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ISSN (on-line): 1806-3756

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Editorial

Judicialização em medicina do sono: precisamos buscar novas alternativas!

Legal action in sleep medicine: new alternatives need to be sought!

Simone Chaves Fagondes1,2, Angela Beatriz John1

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20230100

 
Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, o artigo de Pachito et al.(1) suscita a discussão de uma abordagem cada vez mais frequente no Brasil, assim como em outros países, que é a judicialização dos procedimentos e tratamentos médicos.(2)
 
A evolução do conhecimento na área da saúde vem acompanhada de métodos diagnósticos e opções terapêuticas mais sofisticadas e, consequentemente, com custos mais elevados. Entretanto, muitos desses métodos e tratamentos não estão contemplados nem no Sistema Único de Saúde (SUS), nem nos planos de saúde suplementar, o que, a partir da premissa de que a saúde é um direito universal, coloca a judicialização como uma alternativa, com toda a complexidade que essa abordagem impõe.
 
Sob a perspectiva da medicina do sono, temos uma grande carência de serviços públicos que ofereçam atendimento especializado nessa área. Um estudo recente identificou a presença de 36 centros no país, com uma grande assimetria quanto a sua distribuição geográfica, estando 44% deles concentrados na região sudeste do país (informação pessoal). Na área de diagnóstico, os leitos em laboratório do sono credenciados para realizar exames pelo SUS são uma minoria, totalizando apenas 28 centros em todo o Brasil (informação pessoal). Por outro lado, a realização de exames portáteis, de menor custo e sem a necessidade de ser realizado em laboratório do sono, ainda demanda melhorias tanto na sua logística como na sua operacionalização.
 
Para além das limitações diagnósticas, temos um desafio ainda maior quando nos debruçamos nas questões relacionadas ao tratamento. O principal tratamento para a apneia obstrutiva do sono, nos graus moderado e grave, é o uso de um dispositivo que gera uma pressão positiva continua nas vias aéreas superiores. Trata-se de um equipamento de custo elevado e que também não está contemplado no rol do SUS, assim como na maioria dos planos de saúde suplementar. Em nossa prática diária em um hospital público universitário terciário, temos observado ações no âmbito municipal que visam suprir essa carência; entretanto, essas ações são geralmente restritas aos pacientes mais graves e ficam concentradas em cidades de maior porte e próximas às capitais.
 
A magnitude do problema, portanto, tem relação direta com a realidade socioeconômica predominante em nosso país e com as limitações decorrentes de uma área da medicina ainda em fase de consolidação, sobretudo na esfera pública, combinada a uma condição médica de elevada prevalência (em torno de 30% da população adulta),(3) cujas consequências estão amplamente documentadas na literatura.(4,5)
 
Uma das preocupações apontadas no artigo de Pachito et al.(1) é o custo econômico elevado que a prática crescente da judicialização na medicina do sono impõe. O estudo apresenta uma estimativa de custo adicional de 588% para exames diagnósticos e de 21,7% para o tratamento com CPAP. Valores esses substancialmente mais altos quando comparamos o sistema público com os grupos de saúde suplementar.
 
O tema assume um papel ainda mais relevante e preocupante considerando que o número de processos identificados no manuscrito nos parece subestimado. Os autores fizeram uma análise baseada em informações extraídas do banco de dados do sistema judiciário num período de cinco anos e identificaram somente 1.462 casos, ou seja, aproximadamente 292 casos/ano. Considerando a já mencionada elevada prevalência da apneia obstrutiva do sono em um país com uma população adulta estimada de 159,2 milhões de indivíduos,(6) o número de pacientes que potencialmente buscaria auxílio público deveria ser bem superior. Outro aspecto que merece observação é a queda do número de judicializações nos anos compreendidos entre 2017 e 2019, identificada pelos autores.(1) Esse achado diverge da nossa experiência em um hospital público. Nos últimos anos, com o aprofundamento da crise socioeconômica em nosso país e a consequente queda da renda tanto para a manutenção de um plano de saúde suplementar como para a aquisição de um aparelho de CPAP, temos observado um crescimento substancial do número de pacientes encaminhados para o nosso ambulatório do sono.
 
Outros sim, como já apontado pelos autores, é vital a necessidade de políticas públicas que contemplem a capacitação dos médicos para o atendimento dos pacientes, para a disseminação dos métodos diagnósticos, passando por uma revisão detalhada da sua remuneração, e ainda para o estabelecimento de parcerias que viabilizem a oferta do tratamento com CPAP. Também se faz necessário que esses pacientes tenham acesso a seguimento por uma equipe médica qualificada nas várias regiões do país.
 
Definitivamente, a judicialização na medicina do sono está longe de ser uma solução. Ela deveria ser um caminho de exceção e urge buscarmos novas alternativas!
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Pachito DV, Finkelstein B, Albertini C, Gaspar A, Pereira C, Vaz P, et al. Legal action for access to resources inefficiently made available in health care systems in Brazil: a case study on obstructive sleep apnea. J Bras Pneumol. 2023;49(2):e20220092.
2.            Freitas BC, Fonseca EP, Queluz DP. Judicialization of health in the public and private health systems: a systematic review [Article in Portuguese]. Interface (Botucatu). 2020;24:e190345. https://doi.org/10.1590/Interface.190345
3.            Tufik S, Santos-Silva R, Taddei JA, Bittencourt LR. Obstructive sleep apnea syndrome in the Sao Paulo Epidemiologic Sleep Study. Sleep Med. 2010;11(5):441-446. https://doi.org/10.1016/j.sleep.2009.10.005
4.            Lal C, Ayappa I, Ayas N, Beaudin AE, Hoyos C, Kushida CA, et al. The Link between Obstructive Sleep Apnea and Neurocognitive Impairment: An Official American Thoracic Society Workshop Report. Ann Am Thorac Soc. 2022;19(8):1245-1256. https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.202205-380ST
5.            O’Donnell C, O’Mahony AM, McNicholas WT, Ryan S. Cardiovascular manifestations in obstructive sleep apnea: current evidence and potential mechanisms. Pol Arch Intern Med. 2021;131(6):550-560. https://doi.org/10.20452/pamw.16041
6.            Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Fundação Oswaldo Cruz. Pesquisa Nacional de Saúde 2019. Brasília: IBGE; 2019.

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