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ISSN (on-line): 1806-3756

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Cartas ao Editor

Empiema tuberculoso: terapia intrapleural combinada pode ser uma alternativa.

Tuberculous empyema: combined intrapleural therapy might be an alternative

Philippe de Figueiredo Braga Colares1, Jennifer Kiara Delgado Rivas1, Amanda dos Santos Sciortino1, Roberta Karla Barbosa de Sales1, Lisete Ribeiro Teixeira1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220232

 
AO EDITOR,
 
O empiema tuberculoso (ET) é caracterizado pela presença de pus na cavidade pleural como consequência da infecção crônica ativa da pleura pelo Mycobacterium tuberculosis, resultando em influxo de neutrófilos e posterior desenvolvimento de derrame purulento, espessamento e, eventualmente, calcificação pleural. (1) No entanto, a fisiopatologia do ET ainda não foi completamente elucidada. Postula-se que a infecção da cavidade pleural por micobactérias possa ocorrer por diversos mecanismos, incluindo a progressão de derrames pleurais tuberculosos indevidamente tratados; disseminação direta da infecção a partir de um linfonodo torácico rompido, ruptura da cavidade pulmonar ou foco subdiafragmático; disseminação hematogênica de um foco distante; ou até mesmo contaminação da cavidade pleural após cirurgia pulmonar/pneumonectomia.(1,2)
 
O tratamento do acometimento pleural pela tuberculose é semelhante ao da doença pulmonar; entretanto, quando se trata de ET, não há recomendações extensivas na literatura para o manejo pleural, e as evidências do tratamento do empiema bacteriano geralmente são extrapoladas.(1) Apesar de ser a recomendação inicial, um terço dos pacientes com ET apresentam falhas na drenagem pleural.(2) Procedimentos invasivos, como toracotomia aberta com decorticação pleural e, mais recentemente, cirurgia torácica videoassistida (CTVA), podem ser necessários para resolver o processo infeccioso e prevenir a progressão para fibrotórax. Ainda assim, os riscos e custos não são desprezíveis.(3,4) Assim como no empiema bacteriano, o uso da terapia intrapleural combinada com fibrinolíticos e desoxirribonuclease (DNase), em sinergia com medicação oral, poderia fazer parte do arsenal terapêutico para pacientes com falha inicial da drenagem torácica.(5)
 
Um homem de 36 anos, sem comorbidades conhecidas e com história de febre e tosse produtiva há 12 meses, foi submetido a diversos tratamentos para pneumonia adquirida na comunidade, sem sucesso e com recorrência dos sintomas, associada a perda ponderal de 12 kg naquele período. Três amostras de escarro foram testadas para bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR), testes de amplificação de ácidos nucleicos (Xpert MTB/RIF Ultra) e culturas micobacterianas, e todos os resultados foram negativos. A radiografia de tórax inicial revelou uma opacidade no ápice esquerdo associada a derrame pleural ipsilateral moderado. Devido à alta prevalência de tuberculose pleural no Brasil, foi iniciado um esquema padrão com rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol (RIPE) por 2 meses, seguido de terapia de manutenção com RI. Quatro meses após o início do tratamento, apesar da resolução clínica da febre, o paciente mantinha emagrecimento, dispneia e hiporexia, além da persistência de derrame pleural esquerdo considerável. O paciente foi então encaminhado para um serviço terciário para investigação.
 
A ultrassonografia de tórax à beira do leito mostrou uma quantidade moderada de derrame pleural, com ecogenicidade homogênea, septações internas e ecos rodopiantes, além de espessamento pleural significativo (derrame pleural complexo). A tomografia computadorizada (TC) de tórax confirmou a presença de derrame pleural loculado moderado à esquerda associado a espessamento e realce pleural, além de micronódulos pulmonares centrolobulares bilaterais com aspecto de “árvore em brotamento”, que por vezes eram confluentes em áreas de consolidação pulmonar. A presença de fibroatelectasia do lobo superior esquerdo também foi observada. Foi realizada toracocentese diagnóstica, com drenagem de 60 mL de líquido purulento. A análise do líquido pleural mostrou um exsudato (critérios de Light) com pH 7,12, 4.774 U/L de desidrogenase lática, 5,8 mg/dL de proteína, 321 U/L de adenosina deaminase (ADA) e citologia de 115.200 células, 98% das quais eram leucócitos (100% polimorfonucleares). Além disso, o ensaio Xpert MTB/RIF Ultra foi positivo. Foi indicada drenagem torácica com um dreno de pequeno calibre (14F), do tipo pigtail, com débito imediato de 200 mL de líquido purulento, apesar de redução significativa do débito no segundo dia e persistência de derrame pleural na radiografia de controle. O paciente recebeu terapia intrapleural com 10 mg de ativador de plasminogênio tecidual (Actilyse®) e 5 mg de DNase (Pulmozyme®), injetados pelo dreno torácico, associada a lavagem pleural com 250 mL de soro fisiológico a 0,9%, por 3 dias. O paciente evoluiu com um aumento significativo do débito pleural (1.130 mL em 5 dias) e rápida melhora clínica e radiológica, sem complicações associadas à terapia local. O dreno torácico foi retirado após o quinto dia de tratamento e o paciente recebeu alta após 7 dias de internação, sem necessidade de intervenções adicionais, com manutenção da terapia oral (RI).
 
Embora sua fisiopatologia não seja bem compreendida, o ET é uma condição grave que, além da alta mortalidade, pode resultar em graves sequelas pleurais.(1,2) Apesar de sua alta eficácia no tratamento da tuberculose pleural, a terapia medicamentosa (RIPE) pode ser insuficiente para o manejo do ET. Estudos recentes confirmaram a eficácia da CTVA como opção terapêutica em casos de falha da drenagem torácica;(1,2) entretanto, tal terapia é reservada para pacientes com baixo risco cirúrgico, além de ser uma opção inacessível e onerosa para a grande maioria da população brasileira.(2,4) Embora bem estabelecido para o manejo do derrame pleural infectado (parapneumônico),(3-7) poucos estudos avaliaram a eficácia da terapia intrapleural para pacientes com diagnóstico de ET, seja com fibrinólise isoladamente ou em associação com DNase, limitados a poucas séries de casos.(5)
 
Aqui, relatamos o caso de um paciente diagnosticado com ET com sintomas persistentes e derrame pleural, apesar do Tratamento Diretamente Observado (TDO). Como primeiro passo, foi indicada a inserção de um dreno torácico, mas foi insuficiente para a resolução completa do quadro. Neste caso, alguns procedimentos cirúrgicos, como CTVA, podem ser necessários para resolver essa infecção pleural. No entanto, a terapia intrapleural adjuvante com alteplase e DNase por 3 dias resultou em melhora clínica, laboratorial e radiológica, associada a uma curta permanência hospitalar, sem necessidade de procedimentos cirúrgicos mais invasivos e sem efeitos adversos
 
Não há consenso sobre a dose intrapleural a ser utilizada.(3,6) Portanto, estudos maiores precisam ser realizados para avaliar a eficácia e segurança do uso intrapleural da alteplase-DNase em ET como terapia alternativa às intervenções cirúrgicas.
 

 

 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
PFBC: delineamento do estudo, coleta de dados, redação e revisão do manuscrito. JKDR e ASS: coleta de dados e redação do manuscrito. RKBS e LRT: delineamento do estudo e revisão do manuscrito.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Shaw JA, Diacon AH, Koegelenberg CFN. Tuberculous pleural effusion. Respirology. 2019 Oct;24(10):962-971. https://doi.org/10.1111/resp.13673.
2.            Wen P, Wei M, Han C, He Y, Wang MS. Risk factors for tuberculous empyema in pleural tuberculosis patients. Sci Rep. 2019 Dec 20;9(1):19569. https://doi.org/10.1038/s41598-019-56140-4.
3.            Rahman NM, Maskell NA, West A, Teoh R, Arnold A, Mackinlay C, et al. Intrapleural use of tissue plasminogen activator and DNase in pleural infection. N Engl J Med. 2011 Aug 11;365(6):518-26. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1012740.
4.            Luengo-Fernandez R, Penz E, Dobson M, Psallidas I, Nunn AJ, Maskell NA, et al. Cost-effectiveness of intrapleural use of tissue plasminogen activator and DNase in pleural infection: evidence from the MIST2 randomised controlled trial. Eur Respir J. 2019 Aug 1;54(2):1801550. https://doi.org/10.1183/13993003.01550-2018.
5.            Cheong XK, Abdul Hamid MF. Intrapleural alteplase and DNase for complex tuberculous pleurisy: a medical approach. Respirol Case Rep. 2021 Jan 3;9(2):e00706. https://doi.org/10.1002/rcr2.706. eCollection 2021 Feb.
6.            Faisal M, Farhan R, Cheong XK, Ng BH, Nuratiqah N, Andrea YI B. Short-course modified regimen intrapleural alteplase and pulmozyme (DNase) in pleural infection. Respir Med Case Rep. 2020 Jul 17;31:101168. https://doi.org/10.1016/j.rmcr.2020.101168.
7.            Altmann ES, Crossingham I, Wilson S, Davies HR. Intra-pleural fibrinolytic therapy versus placebo, or a different fibrinolytic agent, in the treatment of adult parapneumonic effusions and empyema. Cochrane Database Syst Rev. 2019 Oct 30;2019(10):CD002312. https://doi.org/10.1002/14651858.CD002312.pub4.

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