Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
1879
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Questionários e escores de risco: como transformar projetos de pesquisa em ferramentas para a vida prática

Questionnaires and risk scores: how to transform research projects into practical tools

Frederico Leon Arrabal Fernandes1

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20230302

 
A DPOC é uma condição heterogênea, progressiva e potencialmente grave. Sua complexidade e impacto na qualidade de vida dos pacientes demandam abordagens multidisciplinares e estratégias de manejo eficazes. Frequentemente vemos publicados e validados para a língua portuguesa questionários e escores de risco que se propõem a quantificar diversos aspectos da DPOC.
 
A diversidade de questionários disponíveis para a DPOC reflete a complexidade da doença e a necessidade de abordar suas diferentes facetas: desde questionários que abordam sintomas (como a escala modified Medical Research Council,(1) assim como o escore COPD Assessment Test,(2) hoje incorporados na classificação da doença pelo documento da GOLD),(3) os que abordam atividades de vida diária,(4,5) os que são recomendados para avaliar o impacto da doença e o estado de saúde do paciente,(6,7) até questionários que investigam a qualidade de vida.(8,9) Escores de risco também são diversos na DPOC: existem escores para rastreamento,(10) assim como para predizer o risco de se desenvolver DPOC(11) e de mortalidade ou complicações na exacerbação aguda da DPOC (EA-DPOC). A variedade de instrumentos disponíveis é enorme, e uma rápida pesquisa bibliográfica mostra o quanto da ciência voltada para a DPOC consiste na elaboração, tradução e adaptação de questionários.
 
Isso não é por acaso. A elaboração e validação de questionários têm se mostrado uma oportunidade valiosa para o ensino de metodologia de pesquisa e para a formação de alunos de pós-graduação. O desenvolvimento dessas ferramentas exige entendimento da doença, bem como competências em estatística e psicometria. Assim, o processo de criação de questionários não apenas contribui para o avanço da pesquisa na área, mas também enriquece a formação acadêmica e científica de futuros pesquisadores.(12)
 
No entanto, é importante ressaltar que a DPOC é uma doença multifacetada, com diversas dimensões a serem consideradas durante a avaliação clínica. Sintomas respiratórios, comorbidades, aderência ao tratamento e uso adequado de dispositivos inalatórios são apenas algumas das áreas críticas que requerem atenção durante uma consulta. Muitos questionários disponíveis são extensos e complexos, o que pode dificultar o seu uso na prática clínica real. Numa avaliação de um paciente com EA-DPOC é impraticável o uso de vários escores ou mesmo de apenas um de longa aplicação.
 
Nesse sentido, ao desenvolver um questionário ou um escore de risco para uso na DPOC, os pesquisadores devem ter em mente a sua aplicabilidade em um cenário clínico. É fundamental que essas ferramentas sejam projetadas de forma a fornecer informações relevantes para apoiar a tomada de decisões médicas como hospitalização, necessidade de ventilação não invasiva ou de monitorização em terapia intensiva.
 
Os dados coletados por meio dos questionários devem ser capazes de agregar valor à conduta médica no monitoramento da evolução da doença e na avaliação da eficácia do tratamento. Mais do que isso, devem ser objetivos, de fácil entendimento e aplicação e de fácil consulta dos resultados.(12)
 
Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, um estudo teve como objetivo avaliar o desempenho de quatro diferentes escores de risco na previsão de desfechos durante e após hospitalização por EA-DPOC.(13) Esse estudo retrospectivo incluiu 119 pacientes admitidos com EA-DPOC, e diversos desfechos foram avaliados. Os escores National Early Warning Score (NEWS88-92% e NEWS2) mostraram-se úteis para certos desfechos como hospitalização prolongada e uso de ventilação não invasiva, mas não foram tão eficazes quanto os escores Dyspnea, Eosinopenia, Consolidation, Acidemia, and atrial Fibrillation (DECAF e DECAF modificado) na previsão de mortalidade. O uso do NEWS88-92% levou a uma redução de 8,9% na indicação de avaliação médica urgente em relação ao questionário NEWS2. Apesar do fato que o estudo foi unicêntrico e com um número pequeno de indivíduos para uma conclusão definitiva, ele apontou para a superioridade do NEWS88-92% nesse contexto.(13)
 
Não surpreende, no entanto, que o estudo tenha demonstrado que cada questionário teve melhor desempenho na avaliação do resultado específico para o qual fora projetado. Os escores NEWS são utilizados para reconhecer o risco de deterioração clínica durante a internação. Já os escores DECAF são utilizados para estimar a mortalidade em EA-DPOC. Essa descoberta está alinhada com o conhecimento existente na área e reforça a importância do uso de ferramentas apropriadas para fins específicos.
 
Em resumo, questionários e escores de risco têm um papel crucial na pesquisa e no manejo clínico da DPOC. No entanto, sua utilização eficaz requer um equilíbrio entre a abordagem abrangente da doença e a praticidade na aplicação desses no dia a dia. Ao continuar desenvolvendo e aprimorando essas ferramentas, os pesquisadores e profissionais de saúde devem concentrar-se em contribuir significativamente para o avanço no tratamento e na qualidade de vida dos pacientes com DPOC, e não apenas utilizá-las como projetos para a formação acadêmica de novos pesquisadores.
 
REFERÊNCIAS
 
1.  Kovelis D, Segretti NO, Probst VS, Lareau SC, Brunetto AF, Pitta F. Validation of the Modified Pulmonary Functional Status and Dyspnea Questionnaire and the Medical Research Council scale for use in Brazilian patients with chronic obstructive pulmonary disease. J Bras Pneumol. 2008;34(12):1008-1018. https://doi.org/10.1590/S1806-37132008001200005
2.  Flores MP, Arcuri JF, Carvalho da Silva MM, Pires Di Lorenzo VA. Validity of the Brazilian version of the COPD assessment test in patients with chronic obstructive pulmonary disease. Clin Respir J. 2021;15(3):358-364. https://doi.org/10.1111/crj.13308
3.  Agustí A, Celli BR, Criner GJ, Halpin D, Anzueto A, Barnes P, et al. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease 2023 Report: GOLD Executive Summary. Eur Respir J. 2023;61(4):2300239. https://10.1183/13993003.00239-2023
4.  Tavares Ldos A, Barreto Neto J, Jardim JR, Souza GM, Hlatky MA, Nascimento OA. Cross-cultural adaptation and assessment of reproducibility of the Duke Activity Status Index for COPD patients in Brazil. J Bras Pneumol. 2012;38(6):684-691. https://doi.org/10.1590/s1806-37132012000600002
5.  Carpes MF, Mayer AF, Simon KM, Jardim JR, Garrod R. The Brazilian Portuguese version of the London Chest Activity of Daily Living scale for use in patients with chronic obstructive pulmonary disease. J Bras Pneumol. 2008;34(3):143-151. https://doi.org/10.1590/s1806-37132008000300004
6.  Zhou Z, Zhou A, Zhao Y, Chen P. Evaluating the Clinical COPD Questionnaire: A systematic review. Respirology. 2017;22(2):251-262. https://doi.org/10.1111/resp.12970
7.  Silva PN, Jardim JR, Costa e Souza GM, Hyland ME, Nascimento OA. Cultural adaptation and reproducibility of the Breathing Problems Questionnaire for use in patients with COPD in Brazil [published correction appears in J Bras Pneumol. 2012 Jul-Aug;38(4):538]. J Bras Pneumol. 2012;38(3):339-345. https://doi.org/10.1590/s1806-37132012000300009
8.  Moreira GL, Pitta F, Ramos D, Nascimento CS, Barzon D, Kovelis D, et al. Portuguese-language version of the Chronic Respiratory Questionnaire: a validity and reproducibility study. J Bras Pneumol. 2009;35(8):737-744. https://doi.org/10.1590/s1806-37132009000800004
9.  Camelier A, Rosa FW, Salim C, Nascimento OA, Cardoso F, Jardim JR. Using the Saint George’s Respiratory Questionnaire to evaluate quality of life in patients with chronic obstructive pulmonary disease: validating a new version for use in Brazil. J Bras Pneumol. 2006;32(2):114-122. https://doi.org/10.1590/s1806-37132006000200006
10.  Calverley PM, Nordyke RJ, Halbert RJ, Isonaka S, Nonikov D. Development of a population-based screening questionnaire for COPD. COPD. 2005;2(2):225-232. https://doi.org/10.1081/COPD-57594
11.  Haroon S, Adab P, Riley RD, Marshall T, Lancashire R, Jordan RE. Predicting risk of COPD in primary care: development and validation of a clinical risk score. BMJ Open Respir Res. 2015;2(1):e000060. https://doi.org/10.1136/bmjresp-2014-000060
12.  Jones TL, Baxter MA, Khanduja V. A quick guide to survey research. Ann R Coll Surg Engl. 2013;95(1):5-7. https://doi.org/10.1308/003588413X13511609956372
13.  Gomes L, Pereira S, Sousa-Pinto B, Rodrigues C. Performance of risk scores in pati-ents with acute exacerbations of COPD. J Bras Pneumol. 2023;49(5):e20230032. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20230032

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia