Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
11306
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Comunicação Breve

Reabilitação respiratória na DPOC: do treinamento de exercício para a "vida real"

Pulmonary rehabilitation in COPD: from exercise training to "real life"

Susana Alves Ferreira, Miguel Guimarães, Natália Taveira

ABSTRACT

The objective of this study was to assess the efficacy of exercise training by means of a rehabilitative walking protocol. Twenty patients with COPD staged as III/IV according to the Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease were included. Patients were evaluated at baseline and at the end of the exercise program regarding oxygen desaturation, sensation of dyspnea/fatigue, quality of life and six-minute walk distance. The comparison between the six-minute walk distance prior to and after training proved the efficacy of the protocol, which also resulted in a decrease in oxygen desaturation and in the sensation of dyspnea. This protocol can be easily put into practice.

Keywords: Activities of daily living; Pulmonary disease, chronic obstructive; Rehabilitation; Exercise therapy; Exercise test.

RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia do treinamento de exercício com protocolo de marcha. Foram incluídos 20 doentes com DPOC em estádios III/IV segundo Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. Os pacientes foram avaliados no início e ao final do programa de exercício quanto à dessaturação de oxigênio, sensação de dispneia/fadiga, qualidade de vida e distância percorrida no teste da caminhada de seis minutos. O efeito de treinamento evidenciou-se na comparação das distâncias percorridas antes e após o treinamento, com diminuição da dessaturação para maiores distâncias e na sensação de dispneia. Esse programa de treinamento é facilmente exequível.

Palavras-chave: Atividades cotidianas; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Reabilitação; Terapia por exercício; Teste de esforço.

É reconhecido que os pacientes com DPOC apresentam uma diminuição da tolerância ao esforço físico e dispneia, sendo esse fenômeno essencialmente devido à obstrução das vias aéreas, à disfunção dos músculos periféricos e presumivelmente a uma combinação de vários outros fatores (descondicionamento, caquexia, hipoxemia, hipercapnia, estresse oxidativo e apoptose).(1-6) O índice Body mass index, airway Obstruction, Dyspnea, and Exercise capacity (BODE, índice de massa corpórea, obstrução das vias aéreas, dispneia e capacidade de exercício) é um índice que leva em consideração o índice de massa corpórea, a obstrução das vias aéreas medida por VEF1, a percepção da dispneia através da escala de dispneia do Modified Medical Research Council (MMRC) e a capacidade de exercício pelo teste da caminhada de seis minutos.(7) Esse índice caracteriza a doença multissistêmica, não considerando apenas o VEF1, o qual atualmente demonstrou-se não ser fortemente correlacionado com a atividade física diária ou com o grau de dispneia. O índice BODE mostrou-se um melhor indicador de sobrevida em pacientes com DPOC.(7)


O treinamento de exercício (TE) ­condiciona uma melhor tolerância ao exercício e melhoria da qualidade de vida desses pacientes.(8)

Atualmente, o TE é reconhecido como uma vertente essencial da reabilitação pulmonar,(9) e os benefícios obtidos com um programa de reabilitação pulmonar são sentidos a curto e longo prazos, como já está demonstrado.(10) No entanto, não existe consenso acerca de qual a estratégia de treinamento mais adequada para esses pacientes, assim como da duração, ­intensidade e frequência das sessões de treinamento.(9,11) As modalidades mais utilizadas são a marcha e a bicicleta.

O objetivo dessa análise prospectiva consistiu na avaliação da eficácia do TE, usando um protocolo de marcha, em relação ao impacto na qualidade de vida e na capacidade de exercício em pacientes com DPOC.

Incluíram-se no protocolo 20 pacientes com DPOC (estádios III/IV do Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease), ex-­tabagistas, e em fase de estabilidade clínica. O valor médio do índice BODE desse grupo de pacientes antes de iniciar o treino era 4 (variação, 2-6).

O protocolo consistiu em treinamento de marcha três vezes por semana, durante um período de 20 min, ao longo de dois meses (total de 20 sessões). A metodologia assentou sobre a determinação da FC máxima atingida no melhor dos dois testes de caminhada iniciais e estabeleceu-se 80% desse valor de FC para o treinamento.

O TE foi efetuado em uma pista coberta ao ar livre de 30 m de comprimento, supervisionado por uma enfermeira de reabilitação respiratória, com monitorização contínua e eletrônica de FC e SpO2. A distância percorrida no final de cada sessão de treinamento, assim como SpO2 e FC no início e no final do TE, foram registradas.

Os pacientes foram avaliados inicialmente (T1) e no final do TE (T2) através dos seguintes parâmetros: dessaturação de oxigênio, sensação de dispneia avaliada pelas escalas de MMRC e de Borg, sensação de fadiga dos membros inferiores aferida pela escala de Borg, qualidade de vida avaliada pelo St. George's Respiratory Questionnaire (SGRQ), teste da caminhada de seis minutos, pletismografia inicial, espirometria no final do treinamento e gasometria arterial.

Todos os pacientes realizaram dois testes da caminhada de seis minutos antes do início e no final do período de TE. Esses foram realizados de acordo com as recomendações atuais,(12) em pista fechada de 30 m.

O estudo da função respiratória foi efetuado no Laboratório de Fisiopatologia Respiratória do mesmo centro hospitalar.

Para a análise estatística dos dados, foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences versão 11.5 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Assumiu-se como significado estatístico um valor p < 0,05 para as associações e correlações consideradas.

Todos os pacientes incluídos eram do sexo masculino, com idade média de 68 anos (variação, 51-80 anos). Apresentavam um índice de massa corpórea médio de 25 kg/m² (variação, 18-35 kg/m²). Todos apresentavam insuflação pulmonar. O valor médio de VEF1 era de 0,984 L (39% do previsto), com um valor mínimo de 0,34 L (15% do previsto). Seis pacientes (37.5%) apresentavam doença cardíaca, 5 dos quais com insuficiência valvular, 2 com hipertensão pulmonar e 1 com insuficiência cardíaca esquerda (fração de ejeção ventricular esquerda inferior a 35%). Nenhum paciente realizava oxigenoterapia domiciliar e/ou ventilação não-invasiva domiciliar.

Concluíram o TE 16 pacientes (80,0%): 3 foram excluídos por agudização da DPOC no contexto de infecção respiratória e 1 por acidente vascular cerebral, paciente esse com doença arterioesclerótica importante. Não houve outras ocorrências durante o TE.

As distâncias percorridas em todos os testes da caminhada de seis minutos estão discriminadas na Tabela 1.





A diferença da distância média percorrida entre o melhor dos dois testes de caminhada realizados antes de iniciar o TE (458 m) e ao final do TE (468 m) foi de 10 m (p = 0,301), como se visualiza na Tabela 1.

A distância média percorrida nas três sessões da primeira semana de TE foi de 1.435 m (variação, 752-1.886 m) e, na última semana de TE, essa foi de 1.520 m (variação, 800-1.920 m); verificou-se uma diferença estatisticamente significativa de 85 m (p = 0,013).

O valor médio obtido na sensação de dispneia pela escala de Borg no final do melhor dos dois testes da caminhada realizados antes do início e após o TE foi, respectivamente, 2,5 e 1,4 (p = 0,049). Em relação à fadiga de membros inferiores pela escala de Borg, não se observou diferença estatisticamente significativa entre o melhor teste da caminhada antes do início e ao final do TE (1,1 e 1,5, respectivamente; p = 0,308).

O tempo médio de recuperação após a realização dos testes da caminhada antes do início e ao final do TE foi de 75 s e de 72,5 s, respectivamente.

A pontuação média na escala de MMRC antes e após o TE foi, respectivamente, 2,6 e 2,3, com uma diferença estatisticamente significativa (p = 0,025). Na avaliação da autopercepção de saúde, 5 pacientes (31,3%) referiram melhora evidente (estado de saúde moderado para bom ou muito bom). Os escores médios obtidos nos domínios sintoma e atividades do SGRQ nos momentos T1 e T2 não apresentaram significância estatística (sintomas: 40,1 vs. 34.6; p = 0,352; atividade: 58,0 vs. 54,0; p = 0,211). Entretanto, na comparação dos escores médios, foi evidente uma diferença clinicamente significativa de quatro unidades nesses domínios.

Não se observaram diferenças significativas entre os resultados da gasometria arterial em T0 e T1 - PaO2 (p = 0,875) e PaCO2 (p = 0,99) - ou no VEF1 em L e % do previsto (p = 0,756: Tabela 2).



A FC (valor médio) no final dos dois melhores testes da caminhada sofreu uma discreta redução antes do início do TE (109 bpm) e ao final do TE (107 bpm), assim como a FC média nas três sessões da primeira semana de TE (103 bpm) e na última semana de TE (101 bpm).

O valor médio do índice BODE ao final do TE foi de 3,6 (redução de 0,4).
Verificou-se ainda uma tendência no sentido de diminuição da dessaturação de oxigênio para maiores distâncias percorridas ao longo das várias semanas de treinamento.

Na interpretação desses resultados, é necessário ter em consideração o tamanho da amostra (completaram o estudo apenas 16 pacientes). Não se verificou diferenças significativas na distância percorrida no teste da caminhada após o TE (mais 10 m). Como o valor médio do teste da caminhada inicial já era elevado (> 450 m), a redução da FC após o TE, mesmo que discreta, pode traduzir uma melhor performance final.

Este protocolo de treinamento de exercício com marcha demonstrou melhoria na qualidade de vida e na capacidade de exercício. Não tendo ocorrido alteração significativa da obstrução, de acordo com o relatado previamente na literatura,(4,13) esta melhoria poderia ser justificada pela diminuição da insuflação pulmonar; esse parâmetro, entretanto, não foi avaliado ao final do TE.

Mesmo nesse contexto, os autores pensam tratar-se de um protocolo de treinamento de exercício eficaz na DPOC. É simples e exequível, sendo a marcha uma atividade fisiológica e natural na "vida real". Esse protocolo poderá corresponder a uma boa adesão por parte dos doentes e, seguramente, será um incentivo à continuidade do "treinamento" no domicílio.


Referências


1. Saey D, Michaud A, Couillard A, Côté CH, Mador MJ, LeBlanc P, et al. Contractile fatigue, muscle morphometry, and blood lactate in chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 2005;171(10):1109-15.

2. Man WD, Soliman MG, Nikoletou D, Harris ML, Rafferty GF, Mustfa N, et al. Non-volitional assessment of skeletal muscle strength in patients with chronic obstructive pulmonary disease. Thorax. 2003;58(8):665-9.

3. Wagner PD. Skeletal muscles in chronic obstructive pulmonary disease: deconditioning, or myopathy? Respirology. 2006;11(6):681-6.

4. Skeletal muscle dysfunction in chronic obstructive pulmonary disease. A statement of the American Thoracic Society and European Respiratory Society. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(4 Pt 2):S1-40.

5. Sin DD, Man SF. Skeletal muscle weakness, reduced exercise tolerance, and COPD: is systemic inflammation the missing link? Thorax. 2006;61(1):1-3.

6. Debigaré R, Marquis K, Côté CH, Tremblay RR, Michaud A, LeBlanc P, et al. Catabolic/anabolic balance and muscle wasting in patients with COPD. Chest. 2003;124(1):83-9.

7. Celli BR, Cote CG, Marin JM, Casanova C, Montes de Oca M, Mendez RA, et al. The body-mass index, airflow obstruction, dyspnea, and exercise capacity index in chronic obstructive pulmonary disease. N Engl J Med. 2004;350(10):1005-12.

8. Lacasse Y, Wong E, Guyatt GH, King D, Cook DJ, Goldstein RS. Meta-analysis of respiratory rehabilitation in chronic obstructive pulmonary disease. Lancet. 1996;348(9035):1115-9.

9. Pulmonary rehabilitation-1999. American Thoracic Society. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(5 Pt 1):1666-82.

10. Godoy RF, Teixeira PJ, Becker Júnior B, Michelli M, Godoy DV. Long-term repercussions of a pulmonary rehabilitation program on the indices of anxiety, depression, quality of life and physical performance in patients with COPD. J Bras Pneumol. 2009;35(2):129-36.

11. O'Shea SD, Taylor NF, Paratz J. Peripheral muscle strength training in COPD: a systematic review. Chest. 2004;126(3):903-14.

12. ATS Committee on Proficiency Standards for Clinical Pulmonary Function Laboratories. ATS statement: guidelines for the six-minute walk test. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(1):111-7.

13. Moreira MA, Moraes MR, Tannus R. Teste da caminhada de seis minutos em pacientes com DPOC durante programa de reabilitação. J Pneumol. 2001;27(6):295-300.




Trabalho realizado na Unidade de Reabilitação Respiratória, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Porto, Portugal.
Endereço para correspondência: Susana Alves Ferreira. Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho EPE, Rua Conceição Fernandes s/n, Vilar de Andorinho, 4430-502, Vila Nova de Gaia, Portugal.
Tel 351 227 865 100. E-mail: susalvesferreira@gmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 10/2/2009. Aprovado, após revisão, em 2/7/2009.



Sobre os autores

Susana Alves Ferreira
Interna Complementar de Pneumologia. Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Porto, Portugal.

Miguel Guimarães
Assistente Hospitalar de Pneumologia. Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Porto, Portugal.

Natália Taveira
Assistente Hospitalar de Pneumologia. Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Porto, Portugal.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia