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Insuficiência respiratória crônica nas doenças neuromusculares: diagnóstico e tratamento

Chronic respiratory failure in patients with neuromuscular diseases: diagnosis and treatment

Ilma Aparecida Paschoal, Wander de Oliveira Villalba, Mônica Corso Pereira

ABSTRACT

Neuromuscular diseases affect alveolar air exchange and therefore cause chronic respiratory failure. The onset of respiratory failure can be acute, as in traumas, or progressive (slow or rapid), as in amyotrophic lateral sclerosis, muscular dystrophies, diseases of the myoneural junction, etc. Respiratory muscle impairment also affects cough efficiency and, according to the current knowledge regarding the type of treatment available in Brazil to these patients, it can be said that the high rates of morbidity and mortality in these individuals are more often related to the fact that they cough inefficiently rather than to the fact that they ventilate poorly. In this review, with the objective of presenting the options of devices available to support and substitute for natural ventilation in patients with neuromuscular diseases, we have compiled a brief history of the evolution of orthopedic braces and prostheses used to aid respiration since the end of the 19th century. In addition, we highlight the elements that are fundamental to the diagnosis of alveolar hypoventilation and of failure of the protective cough mechanism: taking of a clinical history; determination of peak cough flow; measurement of maximal inspiratory and expiratory pressures; spirometry in two positions (sitting and supine); pulse oximetry; capnography; and polysomnography. Furthermore, the threshold values available in the literature for the use of nocturnal ventilatory support and for the extension of this support through the daytime period are presented. Moreover, the maneuvers used to increase cough efficiency, as well as the proper timing of their introduction, are discussed.

Keywords: Respiratory insufficiency/diagnosis; Chronic disease; Respiratory insufficiency/therapy;

RESUMO

As doenças neuromusculares prejudicam a renovação do ar alveolar e, por esta razão, produzem insuficiência respiratória crônica. A instalação da insuficiência respiratória pode acontecer de modo agudo, como nos traumas, ou ser lenta ou rapidamente progressiva, como na esclerose lateral amiotrófica, distrofias musculares, doença da placa mioneural, etc. O comprometimento da musculatura respiratória prejudica também a eficiência da tosse e, no estado atual da terapêutica disponível no Brasil para estes doentes, pode-se dizer que a morbimortalidade nestes indivíduos está mais associada ao fato de que eles tossem mal do que de que ventilam mal. Nesta revisão, uma breve compilação histórica procura mostrar a evolução das órteses e próteses respiratórias, desde o final do século XIX até agora, com o objetivo de apresentar as opções de máquinas disponíveis para o suporte e substituição da ventilação nas doenças neuromusculares. Além disso, são enfatizados os elementos fundamentais para o diagnóstico da hipoventilação alveolar e da falência do mecanismo protetor da tosse: história clínica, determinação do pico de fluxo da tosse, medida da pressão expiratória máxima e da pressão inspiratória máxima, espirometria em dois decúbitos (sentado e supino), oximetria de pulso, capnografia e polissonografia. São apresentados os valores limites disponíveis na literatura tanto para a indicação do suporte noturno da ventilação como para a extensão do suporte para o período diurno. As manobras para incremento da eficiência da tosse são aqui também discutidas, assim como o momento adequado para sua introdução.

Palavras-chave: Insuficiência respiratória/diagnóstico; Insuficiência respiratória/terapia; Doença crônica;

Introdução

Doenças neuromusculares levam à hipoventilação alveolar, a qual, se for de instalação lenta e progressiva, não é comumente diagnosticada nem tratada até que aconteça um episódio de insuficiência respiratória aguda. Este episódio de descompensação ocorre, com freqüência, durante um quadro banal de infecção de vias aéreas superiores e deve-se à inabilidade do paciente em eliminar secreções.

O comprometimento da força da musculatura respiratória pode ocorrer em várias doenças dos nervos e dos músculos (Quadro 1), e a perda da capacidade de ventilação acontece agudamente e de modo absoluto nos traumatismos raquimedulares cervicais. Distrofias musculares, neuropatias e doenças da placa mioneural, quando acometem a musculatura da respiração, têm outro tipo de evolução: em surtos, ou então com piora progressiva, em velocidade variável.

A forma progressiva do acometimento da musculatura respiratória produz alterações dos gases sanguíneos, tanto hipoxemia quanto hipercapnia, ambas por hipoventilação. Apenas quando os pulmões forem lesados por infecções repetidas causadas por ineficácia da tosse e por episódios de aspiração, em virtude de descoordenação da deglutição, a hipoxemia pode ser explicada também como resultado de desproporções de ventilação e perfusão. A priori, o tratamento da hipoxemia e hipercapnia de um paciente com doença neuromuscular obrigatoriamente inclui técnicas que visem restabelecer uma adequada renovação do ar alveolar, e não envolve necessariamente o uso de oxigênio. Na verdade, o oxigênio, empregado isoladamente em situações de hipoventilação, pode levar o paciente à morte.





Histórico. Evolução dos aparelhos de ventilação

A substituição das funções do aparelho respiratório constitui um importante capítulo da história da Medicina, pouco conhecido pelos médicos em geral e pelos pneumologistas, em particular.

A interação das forças elásticas da caixa torácica e do pulmão produz uma pressão subatmosférica entre essas duas estruturas e transforma o tórax numa cavidade orgânica muito peculiar, diferente da caixa craniana e do abdome, que não exibem essa particularidade pressórica.

A abertura da cavidade torácica para fins terapêuticos sempre teve como obstáculo a pressão mais baixa no interior do tórax, que impossibilita o estabelecimento de comunicação entre o interior e o exterior da cavidade sem o prejuízo do colapso dos pulmões.

A própria compreensão de que as pressões são diferentes demorou bastante e um dos pioneiros da fisiologia da ventilação, o cirurgião alemão Sauerbruch,(1) só começou a desvendar esse mistério no final do século XIX. Nas suas tentativas de abrir o tórax, chegou à conclusão de que o interior da caixa torácica tinha pressões menores do que a atmosférica e, ainda, que este fato era fundamental para a ventilação.

Com o objetivo de contornar esta dificuldade criada pela diferença de pressão, Sauerbruch(1) desenvolveu uma sala para operar tórax (Figura 1). Nesta sua criação, o paciente a ser operado era posicionado com a cabeça para fora da sala, aos cuidados do anestesista. A equipe cirúrgica e o restante do corpo do paciente ficavam dentro da sala, onde se produzia, pela ação de bombas de sucção de ar, uma pressão mais baixa que a atmosférica em aproximadamente 7 mmHg. A comunicação entre o interior e o exterior da sala era vedada ao redor do pescoço do paciente por uma espécie de obturador móvel ajustável. A cabeça para fora da sala e a pressão subatmosférica ao redor do tórax permitiam a abertura do tórax sem colapso dos pulmões e a manutenção da ventilação espontânea.






O primeiro aparelho destinado a substituir a ventilação em pessoas que, por algum motivo, tinham parado de renovar o ar alveolar adequadamente, foi usado em larga escala a partir da terceira década do século XX, nos EUA. Construído por um engenheiro no Hospital da Universidade de Harvard,(2) recebeu o nome de pulmão de aço. Vivia-se, na época, uma pandemia de poliomielite, na qual morreram muitas pessoas com a forma paralítica respiratória da doença, pelo fato de não estar disponível nenhum mecanismo capaz de substituir a ventilação. A necessidade de uma máquina que conseguisse ventilar os pacientes era premente, e os conhecimentos disponíveis sobre a fisiologia respiratória, no momento, levaram à construção de um aparelho que se assemelhava à sala de Sauerbruch. Consistia de um cilindro de aço, no qual o paciente era introduzido até o pescoço, permanecendo apenas com a cabeça para fora do aparelho, e um motor elétrico, que gerava periodicamente pressões subatmosféricas dentro cilindro, e provocava a expansão da caixa torácica. Este aumento do volume do tórax fazia cair a pressão intratorácica e o ar era então aspirado para dentro das vias aéreas. Curiosamente, quando havia necessidade de se interromper temporariamente o funcionamento da máquina, colocava-se um domo transparente sobre a cabeça do paciente, no interior do qual se fazia pressão positiva. Um dispositivo semelhante de pressão positiva é descrito por Sauerbruch, em seu livro de 1922(1) (Figura 2), apesar de o autor dizer francamente que preferia a sala de pressão negativa, sua criação, por medo dos efeitos danosos da pressão positiva sobre os pulmões.





As dificuldades de se oferecer cuidados gerais, como banho, alimentação e medicação a pacientes em pulmões de aço, podem ser imaginadas. Além disso, a imobilidade forçada e a impossibilidade de tossir com certeza foram causa de inúmeras complicações infecciosas pulmonares. Apesar de todas as suas limitações, a demanda por pulmões de aço era muito grande e sua disponibilidade limitada em muitos hospitais.

Em Copenhague, Dinamarca, a epidemia de poliomielite fazia muitas vítimas no verão de 1952. Vários pacientes apresentavam dificuldades respiratórias e estavam disponíveis apenas alguns aparelhos de pressão negativa do tipo couraça (um "pulmão de aço" que envolvia só o tórax), que eram incapazes de substituir totalmente a ventilação dos pacientes. Chamado a opinar sobre que destino dar aos doentes, o anestesista Bjorn Ibsen submeteu um deles a uma traqueostomia(3) e utilizou um AMBU para ventilá-lo. Conseguiu provar que a técnica invasiva era mais eficiente para remover gás carbônico do que a não invasiva. A partir da demonstração de Ibsen, esta forma de ventilação tornou-se o tratamento padrão para a forma paralítica respiratória da poliomielite na Dinamarca. Cerca de 1.500 estudantes de Medicina e Odontologia foram convocados a se revezar no cumprimento de turnos de seis horas na ventilação de pacientes com AMBU e contribuíram com aproximadamente 165.000 h de trabalho, salvando a vida de muitas pessoas, com muito esforço.(3)

Quando a epidemia de poliomielite chegou à Suécia, no verão seguinte, os suecos já dispunham de um ventilador mecânico que, como o AMBU, injetava ar sob pressão para dentro das vias aéreas, sem necessitar das mãos dos voluntários. Desta maneira, surgiram os ventiladores de pressão positiva, que se tornaram, nos anos seguintes, o padrão de tratamento na insuficiência respiratória aguda.

Os critérios e parâmetros de injeção do gás sob pressão dentro das vias aéreas, da década de 60 do século XX até agora, têm sido motivo de preocupação constante. Garantir um volume corrente suficiente para o paciente, sem lesar o pulmão pelos picos excessivos de pressão, foi um dos primeiros aspectos estudados e fez surgir os ventiladores controladores de volume, com alarmes de pressão. Descobriu-se que insuflar os pulmões até que uma determinada pressão fosse atingida nas vias aéreas era insuficiente para ventilar o paciente de modo adequado, especialmente quando havia doença do pulmão. Reduções na complacência pulmonar faziam com que a pressão de ciclagem fosse atingida num tempo muito curto, insuficiente para a entrada de um volume corrente apropriado.

Outra descoberta fundamental para a ventilação mecânica diz respeito à necessidade de se manter os alvéolos abertos durante todo o ciclo respiratório, sempre que, por alguma condição patológica, houver tendência maior do que o normal para o colapso. A pressão expiratória final positiva (PEEP, em inglês), desde 1969,(4) incorporou-se como técnica obrigatória na ventilação artificial. Mesmo para a inspiração, ficou demonstrado que a manutenção de um platô de pressão, ao final da injeção de gás, melhorava a distribuição da mistura gasosa para os milhões de alvéolos e favorecia a hematose.

Posteriormente, voltou-se a atenção para a ventilação de indivíduos que se recuperavam parcialmente da insuficiência respiratória aguda e precisavam ser retirados da ventilação mecânica. Nesta fase, os pacientes deveriam estar acordados e colaborativos, sendo, na ventilação, apenas assistidos pela máquina. Nestas circunstâncias, era fundamental que o processo de injeção de gás fosse confortável e que o trabalho ventilatório pudesse ser reassumido, de forma gradual, pelo paciente. Dentro deste contexto, um grande avanço foi conseguido com o desenvolvimento da modalidade de ventilação denominada pressão de suporte,(5) durante a década de 1980. Trata-se de uma forma de ventilação espontânea, disparada a fluxo, limitada à pressão e ciclada a fluxo.

O tratamento da insuficiência respiratória aguda monopolizava as atenções e algumas poucas pessoas dedicavam-se aos pacientes portadores de insuficiência respiratória crônica.(6-8) A necessidade de alternativas para cuidar destes pacientes em outros tipos de ambiente, que não as unidades de terapia intensiva, levou ao desenvolvimento de máquinas com características específicas para uso em locais onde não está disponível uma fonte de gás sob pressão. Em 1978 surgiram os primeiros ventiladores portáteis e independentes de redes pressurizadas de gás.(7) Eles são capazes de gerar fluxo a partir do ar ambiente, por meio de compressores ou turbinas. Na maioria dos casos, estes ventiladores possuem baterias internas ou podem ser ligados a uma fonte de corrente contínua externa (bateria de carro, "nobreak").

Pacientes tetraplégicos, com capacidade vital zero, eram preferencialmente tratados, então, com traqueostomia e ventiladores volumétricos domiciliares. A traqueostomia permitia o manejo satisfatório das secreções, já que o paciente era incapaz de tossir, e também prevenia, durante algum tempo, a aspiração de conteúdo da boca ou orofaringe, caso houvesse, simultaneamente, distúrbios de deglutição.

No entanto, a traqueostomia mantida por anos está associada a inúmeras complicações,(7) como infecções, aumento da quantidade de secreção, prejuízo do transporte mucociliar, sangramentos, morte súbita por rolha de secreção e desconexões acidentais.

Outras situações que levam à insuficiência respiratória crônica, mas que são progressivas, tais como doenças neuromusculares e alterações da caixa torácica, trazem dificuldades no que diz respeito à determinação do momento adequado para a realização de uma traqueostomia, e os pacientes muito se beneficiariam de um método alternativo, que permitisse adiar esta intervenção o máximo possível ou até mesmo não realizá-la.

Em 1976 surgem menções a tratamentos não invasivos de problemas respiratórios.(9) O procedimento descrito, realizado com pressão positiva, foi denominado Continuous Positive Airway Pressure ou pressão positiva contínua na via aérea (CPAP). No entanto, a pressão positiva contínua nas vias aéreas, aplicada por meio de máscara nasal ou oronasal, não fornece suporte ventilatório. Ela mantém as vias aéreas abertas e pode diminuir o colapso alveolar. Ela passou a ser muito utilizada no domicílio para tratamento da apnéia obstrutiva do sono.

Dados publicados a partir de 1987 relatam a experiência com a aplicação de ventilação não invasiva, desde a década de 1960, em pacientes com síndrome pós-poliomielite e outros distúrbios neurológicos.(10-12) Estes pacientes utilizavam ventiladores volumétricos, na modalidade assistida-controlada, por meio de peças bucais, as quais permitiam a inspiração no momento desejado.

A adaptação da pressão de suporte a formas não invasivas de ventilação foi relatada em 1990, com a idealização de um sistema para ser usado com máscara oronasal, dependente de rede de gás pressurizada, fato que limitava seu emprego a ambientes hospitalares.(13)

Um respirador ciclado à pressão, como, por exemplo, um Bird Mark 7® (Bird Products Corporation, Palm Springs, CA), tem poucas chances de manter a ventilação num patamar adequado, quando utilizado de forma não invasiva. Esta incapacidade deve-se à forma de sua onda de pressão, que não apresenta nenhum tipo de platô: a pressão sobe até um valor pré-determinado e, após atingi-lo, cai rapidamente de volta à linha de base. Além desta característica, não existe nesse respirador nenhuma possibilidade de compensação de vazamentos ao redor da interface nasal ou oronasal. Na pressão de suporte, a ventilação é limitada à pressão: quando o valor ajustado para o suporte é atingido, o fluxo não pára, apenas vai diminuindo, de modo a manter a pressão constante, apesar do aumento progressivo do volume do pulmão. Esta particularidade cria um platô de pressão, responsável, em grande parte, pelos bons resultados na melhora da ventilação.

Também em 1990, alguns autores(14) descreveram uma nova forma de tratar a apnéia do sono, que utilizava dois níveis de pressão: um valor maior de pressão inspiratória (IPAP) e um valor menor para pressão expiratória (EPAP). A máquina funcionava como um gerador de fluxo contínuo, capaz de detectar o estímulo respiratório do paciente, quando então fazia subir rapidamente a pressão no circuito para o nível escolhido de pressão inspiratória (IPAP). Essa pressão era mantida durante toda a inspiração, e a redução do fluxo, para retorno ao nível escolhido de pressão expiratória (EPAP), acontecia no momento em que a demanda por fluxo pelo paciente diminuía. O sistema foi denominado Bilevel Positive Airway Pressure (BiPAP®, Respironics, Murrysville, PA) e suas características técnicas faziam-no funcionar de modo muito semelhante à pressão de suporte, só que independentemente de uma fonte de gás sob pressão.

O acúmulo de secreção ou condições que reduzam a complacência pulmonar podem comprometer a eficiência deste tipo de aparelho em melhorar a ventilação e esta pode ser uma limitação importante para sua utilização no suporte pressórico de indivíduos com insuficiência respiratória crônica. No entanto, a experiência tem mostrado que o aumento da pressão de suporte (até 30 cm de água) e técnicas eficientes de fisioterapia para eliminação de catarro ampliam muito a aplicabilidade dos BiPAP (apesar de o nome ser marca registrada de uma máquina, praticamente passou a denominar um tipo de suporte ventilatório). Portanto, o BiPAP expandiu sua aplicação do tratamento da apnéia do sono para uma variedade imensa de situações nas quais o seu padrão extremamente confortável de administrar fluxo constitui uma vantagem. Este conforto é muito importante sempre que o paciente ainda mantenha alguma capacidade de ventilação espontânea, pois, nestes casos, ondas de fluxo quadradas são difíceis de suportar.

Neste breve resumo histórico pode-se observar a oscilação de conceitos básicos na substituição ou auxílio da ventilação: "órteses e próteses respiratórias" foram inicialmente não invasivas, depois exclusivamente invasivas, para chegar ao momento atual com vasta gama de opções. A melhora da ventilação de um paciente portador de doença neuromuscular exige do médico conhecimento adequado para poder decidir qual a melhor técnica para o estado funcional daquele paciente.

Avaliação evolutiva do acometimento respiratório em doenças neuromusculares

A progressão das complicações respiratórias para insuficiência respiratória crônica nos doentes neuromusculares surge em geral como conseqüência direta de dois principais fatores: fraqueza e fadiga dos músculos respiratórios (inspiratórios, expiratórios e de vias aéreas superiores) e incapacidade de se manter as vias aéreas livres de secreções. Dentro de uma classificação mais abrangente da insuficiência respiratória crônica (Quadro 2), pode-se caracterizá-la como um quadro de insuficiência respiratória crônica restritiva com hipoventilação.





Não existem grandes estudos prospectivos que tenham abordado este tópico específico. No entanto, é possível estabelecer uma rotina mínima de avaliação periódica (Figura 3) de modo a introduzir medidas terapêuticas pertinentes a cada estágio da doença. Além disso, todas as possibilidades terapêuticas devem ser apresentadas ao paciente e sua família para que decisões conjuntas possam ser devidamente implementadas.





A perda da força da musculatura respiratória leva à ineficácia da tosse e à hipoventilação. Atelectasias, pneumonias e insuficiência respiratória, inicialmente durante o sono e depois, mesmo na vigília, são as complicações esperadas nesta situação. A freqüência adequada de avaliações do aparelho respiratório nestes doentes não está estabelecida e depende muito da velocidade da progressão dos sintomas e da deterioração da função pulmonar.

A espirometria, a oximetria de pulso, a capnografia, as medidas do pico de fluxo da tosse, da pressão inspiratória máxima e da pressão expiratória máxima permitem ao clínico prever quais pacientes necessitam de tosse assistida e suporte ventilatório.

Funcionalmente, os pacientes com doenças neuromusculares apresentam diminuição na capacidade vital e na capacidade pulmonar total. No entanto, estes não são parâmetros sensíveis na avaliação da força muscular respiratória destes indivíduos, pois a capacidade vital pode permanecer acima dos limites normais ainda que já haja comprometimento grave da força muscular, o qual pode ser detectado pelas medidas das pressões respiratórias estáticas máximas. Apenas quando a fraqueza muscular é significativa (reduções na força maiores que 50% do previsto) é que a diminuição na capacidade vital será observada.(15) No entanto, é um exame útil no seguimento de doentes mais graves, nos quais a fraqueza muscular é suficiente para reduzir a capacidade vital. Uma vez que a capacidade vital chegue a níveis inferiores a 40% a 50% do previsto, deve-se considerar a possibilidade de avaliação dos gases arteriais durante a vigília, mesmo em doentes assintomáticos.(16)

Muitos valores diferentes aparecem citados na literatura a partir dos quais o comprometimento da função pulmonar aumenta o risco de complicações e de morte.(17) Para pacientes com distrofia muscular de Duchenne, uma capacidade vital menor que 1 L é o dado que melhor se correlaciona com sobrevida diminuída, e um volume expiratório forçado no primeiro segundo menor que 20% do valor previsto está associado à hipercapnia durante os períodos de vigília.(18)

Portanto, a cada avaliação respiratória, estão indicadas a oximetria de pulso, as medidas de capacidade vital e volume expiratório forçado no primeiro segundo, em duas posições (sentado e em decúbito dorsal), de modo a sensibilizar o teste, as medidas de pressão inspiratória máxima e pressão expiratória máxima e a determinação do pico de fluxo da tosse.

Indivíduos normais, ao realizarem uma espirometria em posição supina conseguem obter uma medida de capacidade vital igual ou até maior que aquela avaliada na posição sentada. O aumento eventual da força do diafragma na posição supina pode se dever à distensão do músculo pela movimentação do conteúdo abdominal para cima. Pacientes que tenham a força do diafragma comprometida por alguma doença teriam muito maior dificuldade para soprar quando em decúbito dorsal. Piora de 40% ou mais no valor da capacidade vital forçada em decúbito supino é altamente indicativa de grande comprometimento do desempenho do diafragma nesta posição, fato que deve prejudicar bastante a ventilação durante o sono. No entanto, qualquer queda de 20% ou mais deve alertar o clínico para a necessidade de um estudo do desempenho respiratório durante o sono.(19)

A medida do pico de fluxo da tosse pode ser feita com o auxílio de um Peak Flow Meter (Figura 4). O pico de fluxo da tosse está diretamente correlacionado à habilidade de eliminar secreções do aparelho respiratório,(20) e valores abaixo de 160 L/min estão associados à limpeza inadequada da árvore traqueobrônquica.(21,22) No entanto, valores superiores, porém muito próximos de 160 L/min não garantem necessariamente uma adequada proteção das vias aéreas, pois a força muscular tende a piorar durante episódios infecciosos.(23) Por este motivo, um valor de pico de fluxo da tosse de 270 L/min tem sido utilizado para detectar pacientes que se beneficiariam de técnicas de tosse assistida.(24)





Valores de pressão expiratória máxima de 60 cmH2O ou mais estão associados à capacidade de gerar fluxos aéreos adequados durante a tosse, enquanto que medidas menores ou iguais a 45 cmH2O estão correlacionadas a tosse ineficaz.(25) A oximetria de pulso ajuda a identificar situações como atelectasias e pneumonias, nas quais há necessidade de se intensificar as medidas de eliminação de secreção.(24)

Deve-se também determinar os valores de gás carbônico no sangue e estimativas feitas por meio de capnografia são ideais para este fim. O seguimento de rotina de pacientes com doenças neuromusculares não inclui gasometrias arteriais. Quando a capnografia não está disponível, deve-se lançar mão de sangue venoso ou amostra de sangue capilar obtida por puntura.

A radiografia do tórax anual ajuda na detecção de lesões parenquimatosas seqüelares, e o hematócrito pode auxiliar na avaliação da gravidade da hipoxemia e/ou da eficiência da terapêutica.

Além disso, os pacientes devem ser também investigados para a determinação de outros distúrbios respiratórios ou associados, tais como apnéia obstrutiva do sono, aspiração, refluxo gastresofágico e asma.

Uma avaliação nutricional pode auxiliar no controle tanto da obesidade relacionada ao baixo gasto calórico como na perda de massa muscular relacionada à doença e/ou sedentarismo. O índice de massa corpórea deve ser determinado periodicamente e, se possível, também a distribuição de massa magra e gordura corporal por meio de técnicas adequadas (impedanciometria ou medicina nuclear). Se uma nutrição adequada não puder ser garantida por via oral, sonda enteral e/ou gastrostomia devem ser consideradas. A deglutição deve ser avaliada pela história clínica e pela observação direta da capacidade do paciente de engolir alimentos de diferentes texturas. Videofluoroscopia deve ser empregada se houver antecedentes de sufocação e/ou disfagia.

Doenças neuromusculares podem produzir alterações do sono pelo fato de a hipoventilação alveolar ser mais intensa durante este estado. A piora da renovação do ar alveolar tem sintomas sutis, que podem passar despercebidos se não forem diretamente pesquisados. A hipoventilação durante o sono pode se manifestar, inicialmente, por um número progressivamente crescente de despertares noturnos, fadiga, sonolência durante o dia e cefaléia matinal.

A época correta de se indicar a polissonografia em um paciente com doença neuromuscular não está estabelecida. Por esta razão, deve-se sempre investigar a presença dos sintomas relacionados a distúrbios do sono. Caso os sintomas estejam presentes, independentemente de haver ou não hipercapnia diurna, a polissonografia está indicada. Na indisponibilidade deste tipo de exame, a monitorização contínua de saturação de oxigênio e de gás carbônico expirado (oximetria e capnografia) pode auxiliar no encaminhamento destes pacientes. Na falta deste tipo de monitorização, a dosagem de gás carbônico no sangue capilar ou arterial ao acordar pode ser útil. Pacientes assintomáticos, mas com hipercapnia diurna ou grandes distúrbios na função pulmonar, têm indicação de polissonografia. Deve-se lembrar ainda que este exame pode ser usado na titulação dos níveis pressóricos a serem utilizados quando do início da ventilação com suporte pressórico positivo.

Técnicas de insuflação pulmonar e limpeza das vias aéreas

Se a avaliação do pico de fluxo da tosse e da força muscular expiratória sugerirem uma situação de inadequada remoção de secreção das vias aéreas, devem-se introduzir técnicas de facilitação da eliminação de secreções.

Máxima capacidade de insuflação é a denominação que se refere ao máximo volume de ar que pode ser retido dentro do pulmão com a glote fechada, e depende da força muscular da faringe e da laringe. O aumento do volume de ar dentro dos pulmões deve resultar em maior volume expiratório, o que ajuda o paciente a gerar fluxos expiratórios eficazes para a mobilização de secreções.(26) A máxima capacidade de insuflação pode ser atingida ao se realizar uma série de manobras inspiratórias sem exalar entre elas, de modo a acumular ar nos pulmões.

A respiração glossofaríngea consiste em utilizar a musculatura da base da língua e da faringe de modo a empurrar o ar contido na orofaringe e nasofaringe em direção à laringe e à traquéia.São outras técnicas de insuflação pulmonar e limpeza das vias aéreas: insuflação pulmonar com AMBU e máscara; insuflação pulmonar com aparelhos de suporte pressórico não invasivo; e insuflação pulmonar com ventilador mecânico convencional, utilizado de modo invasivo ou não invasivo.

Todas essas técnicas para aumentar o volume inspiratório devem ser utilizadas com auxílio manual da tosse, situação na qual o fisioterapeuta ou o cuidador empurra o diafragma para cima com uma das mãos e comprime a face anterior do tórax com a outra, em sincronia com o esforço de tosse do próprio paciente, se esse esforço existir.

Nas situações em que a força para tossir praticamente não existe, está formalmente indicado um aparelho capaz de fazer insuflação com pressão positiva e aspiração, com pressão negativa, imediatamente após a expansão pulmonar. Este aparelho é conhecido como IN-Exsufflator ® ou Cough-assist ® (Respironics, Murrysville, PA) (Figura 5). A comparação dos picos de fluxo da tosse produzidos com estas máquinas e aqueles produzidos pela máxima insuflação e tosse assistida revela a superioridade da reprodução mecânica da tosse. Na verdade, a disponibilidade de uma destas máquinas facilita sobremaneira o cuidado de pacientes com doença neuromuscular, mesmo em fases não muito avançadas de comprometimento da força muscular respiratória.





A ventilação percussiva, que sobrepõe pulsos de ar de alta freqüência e baixo volume sobre uma pressão positiva contínua nas vias aéreas parece ter sido eficaz em desfazer atelectasias persistentes em crianças.(27) A oscilação de alta freqüência da parede torácica é também uma a técnica possível para mobilização de secreções. No entanto, assim como a ventilação percussiva, deve funcionar melhor em pacientes que tenham a força muscular mais preservada. A broncoscopia só deve ser utilizada se as outras manobras falharem.

Suporte pressórico não invasivo durante a noite

Feito o diagnóstico de hipoventilação noturna, está indicado o uso de suporte pressórico não invasivo. A utilização de um aparelho de pressão positiva em dois níveis ou de ventilador mecânico convencional, com máscara nasal ou oronasal, tem se mostrado eficaz na reversão dos distúrbios ventilatórios do sono em várias doenças neuromusculares(28,29) O valor da pressão positiva capaz de reverter a hipoventilação durante o sono deve ser determinado no laboratório do sono ou então por meio de observação cuidadosa e monitorização à beira do leito. Além disso, se a doença de base for progressiva, deve ser enfatizada a possível necessidade de os valores de pressão serem periodicamente ajustados para mais.

O suporte pressórico não invasivo durante a noite pode aumentar a sobrevida em alguns pacientes,(30,31) melhorar a qualidade do sono, diminuir a sonolência diurna, melhorar o bem-estar e a independência, melhorar os gases sanguíneos durante o dia e diminuir a taxa de declínio da função pulmonar.(31-36)

As complicações do suporte pressórico não invasivo incluem conjuntivite, úlceras na pele, distensão gástrica e aspiração de vômito, se uma máscara facial total estiver sendo utilizada. Problemas nos olhos e na pele da face podem ser evitados se a máscara estiver adequadamente adaptada. A obstrução nasal, queixa bastante comum entre pacientes sob suporte pressórico não invasivo com máscara
nasal, pode ser melhorada com a umidificação do ar fornecido pelo aparelho e uso de corticosteróides nasais. De um modo geral, quando utilizadas para o suporte de pacientes com doenças neuromusculares, as máquinas que fornecem dois níveis de pressão (BiPAP e aparelhos semelhantes) devem obrigatoriamente ter a possibilidade de entrar com uma freqüência respiratória na modalidade controlada, caso o paciente pare totalmente de respirar (ventilação de back-up). Além disso, como estes aparelhos são usados sem alarmes, a monitorização noturna da oximetria, com alarme, está indicada.

Nunca se deve utilizar oxigênio sem um suporte ventilatório adequado em pacientes com doenças neuromusculares.

A extensão do suporte pressórico da ventilação para o período diurno

Deve-se considerar a extensão da ventilação para o período diurno se o paciente apresentar pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial maior que 50 mmHg ou saturação na oximetria de pulso menor que 92%, enquanto acordado.

Maior conforto para o paciente é conseguido com ventilação intermitente com pressão positiva por meio de peça bucal. Para isso, qualquer ventilador mecânico domiciliar, capaz de garantir volumes correntes adequados, pode ser utilizado, na modalidade assistida-controlada. A máquina pode ser adaptada a uma cadeira de rodas e o circuito, com a peça bucal, fica preso a um suporte próximo à boca do paciente. Quando achar necessário, o próprio paciente move o pescoço, prende a peça bucal com os dentes e espera uma insuflação do aparelho (ou dispara uma insuflação, se ainda tiver condição). Obviamente, este tipo de suporte ventilatório pressupõe uma função adequada de músculos bulbares e do pescoço. Peças bucais fixadas pelos dentes permitem o uso deste mesmo tipo de ventilação durante o período noturno.

A traqueotomia só deve ser indicada nas situações de absoluta intolerância da ventilação não invasiva ou então por grave acometimento da musculatura bulbar. Mesmo nesta última situação, pode-se ainda insistir com o suporte pressórico não invasivo desde que estejam disponíveis a máquina de auxílio mecânico da tosse e um oxímetro de pulso. Traqueotomias prejudicam os mecanismos normais de defesa da traquéia, aumentam a secreção, colonizam-se rapidamente com germes de difícil controle, prejudicam a deglutição e impedem a fonação (a menos que válvulas fonadoras, de alto custo, sejam utilizadas).

Considerações finais

Todas as possibilidades terapêuticas devem ser apresentadas ao paciente portador de doença neuromuscular e à sua família. A indicação de cada uma delas deve ser bastante discutida. Não há justificativa técnica ou ética para se tomar qualquer decisão à revelia dos desejos do paciente e nem deve o médico usar seus próprios valores para decidir sobre o que é aceitável como qualidade de vida para uma outra pessoa.

Referências

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* Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP) Brasil.
1. Professora Associada da Disciplina de Pneumologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP) Brasil.
2. Fisioterapeuta do Serviço de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP) Brasil.
3. Professora Doutora da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC - Campinas (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Ilma Aparecida Paschoal. Rua Serra da Bocaina, 178, CEP 13100-449, Campinas, SP, Brasil. E-mail: ilma@mpc.com.br
Recebido para publicação em 8/5/06. Aprovado em 15/5/06.

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