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Editorial

Lesão pulmonar aguda e síndrome do desconforto respiratório agudo: dificuldades diagnósticas

Acute lung injury and acute respiratory distress syndrome: diagnostic hurdles

Carmen Sílvia Valente Barbas

A lesão pulmonar aguda (LPA) e a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) são espectros de uma mesma doença que refletem a expressão clínica de um edema pulmonar com alto teor de proteínas, conseqüente a um aumento da permeabilidade da membrana alvéolo-capilar, ocasionando um quadro de insuficiência respiratória aguda. Esta síndrome ocorre em indivíduos geneticamente predispostos, após sua exposição a um ou vários fatores de risco. O mecanismo fisiopatológico responsável pela lesão e conseqüente disfunção da permeabilidade da membrana alvéolo-capilar pode ser desencadeado por fatores diretos ou primários, como infecção pulmonar (bacterianas, virais, parasitárias e/ou fúngicas), contusão pulmonar, aspiração de conteúdo gástrico e quase afogamento, assim como por desencadeantes indiretos, como síndrome séptica e/ou choque séptico, múltiplas transfusões sanguíneas, politraumatismo, pancreatite e embolia de líquido amniótico. A diferenciação do insulto inicial se faz importante para o tratamento concomitante das causas associadas ao desenvolvimento da alteração da permeabilidade da barreira alvéolo-capilar, bem como para o entendimento das lesões dos diversos compartimentos da membrana alvéolo-capilar: o epitélio alveolar, o espaço intersticial e o endotélio capilar pulmonar. Histologicamente, a LPA/SDRA se caracteriza por um dano alveolar difuso (DAD) com edema intra-alveolar, intersticial, e membrana hialina e, na sua fase crônica, por proliferação de fibroblastos. No entanto, somente a avaliação histológica pode ser insuficiente para a caracterização detalhada do acometimento dos compartimentos epitelial, intersticial e endotelial, assim como da resposta pulmonar à agressão, sendo necessário o uso de microscopia eletrônica e/ou confocal a laser, com o auxílio de imuno-marcadores endoteliais e epiteliais, para a avaliação do grau e extensão da lesão da membrana alvéolo-capilar,(1) inclusive propiciando um melhor entendimento de sua patogênese. Colorações e/ou marcadores específicos para infecção podem ser necessários para a identificação do agente infeccioso causador e/ou perpetuador da SDRA.

Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Pinheiro e colaboradores estudaram, retrospectivamente, 22 pacientes falecidos na unidade de terapia intensiva do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (Minas Gerais) que foram submetidos à necropsia.(2) Dos 22 pacientes, 10 preenchiam os critérios da American European Consensus Conference (AECC) para diagnóstico de SDRA, a saber: pressão parcial arterial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio < 200, e para LPA < 300; infiltrado pulmonar bilateral e pressão de oclusão da artéria pulmonar < 18 mmHg, ou ausência de evidência clínica de hipertensão de átrio esquerdo; e sete apresentavam DAD na análise histológica pulmonar. Os valores preditivos positivos e negativos para diagnóstico de SDRA foram, respectivamente, 50 e 83%, e as razões de verossimilhança positiva e negativa foram de 2,33 e 0,47. Como diagnósticos histológicos nos pacientes que preenchiam critérios da AECC para SDRA, mas não apresentavam DAD na análise histológica pulmonar, os autores encontraram pneumonia bilateral, embolia pulmonar, tuberculose e criptococose, provavelmente as duas últimas na sua forma disseminada. Assim, os estudiosos da SDRA estão recomendando, mais recentemente, uma sofisticação dos critérios para diagnóstico da SDRA, pois um diagnóstico mais complexo pode ter implicações terapêuticas e prognósticas, assim como influenciar na escolha e resposta terapêutica a estratégias ventilatórias protetoras. Os diagnósticos não encontrados pelos autores, mas que podem se apresentar como diferenciais da SDRA, são, ainda, a hemorragia alveolar difusa, doenças intersticiais agudas de várias etiologias, pneumonia eosinofílica e/ou bronquiolite obliterante.

A SDRA se caracteriza por alteração da permeabilidade da membrana alvéolo-capilar. Assim, o entendimento do desencadeamento da lesão, bem como terapêuticas que possam auxiliar na reparação da lesão, se fazem necessários. Especialistas em SDRA têm preconizado a realização de técnicas de medida da permeabilidade da membrana alvéolo-capilar, como a razão entre a água extra vascular pulmonar/volume diastólico final, medidos com a técnica de termodiluição transpulmonar, para a caracterização da síndrome e sua diferenciação do edema agudo cardiogênico.(3) O diagnóstico mais acurado de SDRA auxiliará na programação e estudo de possíveis terapêuticas reguladoras do processo de lesão inflamatória, como a regulação dos fatores de transcrição e sinalizadores das citocinas, como o STAT 3,(4) e dos fatores de lesão vascular, como os fatores de crescimento endotelial. O conhecimento do grau da alteração da permeabilidade da membrana alvéolo-capilar também poderá auxiliar na programação do suporte ventilatório, como manobras de recrutamento alveolar, ajuste da pressão expiratória final positiva e do volume de ar corrente, os quais poderão interferir no prognóstico destes pacientes graves.(5) O diagnóstico do fator desencadeante da SDRA, como infecções e traumas, se torna importante para a correção da causa, como fixação de fraturas, não administração de derivados de sangue, assim como a administração de antibioticoterapia, anti-virais, antiparasitários e antifúngicos e/ou anticoagulantes para tratamento concominante à reparação da membrana alvéolo-capilar.

Mais recentemente, a tomografia computadorizada de tórax, especialmente a com múltiplos detectores multislice, com possibilidade de reconstrução da imagem pulmonar em vários planos, vem auxiliando na caracterização da SDRA, com sua típica distribuição heterogênea, com áreas de condensação nas regiões dependentes de gravidade pulmonar, representando edema e colapso pulmonares, e na caracterização de processos intersticiais e outras lesões específicas, como cavitações nas micobacterioses, pequenos cistos nas pneumocistoses, halos de vidro fosco nas lesões fúngicas, diagnóstico de acometimento vascular e visualização dos ajustes de pressão expiratória final positiva e volume corrente, bem como respostas às manobras de recrutamento alveolar nas estratégias ventilatórias protetoras pulmonares. Assim, nos pacientes portadores de imunodeficiência, ou seja, pacientes com neoplasias, transplantados, cirróticos, e portadores de síndrome da imunodeficiência adquirida, bem como nos pacientes refratários, a terapêutica empírica inicial deve ser realizada, com procedimentos diagnósticos mais específicos para o diagnóstico da causa desencadeante da SDRA, tais como: broncoscopia com lavado branco-alveolar, com pesquisa e cultura para bactérias, micobactérias, fungos, e pesquisas para vírus, como herpes vírus e citomegalovírus. Nos casos de suspeita clínica de processos virais, devem ser realizadas pesquisas rápidas em naso-oro-faringe para vírus influenza, para-influenza e adenovírus, para a elucidação diagnóstica. Nos casos refratários e com piora clínica e funcional progressivas, poderá ser realizada biópsia pulmonar a céu aberto para a elucidação diagnóstica.

Os estudos de genética para a avaliação dos pacientes de risco de desenvolvimento da SDRA, estudos epidemiológicos para a caracterização dos fatores de risco, a sofisticação das técnicas diagnósticas centradas no diagnóstico, e as terapêuticas especificas para as lesões da membrana alvéolo-capilar pulmonar, assim como o desenvolvimento de terapêuticas para as falências de múltiplos órgãos, certamente influenciarão na melhora do prognóstico destes pacientes graves de terapia intensiva portadores da SDRA.

A tentativa de diagnóstico correto da SDRA, com caracterização da alteração da permeabilidade da membrana alvéolo-capilar pulmonar, deve ser sempre realizada com o diagnóstico concomitante da causa desencadeante, como infecções, politransfusões, contusões, aspirações de conteúdo gástrico, pancreatite e processos intersticiais de diversas etiologias, especialmente os associados a infecções virais e oportunistas. O entendimento de que os critérios da AECC possuem baixa acurácia diagnóstica para SDRA é essencial para os intensivistas e pneumologistas aprimorarem a investigação diagnóstica e sofisticarem as possibilidades terapêuticas para estes pacientes graves internados nas unidades de terapia intensiva.

Referências

1. Ab`Saber AM, Borges ER, Parra ER, Hoelz C, Teodoro WR, Capelozzi VL, et al. Differences between fatal acute respiratory distress syndrome and fatal alveolar hemorrhage at confocal scanning laser microscopy. Am J Respir Crit Care Med. 2006;A201.

2. Pinheiro BV, Muraoka FS, Assis RVC, Lamin R, Oliveira JCA, Pinto SPS, et al. Precisão do diagnóstico clínico da síndrome do desconforto respiratório agudo quando comparado a achados.de necropsia. J Bras Pneumol. 2007;33(4):423-28.

3. Monnet X, Anguel N, Osman D, Hamzaoui O, Richard C, Teboul JL. Assessing pulmonary permeability by transpulmonary thermodilution allows differentiation of hydrostatic pulmonary edema from ALI/ARDS. Intensive Care Med. 2007;33(3):448-53.

4. Gao H, Ward PA. STAT3 and suppressor of cytokine signaling 3: potential targets in lung inflammatory responses. Expert Opin Ther Targets. 2007;11(7):869-80.

5. Barbas CSV, de Matos GFJ, Pincelli MP, da Rosa Borges ER, Antunes T, de Barros JM, et al. Mechanical ventilation in acute respiratory failure: recruitment and high positive end-expiratory pressure are necessary. Curr Opin Crit Care, 2005;11(1):18-28.
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Professora Livre-Docente da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Médica Intensivista e Pneumologista da UTI - Adultos do Hospital Israelita Albert Einstein



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