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ISSN (on-line): 1806-3756

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Cartas ao Editor

Pneumonia organizativa de apresentação fulminante em doente com colite ulcerosa sob infliximab e mesalazina: um desafio etiológico!

Fulminant organizing pneumonia in a patient with ulcerative colitis on mesalamine and infliximab: striving to identify the cause!

Lídia Gomes1, Maria Alcide Marques1, Pedro Gonçalo Ferreira1

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20220467

 
AO EDITOR,
 
O atingimento pulmonar na doença inflamatória intestinal é incomum e geralmente surge associado à toxicidade induzida por fármacos ou como manifestação extra-intestinal (MEI) da doença de base.(1)
 
Descrevemos o caso de um paciente com colite ulcerosa (CU) sob terapêutica imunossupressora que desenvolveu um quadro de doença pulmonar intersticial (DPI) fulminante com insuficiência respiratória hipoxêmica grave. Foi obtido o consentimento informado escrito do doente para publicação da informação clínica e imagens. Além disso, apresentamos a investigação clínica realizada.
 
Este caso remete para um homem caucasiano de 38 anos com CU diagnosticada dois anos antes e sob tratamento com mesalazina e infliximab há 17 e 5 meses, respectivamente. O doente era um ex-fumador de 20 unidades maço-ano, sem outras exposições relevantes ou doença respiratória crónica prévia, e foi admitido por queixas de dispneia de agravamento progressivo, febre e toracalgia pleurítica com perto de 3 semanas de evolução.
 
Ao exame objetivo, o doente encontrava-se polipneico, com SpO2 de 90% em ar ambiente e sons respiratórios diminuídos nas bases pulmonares. Gasimetricamente apresentava uma insuficiência respiratória hipoxêmica  (PO2/FIO2 = 232) e lactatos dentro da normalidade. O teste para SARS-CoV-2 foi negativo. Analiticamente apresentava uma proteína C reativa de 12,9 mg/dL (normal: < 0,5) com procalcitonina e contagem de leucócitos (incluindo eosinófilos) dentro dos valores normais. A radiografia de tórax mostrou opacidades alveolares bilaterais (Figura 1A). Dada a suspeita clínica inicial de pneumonia oportunística com evolução para SDRA, foi iniciada antibioterapia empírica de largo espectro com piperacilina-tazobactam e linezolide. Apesar da boa resposta inicial à oxigenoterapia convencional (FIO2 = 0,35; PO2/FIO2 = 195), o doente apresentou agravamento clínico com febre persistentemente elevada e aumento da necessidade de FIO2 (FIO2 = 0,60; PO2/FIO2 = 148), mesmo após início de suporte com CPAP. A angiotomografia de tórax excluiu embolia pulmonar e mostrou um padrão consolidativo multifocal com componente peribrônquico, sugestivo de pneumonia organizativa (PO) rapidamente progressiva (Figura 1B). O doente foi submetido a broncoscopia flexível com estudo microbiológico invasivo contemplando pesquisa de vírus respiratórios, bactérias, micobactérias e fungos, cujos resultados foram negativos. Dado o agravamento clínico progressivo e a possibilidade de lesão pulmonar aguda secundária a fármaco, foi iniciada corticoterapia sistémica (metilprednisolona 125 mg/dia por 3 dias e depois prednisolona 60 mg/dia em esquema de deescalação progressiva, que resultou numa melhoria clínica e radiográfica parcial. Foi realizada colonoscopia que excluiu sinais de atividade da sua CU.
 

 
As provas de função pulmonar revelaram uma CVF de 57% do previsto e DLCO (método da respiração única) de 41% do previsto. A prova da marcha de 6 minutos (PM6M) evidenciou uma dessaturação significativa da oxi-hemoglobina (nadir da SpO2 = 78%) e foi interrompida precocemente após quatro minutos (distância percorrida de 150 m). A TCAR de tórax de reavaliação mostrou melhoria das consolidações, com persistência de alterações em vidro despolido e com áreas de mosaico (Figura 1C). O doente foi submetido a biópsia pulmonar por videotoracoscopia. O exame histológico mostrou características compatíveis com PO, acompanhadas de reação células gigantes e bronquiolite crónica. Atendendo à ausência de sinais CU ativa, o infliximab e a mesalazina foram descontinuados definitivamente e o doente acabou por ter alta sob prednisolona (30 mg/dia em esquema de redução lento) e micofenolato de mofetil (2 g/dia) e oxigénio de deambulação.
 
Após discussão de todos os resultados dos exames complementares em reunião multidisciplinar e uma revisão completa da literatura, foi assumido um diagnóstico provisório com elevado nível de confiança de doença pulmonar difusa induzida pela mesalazina (PO rapidamente progressiva com reação de células gigantes). O caso apresentou uma pontuação de 5 na Escala de Probabilidade de Reação Adversa a Medicamentos de Naranjo e uma pontuação de 6 no algoritmo modificado de Karch-Lasagna (“provável reação adversa a fármaco”).(2)
 
Após 2 meses, o doente apresentou melhoria clínica marcante, com radiografia de tórax normal, CVF melhorada para 84% do previsto, com DLCO de 71% do previsto e  já com ausência de dessaturação de oxihemoglobina em PM6M subsequente (distância percorrida de 475 m). A TCAR aos 6 meses revelou resolução completa das consolidações e das áreas irregulares de atenuação em vidro despolido previamente existentes (Figura 1D).
 
Neste caso, o diagnóstico final foi baseado na apresentação clínica, alterações imagiológicas, achados histológicos distintivos e a devida exclusão de outras etiologias possíveis, incluindo as infeções oportunistas. O momento de início dos sintomas respiratórios é variável e nenhuma associação temporal clara foi encontrada entre o início da mesalazina e o surgimento de doença pulmonar. (3) Por outro lado, a maioria dos casos de toxicidade pulmonar induzida pelo infliximab ocorre logo após o início do tratamento.(4) A possibilidade de MEI pulmonar foi excluída com base na remissão endoscópica da CU e no elevado nível de imunossupressão do paciente, bem como na ausência de envolvimento de outros órgãos. Acima de tudo, os achados histológicos revelaram-se extremamente evocativos de reação de hipersensibilidade a fármaco. (2) Embora casos raros de PO secundária ao infliximab tenham também já sido descritos, existem casos de doença pulmonar induzida pela mesalazina na literatura mostrando precisamente padrões histológicos de PO com áreas focais de reação granulomatosa/gigantocelular e bronquiolite crónica, o que está perfeitamente de acordo com nossos achados.(2,3,5) Não foi tentada reintrodução sequencial dos medicamentos devido ao elevado risco inerente.
 
O tratamento da doença pulmonar induzida pela mesalazina passa pela interrupção imediata do medicamento e, nas formas graves, terapia anti-inflamatória adjuvante.(3) Existem menos de 20 casos comprovados histologicamente de PO secundária à mesalazina descritos na literatura, poucos dos quais suficientemente graves para necessitar de suporte ventilatório não invasivo com pressão positiva na via aérea.(3,5-7)
 
Globalmente, o presente caso exemplifica o desafio diagnóstico que constitui um cenário de DPI rapidamente progressiva em doentes com CU sob terapêutica imunomoduladora. A suspeição precoce para a possibilidade de doença pulmonar induzida por fármacos nestes doentes, com exclusão atempada de outras etiologias, é crucial. A exclusão de infeção oportunística deve ser prioritária, particularmente em sujeitos sob agentes anti-TNF). A destrinça entre MEI de CU e toxicidade medicamentosa permanece um desafio; contudo, a ausência de outras formas de MEI, bem como a evidência clínica e endoscópica de remissão da CU, pode praticamente excluir a hipótese de MEI pulmonar.(6) A biópsia pulmonar pode ser útil em doentes selecionados e uma discussão multidisciplinar integrativa é decisiva para estabelecer um diagnóstico confiante, permitindo assim o início atempado da terapêutica e o evitar de complicações.(2)
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
LG: redação do manuscrito. MAM e PGF: revisão crítica do trabalho.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Harbord M, Annese V, Vavricka SR, Allez M, Barreiro-de Acosta M, Boberg KM, et al. The First European Evidence-based Consensus on Extra-intestinal Manifestations in Inflammatory Bowel Disease. J Crohns Colitis. 2016;10(3):239-54. https://doi.org/10.1093/ecco-jcc/jjv213
2.            Tejeda Taveras N, Rivera Martinez A, Kumar R, Jamil A, Kumar B. Pulmonary Manifestations of Inflammatory Bowel Disease. Cureus. 2021;13(3):e14216. https://doi.org/10.7759/cureus.14216
3.            Foster RA, Zander DS, Mergo PJ, Valentine JF. Mesalamine-related lung disease: clinical, radiographic, and pathologic manifestations. Inflamm Bowel Dis. 2003;9(5):308-15. https://doi.org/10.1097/00054725-200309000-00004
4.            Caccaro R, Savarino E, D’Inca R, Sturniolo GC. Noninfectious interstitial lung disease during infliximab therapy: case report and literature review. World J Gastroenterol. 2013;19(32):5377-80. https://doi.org/10.3748/wjg.v19.i32.5377
5.            Casey MB, Tazelaar HD, Myers JL, Hunninghake GW, Kakar S, Kalra SX, et al. Noninfectious lung pathology in patients with Crohn’s disease. Am J Surg Pathol. 2003;27(2):213-9. https://doi.org/10.1097/00000478-200302000-00010
6.            Huang PH, Kuo CJ, Lin CW, Cheng YM, Hu HC, Lin CY, et al. Mesalazine-related lung disease in a patient with ulcerative colitis: A case report. Medicine (Baltimore). 2018;97(48):e13242. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000013242
7.            Oi H, Suzuki A, Yamano Y, Yokoyama T, Matsuda T, Kataoka K, et al. Mesalazine-induced lung injury with severe respiratory failure successfully treated with steroids and non-invasive positive pressure ventilation. Respir Med Case Rep. 2020;31:101157. https://doi.org/10.1016/j.rmcr.2020.101157

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