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ISSN (on-line): 1806-3756

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Comunicação Breve

Persistência de sintomas e retorno ao trabalho após hospitalização por COVID-19

Persistence of symptoms and return to work after hospitalization for COVID-19

Helena Moraes Jardim de Azevedo1,2, Nataly Winni Fernandes dos Santos1,3, Mariana Lima Lafetá3, André Luis Pereira de Albuquerque4, Suzana Erico Tanni5, Priscila Abreu Sperandio3, Eloara Vieira Machado Ferreira3

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220194

ABSTRACT

Many patients hospitalized with COVID-19 were unable to return to work or their return was delayed due to their health condition. The aim of this observational study was to evaluate the impact of moderate-to-severe and critical COVID-19 infection on persistence of symptoms and return to work after hospital discharge. In this study, two thirds of hospitalized patients with pulmonary involvement reported persistence of symptoms six months after COVID-19 infection, such as memory loss (45.5%), myalgia (43.9%), fatigue (39.4%), and dyspnea (25.8%), and 50% slowly returned to work, with repercussions due to fatigue and/or loss of energy.

Keywords: COVID-19/complications; COVID-19/rehabilitation; Return to work; Hospitalization; Survivors.

RESUMO

Muitos pacientes hospitalizados com COVID-19 não puderam retornar ao trabalho ou seu retorno foi atrasado devido ao seu estado de saúde. O objetivo deste estudo observacional foi avaliar o impacto da infecção moderada a grave ou crítica por COVID-19 na persistência dos sintomas e no retorno ao trabalho após a alta hospitalar. Neste estudo, dois terços dos pacientes hospitalizados com acometimento pulmonar relataram persistência dos sintomas seis meses após a infecção por COVID-19, como perda de memória (45,5%), mialgia (43,9%), fadiga (39,4%) e dispneia (25,8%), e 50% retornaram lentamente ao trabalho, com repercussões devido à fadiga e/ou perda de energia.

Palavras-chave: COVID-19/complicações; COVID-19/reabilitação; Retorno ao trabalho; Hospitalização; Sobreviventes.

 
A doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) foi declarada como pandemia pela OMS em março de 2020. Desde então, a doença já deixou milhões de vítimas em todo o mundo, contabilizando mais de 500 milhões de casos confirmados e uma letalidade em torno de 2% no período 2020-2021 e de 1,2% em 2022.(1) Houve uma redução significativa no número de casos graves e óbitos após o início da vacinação; no entanto, os sobreviventes da COVID-19 podem apresentar por muito tempo sintomas persistentes relacionados a sequelas cardiopulmonares, neurológicas, psicológicas, entre outras.(2) A definição dessa condição ainda é incerta, mas a persistência dos sintomas por um tempo maior que 12 semanas após a infecção aguda tem sido denominada síndrome pós-COVID (ou COVID longa) e tem importante impacto na qualidade de vida e no estado de saúde,(3-5) podendo influenciar negativamente as atividades da vida diária e o retorno ao trabalho, com consequências para a saúde mental desses pacientes. Estudos mostraram que muitos pacientes não conseguiram retornar total ou parcialmente ao trabalho ou seu retorno foi atrasado devido à sua condição de saúde. (4-7) O objetivo deste estudo observacional foi avaliar o impacto da COVID-19 moderada a grave ou crítica, com base na classificação de gravidade da OMS, em relação aos sintomas relacionados às sequelas e ao retorno ao trabalho após seis meses, bem como avaliar se os sobreviventes realizaram alguma atividade física após a alta hospitalar, entre a primeira e a segunda onda da pandemia no Brasil.
 
Noventa e seis pacientes incluídos no estudo FENIX (ReBec no. RBR-8j9kqy) encaminhados ao ambulatório pós-COVID da Divisão Respiratória da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, localizada na cidade de São Paulo (SP), após terem sido internados no Hospital São Paulo (o hospital da Universidade) com COVID-19 entre maio de 2020 e maio de 2021, com RT-PCR positivo, comprometimento pulmonar confirmado em TC de tórax e necessidade de suplementação de oxigênio, foram convidados a participar do estudo. Esses pacientes foram avaliados periodicamente no ambulatório, da seguinte forma: 15 dias após a alta e 3-6 meses após o início dos sintomas de COVID-19. Após esse período, os pacientes foram contatados por telefone 6-9 meses após a internação e responderam a perguntas de um questionário padronizado elaborado pelos pesquisadores para avaliar a persistência dos sintomas, tempo de resolução dos sintomas, retorno ao trabalho e presença de perda de energia ou fadiga durante o trabalho. Os pacientes também foram questionados se realizaram alguma atividade física após a alta (reabilitação ambulatorial, reabilitação domiciliar ou atividade física independente). Os dados foram coletados entre os meses de outubro e novembro de 2021. Dos 96 pacientes contatados por telefone, 71 responderam ao questionário.
 
Na amostra de 71 pacientes, 62% eram do sexo masculino, com média de idade de 52 anos. Os pacientes apresentavam duas ou mais comorbidades e/ou fatores de risco, principalmente hipertensão arterial sistêmica (52%), ex-tabagismo (34%), obesidade (27%) e diabetes mellitus (26%). Mais da metade dos pacientes foram internados na UTI. Antes da internação, a maioria tinha um emprego/ocupação (Tabela 1).
 

 

 
Na primeira consulta ambulatorial após a alta hospitalar, 70% dos pacientes relataram sintomas, principalmente dispneia, mialgia e tosse (Tabela 1). Na avaliação realizada por questionário, a maioria dos pacientes ainda apresentava sintomas, notadamente perda de memória, mialgia, fadiga e dispneia. Entre os pacientes assintomáticos, 35% se recuperaram em três meses. Em relação ao trabalho, 96,3% dos pacientes relataram que haviam retornado ao trabalho quando foram entrevistados, sendo que metade deles retornou ao trabalho nos primeiros 30 dias. Entre esses pacientes, a maioria relatou sentir “menos energia” ou cansaço durante a jornada de trabalho (Tabela 2).
 

 

 
Na primeira consulta, os pacientes que relataram não realizar reabilitação foram encaminhados a um centro de reabilitação ou orientados a realizar atividade física. A maioria dos pacientes (54/71) realizava algum tipo de atividade física após a alta e continuava a fazê-lo (em média, 2-3 vezes por semana) mesmo no momento da entrevista (Tabela 2). Entre os pacientes assintomáticos, 90% realizaram algum tipo de atividade física em comparação com 45% dos pacientes que apresentavam sintomas persistentes.
 
Em nosso estudo, dois terços dos pacientes internados com acometimento pulmonar relataram persistência dos sintomas na entrevista telefônica, e o retorno ao trabalho foi lento em 50% dos pacientes (mais de 30 dias após a alta) com sintomas como sensação de “perda de energia” e/ou fadiga, ou outras queixas ao longo da jornada de trabalho. Os principais sintomas relatados por nossos pacientes foram semelhantes aos descritos na literatura.(5-7) Embora a síndrome pós-COVID ainda não seja totalmente compreendida, o desenvolvimento de COVID longa não tem relação linear com a gravidade da doença durante a internação ou com a população idosa; ela pode afetar diferentes faixas etárias e até mesmo pessoas que tiveram COVID-19 leve e continuar por semanas ou anos.(4,6,8,9)
Em relação à proporção de sobreviventes após hospitalização com pelo menos um sintoma pós-COVID-19, houve uma redução significativa ao longo do tempo: 68% em 6 meses e 49% em 12 meses (p < 0,0001).(10) No entanto, apesar da melhora, ainda há uma alta taxa de persistência dos sintomas em longo prazo, sendo fadiga e fraqueza muscular os mais frequentes. Vale ressaltar que em nosso estudo a dispneia foi o sintoma mais prevalente (53,5%) após a alta, e poucos pacientes relataram a presença de fadiga (5,6%). Na entrevista por telefone, 50,9% dos pacientes relataram cansaço, mas as queixas de dispneia diminuíram para 33,3%. Isso pode ser devido à melhora das sequelas pulmonares, com recuperação da função pulmonar (melhora da dispneia); no entanto, um aumento progressivo na realização das atividades de vida diária pode ter levado a uma maior percepção de fadiga quando comparado com o período imediatamente após a alta.
 
Em relação aos pacientes com emprego/ocupação, 96,3% relataram ter retornado ao trabalho na entrevista por telefone e 53,8% o fizeram em até 30 dias. No entanto, apesar do retorno ao trabalho, a maioria dos pacientes relatou perda de energia e/ou fadiga durante a jornada de trabalho. Em um estudo que avaliou sobreviventes de COVID-19 três meses após a alta hospitalar, apenas 1 em cada 3 pacientes havia retornado ao trabalho completamente, mais de um terço dos pacientes (34%) relataram ter dificuldades em realizar atividades básicas da vida diária, e a maioria necessitava de fisioterapia, terapia ocupacional ou reabilitação cerebral.(7) Essa diferença na proporção de pessoas que retornaram ao trabalho nos primeiros 30 dias pode ser decorrente do perfil da população incluída naquele estudo.(7) É importante considerar que os pacientes do nosso estudo eram oriundos do sistema público de saúde, que, em geral, possui uma renda mensal inferior quando comparados aos que têm acesso ao sistema privado de saúde. Esse fato pode ter influenciado no tempo de retorno ao trabalho mesmo com a persistência dos sintomas. Em um estudo envolvendo uma coorte de sobreviventes de COVID-19 na China, 88% retornaram ao trabalho na visita de acompanhamento de 12 meses; no entanto, 24% não conseguiram retornar ao mesmo nível de trabalho anterior à COVID-19.(10) Sintomas persistentes após o retorno ao trabalho podem resultar em redução do bem-estar geral, dificuldade em realizar tarefas anteriormente realizadas, perda de concentração e perda de desempenho no trabalho, além dos impactos econômicos e sociais, que têm sido objeto de estudos observacionais em andamento.(11) Ao se avaliar o impacto global da COVID-19 na expectativa de vida, medida em disability-adjusted life-years (anos de vida perdidos e anos de vida perdidos ajustados por invalidez), as perdas econômicas por ano de vida mostraram-se maiores na América do Sul do que na América do Norte.(12)
 
Já está bem estabelecido que a reabilitação acelera a recuperação de pacientes hospitalizados após COVID-19. Setenta e sete por cento dos pacientes incluídos realizavam algum tipo de atividade física e mantiveram os treinos por uma média de pelo menos três meses após a alta, sendo que a maioria realizava exercícios fora de um centro de reabilitação. Entre os pacientes que permaneceram assintomáticos, a maioria realizou alguma atividade física após a alta em comparação com o grupo sintomático. Um estudo de acompanhamento de 299 pacientes internados entre março e maio de 2020 mostrou que apenas 31% foram encaminhados para reabilitação.(13) Isso pode ter ocorrido devido à disponibilidade limitada de centros de reabilitação durante a primeira onda e à falta de implementação, naquele momento, de cuidados de reabilitação domiciliar e/ou telerreabilitação através do recrutamento de prestadores de cuidados de saúde na atenção de saúde dos pacientes. Entre os pacientes que foram encaminhados para reabilitação, houve melhora na qualidade de vida, avaliada com o Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey, quando comparados com os pacientes que não foram submetidos à reabilitação.(13) O objetivo da reabilitação pós-COVID é melhorar os sintomas prolongados e recuperar a funcionalidade, evitando complicações associadas à doença através da prescrição de treino físico individualizado. Intervenções precoces têm sido relacionadas à melhora na recuperação da doença e qualidade de vida.(14) A reabilitação domiciliar amplia o número de pacientes que podem ser tratados após a alta hospitalar e, de acordo com as evidências encontradas até o momento, a melhora de sintomas persistentes como fadiga e dispneia pode influenciar diretamente no retorno às atividades.(15)
 
Como limitações do estudo, podemos citar o pequeno tamanho da amostra e o desenho observacional do seguimento. A indicação de reabilitação ficou a critério da equipe de saúde do paciente. Além disso, não foram coletados detalhes sobre o trabalho/ocupação dos pacientes ou seu nível socioeconômico para avaliar o impacto das restrições após o retorno ao trabalho e/ou absenteísmo relacionado à presença de sintomas persistentes.
 
Em resumo, após a alta hospitalar de pacientes com COVID-19 moderada a grave ou crítica, embora a maioria dos pacientes tenha retornado ao trabalho, aproximadamente 70% ainda apresentavam sintomas relacionados à COVID-19 longa entre seis e nove meses após a infecção, o que poderia impactar seu desempenho no trabalho diário. Mais da metade dos pacientes realizava algum tipo de atividade física. Estudos futuros são necessários para avaliar o real impacto da persistência dos sintomas, da reabilitação e do retorno irrestrito ao trabalho.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
Todos os autores contribuíram em todas as etapas deste estudo, incluindo na concepção e desenho do estudo, na aquisição, análise e interpretação dos dados, na redação e revisão do manuscrito e na aprovação da versão final do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
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