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Relato de Caso

Doença de Madelung como causa rara de apneia obstrutiva do sono

Madelung's disease as a rare cause of obstructive sleep apnea

Vitor Alexandre Oliveira Fonseca, Carlos Alves, Helena Marques, Elvira Camacho, António Pinto Saraiva

ABSTRACT

Madelung's disease, or multiple symmetric lipomatosis, is a rare disease, characterized by accumulation of unencapsulated fat, generally located symmetrically around the neck and shoulders. Here, we present the case of a patient with diffuse lipomatosis accompanied by obstructive sleep apnea due to cervical involvement and facial deformity, which made it necessary to use nasal pillows for ventilation. The patient was hospitalized with a diagnosis of pneumonia and required noninvasive ventilation due to severe hypercapnia. A brief review of the literature was made, and we describe and discuss the investigation of this rare clinical case.

Keywords: Lipomatosis, multiple symmetrical; Sleep apnea, obstructive; Continuous positive airway pressure; Masks.

RESUMO

A doença de Madelung ou lipomatose simétrica múltipla é uma doença rara, caracterizada pelo acúmulo de tecido adiposo não-encapsulado, localizado simetricamente ao redor do pescoço e na região escapular. Os autores apresentam um caso de associação entre lipomatose difusa e apneia obstrutiva do sono, devido ao envolvimento cervical e à deformação facial que exigiu a utilização de almofadas nasais para a ventilação. O doente foi admitido com o diagnóstico de pneumonia com necessidade de ventilação não-invasiva devido à hipercapnia grave. É apresentada uma breve revisão da literatura, e descrevemos e discutimos a investigação clínica deste raro caso clínico.

Palavras-chave: : Lipomatose simétrica múltipla; Apneia do sono tipo obstrutiva; Pressão positiva contínua nas vias aéreas; Máscaras.

Introdução

A doença de Madelung ou lipomatose simétrica múltipla é uma doença rara, caracterizada pelo acúmulo de tecido adiposo não-­encapsulado, localizado simetricamente ao redor do pescoço e na região escapular. A doença foi documentada pela primeira vez em 1846 por Brodie e posteriormente por Madelung em 1888 e por Launois & Bensaude em 1898.(1,2) Essa doença tem sido chamada por outros nomes, tais como lipoma anulare colli, morbus Launois-Bensaude, colar de cavalo, ­lipomatose simétrica múltipla e lipomatose simétrica benigna. Em pacientes que apresentam massas que aumentam o diâmetro do pescoço, a doença assume gradualmente a aparência de um colar de cavalo.(2) Embora de etiologia desconhecida, é vista frequentemente em pacientes com história de alcoolismo crônico, e é geralmente acompanhada por hiperuricemia, dislipidemia, anemia macrocítica, neuropatia periférica, intolerância à glicose, acidose tubular renal e uso do álcool.(3-5) Essas massas de gordura causam desfiguramento facial e são acompanhadas por sintomas digestivos e respiratórios. A maioria dos pacientes com a doença de Madelung apresentam mobilidade reduzida do pescoço, abertura limitada da boca e compressão de estruturas vitais, causando sérios problemas à respiração e intubação orotraqueal. A compressão extrínseca sintomática ou o deslocamento de estruturas internas tais como as da traqueia foram descritas na literatura.(5) Uma ampla circunferência do pescoço provavelmente reflete um depósito maior de gordura e de tecidos moles, que é associado mais significativamente à apneia do sono.(6,7)

Essa condição afeta, principalmente, homens entre 30 e 60 anos de idade, com uma razão homem/mulher que varia de 15:1 a 30:1,(8) e sua prevalência é mais elevada na região do Mediterrâneo.(9) Embora a incidência real da doença seja desconhecida, ela é geralmente considerada muito baixa, e apenas 200 casos foram relatados até a presente data. Entretanto, alguns autores acreditam que a prevalência da doença pode ser mais elevada em algumas populações; por exemplo, entre homens na Itália, estima-se que a taxa de incidência seja de 1/25.000.(10)

Em pacientes com a doença de Madelung, as possibilidades terapêuticas são limitadas e pequenas são as chances de sucesso. Os lipomas não respondem à intervenção dietética ou à cessação do consumo de álcool, e não mostram tendência à regressão.(11) O tratamento padrão é a excisão cirúrgica ou lipoaspiração.(12,13) Os resultados são frequentemente insatisfatórios em virtude do mero número de lipomas e de recidivas bastante frequentes.(11) Como a obesidade é frequentemente acompanhada por apneia obstrutiva do sono,(14-16) parece razoável suspeitar de apneia do sono em pacientes com a doença de Madelung, sonolência diurna e fadiga.(16) Em um estudo recente realizado no Brasil,(17) foram avaliados 300 pacientes com apneia do sono, 271 (90,3%) dos quais foram considerados com sobrepeso ou obesos. Os autores descobriram que o índice de massa corpórea foi o parâmetro clínico de maior impacto sobre a gravidade da doença (índice de apneia-hipopneia, porcentagem de tempo total de sono em apneia e SpO2 mínima). A hipoxemia noturna intermitente também tem sido extensamente estudada em pacientes com síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), bem como em modelos experimentais, e tem sido fortemente associada a inúmeras disfunções que afetam tais pacientes, tais como anormalidades cardíacas, anormalidades musculares, hipertensão arterial pulmonar, neuropatia periférica e anormalidades autonômicas, todas as quais são associadas à diminuição da capacidade para o exercício,(18) menor produtividade e maior morbidade.

Citando Martinez,(19) "O tratamento de pacientes com [SAOS] potencialmente reduziria os custos de bilhões de dólares em danos materiais e evitaria mortes prematuras. Os pneumologistas, mantendo sua tradição de combater doenças temidas como a tuberculose, e insidiosas como o tabagismo, devem confrontar-se com a tarefa de tornar a SAOS, de doença ainda desconhecida, em causa tratável de morbidade e mortalidade para o paciente e seus circunstantes."

Apresentamos um caso de associação entre lipomatose difusa e apneia obstrutiva do sono, devido ao envolvimento cervical e traqueal, e com deformação facial que causou problemas à adaptação do paciente à ventilação não-invasiva.

Relato de caso

Homem branco de 62 anos de idade foi admitido ao PS queixando-se de tosse, produção de catarro e dispneia progressiva há 30 dias. Ele havia sido diagnosticado com a doença de Madelung aos 30 anos, tendo sido submetido à cirurgia plástica para a remoção de lipoma em várias ocasiões. Ele também tinha história de diabetes, abuso de álcool, doença hepática crônica e varizes esofágicas. O paciente havia sido submetido à esplenectomia seletiva cinco anos antes e necessitou de ventilação mecânica invasiva por 2 dias na UTI. O paciente apresentava-se taquipneico e cianótico à admissão, com SpO2 de 84%. A radiografia do tórax revelou um infiltrado bilateral difuso sem consolidação evidente.
Os resultados da gasometria arterial mostravam PaCO2 de 64 mmHg, PaO2 de 49 mmHg e pH normal. O paciente também apresentava parâmetros inflamatórios agudos elevados, leucocitose e altos níveis de proteína C reativa, sugestivos de uma infecção respiratória.

Admitido à área de pneumologia, o paciente iniciou tratamento com antibióticos e foi submetido à ventilação contínua em bilevel positive air pressure (BiPAP, pressão positiva em dois níveis), necessitando pressões de nível elevado para manter um SpO2 > 90% e normalizar o PaCO2 - inspiratory positive air pressure (IPAP, pressão positiva inspiratória): 24 cmH2O; expiratory positive air pressure (EPAP, pressão positiva expiratória): 8 cmH2O.

As condições clínicas do paciente melhoraram progressivamente, com a subsequente redução das pressões BiPAP e do uso do ventilador, que foi interrompido no 6º dia de internação em virtude do aparecimento de ulcerações faciais causadas pela máscara nasal. Durante a primeira noite sem ventilação não-invasiva, houve longos períodos de dessaturação de oxigênio (SpO2 < 88%) e ronco. O paciente foi então submetido à TC cervicofacial (Figuras 1 e 2) e a um estudo cardiorrespiratório do sono.






O estudo do sono levou aproximadamente 8 h, revelando grave apneia obstrutiva do sono (índice de apneia-hipopneia: 37 eventos/h; índice de apneias obstrutivas: 29 eventos/h; mediana de saturação periférica de oxigênio durante o sono: 88%; índice de dessaturação de oxigênio: 51%/h; e SpO2 mínima: 51%). A TC revelou várias áreas de depósitos de gordura no mediastino, causando uma redução no calibre da traqueia de 1 cm transversalmente e 4 cm ântero-posteriormente. A titulação da continuous positive airway pressure (CPAP, pressão positiva contínua nas vias aéreas) foi realizada na segunda noite, e o paciente recebeu alta. Em casa, o paciente permaneceu em ventilação BiPAP (EPAP: 8 cmH2O; IPAP: 16 cmH2O), realizada através de almofadas nasais (Figura 3).



O estudo cardiorrespiratório do sono foi repetido quatro semanas depois, e os resultados confirmaram o diagnóstico de SAOS grave, com valores semelhantes àqueles obtidos no primeiro estudo do sono.

Discussão

No presente caso, os lipomas causaram um alargamento da circunferência do pescoço e uma redução sintomática no diâmetro da traqueia com acometimento das vias aéreas, especialmente durante a noite, causando vários eventos de apneia obstrutiva do sono. Como esse paciente tinha uma história de cirurgia plástica com recidiva dos lipomas, uma solução cirúrgica não foi a primeira escolha terapêutica, tendo sido preferido o uso da CPAP.

A deformação facial, que prejudicou o uso de máscaras nasais ou faciais, apresentou um desafio considerável. Durante os primeiros dias na clínica, usando uma máscara nasal, o paciente apresentou múltiplas lesões faciais e ulceração de pele. A solução foi usar almofadas nasais, que aumentaram o conforto com menor risco de vazamentos, promovendo a adesão do paciente ao tratamento.

Em nossa revisão da literatura (Medline), encontramos apenas alguns relatos de caso de pacientes com a doença de Madelung e SAOS,(20-23) confirmando a raridade dessa condição clínica e nos alertando para a necessidade da triagem do sono em pacientes com a doença de Madelung, em virtude do risco de SAOS.

Referências

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Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia, Hospital Nossa Senhora do Rosário - HNSR - Barreiro, Portugal.
Endereço para correspondência: Vitor A. O. Fonseca. Av. Movimento das Forças Armadas, s/n, 2830-094, Barreiro, Portugal.
Tel 351 21 214 73 00. E-mail: vitor_fonseca@sapo.pt
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 2/3/2009. Aprovado, após revisão, em 10/8/2009.



Sobre os autores

Vitor Alexandre Oliveira Fonseca
Interno. Internato Complementar de Pneumologia, Hospital Nossa Senhora do Rosário - HNSR - Barreiro, Portugal.

Carlos Alves
Assistente Hospitalar de Pneumologia. Hospital Nossa Senhora do Rosário - HNSR - Barreiro, Portugal.

Helena Marques
Assistente Hospitalar de Pneumologia. Hospital Nossa Senhora do
Rosário - HNSR - Barreiro, Portugal.

Elvira Camacho
Chefe de Serviço de Pneumologia. Hospital Nossa Senhora do Rosário - HNSR - Barreiro, Portugal.

António Pinto Saraiva
Chefe de Serviço de Pneumologia. Hospital Nossa Senhora do Rosário - HNSR - Barreiro, Portugal.

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