo contra uma válvula ocluída.(17) Para o cálculo de normalidade das pressões respiratórias em mulheres, foi utilizada a fórmula segundo Black e Hyatt.(18)

No TC6, as pacientes permaneciam sentadas por 10 minutos. Após esse repouso, foram mensuradas a frequência cardíaca e a saturação de oxigênio com um oxímetro (modelo Onyx 9500; Nonin Medical Inc., Minneapolis, MN, EUA), assim como a frequência respiratória e a pressão arterial (sistólica e diastólica) com um esfigmomanômetro e um estetoscópio (Becton Dickinson, Franklin Lakes, NJ, EUA). A sensação de dispneia e fadiga foi medida pela escala de Borg.(19)

O TC6 obedeceu às recomendações da American Thoracic Society(20) para avaliar a distância máxima percorrida pela paciente durante os seis minutos. O TC6 foi realizado em uma área livre e coberta, no próprio local do APHUPD, com um trajeto de 15 metros lineares, demarcado a cada cinco metros com fita adesiva no chão.

As pacientes foram orientadas a caminhar dentro dos seus limites e somente até onde fosse possível durante os seis minutos. Caso sentissem cansaço ou qualquer outro desconforto limitante, eram instruídas a diminuir a velocidade ou a interromper o teste. Era permitido que as mesmas parassem ou descansassem para continuar o teste, se houvesse condições. Não houve incentivo para as pacientes acelerarem a caminhada. Ao completar os seis minutos, era registrada a distância percorrida de cada paciente enquanto as mesmas continuavam caminhando lentamente até parar e sentar.

Os dados foram processados através dos programas de bioestatística Statistical Package for the Social Sciences, versão 16.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e Epi Info 3.3.2. para análises estatísticas descritivas e inferências. Foi utilizado o teste t de Student para analisar as diferenças entre duas variáveis dependentes medidas antes e depois do TC6. Para verificar a direção e o grau de associação entre duas variáveis numéricas, utilizou-se o coeficiente linear de Pearson; entre duas variáveis ordinais ou nominais, utilizou-se o coeficiente de Spearman. Foram adotados um IC95% e o nível de significância estatística de p < 0,05.

Resultados

Foram incluídas 30 voluntárias no estudo, não havendo exclusão. Deste total, 14 pacientes tinham diagnóstico de DPOC leve (47%) e 16 de moderado, sendo 13 (43%) do tipo AII e 3 (10%) do tipo BII. As mulheres tinham em média 64,5 ± 10,4 anos de idade, 150,2 ± 6,5 cm de altura e índice de massa corpórea (IMC) de 23,9 ± 4,4 kg/m2. A função pulmonar apresentou valores médios de VEF1 de 58,2 ± 26,8% e CVF de 69,2 ± 26,4%, com índice de Tiffeneau de 62,1 ± 13,5.

A grande maioria das mulheres entrevistadas (86,7%) apresentou comprometimento da QVRS, em graus variados, de acordo com o escore total do SGRQ (%). Valores acima de 10% indicam alguma alteração da QV. Quanto maior o somatório do SGRQ, pior é a QVRS. Na Figura 1, observa-se que 7 mulheres encontram-se no primeiro quartil, com escore do SGRQ de 36,37%, sendo que deste total apenas 4 apresentaram percentual igual ou inferior a 10%. No segundo quartil foram 15 mulheres, com escore de 48,20%, e no terceiro quartil foram 23 mulheres, com escore de 70,46%.



No TC6, apenas a frequência cardíaca (p = 0,0431), a frequência respiratória (p = 0,0001) e a sensação de dispneia e fadiga (p = 0,0001) medida pela escala de Borg tiveram significância estatística quando comparados antes e após o teste por meio do teste t de Student.

A distância total percorrida no TC6 pelas pacientes foi, em média, de 317,7 ± 77,9 m. Essa média ficou 34,8% (169,7 m) abaixo da distância esperada (487,4 m) e foi 9,3% (32,6 m) menor que o limite inferior (350,2 m) esperado para idade e sexo. Houve alteração significante (p = 0,0001) entre a média da distância percorrida no TC6 e as médias da distância esperada e do limite inferior previstas para a idade. A força muscular respiratória da população estudada também foi inferior aos valores esperados para a idade, principalmente a PEmáx, com diferença significante entre as médias obtidas de PImáx (p = 0,0001) e de PEmáx (p = 0,0001) e suas respectivas médias previstas para a idade.

Não apresentaram correlação com a QVRS o IMC (p = 0,3064), a PEmáx (p = 0,0809) e a prova de função pulmonar (p = 0,3720). No entanto, a QVRS manteve correlação linear negativa com a idade e a PImáx (Figura 2).



A QVRS ainda manteve correlação negativa com a distância percorrida no TC6 e correlação positiva com a sensação de dispneia e fadiga medida pela escala de Borg (Figura 3).



Discussão

Mesmo se tratando de pacientes portadoras de DPOC em acompanhamento para o controle das exacerbações da doença pelo APHUPD, a QVRS, aferida pelo SGRQ, esteve alterada em praticamente todas as pacientes avaliadas neste estudo. As dificuldades impostas pela doença, a dispneia e a limitação funcional contribuíram consideravelmente para a baixa percepção de QVRS. Além disso, dificuldades socioeconômicas e a falta de apoio familiar também estiveram associadas a estes resultados. A DPOC foi considerada como o maior problema das pacientes desta pesquisa e como fator limitante de quase tudo que elas desejariam fazer. Há relatos na literatura que pacientes com DPOC sentem-se estigmatizados por pessoas à sua volta, bem como pelos seus médicos. Em pesquisa abordando esse tema,(21) os pacientes inquiridos descreveram um sentimento pessoal de vergonha e embaraço com o uso de oxigênio complementar devido à associação da DPOC ao tabagismo. Em outro estudo,(22) de caráter qualitativo, 21 mulheres com DPOC relataram que se sentiam estigmatizadas com o resultado de sua doença. Acrescentaram ainda haver um sentimento de angústia quando estavam fazendo o maior esforço para respirar e se deparavam na rua com as outras pessoas.
Mulheres com DPOC têm tido pontuações mais baixas do que homens em estudos de QVRS. Utilizando o SGRQ,(23) alguns autores relataram baixa QVRS com significativa pontuação nos domínios atividade e sintomas. Todos estes resultados sugerem a necessidade de se avaliar os fatores psicológicos, socioeconômicos e socioculturais na população feminina com DPOC como um possível meio de entendimento e explicação das alterações na QVRS.(23)

Observou-se também que a distância percorrida no TC6 e as pressões estáticas máximas (PImáx e PEmáx), mensuradas nesta pesquisa, ficaram muito aquém do esperado para a idade e sexo. Durante o TC6, as mulheres avaliadas não atingiram nem a distância do limite inferior previsto. Estes resultados representam uma elevada limitação física e funcional destas pacientes, provocando condições de saúde insuficientes para o desenvolvimento de atividades de vida diária normais, como vestir-se, alimentar-se, falar, caminhar dentro de casa, banhar-se e dormir.
Além disso, os resultados indicam seu isolamento social em função de não disporem de condições mínimas de deslocamento entre as casas na vizinhança, igrejas e mercados. Estes resultados corroboram os de outro estudo prospectivo,(24) no qual se relatou que as limitações da DPOC dificultavam a realização de atividades de baixa resistência, tal como no TC6. Ainda no mesmo estudo, os autores relataram que os pacientes portadores de DPOC que apresentaram maior distância percorrida no TC6 tinham maior sobrevida quando comparados àqueles que tiveram pior rendimento no TC6. Estes autores concluíram que o TC6 correlacionou-se de forma significativa com o VEF1, sugerindo que o TC6 pode auxiliar na avaliação da função pulmonar, da sobrevida e do nível de funcionalidade física dos portadores de DPOC.

Valores baixos de força muscular respiratória nestas pacientes refletem, considerando-se as medidas da PImáx, um esforço inspiratório a partir de um volume pulmonar anormalmente elevado. Do mesmo modo, a redução da PEmáx nestas pacientes decorre da diminuição da CPT, o que resulta em alterações no comprimento dos músculos expiratórios e em perda de força expiratória.(25) O papel da hiperinsuflação na geração da dispneia e na limitação ao exercício em pacientes com DPOC foi claramente estabelecido. A medida da capacidade inspiratória reflete o grau de hiperinsuflação na DPOC, que também é influenciada pela força dos músculos inspiratórios e pela extensão da carga mecânica imposta a estes músculos.(26) Atualmente, sabe-se que outras medidas, como a capacidade inspiratória, têm maior correlação com os sintomas da DPOC, principalmente a dispneia, que é um dos principais determinantes da alteração da QV.(27) A progressão da doença causa impacto sobre os papéis, as responsabilidades e as interações sociais e familiares, resultando em profundas mudanças na QV dos indivíduos e de suas famílias por um período prolongado.(27)

As pacientes mais jovens deste estudo tiveram um comprometimento da QVRS maior do que as mais idosas. Estes resultados apresentam-se diferentes dos encontrados na literatura, onde normalmente há uma relação direta, e não inversa, entre a idade e o desempenho funcional baixo ou QV diminuída. Os pacientes com DPOC são geralmente mais velhos e provavelmente associam, em parte, a redução da capacidade de realizar atividades com a idade.(25) Outros pesquisadores(28)
acrescentam que para manter a QV, mesmo diante do aumento progressivo da idade, é necessário que haja alimentação adequada às necessidades nutricionais individuais, equilíbrio emocional e prática regular de atividade física. Talvez a explicação para os resultados da nossa pesquisa seja o fato de que as pacientes idosas procuravam tratamento e acompanhamento no segmento de DPOC do APHUPD, apresentando maior adesão ao programa, com assiduidade e frequência maiores do que as pacientes mais jovens. Estas comumente procuravam o segmento de DPOC apenas quando estavam em crise de dispneia, evitando participar integralmente do programa de acompanhamento e controle da DPOC. Os sintomas da DPOC são os maiores determinantes da alteração da QV e frequentemente constituem o principal motivo para a procura do serviço de saúde, pois os portadores de DPOC leves são oligossintomáticos e só procuram assistência no período de crise da doença.(29)

No presente estudo, não houve, para nenhum dos domínios do SGRQ, correlação linear da QVRS das pacientes com o IMC e nem com a função pulmonar. Já em um estudo sobre a influência de características gerais na QV de pacientes com DPOC,(28) houve correlação significativa do domínio impacto com o IMC e com a função pulmonar, assim como do domínio sintomas com o IMC. Ainda no mesmo estudo, os autores relataram que, quando a função pulmonar foi submetida à regressão múltipla, não houve influência desta com nenhum dos domínios do SGRQ.

No entanto, quanto pior foi a QVRS das pacientes avaliadas, pior foi o resultado da capacidade funcional, medida pelo TC6, e pior a força inspiratória (PImáx), ou seja, quanto menor à distância percorrida no TC6, maior o somatório das respostas do questionário do SGRQ e, portanto, pior a QVRS. Em um estudo similar,(25) houve correlação negativa do TC6 com os domínios atividades e impacto, apontada como um reflexo de limitada atividade funcional e física dos pacientes pesquisados. Em outro estudo,(23) os autores também demonstraram correlações negativas entre o teste de caminhada de 12 minutos e os domínios atividades e impacto, confirmadas por regressão múltipla. A baixa capacidade ao exercício e a dispneia constituem fatores etiológicos, diferentes dos tradicionais, que resultam em comprometimento da QVRS de pacientes com DPOC.(23)

A sensação de dispneia e de fadiga foi bem maior para as pacientes que tiveram pior QVRS. A dispneia deixa a paciente com DPOC com dificuldades de realizar atividades simples de vida diária como vestir-se, banhar-se e alimentar-se, tornando-se o principal sintoma associado à incapacidade, à redução da QV e ao pior prognóstico. Em um estudo,(30) foi confirmado que doentes com DPOC moderada e grave possuem uma acentuada diminuição da QVRS e que a dispneia constitui o principal fator limitante da DPOC.

Conclui-se, pois, que a QVRS, medida pelo SGRQ, das pacientes com DPOC desta pesquisa esteve muito comprometida, de modo a provocar limitações graves na funcionalidade e no controle da respiração. O reduzido condicionamento físico desencadeia restrições nas atividades de vida diária destas pacientes, isolando-as do convívio social e prejudicando suas relações pessoais e familiares. Investigações exclusivas com mulheres com DPOC, como nesta pesquisa, tornam-se importantes para conhecermos a complexa relação desta doença com o sexo e suas complicações associadas. Além disso, os resultados encontrados sugerem a necessidade de outros estudos comparativos entre homens e mulheres, abordando aspectos da QVRS.

Referências


1. Pauwels RA, Buist AS, Calverley PM, Jenkins CR, Hurd SS; GOLD Scientific Committee. Global strategy for the diagnosis, management, and prevention of chronic obstructive pulmonary disease. NHLBI/WHO Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) Workshop summary. Am J Respir Crit Care Med. 2001;163(5):1256-1276.

2. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. II Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica - DPOC. J Pneumol. 2004;30 Suppl 5:S1-S42.

3. Mathers CD, Loncar D. Projections of global mortality and burden of disease from 2002 to 2030. PLoS Med. 2006;3(11):e442.

4. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes para cessação do tabagismo. J Pneumol. 2004;30 Suppl 2:S3-S76.

5. Godoy I, Tanni SE, Coelho LS, Martin RS, Parenti LC, Andrade LM, et al. Smoking cessation program as a tool for the early diagnosis of chronic obstructive pulmonary disease. J Bras Pneumol. 2007;33(3):282-6.

6. Mustonen TK, Spencer SM, Hoskinson RA, Sachs DP, Garvey AJ. The influence of gender, race, and menthol content on tobacco exposure measures. Nicotine Tob Res. 2005;7(4):581-90.

7. Jones PW. Health status measurement in chronic obstructive pulmonary disease. Thorax. 2001;56(11):880-7.

8. Minayo MC, Hartz ZM, Buss PM. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Ciênc Saúde Coletiva. 2000;5(1):7-18.

9. Gerhardt CA, Britto MT, Mills L, Biro FM, Rosenthal SL. Stability and predictors of health-related quality of life of inner-city girls. J Dev Behav Pediatr. 2003;24(3):189-94.

10. Jones PW, Quirk FH, Baveystock CM. The St George's Respiratory Questionnaire. Respir Med. 1991;85 Suppl B:25-31; discussion 33-7.

11. Sousa TC, Jardim JR, Jones P. Validação do questionário do Hospital Saint George na Doença Respiratória (SGRQ) em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica no Brasil. J Pneumol. 2000;26(3):119-128.

12. Camelier A, Rosa FW, Salim C, Nascimento OA, Cardoso FC, Jardim JR. Using the Saint George's Respiratory Questionnaire to evaluate quality of life in patients with chronic obstructive pulmonary disease: validating a new version for use in Brazil. J Bras Pneumol. 2006;32(2):114-22.

13. Mannino DM, Homa DM, Akinbami LJ, Ford ES, Redd SC. Chronic obstructive pulmonary disease surveillance--United States, 1971-2000. Respir Care. 2002;47(10):1184-99.

14. GOLD ‑ Global strategy for the diagnosis, management, and prevention of chronic obstructive pulmonary disease [homepage on the Internet]. Executive Summary, Global Strategy for the Diagnosis, Management, and Prevention of COPD. Updated 2005 [cited 2006 Nov 19]. Available from: http://goldcopd.org/Guidelineitem.asp?l1=2&l2=1&intId=1389

15. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes para Testes de Função Pulmonar. J Pneumol. 2002;28 Suppl 3:S1-S221.

16. Pereira CA. Espirometria. J Pneumol. 2002;28 Suppl 3:S1-S82.

17. Souza RB. Pressões respiratórias estáticas máximas. J Pneumol. 2002;28 Suppl 3:S155-S165.

18. Black LF, Hyatt RE. Maximal respiratory pressures: normal values and relationship to age and sex. Am Rev Respir Dis. 1969;99(5):696-702.

19. Borg GA. Psychophysical bases of perceived exertion. Med Sci Sports Exerc. 1982;14(5):377-81.

20. ATS Committee on Proficiency Standards for Clinical Pulmonary Function Laboratories. ATS statement: guidelines for the six-minute walk test. Am J Repir Crit Care Med. 2002;166(1):111-7.

21. Earnest MA. Explaining adherence to supplemental oxygen therapy: the patient's perspective. J Gen Intern Med. 2002;17(10):749-55.

22. O'Neill ES. Illness representations and coping of women with chronic obstructive pulmonary disease: a pilot study. Heart Lung. 2002;31(4):295-302.

23. De Torres JP, Casanova C, Hernandez C, Abreu J, Aguirre-Jaime A, Celli BR. Gender and COPD in patients attending a pulmonary clinic. Chest. 2005;128(4):2012-6.

24. Rodrigues SL, Assis-Viegas CA. Estudo de correlação entre provas funcionais respiratórias e o teste de caminhada de seis minutos em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica. J Pneumol. 2002;28(6):324-8.

25. O'Donnell DE. Hyperinflation, dyspnea, and exercise intolerance in chronic obstructive pulmonary disease. Proc Am Thorac Soc. 2006;3(2):180-4.

26. Freitas CG, Pereira CA, Assis CA. Inspiratory capacity, exercise limitation, markers of severity, and prognostic factors in chronic obstructive pulmonary disease. J Bras Pneumol. 2007;33(4):389-96.

27. Hajiro T, Nishimura K, Tsukino M, Ikeda A, Oga T. Stages of disease severity and factors that affect the health status of patients with chronic obstructive pulmonary disease. Respir Med. 2000;94(9):841-6.

28. Dourado VZ, Antunes LC, Carvalho LR, Godoy I. Influence of general clinical parameters on the quality of life of chronic obstructive pulmonary disease patients. J Bras Pneumol. 2004;30(3):207-214.

29. Lindberg A, Bjerg A, Rönmark E, Larsson LG, Lundbäck B. Prevalence and underdiagnosis of COPD by disease severity and the attributable fraction of smoking Report from the Obstructive Lung Disease in Northern Sweden Studies. Respir Med. 2006;100(2):264-72. Erratum in: Respir Med. 2007;101(12):2569

30. Sant'Anna CA, Stelmach R, Zanetti Feltrin MI, Filho WJ, Chiba T, Cukier A. Evaluation of health-related quality of life in low-income patients with COPD receiving long-term oxygen therapy. Chest. 2003;123(1):136-141.



Trabalho realizado no Programa de Assistência ao Portador de Asma (PAPA) da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - São Luís (MA) Brasil.
Endereço para correspondência: Nilton Maciel Mangueira. Rua da Física, 17, Qd 11, Cohafuma, CEP 65074-210, São Luís, MA, Brasil.
Tel 55 98 3256-2804. E-mail: niltonlama@yahoo.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 18/2/2008. Aprovado, após revisão, em 26/8/2008.



Sobre os autores

Nilton Maciel Mangueira
Professor Assitente I. Disciplina de Fisioterapia em Pneumologia, Faculdade Santa Terezinha - CEST, São Luis (MA) Brasil.
Isabel Lucena Viega
Graduanda em Fisioterapia. Faculdade Santa Terezinha - CEST - São Luís (MA) Brasil.
Melissa de Almeida Melo Maciel Mangueira
Professora. Faculdade Santa Terezinha - CEST - São Luís (MA) Brasil.
Alcimar Nunes Pinheiro
Professor Adjunto IV. Departamento de Medicina I, Universidade Federal do Maranhão, São Luís (MA) Brasil.
Maria do Rosário da Silva Ramos Costa
Professora Adjunta III. Departamento de Medicina I, Universidade Federal do Maranhão, São Luís (MA) Brasil.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia