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Artigo Original

Características da tuberculose pulmonar em área hiperendêmica - município de Santos (SP)

Characteristics of pulmonary tuberculosis in a hyperendemic area-the city of Santos, Brazil

Andrea Gobetti Vieira Coelho, Liliana Aparecida Zamarioli, Carmen Argüello Perandones, Ivonete Cuntiere, Eliseu Alves Waldman

ABSTRACT

Objective: To characterize the profile of patients with pulmonary tuberculosis (PTB) in the city of Santos, Brazil, according to biological, environmental and institutional factors. Methods: Descriptive study, using the TB surveillance database, including patients with PTB, aged 15 years or older, residing in the city of Santos and whose treatment was initiated between 2000 and 2004. Results: We identified 2,176 cases, of which 481 presented a history of TB. Of those 481 patients, 29.3% were cured, and 70.7% abandoned treatment. In 61.6% of the cases, the diagnosis was confirmed by sputum smear microscopy, whereas it was confirmed based on clinical and radiological criteria in 33.8%; 69.0% were male; and 69.5% were between 20 and 49 years of age. There were 732 hospitalizations, and the mean length of hospital stay was 32 days (first hospitalization). The prevalence of alcoholism, diabetes and TB/HIV coinfection was, respectively, 11.7%, 8.2% and 16.2%. The prevalence of TB/HIV coinfection decreased from 20.7% to 12.9% during the study period. The treatment outcome was cure, abandonment, death from TB and death attributed to TB/HIV coinfection in 71.0%, 12.1%, 3.9% and 2.5%, respectively. The directly observed treatment, short-course (DOTS) was adopted in 63.4% of cases, and there were no significant differences between DOTS and the conventional treatment approach in terms of outcomes (p > 0.05). The mean annual incidence of PTB was 127.9/100,000 population (range: 72.8-272.92/100,000 population, varying by region). The mean annual mortality rate for PTB was 6.9/100,000 population. Conclusions: In areas hyperendemic for TB, DOTS should be prioritized for groups at greater risk of treatment abandonment or death, and the investigation of TB contacts should be intensified.

Keywords: Tuberculosis, pulmonary; Epidemiology, descriptive; Control.

RESUMO

Objetivo: Caracterizar o perfil dos pacientes com tuberculose pulmonar (TBP) no município de Santos (SP) segundo fatores biológicos, ambientais e institucionais. Métodos: Estudo descritivo, com dados obtidos na vigilância da TB, abrangendo pacientes com TBP maiores de 15 anos de idade, residentes em Santos (SP) e com tratamento iniciado entre 2000 e 2004. Resultados: Foram identificados 2.176 casos, e 481 apresentavam história prévia de TB. Desses, 29,3% curaram-se no episódio anterior, e 70,7% abandonaram o tratamento. Em 61,6% e em 33,8% dos casos, o diagnóstico foi confirmado por baciloscopia e por critérios clínico-radiológicos, respectivamente; 69.0% eram homens, e 69,5% situavam-se entre 20 a 49 anos. Houve 732 hospitalizações, com tempo médio de permanência de 32 dias na primeira internação. A prevalência de alcoolismo, diabetes e coinfecção TB/HIV foi de, respectivamente, 11,7%, 8,2% e 16,2%, com declínio dessa última de 20,7% para 12,9% no período de estudo. O desfecho do tratamento para 71,0%, 12,1%, 3,2% e 3,3% foi, respectivamente, cura, abandono, óbito por TB e óbito por TB/HIV. O tratamento supervisionado de curta duração foi aplicado em 63,4% dos casos, e não houve diferenças nos desfechos entre os tipos de tratamento (p > 0,05). A incidência anual média de TBP foi de 127,9/100.000habitantes (variação: 72,8-272,92/100.000 conforme a região). A taxa anual média de mortalidade por TBP foi de 6,9/100.000 habitantes. Conclusões: Em áreas hiperendêmicas de TB, o tratamento supervisionado de curta duração deve ser priorizado para os grupos de risco para o abandono de tratamento ou óbito, e a busca de TB entre contatos deve ser intensificada.

Palavras-chave: Tuberculose pulmonar; Epidemiologia descritiva; Controle.

Introdução

O Brasil está entre os 21 países em desenvolvimento que contribuem com cerca de 80% dos casos novos de tuberculose (TB) que ocorrem em todo o globo.(1) Na América Latina, o Peru e o Brasil respondem por 50% dos casos de TB da região.(2) Nos últimos anos, assistimos ao declínio da sua incidência em nosso país; no entanto, em 2004, essa ainda mantinha-se elevada, em torno de 44,6/100.000 habitantes, enquanto a taxa de mortalidade situava-se em torno de 2,1/100.000 habitantes.(3)
No estado de São Paulo, em 2004, a morbidade e a mortalidade por TB aproximava-se da média nacional (41,9 e 2,5/100.000 habitantes, respectivamente),(3) e 10 dos seus 647 municípios concentram 53% dos casos novos, destacando-se, entre os mais atingidos, os da região metropolitana da Baixada Santista, onde Santos é o que apresenta a situação mais preocupante, com taxas muito superiores à média estadual.(4)

Para a elaboração de intervenções de saúde pública, focalizando especificamente áreas hiperendêmicas, é indispensável analisar os indicadores de desempenho do programa de controle da TB, em especial suas taxas de cura, abandono, óbito e retratamento, assim como a cobertura do directly observed therapy, ­short-course (DOTS, tratamento supervisionado de curta duração). Por outro lado, a vigilância da TB constitui uma fonte de informação privilegiada para tal análise, por abranger o universo dos casos conhecidos da doença.

Considerando a magnitude da TB como um problema de saúde pública, a importância econômica do município de Santos (SP) e o pequeno número de publicações a respeito,(5) nos propusemos a descrever o comportamento da TB pulmonar (TBP) nesse município, com fundamento em dados do sistema de vigilância. Os objetivos principais do trabalho abrangem a estimativa das taxas de incidência e de mortalidade, a magnitude dos retratamentos, das hospitalizações, assim como os principais desfechos do tratamento (cura, óbito e abandono).

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo, cuja área de interesse abrangeu o município de Santos (SP), situado na Região Metropolitana da Costa da Mata Atlântica. Com cerca de 420.000 habitantes, é o município mais populoso da região e o de maior densidade demográfica do estado, com uma taxa de urbanização de 99,5% e índice de desenvolvimento humano de 0,837, em 2000.(6,7) O Índice Paulista de Vulnerabilidade Social do município demonstra indicadores satisfatórios, com 76,5% da sua população classificada como sem nenhuma ou com baixa vulnerabilidade (Grupos 1 e 2), possuindo bons níveis de riqueza e escolaridade, mas com deficiências nos indicadores de longevidade (Grupo 2).(6)

A população de estudo foi formada pelos casos de pacientes com TBP notificados à Vigilância da TB da Divisão Regional de Saúde da Baixada Santista (DRS-4), residentes e submetidos ao tratamento no município de Santos, com idade acima de 15 anos, independente do sexo, no período entre 1 de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2004.

Definimos como caso de TBP, indivíduos com 15 anos ou mais, de ambos os sexos, residentes no município de Santos, com quadro clínico compatível de TB e confirmação por meio de baciloscopia de escarro ou cultura com isolamento de M. tuberculosis e/ou radiografia de tórax com imagem sugestiva de TB.

Foram excluídos os pacientes tratados no município de Santos, mas residentes em outros municípios, casos de TB apresentando outra forma clínica que não a pulmonar, casos que apresentaram mudança de diagnóstico ou ainda aqueles para os quais não dispúnhamos de informações que permitissem confirmar o caso nas fontes consultadas sobre essas características.

As fontes de dados foram as seguintes: i) Sistema de Vigilância da TB da DRS-4 da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES), com dados obtidos das Fichas de Notificação Epidemiológica de TB; ii) Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo da SES; iii) Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, como fonte de dados demográficos utilizados para as estimativas de taxas de incidência e de mortalidade.

Para evitar a perda de informações por atraso no registro, os dados utilizados nesta pesquisa foram atualizados até 31 de dezembro de 2005.
As variáveis de interesse abrangeram as características sociodemográficas, história atual e pregressa de TB, aspectos relativos ao diagnóstico, desfechos de tratamento, comorbidades, características dos serviços, taxa de morbidade e taxa de mortalidade. As informações relativas a alcoolismo e diabetes utilizadas foram as registradas na ficha de notificação, sem exames ou investigações complementares.

Os dados analisados foram fornecidos pela DRS-4, em formato Epi Info, versão 6.4. Após a análise de consistência, esses foram convertidos para o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 14 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA), procedendo-se a recategorização das variáveis e a sua análise.

A análise descritiva foi realizada por meio de comparações de médias e proporções; para variáveis categóricas, utilizamos o teste do qui-quadrado de Pearson e o teste exato de Fischer e, para variáveis contínuas, o teste de Kruskal-Wallis.

Para os cálculos das taxas anuais médias de incidência e de mortalidade de TBP, referentes ao período de interesse, tomaram-se como numeradores os casos novos e os óbitos identificados no período, respectivamente, e, como denominador, a população com 15 anos ou mais na metade do período, dividindo-se em seguida cada taxa por cinco. O município de Santos foi dividido geograficamente em seis áreas: Orla Marítima, Centro/Porto, Área Central, Zona Noroeste, Morros e Área Continental. As áreas Centro e Porto foram analisadas como uma única área por apresentarem características socioeconômicas semelhantes.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto Adolfo Lutz de São Paulo da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, registrado sob o número 25 em abril de 2006.

Resultados

O banco de dados analisado foi previamente selecionado pela equipe da vigilância da TB da DRS-4, constituído somente de casos confirmados de TBP, em pacientes com idade superior a 15 anos, residentes no município de Santos, o que totalizou 2.295 pacientes. Desse total, excluímos 38 pacientes (1,7%) por falta de informação quanto ao local de tratamento e outros 81 (3,5%) residentes em Santos, mas tratados nos municípios vizinhos. Dessa forma, foram incluídos no estudo 2.176 casos de TBP.

Ao concluirmos o levantamento dos dados (dezembro de 2005), as informações relativas ao encerramento dos mesmos abrangiam cerca de 99,0% dos pacientes, enquanto os demais ainda estavam em tratamento.
Para 61,6%, 33,8%, 2,1%, 2,1% e 0,4% dos casos, respectivamente, o critério de confirmação foi baciloscopia de escarro, critério clínico-radiológico, cultura de escarro, exame histopatológico e baciloscopia de outro material; para 18% dos casos, havia relato de cavitação pulmonar. Em 51,8% (1.070/2.065) dos casos, o diagnóstico foi feito pela rede básica de saúde; em 38,2% (789/2.065), em prontos-socorros; em 9,2% (189/2.065), por médicos particulares; e o restante, em outros serviços. Quanto ao intervalo entre o início dos sintomas respiratórios e o diagnóstico, em 28,0% (369/1.320) dos casos, esse foi inferior a quatro semanas; em 35,2% (465/1.320), de quatro a seis semanas; e em 36,8% (486/1.320), superou seis semanas. O DOTS foi aplicado em 63,4% (1.360/2.145) dos pacientes incluídos no estudo, com um aumento da cobertura do DOTS de 51,9%, em 2000, para 81,1%, em 2004.

Houve predomínio do sexo masculino (69,1%) e do grupo etário entre 20 e 49 anos (69,5%); a mediana da idade situou-se em 40 anos, sendo de 35 e 41 anos, respectivamente, para as mulheres e homens. Os dados de escolaridade apontaram que 55,2% (932/1.688) tinham até sete anos de estudo, enquanto 44,8% (756/1.688) apresentavam oito anos ou mais. Quanto à distribuição espacial dos casos, 50,7% (1.104/2.176) residiam nas áreas mais pobres da cidade (Zona Noroeste e Centro/Porto) e 0,8% (17/2.176) em área de características rurais (Área Continental; Tabela 1).
A proporção de pacientes com história anterior de TB foi de 23,5% (481/2.048). Para 342/481 (71,1%), tínhamos informação do intervalo de tempo entre o último tratamento e o atual. Assim, em 43,6% (149/342) deles, o episódio anterior ocorreu nos dois anos anteriores; em 22,2% (76/342), entre dois e cinco anos; e nos demais 34,2% (117/342), há mais de cinco anos. Quanto ao tipo de alta do tratamento anterior, em 67,0% (240/381) foi por abandono, e em 37,0% (141/381) foi por cura, sendo esses últimos classificados como recidiva (Tabela 2).






Com referência a comorbidades, 11,7% (222/1.901) apresentavam história de alcoolismo, 8,3% (158/1.900) eram diabéticos e 1,7% (33/1.901) apresentavam doenças mentais. Havia informação de teste laboratorial para infecção pelo HIV para 2.049/2.176 pacientes (94,2%), revelando uma prevalência média de coinfecção TB/HIV para o período de 16,2% (332/2.049), apresentando um declínio de 20,7% para 12,9% entre 2000 e 2004 (Tabela 1).

Foram utilizados esquemas terapêuticos reforçados (rifampicina + isoniazida + etambutol + pirazinamida ou estreptomicina + pirazinamida + etambutol + etionamida) em 14,5% (284/1.958) dos casos (Tabela 2); a mudança de esquema terapêutico durante o tratamento ocorreu em 3,7% (76/2.079).

Dos pacientes para os quais a informação sobre hospitalizações era disponível, 34,2% (616/1.801) foram internados ao menos uma vez durante o tratamento. A proporção de pacientes internados que apresentou um episódio anterior de TB foi de 38,2% (152/398), e ,entre os virgens de tratamento, foi de 30,7% (396/1.291; p = 0,005). Dos 616 pacientes internados, 104 o foram por duas vezes e 12 por três vezes, totalizando 732 hospitalizações. Os tempos médios das primeiras, segundas e terceiras internações foram, respectivamente, de 32, 68 e 106 dias.

A informação relativa ao número de comunicantes era disponível em 1.203/2.176 (55,3%) dos casos, totalizando 4.514 comunicantes; desses, 1.302 (28,8%) foram efetivamente examinados, identificando-se entre os mesmos 71 casos novos, ou seja, 54,5 casos novos por 1.000 comunicantes efetivamente examinados. A proporção de casos cujos comunicantes foram examinados entre os submetidos ao DOTS foi de 30,7% (238/774) e de 38,2% (159/416) entre os demais (p < 0,05).

Quanto ao desfecho dos tratamentos, 70,6% (1.536/2.176) dos pacientes evoluíram para cura, 12% (262/2.176) abandonaram o tratamento, 3,2% (69/2.176) evoluíram para óbito associado à TB, 3,3% (72/2.176) evoluíram para óbito associado à coinfecção TB/HIV e, em 2,8% (61/2.176), a causa de óbito não foi especificada (Tabela 2). No entanto, esses desfechos variaram conforme a história pregressa dos pacientes. Entre os que não apresentavam episódio anterior de TBP, 77,4%, 8,9% e 2,9%, respectivamente, curaram-se, abandonaram o tratamento ou morreram por TB. Por sua vez, entre os que apresentavam ao menos um episódio anterior, observamos 59,1% de cura, 21,8% de abandono e de 4,8% de óbitos por TB.

A taxa de incidência anual média de TB para o município, entre maiores de 15 anos, no período de interesse, foi de 127,9/100.000 habitantes, declinando de 158,1 para 121,1/100.000 habitantes de 2000 a 2004. Os riscos foram mais elevados para adultos do sexo masculino em idade economicamente ativa. Para o total de casos, verificou-se uma taxa de incidência anual média mais elevada no grupo entre 45 e 49 anos (184,7/100.000 habitantes); para mulheres, a taxa mais alta atingiu o grupo entre 25 e 29 anos (119,7/100.000 habitantes) e, para homens, entre 45 e 49 anos (321,6/100.000 habitantes; Figura 1).



As taxas de incidência anual média segundo a região de residência mostraram uma distribuição desigual, variando de 72,8 a 272,9/100.000 habitantes na Orla Marítima e no Centro/Porto, respectivamente. A taxa de incidência anual média na área continental, que apresenta características rurais, foi de 185,0/100.000 habitantes, enquanto a taxa da área insular, que é urbana, foi de 125,0/100.000 habitantes (Figura 2). A média e a mediana do número anual de casos de TBP na área continental foram, respectivamente, 3,4 e 3,0.




As taxas anuais médias de mortalidade atribuíveis à TB, à coinfecção TB/HIV e sem informação quanto à causa provável, entre maiores de 15 anos, para o município, foram, respectivamente, de 4,1, 4,2 e 4,3/100.000 habitantes. O risco de óbito entre os coinfectados TB/HIV mostrou-se mais elevado na faixa etária entre 30 e 49 anos, enquanto o risco de óbito atribuível somente à TB foi mais alto entre os pacientes com 40 anos ou mais (Figura 3).



Nas Tabelas 1 e 2, apresentamos as características dos casos notificados segundo a estratégia de tratamento. Analisando as características dos pacientes submetidos ao DOTS em comparação aos tratados de forma convencional, observamos que os tratados pelo DOTS apresentavam escolaridade mais baixa (p < 0,001), maior proporção de pacientes com história de alcoolismo (p < 0,0001), não havendo, porém, diferenças em relação a outras comorbidades (diabetes, coinfecção TB/HIV e doença mental; p > 0,05; Tabela 1).

Verificamos também uma maior cobertura do DOTS em áreas mais pobres do município (p < 0,001), entre os que apresentavam história pregressa de TB (p < 0,001) e entre os submetidos ao esquema reforçado (p = 0,002). Porém, não houve diferenças nos desfechos (cura, abandono de tratamento e óbito), se compararmos os submetidos e os não submetidos ao DOTS (p > 0,05; Tabela 2). Analisando os desfechos, ano a ano, somente para os pacientes submetidos ao DOTS, não encontramos modificações nos mesmos à medida que a cobertura do DOTS ampliava-se.

Discussão

Apesar do declínio observado nos últimos anos, os níveis de morbidade e mortalidade por TBP verificados no município de Santos apontam a gravidade da situação. As taxas médias de incidência e de mortalidade superam amplamente as verificadas, em média, no estado de São Paulo e no país,(3) e em dez vezes as de Cuba.(8)

A alta incidência verificada entre indivíduos de 15-19 anos e entre aqueles em idade economicamente ativa aponta o caráter hiperendêmico da TB, contrastando com outras comunidades que a controlaram, onde os mais acometidos são os idosos.(9,10) Outro aspecto que surpreende é o de que a pequena população rural do município apresente incidência superior, em 48%, àquela encontrada na população urbana. Esse dado deve ser interpretado com cautela, pois como a área rural possui poucos habitantes, a incidência estimada expressa um número reduzido de casos, ainda que os mesmos tenham se repetido com pequenas oscilações no período.

A forma heterogênea com que a TBP se distribui nas diferentes áreas do município, atingindo particularmente as mais pobres, é consistente com a determinação social da doença.(11,12)

A ponderável parcela dos casos de retratamento por abandono é preocupante, pois contribui para a manutenção de um elevado risco de infecção, uma vez que os pacientes eram bacilíferos. Tais condições são amplamente favoráveis à transmissão da TB entre os ­comunicantes e ao aumento das taxas de mortalidade, pois se aceita que o retratamento está associado à TB multirresistente(13) e à gravidade da doença.(14,15)
O fato de que um terço dos pacientes com história prévia de TB adoecerem novamente cinco anos após o episódio anterior sugere um ambiente favorável à reinfecção exógena.(16)

Algumas características dos casos estudados são apontadas como associadas ao retratamento, entre elas a expressiva proporção de pacientes jovens,(17) de coinfectados TB/HIV(18) e de casos de maior gravidade, indicado pelo número de internações durante o tratamento.(18,19)

Outro aspecto que merece atenção é a elevada proporção dos pacientes que foram internados ao menos uma vez durante o tratamento e o tempo médio de permanência por internação. Esse fato mostra o custo social da TB e o impacto desses casos no orçamento do programa, pois se estima que o custo do tratamento hospitalar seja 14 vezes superior ao do ambulatorial.(20) A literatura destaca que 65% do orçamento do programa de controle da TB se destinam as internações; além disso, as famílias dos pacientes alocam 33% de seus rendimentos com gastos relacionados à manutenção do paciente durante o tratamento hospitalar.(20)

A elevada proporção de casos internados pode ser, em parte, explicado pela baixa adesão ao tratamento, pois aumenta o risco de formas graves da doença,(14,15) ou ainda, pela elevada prevalência de coinfectados TB/HIV(18) e pelo fato da TB ser uma doença hiperendêmica nessa comunidade, criando condições para uma exposição mais acentuada e prolongada ao M. tuberculosis.(16) No entanto, pela sua importância para o programa de controle da TB, isso mereceria uma investigação mais aprofundada, pois justifica intervenções específicas.

A busca de casos entre sintomáticos respiratórios na rede básica de serviços e a investigação de comunicantes são pontos importantes da estratégia de controle da TB, às quais tem sido atribuído o sucesso de alguns programas.(21) No entanto, verificamos que somente metade dos casos foi identificada na rede básica de serviços de saúde; em um terço deles, o diagnóstico foi efetuado com mais de seis semanas de sintomatologia respiratória, além da baixa proporção de comunicantes investigados.

Os desfechos de tratamento indicam os obstáculos enfrentados pelo programa; no entanto, são semelhantes aos encontrados, em média, para o país,(22) sugerindo que as condições mais severas da TB em Santos não estejam relacionadas somente ao desempenho do programa no município.

Fatores biológicos também podem estar contribuindo para o nível hiperendêmico da TB no município, como o elevado número de pessoas vivendo com HIV/AIDS.(23)

Porém, os fatores ambientais e institucionais parecem ter maior influência do que os demais,(24) especialmente as condições favoráveis ao aumento da ocorrência de TB multirresistente e à transmissão da TB. No entanto, o fato de que o município conta com uma ampla cobertura de serviços básicos de saúde e o fato de que o acesso ao diagnóstico e ao tratamento da TB é universal e gratuito no Brasil propiciam condições à diminuição da morbidade e da mortalidade por TB no município de Santos.

Alguns resultados favoráveis devem ser assinalados. Um deles é o declínio da prevalência da coinfecção TB/HIV no período, fato consistente com o verificado por outros autores.(25,26) Observamos também um aumento importante da cobertura do DOTS durante o período de estudo, sempre em níveis superiores ao nacional.(2) No entanto, não houve diferenças ­significativas nos desfechos entre os submetidos e os não submetidos ao DOTS.

A interpretação dos resultados ora apresentados devem levar em conta não só as limitações próprias da vigilância, como a subnotificação, a falta de completude das informações e as dificuldades decorrentes de se trabalhar com múltiplas fontes de informação, assim como o fato de termos analisado somente os casos de TBP. Com referência aos dados de alcoolismo e diabetes, esses devem ser interpretados com cautela, pois não foram verificados por meio de exames laboratoriais ou por questionário validado. No entanto, a despeito dessas limitações, a elevada proporção de casos com informação a respeito dos desfechos de tratamento (99,0%) assegura a qualidade dos dados, além da inegável consistência e utilidade dos resultados obtidos.

A alta prevalência de infectados pelo M. tuberculosis no município de Santos dificulta a rápida diminuição dos casos de TB; por sua vez, a elevada proporção de pacientes com história prévia de TB cria condições favoráveis à ampliação do problema da TB multirresistente. Em áreas hiperendêmicas, é importante que o DOTS priorize os grupos de risco para a redução do número de abandonos de tratamento e óbitos, e que se intensifique a busca de TB entre sintomáticos respiratórios e entre contatos de caso da doença.


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Trabalho realizado no Departamento de Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Eliseu Alves Waldman. Departamento de Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Av. Dr. Arnaldo, 715, Cerqueira César, CEP 01246-904, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 3061-7109. E mail: eawaldma@usp.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), processo 309502/2003-9.
Recebido para publicação em 29/1/2009. Aprovado, após revisão, em 23/6/2009.



Sobre os autores

Andrea Gobetti Vieira Coelho
Assistente de Pesquisa Científica e Tecnológica. Instituto Adolfo Lutz de Santos, Santos (SP) Brasil.

Liliana Aparecida Zamarioli
Pesquisadora Científica. Instituto Adolfo Lutz de Santos, Santos (SP) Brasil.

Carmen Argüello Perandones
Diretor. Vigilância Epidemiológica, Divisão Regional de Saúde da Baixada Santista, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Santos (SP) Brasil.

Ivonete Cuntiere
Enfermeira. Plano de Controle da Tuberculose de Santos, Vigilância Epidemiológica, Prefeitura Municipal de Santos, Santos (SP) Brasil.

Eliseu Alves Waldman
Professor Doutor. Departamento de Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

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