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Artigo de Revisão

Rinite alérgica: indicadores de qualidade de vida

Allergic rhinitis: indicators of quality of life

Inês Cristina Camelo-Nunes, Dirceu Solé

ABSTRACT

The objective of this review was to present evidence of the relationship between allergic rhinitis and impairment of quality of life. The data sources were original articles, reviews and consensus statements entered into the Medline and LILACS databases between 1997 and 2008. The following search terms were used: "allergic rhinitis"; "quality of life"; and "sleep disorders". Quality of life is often impaired in patients with allergic rhinitis, due to the classic symptoms of the disease (sneezing, pruritus, rhinorrhea and nasal obstruction). In addition, the pathophysiology of allergic rhinitis often disrupts sleep, leading to fatigue, irritability, memory deficits, daytime sleepiness and depression. The total burden of this disease goes beyond impairment of physical and social functioning. It has also a financial impact, which becomes greater when we consider the evidence that allergic rhinitis is a possible causal factor of comorbidities, such as asthma and sinusitis. Nasal obstruction, the most prominent symptom, is associated with sleep disorders, which can have a profound effect on mental health, learning, behavior and attention. Finally, allergic rhinitis-a chronic condition that affects adults, adolescents and children-is often underdiagnosed or inadequately treated. The deleterious impact that allergic rhinitis-related sleep disorders have on patient capacity to perform activities of daily living is an important component of the morbidity of the disease. With an accurate diagnosis, there are various available treatments that can reduce the burden of allergic rhinitis.

Keywords: Rhinitis, allergic, perennial; Rhinitis, allergic, seasonal; Quality of life; Sleep disorders.

RESUMO

O objetivo desta revisão foi apresentar evidências da relação entre rinite alérgica e redução da qualidade de vida. As fontes de dados foram artigos originais, revisões e consensos indexados nos bancos de dados Medline e LILACS entre 1997 e 2008. As palavras de busca foram "rinite alérgica", "qualidade de vida" e "distúrbios do sono". Os pacientes com rinite alérgica frequentemente têm redução na qualidade de vida causada pelos sintomas clássicos da doença (espirros, prurido, coriza e obstrução). Além disso, a fisiopatologia da rinite alérgica, com frequência, interrompe o sono, ocasionando fadiga, irritabilidade, déficits de memória, sonolência diurna e depressão. A carga total da doença recai não apenas no funcionamento social e físico prejudicados, mas também no impacto ­financeiro, que se torna maior quando se consideram as evidências de que a rinite alérgica é um possível fator casual de comorbidades, tais como a asma e a sinusite. A obstrução nasal, o mais proeminente dos sintomas, está associada a eventos respiratórios relacionados aos distúrbios do sono, uma condição que tem profundo efeito sobre a saúde mental, o aprendizado, o comportamento e a atenção. Finalmente, a rinite alérgica - doença crônica que afeta crianças, adolescentes e adultos - frequentemente é subdiagnosticada ou inadequadamente tratada. O impacto deletério dos distúrbios do sono associados à rinite alérgica sobre a habilidade para realizar as atividades de vida diária dos pacientes é um importante componente da morbidade da doença. Com um diagnóstico acurado, existem vários tratamentos disponíveis que podem reduzir a carga associada à rinite alérgica.

Palavras-chave: Rinite alérgica perene; Rinite alérgica sazonal; Qualidade de vida; Transtornos do sono.

Introdução

A rinite alérgica (RA) é definida como uma doença sintomática do nariz, decorrente da reação infamatória mediada por anticorpos IgE específicos e manifesta após a exposição da mucosa de revestimento da cavidade nasal ao alérgeno envolvido. Os sintomas da RA - obstrução nasal, coriza hialina, espirros e prurido nasal - são reversíveis espontaneamente ou com tratamento.(1,2)

Não há uma definição universalmente aceita de rinite, e a distinção entre um indivíduo normal e um com rinite é feita geralmente tendo-se como base a história clínica. Relatos da ocorrência de pelo menos um dos sintomas cardinais que são característicos, mas não patognomônicos de RA, após a exposição aos possíveis desencadeantes ou agravantes típicos - alérgenos da poeira, alérgenos de fungos de animais domésticos, polens; fumaça de tabaco, odores fortes, poluição e mudanças ambientais de temperatura e de umidade - podem auxiliar na identificação dos casos.

O início das manifestações clínicas da RA ocorre mais comumente durante a infância, embora essas possam ser iniciadas mais tardiamente em até 30% dos pacientes. Segundo a frequência dos sintomas, a RA é classificada como intermitente ou persistente e, de acordo com a intensidade dos sintomas, em leve ou moderada a grave (Quadro 1).(1)

O objetivo desta revisão foi apresentar algumas das evidências disponíveis sobre a relação entre a RA e a redução da qualidade de vida.
Importância da avaliação da qualidade de vida

A avaliação da presença e da intensidade de determinada doença é realizada, tradicionalmente, pela pesquisa de sintomas característicos e de parâmetros funcionais objetivos. De maneira semelhante, a evolução clínica, com a melhora ou não dos sintomas e dos parâmetros objetivos, costuma ser empregada como o método padrão para a aferição da eficácia do tratamento instituído.

Embora não existam dúvidas de que tais aspectos sejam muito importantes e de que nunca devam ser negligenciados, sua capacidade de determinar os efeitos das doenças sobre a saúde do indivíduo nem sempre é adequada ou suficiente.

Na última década, se multiplicaram as evidências de que a percepção da doença, por parte do paciente, é diferente daquela do médico. Esse é, sem dúvida alguma, um aspecto que deve ser considerado e que, frequentemente, fornece informações distintas daquelas obtidas pela mera avaliação de sintomas e/ou de parâmetros considerados objetivos.
Com isso, os profissionais da saúde têm se mostrado mais alertas e interessados sobre a importância da avaliação da qualidade de vida e da satisfação do paciente, paralelamente à avaliação de outros aspectos relacionados à doença ou ao tratamento.

O grande problema é que o conceito de qualidade de vida varia entre as pessoas e depende do grau de expectativas e das percepções sobre a doença e a vida, expectativas essas que podem mudar com o passar do tempo e com a evolução da doença.

O grau de prejuízo à qualidade de vida varia principalmente na dependência dos padrões do próprio indivíduo quanto ao "bem-estar pessoal", à percepção do mundo que o cerca e às suas expectativas quanto ao tratamento. Surpreendentemente, alguns estudos demonstram, por exemplo, que a intensidade dos sintomas não se correlaciona necessariamente com o nível de prejuízo à qualidade de vida, um aspecto que salienta mais uma vez a relevância da individualidade de cada paciente.(3,4)

RA e qualidade de vida

Embora, muitas vezes, seja vista como uma doença trivial e passageira ou, ainda, como uma doença de menor gravidade quando comparada à asma, a RA é capaz de alterar de forma marcante a qualidade de vida dos pacientes, assim como seu desempenho, aprendizado e produtividade.(2,5,6)

Além disso, a RA encontra-se comumente associada a outras doenças respiratórias, e o custo decorrente dessas comorbidades aumenta, ainda mais, o impacto socioeconômico da doença.(6,7)

Aparentemente, a gravidade, e não a duração do quadro clínico, exerce um efeito mais relevante sobre a qualidade de vida dos pacientes com RA, com repercussões sobre o sono e o desempenho profissional.

Nesse sentido, em um estudo no qual foram avaliadas a gravidade e a duração da RA em 3.052 pacientes, constatou‑se que 11%, 8%, 35% e 46% dos pacientes, respectivamente, apresentavam quadros intermitentes leves, persistentes leves, intermitentes de moderado a grave, e persistentes de moderado a grave. O impacto da gravidade da RA na qualidade de vida - sono, atividades diárias e desempenho profissional - desses pacientes foi mais marcante do que a duração da doença. Mais de 80% dos doentes com quadros mais graves, comparados com apenas 40% daqueles com quadros leves, relataram prejuízo às suas atividades devido à doença.(8)

Os questionários escritos doença-específicos são os instrumentos mais utilizados para "medir a qualidade de vida", por descrever de forma mais acurada os problemas associados à doença e por ser mais responsivos a possíveis alterações na qualidade de vida, quando comparados aos questionários escritos genéricos. No caso da rinoconjuntivite alérgica, o questionário escrito doença-específico mais comumente utilizado é o Rhinoconjunctivitis Quality of Life Questionnaire (RQLQ).(1,2,9)

É fundamental ressaltar que prejuízos físicos, psicológicos e sociais são vivenciados não apenas por adultos, mas também por crianças e adolescentes com RA. De maneira geral, os pacientes sentem-se incomodados pelos sintomas propriamente ditos, particularmente pela obstrução nasal, coriza e espirros. Sentem-se aborrecidos por não conseguir dormir bem à noite e frequentemente estar exaustos durante o dia. Vivenciam, ainda, sintomas não nasais que causam desconforto, tais como sede, baixa concentração e cefaleia. Consideram alguns problemas de ordem prática muito irritantes, como, por exemplo, a necessidade de carregar lenços e de assoar o nariz com frequência, apresentam limitações em suas atividades diárias e sentem-se frustrados e irritados.

Os adolescentes, embora vivenciem problemas de modo similar aos adultos, manifestam problemas mais intensos com a concentração, particularmente com o trabalho escolar. As crianças mais jovens, entretanto, apresentam um perfil um pouco diferente: sentem-se incomodadas pelos sintomas e pelos problemas de ordem prática, como ter que carregar lenços e tomar remédios; contudo, tendem a experimentar menos interferência em suas atividades diárias e não expressam os distúrbios emocionais vivenciados por adultos e adolescentes.(10,11)

Impacto sobre o sono

Os distúrbios do sono podem reduzir a qualidade de vida, ocasionando fadiga, irritabilidade, déficits de memória e sonolência diurna.(2,11)

As evidências indicam que a interrupção e a privação do sono, ainda que parciais, ocasionam um aumento da sonolência diurna e prejudicam o desempenho cognitivo.

Os distúrbios do sono exercem, ainda, um efeito importante sobre a saúde mental, podendo ocasionar doenças psiquiátricas, depressão e ansiedade.(12)

Além disso, os eventos respiratórios associados aos distúrbios do sono, na infância e adolescência, associam-se à maior frequência de doenças do aprendizado, do comportamento e da atenção.(13,14)

Pacientes com RA frequentemente têm sua qualidade de vida prejudicada não somente devido aos sintomas típicos da doença - espirros, prurido, obstrução e coriza - mas também devido à atuação dos mediadores que participam de sua fisiopatologia que podem interromper o sono.(15)

Dentre os mediadores mais implicados estão a histamina, leucotrienos (C4 e D4), interleucinas (1B, 4, 5 e 13), a prostaglandina D2, a substância P e a bradicinina.(16)

Distúrbios do sono relacionados à incapacidade de respirar bem durante a noite são de fato comuns em pacientes com RA. Estudos nesse sentido demonstraram não somente que o prejuízo do sono exerce um impacto importante na vida social, nas habilidades profissionais e no aprendizado dos pacientes, mas também que o tratamento da RA pode exercer um efeito benéfico, melhorando a qualidade do sono e, consequentemente, reduzindo todas as limitações secundárias aos distúrbios do sono.(17,18)
A obstrução e a coriza são os sintomas nasais que mais ocasionam um impacto sobre o sono, uma vez que a descarga nasal e o edema mucoso obstruem as cavidades nasais, aumentando a resistência nasal. A obstrução nasal associada à congestão também é um fator de risco para eventos respiratórios associados aos distúrbios do sono, incluindo apneia, hipopneia e roncos.(11,19)

Em pacientes com RA cujo sono foi avaliado por polissonografia,(20) as apneias obstrutivas foram mais frequentes e duradouras naqueles que apresentavam obstrução nasal, quando comparados àqueles pacientes sem obstrução nasal. De maneira semelhante, a chance de ocorrência de apneia e hipopneia - distúrbios respiratórios graves relacionados ao sono - revelou-se superior (1,8 vezes maior) entre pacientes alérgicos com obstrução nasal quando comparados àqueles sem obstrução nasal.(19)

Em um inquérito realizado entre indivíduos com RA, 68% dos que manifestavam RA perene e 48% daqueles com RA sazonal relataram que a doença interferia com o sono.(21)

Impacto sobre o aprendizado e sobre a vida social

A memória e o aprendizado são características funcionais que podem ser prejudicadas em pacientes com RA, ocasionando um impacto crucial sobre seu desempenho intelectual. De fato, pacientes com RA cujos sintomas não estão adequadamente controlados podem ter problemas de aprendizado, quer por interferência direta dos sintomas, quer pela inadequação do sono noturno, resultando em fadiga diurna.(7)

Em um estudo aberto, simples-cego, realizado durante seis meses com 113 crianças com RA perene e 33 crianças com rinite não alérgica, demonstrou-se uma redução da interferência exercida pela coriza sobre a frequência escolar, a concentração nos trabalhos escolares e o sono entre os pacientes tratados com beclometasona ou brometo de ipratrópio.(22)

A RA afeta a vida domiciliar de muitos pacientes. As crianças com RA podem vivenciar sensações de completo isolamento, mesmo dentro de suas famílias, já que muitas vezes a presença de alérgenos impede que participem das atividades familiares, como piqueniques, brincadeiras com os animais de estimação e ida a acampamentos.(23)

O efeito social da RA não se restringe apenas à família. Na escola, essas crianças podem apresentar distúrbios emocionais em decorrência do prejuízo de aprendizado que comumente acompanha a RA e/ou devido às limitações de atividades impostas pela necessidade de evitar o contato com os alérgenos. Com isso, sua habilidade de integração completa e irrestrita com seus pares fica muito prejudicada, e surgem os distúrbios emocionais.

Em um estudo com 1.948 indivíduos que completaram o RQLQ, os três parâmetros que mais caracterizaram a influência da RA na perspectiva social desses indivíduos foram os seguintes: embaraço (70%), frustração (72%) e problemas práticos (98%), incluindo a inconveniência de carregar lenços, a necessidade de "esfregar" o nariz ou os olhos e de assoar o nariz repetidamente.(5)

Impacto sobre a produtividade e comprometimento socioeconômico
A rinite, assim como a asma, é uma condição crônica que exerce um impacto socioeconômico importante sobre os pacientes, suas famílias, os sistemas de saúde e a sociedade como um todo.

Esse impacto é composto por custos diretos, gerados pelo uso do sistema de saúde, e por custos indiretos, associados à perda da produtividade econômica. Assim, pessoas com rinite e/ou asma necessitam lidar com a carga, tanto imediata como em longo prazo, determinada por essas doenças que, habitualmente, acabam por afetar suas atividades diárias. Precisam frequentemente escolher como distribuir seus recursos financeiros - normalmente direcionados às necessidades diárias, como alimentação e vestimentas - para custear os cuidados médicos necessários à melhora de sua condição de saúde.(1)

Os custos diretos da RA incluem as visitas aos consultórios médicos, exames laboratoriais, medicação e imunoterapia com alérgenos.(24)

Além desses custos diretos ditos "evidentes", existem, ainda, encargos diretos "ocultos", que incluem o tratamento da asma, da conjuntivite alérgica, da dermatite atópica, de infecções do trato respiratório superior e da polipose nasal - condições que ocorrem numa frequência significante em pacientes com RA. Os custos indiretos, por sua vez, são também substanciais e, de maneira geral, englobam o absenteísmo e a queda da produtividade, mesmo quando o paciente comparece ao trabalho.

A literatura disponível sobre o impacto econômico sofrido por pessoas com RA é bem mais escassa do que a disponível para asmáticos. Estima-se que a RA resulte em prejuízos à produtividade e/ou em perda do trabalho em cerca da metade dos pacientes.(24)

Graus variáveis de prejuízo às atividades profissionais podem ser vivenciados por até 60% dos pacientes com RA sazonal e por até 40% dos com RA perene.(3) Os pacientes queixam-se de cefaleia, fadiga, baixo rendimento e baixa concentração no trabalho. Vale lembrar que a conjuntivite, comumente associada à RA, pode prejudicar a acuidade visual e as atividades relacionadas à visão.

Vale ressaltar que não somente a doença, mas também a medicação empregada para o alívio dos sintomas, pode influenciar na produtividade. Estima-se que 50% dos pacientes que tratam sua doença com anti-histamínicos de primeira geração (sedantes) trabalhem utilizando apenas 75% de sua capacidade total por 14 dias/ano.(25) Com o emprego dos novos anti-histamínicos, esses problemas foram reduzidos de forma significante.

Em um levantamento nos EUA entre 8.267 empregados, constatou-se que 55% deles vivenciaram sintomas de RA, em média, por 52,5 dias, estiveram ausentes do trabalho por 3,6 dias/ano devido à RA e foram improdutivos por 2,3 h/dia de trabalho na vigência dos sintomas. As perdas totais da produtividade devido à RA foram de US$ 593 por empregado por ano.(26)

Acredita-se que, nos EUA, a RA seja responsável anualmente pela perda de 3,5 milhões de dias de trabalho e de 2 milhões de dias de escola.(27)
Estima-se ainda que, independentemente do dia, aproximadamente 10.000 crianças estejam ausentes da escola por dia devido à RA.(6) Ressalta-se que, dependendo da idade da criança, a ausência da escola também afetará a produtividade dos pais ou acarretará a ausência de um deles do trabalho.

Um estudo sobre custos médicos diretos de doenças entre crianças nos EUA, com e sem asma, revelou que as crianças com asma utilizavam os serviços de saúde numa frequência substancialmente maior do que as crianças que não tinham asma. Entretanto, apenas 26% da diferença nesses custos estavam relacionadas aos cuidados médicos específicos para asma. Uma grande porcentagem do custo adicional associava-se a outras condições, principalmente às doenças das vias aéreas superiores, como a RA.(28) A RA certamente aumenta os custos da asma. Em um estudo com pacientes com asma isolada e asma associada à RA, demonstrou-se que os gastos anuais com cuidados médicos foram em média 46% maiores dentre aqueles que tinham asma associada à RA.(29)

Nos EUA, 40 milhões de pessoas sofrem de RA, incluindo 6 milhões de crianças. Embora metade dos pacientes com RA manifeste sintomas por um período igual ou inferior a 4 meses por ano, aproximadamente 20% vivenciam sintomas por mais de 9 meses por ano.(30,31)

Em 2002, a RA foi responsável por 14 milhões de visitas a consultórios médicos.(32) Os custos diretos com visitas médicas e medicação estão em torno de US$ 4,5 bilhões anuais. Os custos indiretos são estimados ao redor de US$ 4 bilhões, refletindo aproximadamente 4 milhões de dias perdidos no trabalho e na escola.(33) Estimativas dão conta de que a carga econômica total da RA em crianças possa ser superior aos US$ 5 bilhões/ano.(34)

Vale ressaltar que, como a incidência de doenças alérgicas continua a aumentar, seu impacto econômico também continua a crescer.
Impacto relacionado ao tratamento

Qualquer terapia que controle ou alivie os sintomas da RA, particularmente a obstrução, pode ser útil na melhora da qualidade de vida dos pacientes.

Embora evitar o contato com o alérgeno - controle ambiental - seja importante em termos terapêuticos, frequentemente torna-se impraticável ou insuficiente para o controle dos sintomas. Na maioria dos casos, a farmacoterapia será a principal intervenção e, nesse sentido, os anti-histamínicos e os corticosteroides intranasais são os agentes de primeira linha.(1,9,35)

Os pacientes com RA frequentemente atribuem sua fadiga diurna a efeitos colaterais do tratamento instituído; contudo, embora algumas medicações empregadas no seu tratamento possam ser sedativas, a RA por si só pode produzir sonolência.

Os anti-histamínicos anti-H1 estão entre os medicamentos mais prescritos no mundo e, embora tenham eficácia semelhante no tratamento de pacientes com RA, diferem de forma importante quanto à sua estrutura química, farmacologia clínica e potencial de toxicidade.

Os anti-histamínicos de primeira geração, quando comparados aos de segunda geração, apresentam uma relação risco-benefício desfavorável, uma vez que manifestam baixa seletividade para receptores H1 e importantes efeitos sedativos e anticolinérgicos.(35)

Os anti-histamínicos anti-H1 de segunda geração reduzem de forma eficaz todos os sintomas nasais, com exceção da obstrução nasal,(1,9,35) embora existam evidências de que a desloratadina possa melhorar a congestão nasal.(36)

Dados limitados sugerem que alguns anti-histamínicos anti-H1 de segunda geração, como a cetirizina e a fexofenadina, possam exercer efeitos favoráveis sobre o sono de pacientes com RA; contudo, mais estudos são necessários para caracterizar adequadamente e confirmar esses efeitos.(5,37,38)

Seja como for, recomenda-se que, para o tratamento da RA, sempre que possível, se dê preferência aos anti-histamínicos de segunda geração.(1,9,33,35)

As evidências indicam que os corticosteroides intranasais são mais eficazes no controle dos sintomas da RA do que os anti-histamínicos. Essa "superioridade" diz respeito principalmente à sua atuação sobre a obstrução nasal.(1,8,34)

Os corticosteroides intranasais parecem ser um dos agentes mais eficazes para o controle da obstrução nasal secundária à RA. Assim, tendo em vista o impacto significante da obstrução nasal sobre a qualidade do sono, a eficácia dos corticosteroides intranasais em promover o alívio da congestão nasal sugere que esses agentes reduzam os distúrbios do sono e a sonolência diurna associada a tais distúrbios. De fato, isso tem sido demonstrado em diversos estudos clínicos baseados tanto em dados subjetivos (diários de sintomas), quanto em instrumentos validados que acessam de forma objetiva a qualidade do sono e a qualidade de vida relacionada ao sono (Quadro 2).(17,23,39-42)

Ao agruparem os dados de três de seus estudos controlados por placebo sobre o uso de corticosteroides intranasais (budesonida, flunisolida e fluticasona) em pacientes com RA perene, um grupo de autores constatou uma redução significante da obstrução nasal, dos distúrbios do sono e da sonolência nos pacientes tratados. Ficou evidente que existe uma correlação entre a redução da obstrução nasal e a melhora do sono e da sonolência diurna com uso desses compostos.(43)

Além dessas medicações, fazem parte do arsenal terapêutico para o tratamento da RA os descongestionantes, os antagonistas dos receptores dos leucotrienos e os estabilizadores de mastócitos.

Os descongestionantes são agentes alfa-adrenérgicos que controlam a obstrução nasal. Os de uso tópico (por ex., oximetazolina) são, sem dúvida alguma, os compostos mais eficazes na redução da obstrução nasal, mas não devem ser ministrados por tempo superior a cinco dias, pois a obstrução por efeito rebote pode ocorrer e ser seguida por rinite medicamentosa. Os de uso oral (por ex., pseudoefedrina), embora não ocasionem o efeito rebote, apresentam ação modesta sobre o fluxo nasal. Além disso, manifestam propriedades estimulantes que podem ocasionar insônia e agitação.(1,9,34)

Os leucotrienos cisteínicos são mediadores inflamatórios importantes e que estão envolvidos na resposta alérgica imediata e tardia. Os antagonistas dos receptores de leucotrienos cisteínicos, como o montelucaste, competem com os leucotrienos pelos receptores, justificando sua ação. A terapia com montelucaste melhora de forma significante os sintomas diurnos (espirros, prurido, obstrução e coriza) e noturnos (dificuldade para dormir, despertar noturno e obstrução ao acordar) em pacientes com RA sazonal.(1,9) Contudo, mais estudos são necessários para confirmar o benefício dessa terapia sobre o sono.

Os estabilizadores de mastócitos, como o cromoglicato de sódio, são drogas anti-inflamatórias fracas, com eficácia relativa em quadros leves de RA. Embora sejam bastante seguras, apresentam como grande desvantagem a necessidade de várias aplicações ao dia para se manter o efeito desejado.(1,9) O cromoglicato nasal é menos eficaz do que os corticosteroides intranasais e não parece exercer um efeito sobre a obstrução nasal. Seu uso como medicação profilática é mais apropriado.(1,2,9)

Na prática clínica, vários fatores devem ser considerados no planejamento terapêutico para pacientes com RA, tais como a adesão ao tratamento, a preferência do paciente, a disponibilidade e os efeitos adversos potenciais dos medicamentos.

Geralmente, pacientes com formas persistentes, que frequentemente sofrem de obstrução nasal importante, costumam ser mais bem conduzidos com corticosteroides intranasais. Quando os sintomas são leves ou apenas intermitentes, o cromoglicato de sódio é a droga de escolha. Os anti-histamínicos têm sua principal indicação no tratamento das crises para controle das reagudizações dos sintomas.

O "balanço" entre o emprego de corticosteroides nasais e anti-histamínicos, de forma isolada ou associada, deve ser equacionado para cada paciente individualmente.

Em crianças com sintomas persistentes, os corticosteroides intranasais são uma opção terapêutica extremamente eficaz, e os novos agentes têm-se revelado seguros, com importante efeito local e mínimos efeitos sistêmicos. São eles: mometasona e furoato de fluticasona (a partir dos 2 anos de idade); triancinolona e propionato de fluticasona (a partir dos 4 anos de idade); e budesonida e ciclesonida (a partir dos 6 anos de idade).

O Quadro 3 ilustra a atuação sobre os sintomas nasais dos principais grupos de fármacos disponíveis para o tratamento da RA.

Comorbidades

A associação entre doenças alérgicas é frequente. Assim, é forte a correlação que existe entre RA, dermatite atópica e asma.(44)
Levantamentos populacionais estimam que 38% dos pacientes com RA tenham asma e que 78% dos asmáticos tenham rinite associada.(45,46) Segundo alguns estudos, a RA ocorre em mais de 75% dos pacientes com asma alérgica e em mais de 80% dos pacientes com asma não alérgica.(47)

A perspectiva da existência de um mesmo mecanismo fisiopatológico para ambas as doenças é corroborada pela constatação de que o tratamento da RA reduz a incidência e a gravidade da asma.(48)

Adultos com antecedentes familiares de asma e rinite têm um risco 2-6 vezes maior de desenvolver rinite e 3-4 vezes maior de desenvolver asma, respectivamente, quando comparados a adultos sem esses antecedentes.(49)

A conjuntivite alérgica também é uma comorbidade comum da RA. De fato, sintomas oculares ocorrem em uma grande proporção de pacientes com RA. Apesar disso, a real prevalência da associação entre RA e conjuntivite alérgica é de difícil determinação, e é provável que essa associação seja subestimada frente à menor relevância que os pacientes costumam atribuir aos sintomas oculares quando comparados aos nasais.(1,9,50)

A dermatite atópica - a mais comum das doenças cutâneas da infância - apesar de ter prognóstico geralmente bom, é frequentemente relacionada a um risco maior de manifestação de RA e de asma.(51)

A alergia também tem sido considerada um "fator contribuinte" em 40-80% dos casos de sinusite crônica.(52) Alguns estudos sugerem, ainda, que a rinossinusite seja uma complicação comum da RA.(53)

Nas últimas décadas, a correlação etiológica entre rinite e otite média, particularmente o papel da alergia na otite média purulenta, tem sido motivo de muita controvérsia.(54) De maneira semelhante, a associação entre RA e polipose nasal também permanece controversa. Apesar disso, não há dúvidas de que a taxa de recorrência de pólipos em indivíduos alérgicos seja maior do que a observada em indivíduos não alérgicos.(55)

Considerações finais

A RA - doença crônica que afeta crianças, adolescentes e adultos - frequentemente é subdiagnosticada e inadequadamente tratada.
Existe uma enorme carga associada à RA. A obstrução nasal, o sintoma mais comum e incômodo da doença, afeta profundamente a qualidade de vida, principalmente por prejudicar o "poder restaurador do sono".

O sono de baixa qualidade ocasiona sonolência diurna, fadiga e prejuízo significante ao aprendizado, à cognição e ao desempenho profissional. Como consequência, os adultos tornam-se mal humorados, menos eficientes e mais sujeitos aos acidentes de trabalho. Já as crianças tendem a se tornar tímidas, depressivas, ansiosas ou medrosas.

A carga total da doença recai não apenas no prejuízo do funcionamento social e físico, mas também no impacto financeiro, que se torna maior quando se consideram as evidências de que a RA é um possível fator casual de comorbidades como a asma e a sinusite.

O impacto deletério dos distúrbios do sono associados à RA sobre vários aspectos da vida diária dos pacientes é um importante componente da morbidade associada à doença. Contudo, infelizmente, não é comum que esse componente seja reconhecido, valorizado e muito menos abordado pelos profissionais da saúde que lidam com pacientes com RA.

A profilaxia ambiental adequada, com base na sensibilização e na exposição do paciente, associada ao tratamento farmacológico apropriado, com o uso de compostos que reduzam de forma eficaz as células e os mediadores inflamatórios, pode aliviar os sintomas e, consequentemente, melhorar de forma marcante a qualidade de vida dos pacientes com RA.


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Trabalho realizado na Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia. Departamento de Pediatria, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Inês Cristina Camelo Nunes. Rua Cataguás, 30, apto. 61, Campo Belo, CEP 04624-060, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 5574-0548. E-mail: dirceus@ajato.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 23/2/2009. Aprovado, após revisão, em 18/9/2009.



Sobre os autores

Inês Cristina Camelo-Nunes
Pesquisadora Associada. Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, Departamento de Pediatria, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.

Dirceu Solé
Professor Titular. Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, Departamento de Pediatria, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.

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