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Editorial

O que aconteceu com as doenças respiratórias não SARS-CoV-2 durante a pandemia?

What happened to non-SARS-CoV-2 respiratory diseases during the pandemic?

Rosemeri Maurici1,2,3

DOI: 10.36416/1806-3756/e20230042

 
Os primeiros relatos de pneumonia de causa desconhecida associada a SARS e morte em Wuhan, China, em dezembro de 2019 não correspondiam ao que estava por vir. O surto local foi seguido por uma disseminação exponencial da doença. Quando a OMS declarou que a condição era uma pandemia em março de 2020, a doença já havia sido nomeada (COVID-19) e seu agente etiológico já era conhecido (SARS-CoV-2).
 
Hoje, aproximadamente 671 milhões de casos e 7 milhões de mortes após seu início, a COVID-19 ainda é considerada uma emergência de saúde global. No entanto, muito mudou na compreensão dos aspectos fisiopatológicos, manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento e prevenção da doença. Avanços imensuráveis têm sido alcançados no campo das vacinas, no desenvolvimento de tecnologia de testes moleculares e sorológicos e na avaliação do tratamento da doença, com vistas a mitigar seu impacto na vida das pessoas. Além desses aspectos, a pandemia da COVID-19 também impactou a dinâmica da atenção à saúde, desde a atenção primária até os níveis mais altos de complexidade. Serviços de emergência, internação e terapia intensiva foram criados e modificados diante da nova realidade.
 
Nesse sentido, foram divulgados dados estatísticos e epidemiológicos relativos ao número de casos de COVID-19, número de óbitos causados pela doença, médias móveis diárias, entre outros. Na verdade, mesmo durante a pandemia, outras doenças respiratórias não desapareceram, sendo inevitável a pergunta: o que aconteceu com essas doenças em termos da dinâmica de internações hospitalares?
 
O artigo de Resende de Albuquerque et al.(1) pretende responder a essa questão avaliando os indicadores de internações e óbitos relacionados a outras doenças respiratórias que não a COVID-19 durante os primeiros meses da pandemia no Brasil. Os autores observaram uma redução de 42% nas internações por essas condições, e, para as duas doenças respiratórias crônicas mais prevalentes, asma brônquica e DPOC, a redução nas taxas de internação foi de aproximadamente 46% e 45%, respectivamente. O segundo achado mais importante do estudo(1) refere-se ao fato de que, embora o número de internações tenha diminuído, a letalidade aumentou 60% quando comparada com o mesmo indicador no período anterior à pandemia.
 
Esses dados não se referem exclusivamente ao Brasil. Em um estudo na Dinamarca, Bodilsen et al.(2) observaram que as internações hospitalares para todos os grupos de doenças não COVID-19 diminuíram em comparação com períodos anteriores à pandemia e, além disso, as taxas de mortalidade foram maiores para condições como doenças crônicas doenças respiratórias, câncer, pneumonia e sepse, especialmente durante os períodos de lockdown. Domingo et al.(3) também observaram uma redução significativa nas internações hospitalares principalmente relacionadas a doenças respiratórias e cardiovasculares na Espanha.
 
Alguns fatores podem ser responsáveis pelo cenário descrito por Resende de Albuquerque et al.(1) Inicialmente, podemos citar as exacerbações de doenças respiratórias crônicas, notadamente a DPOC e a asma, cujos agentes infecciosos (principalmente os vírus) são os principais causadores. A implementação do distanciamento social, do uso de máscaras e da higienização das mãos com álcool em gel incorporada ao cotidiano das pessoas pode ter reduzido a exposição desses indivíduos à COVID-19 e a outros vírus respiratórios. Saeed et al.(4) acreditam que o distanciamento social foi um dos principais responsáveis por esse fenômeno.
 
A alta demanda de atendimento de pacientes com COVID-19, sobrecarregando tanto os serviços de emergência quanto os leitos hospitalares e causando o colapso dos sistemas de saúde em algumas situações, pode ter, por questões logísticas, priorizado a internação dos casos mais graves, o que impactou o aumento da letalidade de outras doenças respiratórias que não a COVID-19. Os próprios pacientes crônicos podem ter adiado a ida ao pronto-socorro por medo de contaminação por SARS-CoV-2, configurando um atraso no manejo farmacológico dessas condições e, consequentemente, maior gravidade na admissão. Ojetti et al.(5) destacam esse medo como uma das principais causas de demora na busca por atendimento e aumento da mortalidade.
 
Por fim, mas não menos importante, chamamos a atenção para o fato de que os indicadores de saúde e sua confiabilidade estão diretamente relacionados à qualidade dos registros, ou seja, à precisão das informações coletadas. Em cenários onde os sistemas de saúde estavam sobrecarregados, com um número de profissionais menor do que o ideal, além da impossibilidade de confirmação laboratorial de todos os casos, pode ter ocorrido um diagnóstico superestimado de COVID-19, interferindo na qualidade dos registros e levando à subnotificação de doenças respiratórias crônicas.
 
Séries temporais considerando diferentes momentos epidemiológicos e, principalmente, o efeito da vacinação para COVID-19, são desejáveis para que possamos melhorar a compreensão da dinâmica das infecções por SARS-CoV-2 e suas repercussões nos indicadores de doenças respiratórias crônicas, especialmente visando o apoio às políticas públicas de saúde.
 
Apoio financeiro: RMC é bolsista de Produtividade em Pesquisa 2 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Resende de Albuquerque DA, Tavares de Melo MD, Fagundes de Sousa TL, Normando PG, Fagundes JGM, Araujo-Filho JAB. Hospital admission and mortality rates for non-COVID-19 respiratory diseases in Brazil´s public health system during the covid-19 pandemic: a nationwide observational study. J Bras Pneumol. 2023;49(1):e20220093. https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20220093
2.            Bodilsen J, Nielsen PB, Sogaard M, Dalager-Petersen M, Speiser LOZ, Yndigegn T, et al. Hospital admission and mortality rates for non-covid diseases in Denmark during covid-19 pandemic: nationwide population based cohort study. BMJ. 2021;373:n1135. https://doi.org/10.1136/bmj.n1135
3.            Domingo L, Comas M, Jansana A, Louro J, Tizón-Marcos H, Cos ML, et al. Impact of COVID-19 on Hospital Admissions and Healthcare Quality Indicators in Non-COVID Patients: A Retrospective Study of the First COVID-19 Year in a University Hospital in Spain. J Clin Med. 2022;11(7):1752. https://doi.org/10.3390/jcm11071752
4.            Saeed MI, Sinvapalen P, Eklöf J, Ulrik CS, Browatzki A, Weinreich UM, et al. Social Distancing in Relation to Severe Exacerbations of Chronic Obstructive Pulmonary Disease: A Nationwide Semi-Experimental Study During the COVID-19 Pandemic. Am J Epidemiol. 2022;191(5):874-885. https://doi.org/10.1093/aje/kwab292
5.            Ojetti V, Covino M, Brigida M, Petruzziello C, Saviano A, Migneco A, et al. Non-COVID Diseases during the Pandemic: Where Have All Other Emergencies Gone?. Medicina (Kaunas). 2020;56(10):512. https://doi.org/10.3390/medicina56100512

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