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Artigo Original

Efeitos sistêmicos da hipoxemia noturna em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica sem síndrome da apnéia obstrutiva do sono

Systemic effects of nocturnal hypoxemia in patients with chronic obstructive pulmonary disease without obstructive sleep apnea syndrome

Paulo de Tarso Guerrero Mueller, Marcílio Delmondes Gomes, Carlos Alberto de Assis Viegas, José Alberto Neder

ABSTRACT

Objective: To study the effects of nocturnal hypoxemia in patients with chronic obstructive pulmonary disease without obstructive sleep apnea syndrome. Methods: We studied 21 patients-10 desaturators and 11 nondesaturators-submitted to arterial blood gas analysis, polysomnography, spirometry, cardiopulmonary exercise testing (cycle ergometer), and hand-grip dynamometry, as well as measurements of maximal inspiratory pressure, maximal expiratory pressure, and C-reactive protein (CRP) levels. Patients with arterial oxygen tension > 60 mmHg were included; those with an apnea-hypopnea index > 5 events/hour of sleep were excluded. Maximal oxygen uptake, maximal power, systolic blood pressure, diastolic blood pressure (DBP), and maximal heart rate were measured during exercise in order to detect hemodynamic alterations. Patients presenting CRP levels above 3 mg/L were considered CRP-positive. Results: Minimal peripheral oxygen saturation during sleep was significantly higher among nondesaturators (p = 0.03). More desaturators presented CRP > 3 mg/L (p < 0.05). No differences were observed in terms of any variables, However, mean peripheral oxygen saturation during sleep correlated with DBP and maximal inspiratory pressure (p < 0.001 and p = 0.001, respectively). Conclusions: Although nocturnal hypoxemia does not reduce exercise capacity or hand-grip strength in patients with mild/moderate COPD, its effect on maximal exercise DBP seems to depend on the degree of hypoxemia. In addition, there is a positive relationship between maximal inspiratory pressure and mean peripheral oxygen saturation during sleep, as well as evidence of pronounced inflammatory activation in patients with nocturnal hypoxemia.

Keywords: Pulmonary disease, chronic obstructive; Exercise test; Anoxia; Respiratory function tests.

RESUMO

Objetivo: Estudar os efeitos da hipoxemia noturna em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica sem síndrome da apnéia obstrutiva do sono. Métodos: Estudamos 21 pacientes-10 dessaturadores e 11 não-dessaturadores-submetidos a gasometria arterial, polissonografia, espirometria, teste de exercício cardiopulmonar (cicloergômetro), dinamometria manual e medidas de pressão inspiratória máxima, pressão expiratória máxima e proteína C reativa (PCR). Incluíram-se os pacientes com pressão parcial arterial de oxigênio > 60 mmHg; excluíram-se os com índice de apnéia-hipopnéia > 5 eventos/hora de sono. Foram medidos consumo máximo de oxigênio, potência máxima, pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica (PAD) e frequência cardíaca máxima durante exercício, visando detectar alterações hemodinâmicas. A PCR foi considerada positiva quando acima de 3 mg/L. Resultados: A saturação periférica de oxigênio mínima durante o sono foi significativamente maior nos não-dessaturadores (p = 0,03). Mais dessaturadores apresentaram PCR > 3 mg/L (p < 0,05). Não houve diferença quanto a capacidade de exercício e demais variáveis. No entanto, PAD (p < 0,001) e pressão inspiratória máxima (p = 0,001) correlacionaram-se com saturação periférica de oxigênio média durante o sono. Conclusões: A hipoxemia noturna não reduz a capacidade de exercício e a força de preensao manual em pacientes com DPOC leve/moderada, mas o ajuste da PAD durante o exercício máximo parece depender do grau de hipoxemia. Além disso, há uma relação positiva entre pressão inspiratória máxima e saturação periférica de oxigênio média durante o sono, bem como indícios de ativação inflamatória diferenciada em pacientes com hipoxemia noturna.

Palavras-chave: Doença pulmonar obstrutiva crônica; Teste de esforço; Anóxia; Testes de função respiratória.

Introdução

Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) podem apresentar dessaturação da hemoglobina durante o sono (dessaturação noturna), sem síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS).(1) Por isso, podem apresentar fortes indícios da coexistência de uma inflamação sistêmica ­associada ao processo inflamatório brônquico, capaz de gerar estresse oxidativo anormal,(2,3) que pode inclusive ser exacerbado por hipoxemia diurna crônica.(4) Os efeitos sistêmicos da hipoxemia noturna, no entanto, são pouco estudados em pacientes com DPOC.

Por outro lado, a hipoxemia noturna intermitente é bem estudada em pacientes com SAOS e em modelos experimentais e pode causar ou está fortemente associada a inúmeras disfunções que atingem esses pacientes, como alterações cardíacas(5,6) e musculares,(7) hipertensão arterial pulmonar,(8,9) neuropatia periférica(10) e alteração autonômica.(11) Todos esses compartimentos afetados são determinantes na capacidade de exercício. Assim, alguns autores encontraram redução da capacidade de exercício em pacientes com SAOS,(12,13) embora outros não tenham evidenciado tal comprometimento.(14,15)

Também se sabe que o aumento de proteína C reativa (PCR), plaquetas, fibrinogênio e interleucina-6 está associado a hipoxemia noturna em pacientes com SAOS,(16) ao lado de alterações do tônus autonômico,(11) atividade catecolaminérgica diurna alterada(17) e elevação da pressão arterial diastólica durante o exercício máximo (PADmáx).(18)

Assim, nosso objetivo neste estudo foi verificar o impacto da dessaturação noturna na capacidade aeróbia máxima e em seus componentes de alteração hemodinâmica, além de determinar as pressões respiratórias máximas, a força de contração isométrica voluntária máxima (CIVM) e os níveis comparativos de PCR em pacientes com DPOC, normoxêmicos ou hipoxêmicos leves durante o dia, com e sem dessaturação noturna.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal envolvendo 21 pacientes portadores de DPOC classificada como leve/moderada.(19) Todos os pacientes foram encaminhados para o ambulatório de DPOC do Serviço de Pneumologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul a partir de unidades básicas de saúde ou ambulatórios de tabagismo entre maio de 2006 e maio de 2007.

Foram utilizados os seguintes critérios modificados, baseados nos critérios da Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease(19) e da American Thoracic Society/European Respiratory Society task force for diagnosis and treatment of COPD(20): ter entre 40 e 75 anos de idade, ser fumante ou ex-fumante (pelo menos 20 anos-maço) e não ter limitações ortopédicas ou co-morbidades que interfiram na capacidade de exercício, como diabetes, insuficiência cardíaca, asma brônquica ou hipertensão pulmonar. Como critério obrigatório, uma espirometria apresentando os seguintes resultados: relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e capacidade vital forçada menor que 70% e VEF1 pós-broncodilatador maior que 50% do previsto.

Nenhum dos pacientes participava de programa de reabilitação pulmonar ou havia usado medicamentos com potencial para alterar a capacidade de exercício, como corticóides sistêmicos e esteróides anabolizantes androgênicos, nos últimos 3 meses. Os pacientes deveriam estar livres de qualquer exacerbação há pelo menos 6 semanas e apresentar pressão parcial arterial de oxigênio (PaO2) em repouso e em ar ambiente acima de 60 mmHg. Todos foram instruídos quanto aos exames e a finalidade da pesquisa e assinaram, ao concordarem, o termo de consentimento livre e esclarecido, cujo protocolo foi aprovado pela Comissão de Ética da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

O estudo foi realizado em três visitas consecutivas no prazo de uma semana. Na primeira visita foram realizadas a coleta de sangue venoso em jejum de pelo menos 2 h para a obtenção das variáveis hematológicas e bioquímicas, bem como a antropometria para o cálculo do índice de massa corpórea (peso/altura2)-peso mensurado em balança (Welmy S.A., Santa Bárbara do Oeste, Brasil) calibrada antes de cada medida, e altura mensurada com estadímetro apropriado. Além disso, os pacientes preencheram um questionário básico sobre o sono e foram submetidos a exame físico, e, em seguida, foi realizada uma espirometria (Master Screen; Jaeger, Würtzburg, Alemanha, 2003). Após breve intervalo, foi coletada uma amostra de sangue arterial em anaerobiose para a realização de gasometria (ABL 5; Radiometer, Copenhagen, Dinamarca).

Na segunda visita foi realizada uma polissonografia de noite inteira em um aparelho de 32 canais (Meditron Eletromedicina Ltda., São Paulo, Brasil), em clínica credenciada pela Sociedade Brasileira do Sono, utilizando-se critérios do Consenso Brasileiro do Sono.(21) Foi considerado dessaturador noturno aquele paciente com queda na saturação periférica de oxigênio (SpO2; oximetria digital) maior que 4% em relação à SpO2 basal (após 15 min de estabilização do sinal) e pelo tempo mínimo de 5 min, conforme recomendação de Block et al.(22) Três pacientes foram excluídos do estudo em razão dos resultados da oximetria noturna ou dos resultados do teste de exercício (subesforço).

Na terceira visita medimos a CIVM de membros superiores com um dinamômetro analógico da marca Jamar (Sammons Preston; Jamar, Bolingbrook, IL, EUA). Foram realizadas cinco medidas em cada mão, e a maior medida foi escolhida.

A mensuração das pressões respiratórias máximas foi realizada, a partir da capacidade pulmonar total e do volume residual, em um manovacuômetro digital (MVD 300; Globalmed, Porto Alegre, Brasil) com software acoplado, seguindo as Diretrizes para Testes de Função Pulmonar (2002).(23)

Para o teste cardiopulmonar de exercício foram utilizados um cicloergômetro (Ergometrics 900; Ergoline, Bitz, Alemanha) e um analisador de medida por câmara mista (Jaeger, Würtzburg, Alemanha), com protocolo incremental em rampa e incremento, calculado a partir da fórmula de Wasserman, variando entre 2 e 4 W a cada 10 s, até o consumo máximo de oxigênio durante o exercício (VO2máx) ou o consumo de oxigênio no pico do exercício. O protocolo incluía uma medida automática da pressão arterial a cada minuto pela técnica de pletismografia de impedância. Para tanto, utilizou-se um aparelho calibrado e acoplado de fábrica ao cicloergômetro, com manguito contendo um sensor para determinação da pressão arterial e pulso. Imediatamente antes do fim do exercício, ou no final deste, era realizada uma medida por comando manual pelo computador.

A PCR foi mensurada por imunonefelometria quantitativa (CardioPhase; Dade Behring, Marburg, Alemanha), sendo que valores abaixo de 3 mg/L foram considerados normais.(24)

Os pacientes estudados foram divididos em dois grupos (dessaturadores e não dessaturadores) pelo critério já explanado, e foram excluídos os pacientes com DPOC e índice de apnéia-hipopnéia maior que 5 eventos/hora de sono.

Os resultados foram expressos como média ± desvio padrão. O teste de Mann-Whitney foi usado para a comparação das variáveis de SpO2 durante o exercício e durante o sono entre os grupos. Para as demais comparações numéricas foi usado o teste t de Student, e, para as comparações nominais, o teste exato de Fisher. Para a comparação da PCR entre os grupos (indivíduos com valores normais vs. indivíduos com valores elevados) foi usado o teste do qui-quadrado. O teste de correlação linear de Spearman foi usado para a correlação entre as variáveis SpO2 durante o sono e as demais variáveis relevantes. Além disso, realizou-se uma análise de correlação parcial para determinar o grau de influência de uma variável importante sobre uma variável final-SpO2 média durante o sono (SpO2médSono). O desfecho primário do presente estudo foi a dessaturação noturna. Considerando-se uma incidência média de dessaturação noturna de 45%,(1) estimou-se que a avaliação de 20 pacientes (10 em cada grupo) permitiria análises associativas exploratórias entre as principais variáveis de interesse. As diferenças foram consideradas estatisticamente significativas quando p < 0,05. A análise estatística foi realizada utilizando-se o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 13.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).

Resultados

No período de maio de 2006 a maio de 2007, estudamos 21 pacientes-sendo 6 (29%) do sexo feminino-os quais foram divididos em dois grupos: dessaturadores (D) e não dessaturadores (ND). Os dados antropométricos e demográficos, além dos dados relacionados a polissonografia, função pulmonar e PCR, são mostrados na Tabela 1, onde são apresentados os valores totais e os valores referentes a cada um dos dois grupos.

Observamos uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos quanto à SpO2 mínima durante o sono (SpO2mínSono; p = 0,03) e um número significativamente maior de pacientes com PCR acima do valor considerado normal no grupo de dessaturadores (Tabela 1). As variáveis de exercício foram, em média, um pouco menores no grupo de dessaturadores, mas sem diferença significativa. Não houve diferença significativa entre os grupos quanto à condição de fumante/ex-fumante e o uso/não-uso de corticóide inalatório pelo teste exato de Fisher (Tabela 1).



Na amostra como um todo (n = 21) foi observada correlação positiva e significativa entre a potência máxima durante o exercício (em watts) e a SpO2médSono (p = 0,025), mas essa significância estatística não se sustentou após análise de correlação parcial tendo como variável de controle a PaO2 em repouso (r = 0,219; p = 0,354). Os dois grupos apresentaram SpO2mínSono maior que aquela verificada no pico do exercício (Tabela 1).

Não houve diferença entre os grupos quanto à força periférica medida pela CIVM (p = 0,821; Tabela 1), e a mesma não se correlacionou com os parâmetros de SpO2 noturna para os grupos em separado (Tabela 2).

Apesar de não haver diferença estatística entre os grupos quanto à SpO2médSono, a mesma correlacionou-se, de forma inversa e estreita, com a PADmáx (p < 0,001; r = −0,935; Figura 1) e, de forma direta, com a pressão inspiratória máxima (PImáx; p = 0,001; r = 0,866; Figura 2) no grupo de dessaturadores. A correlação com essas duas variáveis também foi significativa quando tomamos a amostra como um todo, mas não constatamos qualquer correlação no grupo de não dessaturadores (Tabela 2).








A amostra como um todo apresentou correlação estreita e positiva do VEF1 em porcentagem (r = 0,535; p = 0,012) e do VEF1 em % do previsto (r = 0,435; p = 0,049) com a SpO2médSono, e, ainda, do VEF1 em litros (r = 0,472; p = 0,031) com a SpO2mínSono (Tabela 2).

Discussão

Em nosso estudo não encontramos diferença quanto à capacidade de exercício por cicloergometria entre os dois grupos. Houve um número significativamente maior de pacientes com PCR acima do valor normal no grupo de dessaturadores, e, nesse grupo, a PADmáx em cicloergômetro ajustou-se, em relação inversa e estreita, à SpO2médSono.

Como se sabe, o efeito da dessaturação noturna sobre a capacidade de exercício foi estudado em pacientes com SAOS. Alguns estudos não demonstraram redução da capacidade aeróbia máxima na cicloergometria,(12,13) enquanto outros detectaram significativa redução,(14,15) e ainda outro estudo mostrou aumento significativo do VO2máx após uso de ventilação de suporte não invasiva.(25) No entanto, esses pacientes não foram estudados quanto à força periférica e a força dos músculos respiratórios, além de o critério de dessaturação ser diferente no estudo das duas doenças, pois, enquanto a duração de cada episódio de hipoxemia em pacientes com SAOS é de 15 a 45 s, em nosso estudo, a duração de cada episódio nos pacientes com DPOC foi de mais de 5 min.

Os pacientes com DPOC têm mecanismos de limitação ao exercício bem conhecidos. Em nosso estudo os valores das variáveis de exercício foram ligeiramente menores, em média, nos pacientes do grupo de dessaturadores, mas sem diferença significativa quando comparados aos valores encontrados nos pacientes do grupo de não dessaturadores. Apesar da correlação positiva e significativa entre a potência máxima e a SpO2médSono, esse efeito não se sustentou após análise de correlação parcial tendo como variável de controle a PaO2 diurna, diferentemente da correlação estreita encontrada entre o VO2máx e a SpO2mínSono em 12 pacientes com SAOS.(17)

A dessaturação verificada durante o exercício máximo em relação ao repouso foi muito pequena (em média 1%) comparada à dessaturação muito mais significativa durante o sono, com queda média de 9% na SpO2. Estima-se que o estresse ­cardiovascular durante o sono possa ser, em alguns casos, até mais intenso do que aquele alcançado durante o exercício máximo,(1) e, no entanto, a indicação de oxigenoterapia noturna não é tão freqüente quanto a indicação de oxigenoterapia durante o exercício.(19)

Os grupos não diferiram quanto à força periférica medida por CIVM e a força gerada pelos músculos respiratórios, indicando que, em média, os pacientes do grupo de dessaturadores mantém preservada sua capacidade de gerar força quando comparados aos do grupo de não dessaturadores. Salientamos que a PImáx (% do previsto) correlacionou-se com a SpO2médSono na amostra como um todo e, especialmente, no grupo de dessaturadores, corroborando achados da literatura.(26) Sabe-se, por outro lado, que o treinamento de alta intensidade da musculatura inspiratória pode reduzir a profundidade da dessaturação noturna,(27) embora esse não tenha sido o caso de nossos pacientes.

Não observamos diferença entre os grupos quanto à pressão arterial sistólica durante o exercício máximo e a PADmáx, mas o grupo de dessaturadores apresentou correlação íntima entre a PADmáx e a SpO2médSono, fato já conhecido em estudos envolvendo pacientes com SAOS.(15,18) Podemos especular que essa correlação pode ser uma apresentação inicial de hipertensão arterial sistêmica que se instala em pacientes com dessaturação noturna, uma vez que a disfunção autonômica no controle da pressão arterial, por uma up-regulation do barorreflexo controlado pelos corpos carotídeos, está bem estabelecida em modelos experimentais e achados clínicos na SAOS.(11)

O estresse oxidativo é certamente um fator relacionado à hipoxemia intermitente. Marcadores de estresse oxidativo estão aumentados em pacientes com SAOS e se reduzem após tratamento com ventilação de suporte não invasiva.(25)

Outro consistente efeito da hipoxemia intermitente, associado ao estresse oxidativo, é a capacidade de aumentar os níveis séricos de biomarcadores, como a PCR. O fato de o grupo de dessaturadores apresentar um número significativamente maior de pacientes com PCR acima do valor de corte normal é consistente com os estudos de SAOS,(16) mesmo quando os grupos não diferiam quanto ao tabagismo, o uso de corticóide inalatório e o índice de massa corpórea, fatores que poderiam interferir nos resultados. A PCR tem uma importância prognóstica em pacientes com DPOC,(28) e seus níveis correlacionaram-se estatisticamente com distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos,(29) sendo um preditor significativo e independente da endurance à cicloergometria submáxima em pacientes com DPOC.(29)

A correlação entre variável de espirometria e SpO2médSono foi estabelecida por alguns autores,(1,30) e, em nosso caso, o VEF1 correlacionou-se com a SpO2médSono, mas essa variável não chega a ser um preditor importante da hipoxemia noturna nos estudos.

Entre os fatores limitantes deste estudo está a não realização da medida da massa livre de gordura, que poderia caracterizar melhor uma relação entre a capacidade de exercício e a hipoxemia noturna. Outro fator limitante é o critério de dessaturação adotado. Apesar de alguns autores recomendarem uma queda de 10% na SpO2 ou um tempo acima de 30% do tempo total de sono com SpO2 abaixo de 90%,(1) seguimos a recomendação de Block et al.(22) por se tratar de um estudo em pacientes com DPOC leve/moderada, onde aqueles critérios dificilmente seriam alcançados.

Portanto, concluímos que a hipoxemia leve noturna não causa redução da capacidade de exercício em pacientes com DPOC leve/moderada. Entretanto, o ajuste da PADmáx parece depender da intensidade da dessaturação noturna, e a PImáx em % do previsto tem correlação com a SpO2médSono, além de haver indícios de maior ativação inflamatória sistêmica (medida pelos níveis de PCR) em pacientes com DPOC e dessaturação durante o sono.

Como implicação clínica, sugerimos que pacientes com DPOC leve/moderada sejam melhor investigados quanto à necessidade de oxigenioterapia suplementar durante o sono.

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Trabalho realizado junto ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS - Campo Grande (MS) Brasil.
1. Professor da Disciplina de Pneumologia. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS - Campo Grande (MS) Brasil.
2. Médico Neurologista da NeuroSono Clínica de Neurologia e Distúrbios do Sono, Campo Grande (MS) Brasil.
3. Professor da Disciplina de Pneumologia. Universidade de Brasília - UnB - Brasília (DF) Brasil.
4. Coordenador do Serviço de Função Pulmonar e Fisiologia Clínica do Exercício. Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Paulo de Tarso Guerrero Mueller. Rua Abrão Júlio Rahe, 858, apto. 104, Vila Rosa, CEP 79010-010, Campo Grande, MS, Brasil.
Tel 55 67 3345-3149. E-mail: mpaulo@nin.ufms.br
Recebido para publicação em 24/9/2007. Aprovado, após revisão, em 5/11/2007.

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