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Cartas ao Editor

Lactato no líquido pleural: uma ferramenta diagnóstica no manejo do derrame pleural?

Pleural fluid lactate: a diagnostic tool in pleural effusion management?

Sónia Silva Guerra1, Rita Ferro1, Tito Abrantes1, Carla António1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220350

 
AO EDITOR,
 
O derrame pleural maligno (DPM) é um quadro comum, cuja definição é o acúmulo de exsudato no espaço pleural na presença de evidências citológicas ou histológicas de células tumorais, representando um estágio avançado. A incidência de DPM está aumentando, juntamente com o aumento da incidência global de câncer e a melhora na sobrevida global.(1,2)
 
O derrame pleural infeccioso (DPI) também é um problema clínico comum, uma vez que até 57% dos pacientes com pneumonia apresentam derrame pleural (DP). É um processo progressivo que se inicia como derrame pleural parapneumônico (DPP) simples e avança para coleção fibrinopurulenta (DPP complicado), culminando em DP purulento (empiema).(3) A incidência de tuberculose em Portugal permanece alta, sendo o derrame pleural tuberculoso (DPTB) e a linfadenite as manifestações extrapulmonares mais comuns, que resultam em DP exsudativo.(4,5)
 
Na presença de novo DP, deve-se inicialmente realizar a toracocentese diagnóstica. Na gasometria arterial realizada à beira do leito, atualmente é possível medir o pH, a glicose e o hematócrito. Na maioria dos casos, pode-se também medir o lactato automaticamente. O lactato é um produto da via metabólica da glicólise anaeróbica, via desidrogenase lática.(6) O metabolismo bacteriano aumenta em casos de DPI, resultando em elevação do lactato pleural. Em casos de DPM, a evolução é tipicamente crônica, potencializando níveis mais baixos de lactato.(4) Em virtude dessas diferenças quanto ao lactato no DP, aventamos a hipótese de que o lactato no DPM seria mais baixo do que o observado em casos de DPI, as duas etiologias mais comumente observadas em nosso meio.
 
Nosso objetivo foi (1) descrever os níveis de lactato em diferentes etiologias de DP, (2) comparar os níveis de lactato no DPI e DPM, e (3) determinar um ponto de corte para o lactato no DP para distinguir DPI de DPM.
 
Este estudo incluiu prospectivamente todos os pacientes que foram submetidos a toracocentese diagnóstica em nosso serviço de pneumologia, no município de Viseu, em Portugal, entre novembro de 2019 e novembro de 2020. Foram excluídos os pacientes com DP de etiologia conhecida, já em tratamento ou submetidos a toracocentese evacuadora. Nosso protocolo padrão para a análise do DP inclui a avaliação de glicose, pH, desidrogenase lática e proteínas, além de citologia e culturas microbiológicas. A glicose, o pH e o hematócrito foram medidos por meio de um analisador de gases sanguíneos (GEM Premier 3500; Werfen, Bedford, MA, EUA), que também fornece automaticamente os níveis de lactato (intervalo: 0-15 mmol/L). O protocolo do estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa de nossa instituição (Protocolo n. 03/21/10/2019).
 
Os critérios de Light foram usados para diferenciar o DP transudativo do exsudativo.(7) O DPI inclui todos os casos de DPP, empiema e DPTB. Pacientes com DP e pneumonia foram classificados em DPP (incluindo DPP complicado) e empiema (na presença de líquido pleural purulento ou culturas positivas). A definição de DPTB foi cultura positiva para Mycobacterium tuberculosis ou resultado positivo para seu DNA (GeneXpert) no DP e biópsia pleural com granuloma caseoso, ou tuberculose pulmonar confirmada, sem outra causa alternativa. A definição de DPM foi resultado citológico ou histológico positivo para células malignas no DP ou DP exsudativo em paciente com tumor sabidamente avançado, sem nenhuma causa alternativa óbvia (DP paramaligno). A análise estatística foi realizada por meio do programa IBM SPSS Statistics, versão 28.0.0.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). Todos os dados foram expressos em forma de média ± dp ou mediana [IIQ].
 
Dos 129 pacientes avaliados em virtude de DP, 17 foram excluídos com base nos critérios de exclusão. Portanto, 112 pacientes foram incluídos. A maioria era do sexo masculino (65,2%), com mediana de idade de 73 anos [64-81 anos]. O DP exsudativo correspondeu a 82,1% dos casos (n = 92): DPM, em 41 casos; DPP, em 15; empiema, em 7; DPTB, em 7; outras causas, em 22 (insuficiência cardíaca, doença hepática crônica, doença renal crônica e tromboembolismo pulmonar). A Tabela 1 apresenta as características dos pacientes, as características do líquido pleural conforme o tipo de DP e os níveis de lactato.

 

 

 
Os níveis de lactato no líquido pleural foram significativamente mais altos no grupo exsudato que no grupo transudato (p < 0,001). No que tange ao grupo exsudato, os pacientes com DPM apresentaram níveis de lactato significativamente mais baixos do que aqueles com DPI: DPP (p = 0,030), DPTB (p = 0,032) e empiema (p < 0,001). Dos 41 pacientes com DPM, 56,1% apresentaram resultados citológicos positivos. Não foram observadas diferenças estatísticas entre DP paramaligno e maligno quanto aos níveis de lactato (p = 0,121). Por outro lado, os pacientes com DP exsudativo por outras causas apresentaram mediana de lactato significativamente menor do que aqueles com DPM (p = 0,007).
 
A análise da curva ROC foi usada para determinar o ponto de corte ideal para o lactato no líquido pleural para diferenciar DPI de DPM. O nível de lactato ≥ 6,4 mmol/L apresentou especificidade de 83% e sensibilidade de 55% para prever DPI. A ASC foi de 0,753 (IC95%: 0,636-0,870; p < 0,001).
 
Este estudo demonstrou os níveis de lactato em diversos tipos de DP em uma coorte de pacientes com DP de etiologia desconhecida. Para obter os níveis de lactato, empregamos um exame à beira do leito usado em nosso serviço para medir glicose, pH e hematócrito. Em nosso estudo, as formas mais comuns de DP eram de origem infecciosa ou maligna. A mediana dos níveis de lactato foi significativamente maior no DPI que no DPM, o que pode ser explicado pela alta atividade metabólica das células durante a infecção pleural, acompanhada de produção de ácido lático pelo metabolismo bacteriano. Caso contrário, o DPM representa inflamação crônica com menor produção celular de lactato. Como em outros estudos, os casos de DP transudativo apresentaram os menores níveis de lactato, suportados pela fisiopatologia subjacente, sem doença pleural ou inflamação mínima.(4)
 
Demonstramos que o lactato ≥ 6,4 mmol/L é um ponto de corte que pode ajudar os clínicos a diferenciar DPI de DPM e até a decidir se a antibioticoterapia deve ser iniciada mesmo que não haja indicação óbvia ou se a drenagem torácica deve ser realizada em casos de DPP complicado e empiema. Se os níveis de lactato forem < 6,4 mmol/L, deve-se suspeitar de outras etiologias (doença maligna, por exemplo), e outros exames (citologia, biópsia pleural e toracoscopia, por exemplo) devem ser realizados.
 
Este estudo tem algumas limitações. Em primeiro lugar, apesar da natureza prospectiva do estudo, a amostra foi pequena. Em segundo lugar, como outras causas exsudativas menos comuns não foram investigadas, é possível que tenha ocorrido algum tipo de viés.
 
Em suma, a avaliação à beira do leito rápida dos níveis de lactato em pacientes com DP pode ser uma ferramenta diagnóstica para diferenciar infecção de outras causas, particularmente doença maligna. Portanto, pode ter impacto no manejo de um novo DP, especialmente após uma primeira toracocentese.
 
Contribuições dos autores
 
SSG: concepção do estudo, coleta de dados, análise estatística e redação do manuscrito. RF: coleta de dados, análise estatística e redação do manuscrito. TA e CA: revisão do manuscrito. Todos os autores leram e aprovaram a versão final.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Psallidas I, Kalomenidis I, Porcel JM, Robinson BW, Stathopoulos GT. Malignant pleural effusion: from bench to bedside [published correction appears in Eur Respir Rev. 2016 Sep;25(141):360] [published correction appears in Eur Respir Rev. 2016 Sep;25(141):360]. Eur Respir Rev. 2016;25(140):189-198. https://doi.org/10.1183/16000617.0019-2016
2.            Bibby AC, Dorn P, Psallidas I, Porcel JM, Janssen J, Froudarakis M, et al. ERS/EACTS statement on the management of malignant pleural effusions. Eur Respir J. 2018;52(1):1800349. https://doi.org/10.1183/13993003.00349-2018
3.            Davies HE, Davies RJ, Davies CW; BTS Pleural Disease Guideline Group. Management of pleural infection in adults: British Thoracic Society Pleural Disease Guideline 2010. Thorax. 2010;65 Suppl 2:ii41-ii53. https://doi.org/10.1136/thx.2010.137000
4.            Kho SS, Chan SK, Yong MC, Cheah HM, Lee YG, Tie ST. Pleural fluid lactate as a point-of-care adjunct diagnostic aid to distinguish tuberculous and complicated parapneumonic pleural effusions during initial thoracentesis: Potential use in a tuberculosis endemic setting. Respir Investig. 2020;58(5):367-375. https://doi.org/10.1016/j.resinv.2020.01.004
5.            European Centre for Disease Prevention and Control. WHO Regional Office for Europe. Tuberculosis surveillance and monitoring in Europe 2021 - 2019 data. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2021.
6.            Gupta GS. The Lactate and the Lactate Dehydrogenase in Inflammatory Diseases and Major Risk Factors in COVID-19 Patients. Inflammation. 2022;1-33. https://doi.org/10.1007/s10753-022-01680-7
7.            Light RW. The Light criteria: the beginning and why they are useful 40 years later. Clin Chest Med. 2013;34(1):21-26. https://doi.org/10.1016/j.ccm.2012.11.006

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