Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
8489
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Versão brasileira da escala London Chest Activity of Daily Living para uso em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica

The Brazilian Portuguese version of the London Chest Activity of Daily Living scale for use in patients with chronic obstructive pulmonary disease

Marta Fioravante Carpes, Anamaria Fleig Mayer, Karen Muriel Simon, José Roberto Jardim, Rachel Garrod

ABSTRACT

Objective: To translate the London Chest Activity of Daily Living (LCADL) scale into Portuguese and to determine whether this version is reproducible in Brazilian patients with severe chronic obstructive pulmonary disease (COPD). Methods: The LCADL scale was translated into Portuguese and then back-translated into English. This pilot Brazilian Portuguese version was administered to 8 patients with COPD, and possible text-related problems were investigated. The principal problems were discussed with the authors of the original scale, and a final translated version was arrived at. At the study outset, two observers administered this final version (twice in one day) to 31 patients with COPD. One of those observers again administered the scale to the same patients 15-20 days later. At baseline, the patients were submitted to pulmonary function testing and to the six-minute walk test (6MWT). Results: The Brazilian Portuguese version of the LCADL scale demonstrated excellent reproducibility in the total score and in most of the questions, with an inter-rater Cronbach's alpha coefficient of 0.97 (95% CI: 0.89-0.97; p < 0.01) and an intra-rater Cronbach's alpha coefficient of 0.96 (95% CI: 0.83-0.96; p < 0.01). The total score presented a negative correlation with forced expiratory volume in one second in liters (r = −0.49; p < 0.05) and with distance covered on the 6MWT (r = −0.56; p < 0.05). Conclusion: The Brazilian Portuguese version of the LCADL scale is a reliable, reproducible, and valid instrument for evaluating dyspnea during activities of daily living in patients with severe COPD.

Keywords: Activities of daily living; Dyspnea; Diagnostic techniques and procedures; Reproducibility of results.

RESUMO

Objetivo: Traduzir a escala London Chest Activity of Daily Living (LCADL) para o português e verificar se essa versão é reprodutível em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) grave no Brasil. Métodos: Foram realizadas a tradução da escala LCADL para o português e a tradução retrógrada dessa versão em português para o inglês. Essa primeira versão em português foi aplicada a 8 pacientes com DPOC, e possíveis dificuldades em relação ao texto foram investigadas. As principais dificuldades encontradas foram discutidas com os autores da escala, chegando-se a uma versão final do instrumento. Essa versão final foi aplicada duas vezes a 31 pacientes com DPOC por dois observadores separadamente em um primeiro dia. Após 15-20 dias, essa mesma versão foi aplicada novamente aos mesmos pacientes por um dos observadores. No primeiro dia os pacientes foram submetidos à prova de função pulmonar e ao teste de caminhada de seis minutos (TC6). Resultados: A versão brasileira da escala LCADL demonstrou excelente reprodutibilidade no escore total e na maioria das questões, com um coeficiente alfa de Cronbach interobservador de 0,97 (IC95%: 0,89-0,97; p < 0,05) e um coeficiente alfa de Cronbach intra-observador de 0,96 (IC95%: 0,83-0,96; p < 0,05). O escore total dessa versão apresentou correlação negativa com o volume expiratório forçado no primeiro segundo em litros (r = −0,49; p < 0,05) e a distância percorrida no TC6 (r = −0,56; p < 0,05). Conclusão: A versão brasileira da escala LCADL é um instrumento confiável, reprodutível e válido para avaliar a dispnéia durante atividades de vida diária em pacientes com DPOC grave.

Palavras-chave: Atividades Cotidianas; Dispnéia; Técnicas de diagnóstico e procedimentos; Reprodutibilidade dos Resultados.

Introdução

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é caracterizada por limitação crônica ao fluxo aéreo, a qual é parcialmente reversível e progressiva e está associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões a partículas ou gases nocivos. Cursa com alguns efeitos extrapulmonares significativos e co-morbidades importantes que podem contribuir para a gravidade da doença.(1) Anormalidades nutricionais, perda de peso e disfunção muscular esquelética são alguns dos efeitos extrapulmonares encontrados em pacientes com DPOC.(2,3)

A redução da função pulmonar associada à disfunção muscular periférica limita a capacidade de exercício desses indivíduos. Quanto maior a gravidade da doença, maior a limitação dos pacientes, os quais apresentam fadiga e dispnéia durante a realização das suas atividades de vida diária (AVD).(4,5)

A limitação das AVD nesses pacientes pode ser avaliada pelo teste de caminhada de seis minutos (TC6), já que a distância percorrida no teste é considerada um bom marcador da capacidade funcional nas AVD.(6) No entanto, esse teste não identifica em quais atividades específicas a limitação está presente e nem avalia a limitação das atividades realizadas com os membros superiores, os quais geralmente estão bastante envolvidos nas AVD habituais.

Poucas são as ferramentas validadas para avaliar a incapacidade funcional dos pacientes com DPOC. Os instrumentos disponíveis têm pouca aplicabilidade para pacientes gravemente limitados(7) ou são pouco sensíveis a mudanças após intervenções, como a reabilitação pulmonar.(8)

Garrod et al. (2000)(9) desenvolveram um instrumento, a escala London Chest Activity of Daily Living (LCADL), a qual tem quatro domínios (cuidados pessoais, atividades domésticas, atividades físicas e atividades de lazer), com a finalidade de avaliar a limitação das AVD em pacientes com DPOC. A escala LCADL tem se mostrado um instrumento confiável, válido e sensível na avaliação da resposta a um programa de reabilitação pulmonar.(10) Porém, a utilização de um instrumento já existente em uma língua e cultura de outro país deve passar por um processo de adequação cultural local antes de ser utilizado.(11-14)

Este estudo teve como finalidade desenvolver uma versão brasileira da escala LCADL e verificar se essa versão é um instrumento reprodutível e válido para ser utilizado na avaliação da dispnéia durante as AVD em pacientes com DPOC grave no Brasil.

Métodos

Foram incluídos no estudo trinta e um indivíduos com diagnóstico de DPOC grave atendidos na Clínica Escola de Fisioterapia da Universidade do Vale do Itajaí, em Itajaí (SC) Brasil. Os critérios de inclusão foram: diagnóstico de DPOC grave, de acordo com os critérios do Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD),(1) e estabilidade clínica nas últimas quatro semanas. Os critérios de exclusão foram: presença de outras doenças não pulmonares consideradas incapacitantes, graves ou de difícil controle; exacerbação durante o período do estudo; incapacidade de compreensão da escala e incapacidade de realização do TC6.

Todos os indivíduos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro Universitário do Triângulo.

Primeiramente, foi realizada a tradução da versão inglesa da escala LCADL para o português por dois pesquisadores deste estudo, e, em seguida, foi realizada a tradução retrógrada dessa versão em português para o inglês por um profissional da área da saúde o qual não tinha conhecimento sobre a escala. Essa primeira versão em português foi aplicada a oito pacientes com DPOC, e foram investigadas possíveis dúvidas e dificuldades em relação ao texto. Posteriormente, as principais dúvidas e dificuldades encontradas foram discutidas com os autores da escala, chegando-se a uma versão final (apêndice). Essa versão foi aplicada aos indivíduos deste estudo.

Os voluntários foram submetidos à avaliação da função pulmonar pré- e pós-broncodilatador em um espirômetro Multispiro (SX/PC; Creative Biomedics, San Clemente, CA, EUA) previamente calibrado, seguindo as diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(15) A saturação de oxigênio também foi mensurada, com um oxímetro de pulso Ohmeda (Biox 3700; Ohmeda, Boulder, CO, EUA), após os pacientes repousarem por 15 min. No mesmo dia os pacientes realizaram dois TC6, e, a seguir, a escala LCADL foi aplicada. No primeiro dia a escala foi aplicada duas vezes aos pacientes por dois observadores (Obs. 1 e Obs. 2.1). A ordem de aplicação foi sempre a mesma: a escala foi aplicada primeiro pelo Obs. 1 e, após 10 min, foi aplicada novamente pelo Obs. 2.1. Após um prazo de 15 a 20 dias a escala foi aplicada novamente apenas pelo segundo observador (Obs. 2.2). No segundo dia de aplicação da escala, os pacientes responderam a um breve questionário comparando os sintomas atuais (tosse, volume e cor de secreção pulmonar e dispnéia) aos do primeiro dia de avaliação. No caso de qualquer mudança nos sintomas ou na medicação em uso (ou na dose), uma nova espirometria era realizada no segundo dia. Nenhum paciente da amostra apresentou qualquer mudança nos sintomas ou na medicação em uso entre os dois dias de estudo.

Durante as aplicações da escala, observador e paciente ficaram a sós. Os observadores leram as questões para os indivíduos de baixa escolaridade, limitando-se a repetir a leitura quando necessário, mas sem explicá-las.

A escala LCADL apresenta 15 questões contempladas em quatro domínios: cuidados pessoais, atividades domésticas, atividades físicas e atividades de lazer. Cada item dos domínios recebe um escore, apontado pelo paciente, que vai de 0 a 5, sendo que o maior valor representa a incapacidade máxima de realização das AVD. O escore total pode variar de 0 até 75 pontos, sendo que quanto mais alto for, maior é a limitação das AVD. A escala foi avaliada em termos do escore total, dos domínios e das questões. Também se avaliou o percentual do escore total correspondente ao número de questões em que o escore apontado não era 0.

O TC6 foi realizado duas vezes, com um intervalo de 30 min, sendo utilizado para análise o valor da melhor distância percorrida. Os pacientes caminharam em seu próprio ritmo em um corredor de 25 m, sendo estimulados por frases padronizadas de incentivo, de acordo com os critérios da American Thoracic Society.(16)

Na análise estatística, o teste de Wilcoxon foi utilizado para comparar os escores obtidos na aplicação da escala LCADL pelo Obs. 1 e pelo Obs. 2.1 e para comparar os escores obtidos nos dois dias de aplicação da escala pelo segundo observador (Obs. 2.1 e Obs. 2.2). O coeficiente de correlação intraclasse (CCI)(17,18) foi utilizado para avaliar a reprodutibilidade da escala. O coeficiente de kappa foi utilizado para avaliar a concordância das respostas da questão 16 da escala, cujas alternativas são: 'muito', 'pouco' e 'nada'. A disposição gráfica de Bland & Altman(19,20) foi utilizada para uma melhor visualização da concordância entre os escores obtidos nas aplicações da escala. Utilizou-se o coeficiente de Spearman para avaliar a correlação entre o escore da escala LCADL e a distância percorrida no TC6 e o VEF1. O nível de significância adotado para a análise estatística foi de 5% (p < 0,05).

Resultados

A amostra de trinta e um pacientes com DPOC foi composta por vinte e quatro homens (77%), sendo oito dependentes de oxigênio para suas AVD. As características dos pacientes são apresentadas na Tabela 1.




As médias dos escores totais e dos escores dos domínios da escala LCADL são apresentadas na Tabela 2.



A comparação entre as médias dos escores obtidos pelo Obs. 1 e pelo Obs. 2.1 não revelou diferença estatisticamente significativa em termos do escore total e da porcentagem do escore total. O mesmo ocorreu na comparação entre as médias dos escores obtidos pelo segundo observador no primeiro dia (Obs. 2.1) e após 15-20 dias de intervalo (Obs. 2.2).

Na análise da reprodutibilidade interobservador obteve-se um alfa de Cronbach (α) de 0,97 (IC95%: 0,89-0,97; p < 0,01) para o escore total da escala LCADL, sendo que, em 13 das 15 questões, o CCI foi superior a 0,90 (p < 0,01), na questão 12, referente à dispnéia durante o movimento de curvar-se, o CCI foi de 0,85 (p < 0,01) e na questão 15, referente a falar/conversar, o CCI foi de 0,67 (p < 0,05). A Figura 1 mostra a representação gráfica da reprodutibilidade interobservador.

A análise da reprodutibilidade intra-observador apresentou um α de 0,96 (IC95%: 0,83-0,96; p < 0,01) para o escore total, sendo que apenas as questões 3, referente à dispnéia ao calçar sapatos/meia, e 12, referente à atividade de curvar-se, obtiveram CCI inferior a 90% (85 e 86%, respectivamente). A excelente reprodutibilidade inter e intra-observador pode ser confirmada pelas representações gráficas de Bland & Altman (Figura 2), onde se observa que a maioria dos pacientes apresentou diferenças menores que ou iguais a 5 pontos entre as duas aplicações.





Na análise interobservador, três pacientes apresentaram uma diferença maior que 5, sendo que em um deles foi de 21. Na análise intra-observador, quatro pacientes apresentaram uma diferença maior que 5, sendo que em um deles essa diferença foi de 29.

Também se encontrou excelente reprodutibilidade inter e intra-observador para o percentual do escore total da escala LCADL, sendo o CCI, respectivamente, 0,97 e 0,98 (p < 0,01). Ao se correlacionar o escore total com o percentual do escore total, encontrou-se um r = 0,87 (p < 0,05).

A questão 16 refere-se ao quanto as AVD são comprometidas pela dispnéia, e os pacientes devem respondê-la assinalando uma das três alternativas: 'muito', 'pouco' ou 'nada'. Nessa questão foi observada uma forte concordância entre o Obs. 1 e o Obs. 2.1 (kappa = 0,87; p < 0,001) e uma moderada concordância intra-observador (kappa = 0,60; p < 0,01).

O escore total da escala LCADL apresentou correlação negativa com o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) em litros (r = −0,49; p < 0,05) e com a distância percorrida no TC6 (r = −0,56; p < 0,01). Quando essa correlação foi analisada utilizando-se o percentual do escore total da escala LCADL com a distância percorrida no TC6, encontrou-se um r = −0,75 (p < 0,01).

Discussão

Com este estudo, observou-se que a versão brasileira da escala LCADL apresenta excelente confiabilidade tanto para aplicação por diferentes observadores quanto para aplicação por um mesmo observador em dois momentos. Essa versão também demonstrou ser válida, correlacionando-se com a distância percorrida no TC6 e com o VEF1.

Ao se avaliar a reprodutibilidade interobservador do escore total da escala, encontrou-se um CCI de 0,97, o que mostra uma excelente confiabilidade. Na análise intra-observador, o CCI apresentou valor similar ao encontrado por Garrod et al. (2002),(10) que, ao analisarem a reprodutibilidade da escala LCADL em dezenove indivíduos, também ­obtiveram uma excelente confiabilidade (α = 0,96).(21) Na representação gráfica de Bland & Altman, é confirmada a concordância entre as aplicações inter e intra-observador da escala. Entretanto, os limites superiores e inferiores das análises inter e intra-­observador foram relativamente altos, considerando-se que a escala apresenta um escore máximo de 75 pontos. Porém, isso não representou uma tendência de toda a amostra, pois apenas um paciente apresentou valores muito discrepantes entre os escores obtidos nos três momentos de aplicação da escala (30, 51 e 22 pontos, respectivamente). Os altos valores de diferenças entre as aplicações (diferença interobservador de 21 pontos e intra-observador de 29 pontos) desse paciente (57 anos, 20 kg/m2, VEF1 de 36% do previsto) podem ter sido responsáveis por aumentar o IC95% da amostra.

A confiabilidade satisfatória da escala LCADL pode ser explicada pela relativa simplicidade dos itens inclusos em cada domínio, já que os pacientes não tiveram dúvidas sobre a qual atividade de vida diária esses itens estavam se referindo.(10) Além disso, durante o processo de tradução da escala no presente estudo, houve a preocupação de observar as principais dúvidas dos participantes em relação aos itens do instrumento, em um estudo piloto, e discuti-las com os autores da escala original, gerando uma versão final.

No processo de validação de questionários e escalas, nem todos os estudos utilizam a discussão com os autores originais como norma sistemática, mas sim a avaliação por observadores bilíngües com a finalidade de se obter um texto harmônico e de fácil entendimento.(22,23) Em outros estudos, no entanto, essa busca de harmonização do texto com manutenção da essência do questionário é realizada com a participação dos autores originais.(13,24)

A principal dificuldade encontrada, inicialmente, foi em relação à diferenciação do escore para cada AVD pelos indivíduos da amostra, em especial nos escores 0 (Não faria isso de jeito nenhum), 4 (Não posso mais fazer isso) e 5 (Alguém faz isso por mim). Dificuldades de interpretação dos itens avaliados também são identificadas em outros estudos, sendo que esses itens necessitam de adaptações da linguagem para se tornarem mais compreensíveis.(12,13) Para minimizar possíveis interpretações equivocadas desses escores, foram necessárias adaptações na primeira tradução da escala LCADL, após a realização do estudo piloto, para se chegar à versão final em concordância com os autores da versão original. Nesse sentido, fizeram-se as seguintes modificações: escore 0: "Não executo essa atividade (porque nunca precisei fazer isso ou é irrelevante)", escore 4: "Não consigo mais executar essa atividade devido à falta de ar e não tenho ninguém que possa fazer isso por mim" e escore 5: "Não consigo mais executar essa atividade devido à falta de ar e preciso que alguém faça isso por mim ou me auxilie". Essas alterações permitiram melhor entendimento por parte dos pacientes, tornando o escore mais ilustrativo. No entender dos autores da versão original da escala LCADL, essas alterações não modificaram os objetivos propostos, apenas facilitaram o entendimento dos pacientes. Em outro estudo de Garrod et al. (2002),(10) observa-se que foram acrescentadas frases mais ilustrativas no escore de zero a cinco, o que não havia sido feito, inicialmente, no escore original da escala.

Outra dificuldade identificada no estudo piloto foi a determinação do escore pelos pacientes que dependiam de oxigênio para as AVD. No estudo original de Garrod et al. (2000)(9) essa dificuldade não foi observada, uma vez que na amostra não havia indivíduos que utilizassem oxigênio. Na fase piloto do presente estudo, verificou-se que a utilização de oxigênio influenciava na escolha do escore, já que muitos pacientes dependentes de oxigênio relatavam não ter dispnéia ou relatavam ter apenas dispnéia leve ao realizar determinadas atividades. No entanto, quando questionados se conseguiriam realizá-las sem o suporte de oxigênio, referiam que não, devido à dispnéia. Estudos demonstram que a utilização de oxigênio reduz a sensação de dispnéia em pacientes com DPOC, facilitando a realização das AVD.(25,26) Apesar de o suporte de oxigênio não constar como fator relevante na concepção da escala original, após discussão com os autores da LCADL, considerou-se que se poderia interpretar esse suporte como sendo um auxílio para a realização da atividade, sem o qual a atividade seria mais difícil ou talvez não fosse possível.

Outro ponto relevante é que, ao se aplicar a escala LCADL, percebeu-se que alguns indivíduos da amostra apontavam o escore 5 para a grande maioria dos domínios, mas apresentavam um baixo escore total. Isso ocorreu principalmente entre os homens que nunca haviam realizado atividades domésticas, tais como arrumar a cama ou trocar os lençóis, mesmo antes de apresentarem os sintomas da DPOC. Isso fazia com que escolhessem o escore 0 para a maioria dos itens desse domínio, baixando muito o escore total da escala. Sugere-se, portanto, também a utilização do percentual do escore total para a interpretação da escala, desconsiderando-se as questões em que o escore é 0, tal como foi feito no presente estudo. Acredita-se que o percentual do escore total pode fornecer uma idéia melhor da limitação das AVD, melhorando a interpretação sobre o grau de comprometimento dos pacientes.

Na questão 16, onde os indivíduos faziam uma avaliação qualitativa de o quanto a falta de ar afetava suas AVD, observou-se uma excelente concordância interobservador (kappa = 0,87) e uma boa concordância intra-observador (kappa = 0,60). A concordância intra-observador dessa questão foi inferior à concordância interobservador, e acredita-se que este achado possa ter ocorrido ao acaso, uma vez que o mesmo não ocorre nas demais questões da escala. Além disso, 0,60 é considerado um valor satisfatório de coeficiente de concordância, e essa questão não interfere no escore total, por não ser avaliada quantitativamente.

Sabe-se que, para se verificar a reprodutibilidade de uma avaliação ao longo do tempo, é necessário que as condições clínicas dos pacientes sejam similares nos dois momentos de teste. Estudos têm utilizado parâmetros clínicos para confirmar essa equivalência.(10,12-14) No presente estudo, utilizou-se o relato de sintomas comuns da DPOC (tosse, volume e cor da secreção expectorada e dispnéia) e a medicação pulmonar em uso como parâmetros de estabilidade clínica nos dois dias de avaliação. Segundo o GOLD, a exacerbação da DPOC é caracterizada por mudanças nos sintomas basais,(1) e há evidências de que mudanças no VEF1 estão relacionadas a mudanças principalmente na dispnéia.(27)

O escore total da escala LCADL apresentou uma fraca a moderada associação com o grau de obstrução e com o desempenho no TC6. Entretanto, a correlação com a distância percorrida aumentou quando se utilizou o percentual do escore total da escala. Isso sugere que esse modo de interpretar esse instrumento, baseado no percentual do escore total, talvez reflita melhor a limitação funcional dos pacientes com DPOC. Garrod et al.(10) demonstraram que pacientes com maiores escores na escala também apresentavam pior capacidade de exercício, a qual foi avaliada pelo teste shuttle, que é um teste de caminhada com carga progressiva. No entanto, não encontraram correlação entre o escore e o VEF1.(9) Sabe-se que o VEF1 não está fortemente associado aos níveis de atividades físicas rotineiras em pacientes com DPOC, e que o TC6 reflete melhor a capacidade funcional nas AVD.(6)

A escala LCADL tem uma ótima aplicabilidade para avaliar a limitação das AVD em pacientes mais graves, nos quais a dispnéia é um sintoma incapacitante mesmo para as atividades mais comuns do dia-a-dia. Outros instrumentos podem não ser tão adequados para avaliar pacientes mais gravemente limitados, como, por exemplo, o Pulmonary Functional Status and Dyspnea Questionnaire(26) ou alguns componentes que avaliam atividades em questionários de qualidade de vida. Além disso, esses instrumentos devem apresentar sensibilidade para avaliar a resposta a intervenções, como a reabilitação pulmonar, que é uma das principais abordagens terapêuticas para minimizar a intolerância dos pacientes com DPOC às suas atividades. A escala Nottingham Extended Activities of Daily Living,(28) apesar de ter demonstrado ser capaz de distinguir os pacientes com DPOC em seus diferentes níveis de limitação funcional, não se mostrou sensível em detectar a melhora após reabilitação pulmonar.(29) Existe ainda o questionário Manchester Respiratory Activities of Daily Living; no entanto, sua proposta é avaliar pacientes idosos com DPOC.(30)

Mais estudos são necessários para avaliar a sensibilidade da versão brasileira da escala LCADL a intervenções. Acredita-se, no entanto, que a atribuição do escore 5 ("não consigo mais executar essa atividade devido à falta de ar e preciso que alguém faça isso por mim ou me auxilie") a quem é usuário de oxigênio suplementar possa limitar o uso desse instrumento na avaliação da resposta à oxigenoterapia.

Concluindo, a versão brasileira da escala LCADL é um instrumento confiável e válido para avaliar a dispnéia durante as AVD em pacientes com DPOC grave.

Referências

1. GOLD - Global strategy for the diagnosis, management, and prevention of chronic obstructive pulmonary disease [Homepage on the Internet]. Executive Summary, Global Strategy for the Diagnosis, Management, and Prevention of COPD Updated 2005 [cited 2007 Mar 14]. Available from: http://www.goldcopd.org/Guidelineitem.asp?l1=2&l2=1&intId=1662

2. Celli B, Goldstein R, Jardim J, Knobil K. Future perspectives in COPD. Respir Med. 2005;99(Suppl B):S41-8.

3. Debigaré R, Marquis K, Côté CH, Tremblay RR, Michaud A, LeBlanc P, et al. Catabolic/anabolic balance and muscle wasting in patients with COPD. Chest. 2003;124(1):83-9.

4. Hajiro T, Nishimura K, Tsukino M, Ikeda A, Oga T, Izumi T. A comparison of the level of dyspnea vs disease severity in indicating the health-related quality of life of patients with COPD. Chest. 1999;116(6):1632-7.

5. Velloso M, Stella SG, Cendon S, Silva AC, Jardim JR. Metabolic and ventilatory parameters of four activities of daily living accomplished with arms in COPD patients. Chest. 2003;123(4):1047-53.

6. Pitta F, Troosters T, Spruit MA, Probst VS,
Decramer M, Gosselink R. Characteristics of physical activities in daily life in chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 2005;171(9):972-7.

7. Lareau SC, Carrieri-Kohlman V, Janson-Bjerklie S, Roos PJ. Development and testing of the Pulmonary Functional Status and Dyspnea Questionnaire (PFSDQ). Heart Lung. 1994;23(3):242-50.

8. Wedzicha JA, Bestall JC, Garrod R, Garnham R, Paul EA, Jones PW. Randomized controlled trial of pulmonary rehabilitation in severe chronic obstructive pulmonary disease patients, stratified with the MRC dyspnoea scale. Eur Respir J. 1998;12(2):363-9.

9. Garrod R, Bestall JC, Paul EA, Wedzicha JA, Jones PW. Development and validation of a standardized measure of activity of daily living in patients with severe COPD: the London Chest Activity of Daily Living scale (LCADL). Respir Med. 2000;94(6):589-96.

10. Garrod R, Paul EA, Wedzicha JA. An evaluation of the reliability and sensitivity of the London Chest Activity of Daily Living Scale (LCADL). Respir Med. 2002;96(9):725-30.

11. Mathias SD, Fifer SK, Patrick DL. Rapid translation of quality of life measures for international clinical trials: avoiding errors in the minimalist approach. Qual Life Res. 1994;3(6):403-12.

12. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação da qualidade de vida da SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39(3):143-50.

13. Sousa TC, Jardim JR, Jones, P. Validação do Questionário do Hospital Saint George na Doença Respiratória (SGRQ) em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica no Brasil. J Pneumol. 2000;26(3):119-28.

14. Camelier A, Rosa F, Jones P, Jardim JR. Validação do questionário de vias aéreas 20 ("Airways questionnaire 20" - AQ20) em pacientes portadores de DPOC no Brasil. J Pneumol. 2003;29(1):28-35.

15. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes para Testes de Função Pulmonar. J Pneumol. 2002;28(Supl 3):S1-S238.

16. ATS Committee on Proficiency Standards for Clinical Pulmonary Function Laboratories. ATS statement: guidelines for the six-minute walk test. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(1):111-7.

17. Chinn S. Statistics in respiratory medicine. 2. Repeatability and method comparison. Thorax. 1991;46(6):454-6.

18. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74.

19. Bland JM, Altman DG. Statistical methods for assessing agreement between two methods of clinical measurement. Lancet. 1986;1(8476):307-10.

20. Bland JM, Altman DG. Statistics Notes: Validating scales and indexes. BMJ. 2002;324(7337):606-7.

21. Nunnally JC, Bernstein IH. Psychometric Theory. 3rd ed. New York: Mc-Graw-Hill; 1994.

22. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91.

23. Tamanini JTN, Dambros M, D'Ancona CAL, Palma PCR, Netto Jr NR. Validação para o português do "International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form" (ICIQ-SF). Rev Saúde Pública 2004;38(3):438-44.

24. Florindo AA, Latorre MRDO, Jaime PC, Tanaka T, Zerbini CAF. Metodologia para a avaliação da atividade física habitual em homens com 50 anos ou mais. Rev Saúde Pública. 2004; 38(2): 307-14.

25. Swinburn CR, Mould H, Stone TN, Corris PA, Gibson GJ. Symptomatic benefit of supplemental oxygen in hypoxemic patients with chronic lung disease. Am Rev Respir Dis. 1991;143(5 Pt 1):913-5.

26. Lareau SC, Carrieri-Kohlman V, Janson-Bjerklie S, Roos PJ. Development and testing of the Pulmonary Functional Status and Dyspnea Questionnaire (PFSDQ). Heart Lung. 1994;23(3):242-50.

27. White AJ, O'Brien C, Hill SL, Stockley RA. Exacerbations of COPD diagnosed in primary care: changes in spirometry and relationship to symptoms. COPD. 2005;2(4):419-25.

28. Nouri FM, Lincoln NB. An extended activity of daily living scale for stroke patients. Clin Rehabil. 1987;1(1):301-5.

29. Garrod R, Paul EA, Wedzicha JA. Supplemental oxygen during pulmonary rehabilitation in patients with COPD with exercise hypoxaemia. Thorax. 2000;55(7):539-43.

30. Yohannes AM, Roomi J, Winn S, Connolly MJ. The Manchester Respiratory Activities of Daily Living questionnaire: development, reliability, validity, and responsiveness to pulmonary rehabilitation. J Am Geriatr Soc. 2000;48(11):1496-500.

___________________________________________________________________________________________________________________
Trabalho realizado no Centro Universitário do Triângulo - UNITRI - Uberlândia (MG) Brasil.
1. Professora do Curso de Fisioterapia. Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI - Itajaí (SC) Brasil.
2. Docente do Programa de Mestrado em Fisioterapia. Centro Universitário do Triângulo - UNITRI - Uberlândia (MG) Brasil.
3. Professor Associado de Pneumologia. Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
4. Lecturer in Physiotherapy. School of Physiotherapy, Faculty of Health and Social Care Sciences, St George's, University of London, London, Reino Unido.
Endereço para correspondência: Anamaria Fleig Mayer. Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia, Centro Universitário do Triângulo,
Av. Nicomedes Alves dos Santos, 4.545, CEP 38411-106, Uberlândia, MG, Brasil.
Tel 55 34 3228-7645. Fax 55 34 3228-7592. E-mail: anafmayer@unitri.edu.br
Recebido para publicação em 14/3/2007. Aprovado, após revisão, em 6/7/2007.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia