Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
9884
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Aplicabilidade do questionário de qualidade de vida relacionada à saúde - the 12-Item Short-Form Health Survey - em pacientes portadores de esclerose sistêmica progressiva

Applicability of the 12-Item Short-Form Health Survey in patients with progressive systemic sclerosis

Thamine Lessa Andrade, Aquiles Assunção Camelier, Fernanda Warken Rosa, Marcia Pina Santos, Sérgio Jezler, Jorge Luiz Pereira e Silva

ABSTRACT

To evaluate the applicability of the 12-Item Short-Form Health Survey (SF-12) as an instrument to measure health-related quality of life in a sample of patients with progressive systemic sclerosis (PSS) through the analysis of its reproducibility and its correlation with functional and clinical parameters. Methods: A test-retest reproducibility study for the comparative analysis of the intraclass correlation coefficients (ICCs) of the SF-12 and the SF-36. A total of 46 patients diagnosed with PSS were studied, regardless of the presence of respiratory symptoms. Results: The physical component summary 12 (PCS-12) score had an ICC of 0.47 (95%CI: 0.05-0.71; p < 0.02), whereas the mental component summary (MCS-12) score had an ICC of 0.72 (95%CI: 0.49-0.84; p < 0.001). The PCS-36 score had an ICC of 0.88 (95%CI: 0.78-0.93; p < 0.001), and the MCS-36 score also had an ICC of 0.88 (95%CI: 0.78-0.93; p < 0.001). Conclusion: The SF-12 is a reliable instrument for measuring health-related quality of life in patients with PSS, since it has been proven to be reproducible. However, this version of the SF-12 should only be used in clinical research settings.

Keywords: Quality of life; Questionnaires; Statistics; Scleroderma, systemic.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a aplicabilidade do questionário 12-Item Short-Form Health Survey (SF-12) como instrumento de mensuração da qualidade de vida associada à saúde em uma amostra de pacientes com esclerose sistêmica progressiva (ESP) por meio da análise de sua reprodutibilidade e de sua correlação com parâmetros clínicos e funcionais. Métodos: Estudo de reprodutibilidade, do tipo teste re-teste, para análise comparativa dos coeficientes de correlação intraclasse (CCI) dos questionários SF-12 e SF 36. Foram estudados 46 pacientes com diagnóstico de ESP, independentemente da presença de sintomas respiratórios. Resultados: O escore do domínio físico do SF-12, conhecido como physical component summary 12 (PCS-12) em inglês, obteve um CCI de 0,47 (IC95%: 0,05-0,71; p < 0,02), enquanto o escore do domínio mental do SF-12, conhecido como mental component summary 12 (MCS-12) em inglês, obteve um CCI de 0,72 (IC95%: 0,49-0,84: p < 0,001). O escore do domínio físico do SF-36 (PCS-36) obteve um CCI de 0,88 (IC95%: 0,78-0,93; p < 0,001) e o escore do domínio mental do SF-36 (MCS-36) também obteve um CCI de 0,88 (IC95%: 0,78-0,93; p < 0,001). Conclusão: O questionário SF-12 é um instrumento confiável para medir a qualidade de vida em portadores de ESP pois demonstrou reprodutibilidade. Contudo, esta versão do SF-12 deve ser utilizada apenas em ambiente de pesquisa clínica.

Palavras-chave: Qualidade de vida; Questionários; Estatística; Escleroderma sistêmico.

Introdução

A esclerose sistêmica progressiva (ESP) é uma doença crônica e auto-imune que se caracteriza pela produção excessiva de colágeno, lesão celular endotelial e obliteração microvascular e costuma levar a fibrose cutâneo-mucosa e envolvimento visceral progressivos.(1) O acometimento pulmonar é freqüente e acarreta altas taxas de morbimortalidade. A doença intersticial pulmonar (DIP) é a forma mais comum de apresentação, caracterizada, funcionalmente, por distúrbio ventilatório restritivo e redução da capacidade de difusão do monóxido de carbono, conhecida como diffusing capacity of the lung for carbon monoxide (DLCO) em inglês.(2) O sintoma mais comum da DIP é a dispnéia, que contribui, entre outros fatores, para a redução da sensação de bem estar.

Poucas condições clínicas costumam causar alterações tão significativas na aparência física, na esfera psicológica e no quadro funcional, em curto espaço de tempo, quanto as causadas pela ESP. Todas estas mudanças acarretam alto grau de inadequação social e grande prejuízo da qualidade de vida.(3)

Sabe-se que os dados clínicos, radiológicos e funcionais podem não expressar com precisão o real impacto da doença nas atividades cotidianas do indivíduo.(4) A avaliação da qualidade de vida associada à saúde por meio de questionários padronizados visa codificar as percepções subjetivas do paciente com dados objetivos, facilitando a análise deste desfecho em um ambiente de pesquisa quantitativa.(5,6)

Os componentes de um questionário devem ser claros, ter formato simples, ser de fácil aplicação e compreensão e ter tempo de administração apropriado.(7) Ademais, precisam ser adaptados e validados conforme as características culturais e idiomáticas da população a ser estudada; características que são distintas daquelas que o originaram.(8) Neste cenário, foi criado o 12-Item Short-Form Health Survey (SF-12), que é uma versão mais concisa do 36-Item Short-Form Health Survey (SF-36), contemplando apenas 12 itens, e cujo tempo de aplicação é de 1 a 2 min.(9) O mesmo já foi adaptado para as condições brasileiras, mas aplicado apenas em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).(10)

O presente estudo tem por objetivo avaliar a aplicabilidade do questionário SF-12 como ferramenta de mensuração da qualidade de vida em uma amostra de pacientes com ESP, independentemente da presença de sintomas respiratórios, por meio do estudo de sua reprodutibilidade e de sua correlação com parâmetros clínicos e funcionais respiratórios.

Métodos

Foi realizado um estudo de corte transversal a partir de uma amostra de conveniência composta por quarenta e seis pacientes consecutivos acompanhados entre março e dezembro de 2004 no Ambulatório de Doenças Intersticiais do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia, para onde foram encaminhados, conforme um protocolo de avaliação pré-definido, independentemente da presença de sintomas respiratórios. Todos os quarenta e seis pacientes tinham o diagnóstico firmado de esclerose sistêmica progressiva (formas limitada e difusa).

Foram excluídos do estudo os indivíduos com exposição ambiental e/ou ocupacional, ambas reconhecidas como causas potenciais de pneumopatias difusas; aqueles com piora dos sintomas relacionados à ESP nos últimos trinta dias; pacientes com associação de outra doença do tecido conjuntivo; e aqueles com comorbidade crônica não compensada. Foram também excluídos os pacientes incapazes de caminhar em superfície plana bem como aqueles com dificuldade presumida de leitura e/ou de compreensão de questionários. O estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição e todos os indivíduos assinaram o termo de consentimento informado.

Os pacientes foram avaliados em duas visitas consecutivas, com intervalo de 15 dias, para a verificação da estabilidade clínica assim definida: ausência de piora, ausência de novos sintomas clínicos ou de mudanças na terapêutica vigente.

A primeira visita consistiu na aplicação dos questionários de qualidade de vida SF-12 e SF-36 associada ao registro de dados demográficos e variáveis clínicas em questionário padronizado, além da avaliação do nível de dispnéia por meio da escala de Mahler (1984).(11) Ainda nesta visita, realizou-se espirometria e a medida dos volumes pulmonares e da DLCO utilizando-se o aparelho Vmax 22 (SensorMedics Corporation, Yorba Linda, CA, EUA), conforme as diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (2002).(12)

A segunda visita incluiu a avaliação da capacidade de exercício por meio do teste de caminhada de seis minutos, realizado de acordo com as normas padronizadas pela American Thoracic Society,(13) e uma nova aplicação dos questionários SF-12 e SF-36.

A presença de acometimento pulmonar, definido como DIP, foi avaliada a partir do banco de dados das tomografias computadorizadas de alta resolução (TCAR). Todos os pacientes tinham sido submetidos a TCAR, com intervalo máximo de 18 meses, entre a data do exame e o início da avaliação.

A análise estatística consistiu na avaliação descritiva dos dados e na avaliação da distribuição, conforme o teste de Kolmogorov-Smirnov, para justificar a utilização de testes paramétricos. O teste t de Student foi utilizado para comparação das médias e o coeficiente de correlação de Pearson, para medir a força de associação entre as variáveis. A reprodutibilidade foi avaliada conforme o coeficiente de correlação intraclasse (CCI). As variáveis contínuas foram expressas em média, desvio padrão (dp) e intervalo de confiança de 95%. Um valor de p < 0,05 foi considerado significativo.

Resultados

Dados descritivos
Do total de sessenta e três pacientes com diagnóstico de ESP em acompanhamento regular no Ambulatório de Doenças Intersticiais do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, foram incluídos no estudo quarenta e seis pacientes consecutivos, com base na ordem das consultas, independentemente da presença de sintomas respiratórios. Três pacientes (6,5% da amostra inicial) não compareceram à segunda visita, não sendo possível completar o protocolo de pesquisa. Destes, um paciente recusou-se a retornar alegando dificuldade de transporte por residir no interior do estado. Outros dois se encontravam muito debilitados, estando incapacitados para deixar o domicílio. Entre os pacientes estudados, quarenta e um (89,1%) eram do sexo feminino e cinco (10,9%) do masculino. A idade variou de 16 a 71 anos, com média de 43,2 ± 13,9. O tempo de doença variou de 1 a 30 anos, com média de 7,2 ± 6,5 anos. O índice de massa corporal (IMC) variou de 15 a 38 kg/m2, com média de 24 ± 5,3 kg/m2. Quanto ao padrão de envolvimento cutâneo, a forma difusa foi mais freqüente, ocorrendo em 65,2% dos casos, enquanto que a forma limitada ocorreu em 34,8%. Quando se avaliou a relação entre o padrão de envolvimento cutâneo e a presença de acometimento pulmonar, a freqüência de DIP foi semelhante (50% dos casos em cada grupo). Dispnéia foi reportada por trinta e um pacientes (67,4%). Quando avaliada pelo índice de dispnéia basal (IDB) de Mahler,(11) a média de pontos foi de 7,41.

Os resultados da avaliação funcional pulmonar estão descritos na Tabela 1. Houve um paciente que não conseguiu realizar nenhuma das provas de função pulmonar pois se encontrava muito dispnéico. Oito pacientes (17,4%) não concluíram a medida dos volumes pulmonares por dificuldade em realizar a manobra corretamente. A espirometria foi considerada normal em sete pacientes (15,6%). Distúrbio ventilatório restritivo foi confirmado em vinte e oito pacientes (62,2%) e distúrbio ventilatório obstrutivo, em dez indivíduos (22,2%). Entre os pacientes com distúrbio ventilatório obstrutivo, cinco (50%) eram tabagistas ou ex-tabagistas.






Quarenta e um pacientes (89%) completaram o teste de caminhada de seis minutos. A distância média percorrida foi de 454 ± 115, 4 m. Houve dois pacientes que não realizaram o teste devido à incapacidade de deambular livremente causada pela presença de úlceras na região plantar. Os outros três não compareceram à segunda visita, conforme referido anteriormente.

Não foi relatada nenhuma dificuldade no preenchimento dos dois questionários de qualidade de vida. Nenhuma questão ficou sem resposta. Os resultados dos escores dos domínios físico e mental do SF-12, conhecidos, respectivamente, como physical component summary 12 (PCS-12) e mental component summary 12 (MCS-12) em
inglês, e dos escores dos domínios físico e mental do SF-36, conhecidos, respectivamente, como physical component summary 36 (PCS-36) e mental component summary 36 (MCS-36) em inglês, bem como os resultados dos oito domínios do SF-36 são apresentados na Tabela 2. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as duas visitas em relação às médias dos escores de qualidade de vida.






Reprodutibilidade
O PCS-12 revelou um CCI de 0,47 (IC 95%: 0,05-0,71; p < 0,02), enquanto o MCS-12 obteve um CCI de 0,72 (IC 95%: 0,49-0,84; p < 0,001). O PCS-36 obteve um CCI de 0,88 (IC 95%: 0,78-0,93; p < 0,001) e o MCS-36 também mostrou um CCI de 0,88 (IC 95%: 0,78-0,93; p < 0,001).

Validade de construto
A validade de construto foi avaliada por meio do cálculo do coeficiente de correlação de Pearson entre o PCS-12 e o MCS-12 e todos os oito domínios do SF-36 e seus respectivos escores dos domínios físico e mental (PCS-36 e MCS-36). O PCS-12 obteve correlações significativas com o PCS-36 (r = 0,59; p < 0,001), o MCS-36 (r = 0,45; p < 0,01); a capacidade física (r = 0,62; p < 0,01); a dor (r = 0,46, p < 0,01); a vitalidade (r = 0,59; p < 0,001) e os aspectos sociais (r = 0,56; p < 0,001). O MCS-12 obteve correlações significativas com o PCS-36 (r = 0,45; p < 0,01); o MCS 36 (r = 0,60; p < 0,001); a dor (r = 0,43; p < 0,01); a vitalidade (r = 0,46; p < 0,01); os aspectos gerais de saúde (r = 0,43; p < 0,01); os aspectos sociais (r = 0,40; p < 0,01); os aspectos emocionais (r = 0,43; p < 0,01) e a saúde mental (r = 0,66; p < 0,001). As demais correlações não foram significativas (dados não mostrados).

Consistência interna
Para avaliar a consistência interna e a homogeneidade do questionário SF-12, foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson entre cada questão do SF-12 e os seus respectivos escores dos domínios físico e mental (PCS-12 e MCS-12). Os resultados são apresentados na Tabela 3.






Poder discriminatório
A amostra de pacientes foi dividida em dois subgrupos, conforme diversas variáveis clinicamente importantes para a ESP, e diferentes pontos de corte foram adotados. As variáveis estudadas para a avaliação do poder discriminatório foram sexo; IMC; padrão de envolvimento cutâneo; acometimento pulmonar (DIP ou não-DIP); dispnéia; IDB; função pulmonar e distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos. As médias do PCS-12 e do MCS-12 para cada uma das variáveis foram então comparadas entre os dois subgrupos.

Para os parâmetros de função pulmonar, foram utilizadas a capacidade vital forçada (CVF) e a DLCO (com pontos de corte de 50 e 40% do predito, respectivamente), pois ambas são marcadores com relevância clínica reconhecida.(12) Como não existem pontos de corte clinicamente significativos para o teste de caminhada de seis minutos e para o IDB na ESP, foi adotado o valor da mediana para identificação de subgrupos com diferentes capacidades de exercício e nível de sensação de dispnéia. Na avaliação da distância percorrida foi utilizada a mediana correspondente a 435 m. O mesmo critério foi utilizado para o IDB, cuja mediana foi 8. Como também não existe um ponto de corte clinicamente definido para o IMC em colagenose, foi utilizado o valor que identificou populações com diferentes taxas de mortalidade para DPOC(14): IMC igual a 21 kg/m2. As demais variáveis, tais como sexo, padrão de envolvimento cutâneo, presença de dispnéia e acometimento pulmonar, são dicotômicas.

A comparação das médias do PCS-12 apenas revelou significância estatística quando as mesmas foram confrontadas em relação à presença de dispnéia (presença de dispnéia 34,4 ± 8,1; ausência de dispnéia 43,4 ± 7,9; p < 0,001) e IDB (IDB = 8; 34,1 ± 6,9 e IDB > 8; 41,2 ± 9,9; p < 0,009). A diferenciação do PCS-12 em relação ao sexo, IMC, padrão cutâneo, acometimento pulmonar, função pulmonar e distância percorrida não foi significativa, bem como não foram significativas nenhuma das médias do MCS-12 (dados não mostrados). A disposição gráfica do tipo 'Box plot' do escore PCS-12 em relação à presença de dispnéia está representada na Figura 1.






Sugestão de cálculo amostral
Como base para o planejamento de estudos futuros que venham a utilizar o SF-12 como desfecho para a avaliação da qualidade de vida no ambulatório de doenças intersticiais pulmonares, foi construída uma tabela em que os vários tamanhos de amostra foram obtidos por meio da estimativa do tamanho do efeito a ser detectado, assumido como a variação na pontuação em cada domínio após uma intervenção (que variou de 1 a 10 pontos em cada escore), levando em consideração o desvio-padrão obtido neste estudo. As sugestões de tamanho de amostra estão descritas na Tabela 4.





Discussão

Apesar de a ESP ser uma doença crônica e altamente incapacitante, pouca atenção tem sido dirigida à avaliação objetiva da qualidade de vida dos portadores desta doença. O questionário de qualidade de vida SF-12, que vem sendo utilizado em todo o mundo, apenas recentemente foi validado para o Brasil.(10) Não existem estudos na literatura que tenham utilizado o SF-12 em portadores de ESP.

Os resultados encontrados no presente estudo demonstram que o SF-12 é um questionário reprodutível, tendo os CCI dos seus domínios (PCS-12 e MCS-12) variado de 0,47 a 0,72 com intervalos de confiança de 0,05 a 0,71 e de 0,49 a 0,84, respectivamente. Todos os resultados foram estatisticamente significativos, o que confirma a reprodutibilidade do SF-12, e, de acordo com a análise dos intervalos de confiança, semelhantes aos encontrados na literatura, avaliados por meio da superposição entre estes intervalos. Contudo, o SF-12 possui uma tendência de reprodutibilidade levemente inferior. Em um estudo que avaliou 233 portadores de artrite reumatóide, o intervalo de confiança de 95% para o CCI do PCS-12 foi de 0,64 a 0,87 e para o CCI do MCS-12, de 0,60 a 0,83.(15) Em outro estudo com pacientes portadores de acidente vascular encefálico, o CCI para o SF-12 foi 0,80 (p < 0,05).(16) No estudo Platino (2004),(17) que foi realizado na cidade de São Paulo e avaliou o SF-12 em uma amostra de pacientes portadores de DPOC, o CCI encontrado para o PCS-12 foi 0,69 e para o MCS-12 foi 0,63. Todos estes valores de CCI estão contidos no intervalo de confiança para os pacientes com ESP do presente estudo. O SF-36, que neste estudo foi adotado como padrão ouro para o SF-12 e já havia sido utilizado em outros trabalhos sobre ESP, comprovou boa reprodutibilidade, com coeficiente de correlação intraclasse que variou de 0,77 a 0,88.

Nota-se, entretanto, que o PCS-12 obteve em média uma reprodutibilidade inferior à do PCS-36, o que implica na necessidade de que uma amostra maior seja designada para o estudo deste domínio quando da ocasião do delineamento de estudos futuros (vide Tabela 4). Os CCIs encontrados para o SF-12 apontam, entretanto, para uma utilização apenas em ensaios clínicos com adequado delineamento da amostra e não para a aplicação individual em consultas médicas.

Apesar da baixa prevalência da ESP, a nossa amostra deriva da maior casuística nacional e retrata um grupo heterogêneo de pacientes com vários espectros de doença, inclusive com diferentes estágios de acometimento pulmonar.(18) A freqüência da DIP, avaliada por TCAR, foi elevada (50%). Este percentual, contudo, foi menor do que o apresentado na maioria das publicações que também utilizaram a TCAR como método de avaliação. Estes estudos relataram freqüências que variaram de 39 a 91% dos casos.(19) Diferenças entre estes percentuais podem ser resultantes da diversidade metodológica dos estudos, incluindo viés de amostragem, ao selecionarem apenas pacientes com sintomas respiratórios, o que aumenta a probabilidade de aparecimento deste tipo de complicação.(20) Além disto, devemos considerar também as diferenças clínicas, demográficas e imunogenéticas entre as populações. A maioria destes estudos avaliou, quase exclusivamente, pacientes da raça branca. Existem evidências de que fatores relacionados à raça podem influenciar na expressão de auto-anticorpos, na forma clínica da doença, no padrão de envolvimento visceral e no prognóstico.(21,22)

Do ponto de vista funcional, o distúrbio ventilatório restritivo, caracterizado pela redução da capacidade pulmonar total ou inferido pela redução da CVF, é o padrão mais descrito em pacientes com ESP.(23) Na série atual, o distúrbio ventilatório restritivo leve ocorreu na maior parte dos pacientes. Este achado talvez seja explicado pela metodologia do estudo, que avaliou sistematicamente os pacientes, independentemente da presença de sintomas respiratórios, aumentando a probabilidade de identificação precoce de alteração funcional, com a doença pulmonar ainda incipiente e subclínica.

A redução da DLCO ocorreu na maioria dos pacientes, inclusive naqueles casos sem acometimento pulmonar aparente (ausência de DIP). A redução da DLCO pode acontecer por envolvimento intersticial, como também ser secundária à doença vascular pulmonar causada pela ESP, o que poderia explicar essa anormalidade funcional em pacientes com TCAR normal. A avaliação de hipertensão arterial pulmonar não fez parte do escopo deste estudo.

As médias encontradas em ambos os questionários mostram uma redução da qualidade de vida em todos os domínios avaliados, com maior impacto no domínio físico. Os escores PCS foram menores que os MCS em ambos os questionários. Uma possível explicação para este achado é a de que a doença tenha maior impacto na capacidade física do que na saúde mental, fato mais provável por refletir o que foi identificado em outros estudos.(3, 24-27) Uma outra possível justificativa seria a possibilidade de a escala MCS ter menor poder discriminatório.

Houve correlação significativa entre o SF-12 e o SF-36, o que demonstra uma associação entre estas medidas. Entretanto, a força de associação (medida pelo CCI) foi inferior à encontrada em estudos internacionais, mas semelhante à encontrada em uma amostra nacional de pacientes com DPOC.(10) Este fato aponta para a necessidade de aperfeiçoamento destas escalas em outros estudos.

A consistência interna avalia como cada item se correlaciona com a medida de pontuação geral de cada questionário.(28) Na avaliação da consistência interna do SF-12, aquelas questões que não apresentaram correlação estatisticamente significativa com o PCS-12 tinham em comum a abordagem de aspectos emocionais e subjetivos, provavelmente melhor avaliados pelo escore do domínio mental. Outra possibilidade é a de que a correlação destas questões, ainda que fraca, não tenha sido identificada por limitações no tamanho da amostra, não afastando a possibilidade do erro tipo II. No que se refere às questões que não apresentaram correlação estatisticamente significativa com o MCS-12, todas abordavam aspectos relacionados à capacidade física e à dor, certamente melhor avaliados pelo escore do domínio físico.

Já é sabido que existem questionários ainda mais curtos que o SF-12, como, por exemplo, o SF-8.(29) Este grupo menor de questões é formado por meio da escolha daquelas com maior força de associação com os seus domínios principais. O presente estudo fornece embasamento teórico para o desenvolvimento futuro de versões mais curtas do SF-12 para o Brasil.

Diversos marcadores clínicos, como a dispnéia, a capacidade de exercício, a função pulmonar, dentre outros, se associam com a sensação de qualidade de vida nas doenças com envolvimento do trato respiratório. A maioria dos estudos mostra que, quando avaliada a presença de acometimento pulmonar, a dispnéia se correlaciona melhor com qualidade de vida que qualquer outro sintoma ou marcador clínico.(30)

A análise das variáveis consideradas no presente estudo mostrou que apenas a dispnéia foi um marcador importante de piora da qualidade de vida em portadores de ESP. Assim, a adoção de medidas destinadas a promover melhor qualidade de vida nestes pacientes deve, entre outras coisas, priorizar redução da intensidade da dispnéia.

A presença de acometimento pulmonar, traduzido por DIP na TCAR, não mostrou associação com uma pior qualidade de vida em nosso estudo. A alta sensibilidade da tomografia em identificar formas leves de DIP, com pouca repercussão na avaliação clínica e funcional, pode justificar este achado. Esta observação é corroborada pela ausência de associação entre os parâmetros de função pulmonar (CVF e DLCO) e os escores dos domínios físico e mental dos dois questionários. O estudo Scleroderma(27) mostrou associação entre CVF reduzida e uma pior qualidade de vida; contudo, o coeficiente de correlação descrito foi considerado muito fraco (r = 0,31). A população avaliada neste trabalho também diverge da série atual por incluir pacientes com espectro mais grave de acometimento pulmonar, ou seja, pacientes com pelo menos um sintoma respiratório, 'alveolite' estabelecida e alteração nos parâmetros de função pulmonar.

O presente estudo foi realizado em serviço terciário de saúde e, por isto, pode não representar a totalidade dos portadores de ESP. Para trabalhos futuros deve-se buscar a inclusão de pacientes originários de serviços primários e secundários na tentativa de melhorar a representatividade da amostra e assim poder generalizar os resultados.

Pode-se concluir que o questionário SF-12 é um instrumento confiável para medir a qualidade de vida em portadores de ESP pois obteve critérios de reprodutibilidade. O principal marcador clínico de redução da qualidade de vida foi a dispnéia. Os autores sugerem, entretanto, que esta versão do SF-12 seja utilizada apenas em ambiente de pesquisa clínica.

Referências

1. Arroliga AC, Podell DN, Matthay RA. Pulmonary manifestations of scleroderma. J Thoracic Imaging. 1992;7(2):30-45.

2. Minai OA, Dweik RA, Arroliga AC. Manifestations of scleroderma pulmonary disease. Clin Chest Med. 1998;19(4):713-31.

3. Del Rosso A, Boldrini M, D'Agostino D, Placidi GP, Scarpato A, Pignone A et al. Health-related quality of life in systemic sclerosis as measured by the Short Form 36: relationship with clinical and biologic markers. Arthritis Rheum. 2004;51(3):475-81.

4. Jones PW, Quirk FH, Baveystock CM. The St. George's Respiratory Questionnaire. Respir Med. 1991;85(Suppl B):25-31; discussion 33-7.

5. Kaplan RM, Atkins CJ, Timms R. Validity of a quality of well being scale as an outcome measure in chronic obstructive pulmonary disease. J Chronic Dis. 1984;37(2):85-95.

6. Guyatt GH, Berman LB, Townsend M, Pugsley SO, Chambers LW. A measure of quality of life for clinical trials in chronic lung disease. Thorax. 1987;42(10):773-8.

7. Bell MJ, Bombardier C, Tugwell P. Measurement of functional status, quality of life and utility in rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 1990;33(4):591-601.

8. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32.

9. Ware J Jr, Kosinski M, Keller SD. A 12-Item Short-Form Health Survey: Construction of scales and preliminary tests of reliability and validity. Med Care. 1996;34(3):220-33.

10. Camelier A. Avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde em pacientes com DPOC: estudo de base populacional com o SF-12 na cidade de São Paulo-SP. [thesis]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, 2004.

11. Mahler DA, Weinberg DH, Wells CK, Feinstein AR. The measurement of dyspnea. Contents, interobserver agreement, and physiologic correlates of two new clinical indexes. Chest. 1984;85(6):751-8.

12. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes para testes de função pulmonar. J Bras Pneumol. 2002;28(Supl 3):S1-S238.

13. ATS Committee on Proficiency Standards for Clinical Pulmonary Function Laboratories. ATS Statement: Guidelines for the Six-Minute Walk Test. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(1):111-7.

14. Celli BR, Cote CG, Marin JM, Casanova C, Montes de Oca M, Mendez RA et al. The body-mass index, airflow obstruction, dyspnea, and exercise capacity index in chronic obstructive pulmonary disease. N Engl J Med. 2004;350(10):1005-11.

15. Marx RG, Menezes A, HorovitzL, Jones EC, Warren RF. A comparison of two time intervals for test-retest reliability of health status instruments. J Clin Epidemiol. 2003;56(8):730-5.

16. Bohannon RW, Maljanian R, Landes M. Test-retest reliability of short form (SF-12) component scores of patients with stroke. Int J Rehabil Res. 2004;27(2):149-50.

17. Platino [Homepage on the Internet]. Buenos Aires: Proyecto Latinoamericano de investigacion en obstruccion pulmonar; [cited 2005-09-20]. Available from: http://www.platino-alat.org/.

18. Jezler SFO, Santiago MB, Andrade TL, Araújo Neto C, Braga H, Cruz AA. Comprometimento do interstício pulmonar em portadores de esclerose sistêmica progressiva. Estudo de uma série de 58 casos. J Bras Pneumol. 2005;31(4):300-6.

19. Marie I, Dominique S, Levesque H, Ducrotté P, Denis P, Hellot MF et al. Esophageal involvement and pulmonary manifestations in systemic sclerosis. Arthritis Rheum. 2001;45(4):346-54.

20. Warrick JH, Bhalla M, Schabel SI, Silver RM. High resolution computed tomography in early scleroderma lung disease. J Rheumatology. 1991;18(10):1520-8.

21. Reveille JD, Fischbach M, McNearney T, Friedman AW, Aguilar MB, Lisse J et al. Systemic sclerosis in 3 US ethnic groups: a comparison of clinical, sociodemographic, serologic, and immunogenetic determinants. Semin Arthritis Rheum. 2001;30(5):332-46.

22. Tan FK. Systemic sclerosis: The susceptible host (genetics and environment). Rheum Dis Clin North Am. 2003;29(2):211-37.

23. Steen VD, Owens GR, Fino GJ, Rodnan GP, Medsger TA. Pulmonary involvement in systemic sclerosis (scleroderma). Arthritis Rheum. 1985;28(7):759-67.

24. Hurst NP, Ruta DA, Kind P. Comparison of the MOS short form-12 (SF12) health status questionnaire with the SF36 in patients with rheumatoid arthritis. Br Rheumatol. 1998;37(8):862-9.

25. Georges C, Chassany O, Mouthon L, Tiev K, Marjanovic Z, Meyer O et al. Quality of life assessment with the MOS-SF36 in patients with systemic sclerosis. [Article in French] Rev de Med Interne. 2004;25(1):16-21.

26. Danieli E, Airò P, Bettoni L, Cinquini M, Antonioli CM, Cavazzana I, et al. Health- related quality of life measured by the Short Form 36 (SF-36) in systemic sclerosis: correlations with indexes of disease activity and severity, disability, and depressive symptoms. Clin Rheumatol. 2004;24(1):48-54.

27. Khanna D, Clements PJ, Furst DE, Chon Y, Elashoff R, Roth MD, et al. Correlation of the degree of dyspnea with health-related quality of life, functional abilities, and diffusing capacity for carbon monoxide in patients with systemic
sclerosis and active alveolitis: results from the Scleroderma Lung Study. Arthritis Rheum. 2005;52(2): 592-600.

28. Haywood KL, Garrot AM, Fitzpatrick R. Quality of life in older people: a structured review of generic self-assessed health instruments. Qua Life Res. 2005;14(7):1651-68.

29. Lefante JJ, Harmon GN, Ashby KM, Barnard D, Webber LS. Use of the SF-8 to assess health-related quality of life for a chronically ill, low-income population participating in the Central Louisiana Medication Access Program (CMAP). Qual Life Res. 2005;14(3):665-73.

30. Jones PW. Health status measurement in chronic obstructive pulmonary disease. Thorax. 2001;56(11):880-7.
________________________________________________________________________________________
* Trabalho realizado no Centro de Enfermidades Respiratórias - CER - Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador (BA) Brasil.
1. Mestranda em Medicina Interna pela Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador (BA) Brasil.
2. Doutor em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
3. Doutoranda em Reabilitação pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
4. Acadêmica de Fisioterapia da Universidade Católica do Salvador - UCSAL - Salvador (BA) Brasil.
5. Mestre em Medicina Interna pela Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador (BA) Brasil.
6. Doutor em Medicina Interna-Pneumologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Thamine Lessa Espírito Santo Andrade. Alameda Catânia, 181, apto. 702, Pituba, CEP 41830-490, Salvador, BA, Brasil.Tel. 55 71 3358-4025. Fax 55 71 3452-1304. E-mail: lessath@uol.com.br/aquilescamelier@yahoo.com.br
Recebido para publicação em 24/2/06. Aprovado, após revisão, em 23/10/06.


Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia