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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Aspectos clínicos, laboratoriais e radiográficos de pacientes com tuberculose pulmonar e disglicemia e desfechos do tratamento da tuberculose

Clinical, laboratory, and radiographic aspects of patients with pulmonary tuberculosis and dysglycemia and tuberculosis treatment outcomes

André Luiz Bezerra1, Adriana da Silva Rezende Moreira1, Lorrayne Isidoro-Gonçalves2, Carla F. dos Santos Lara1,3, Gustavo Amorim4, Elisangela C. Silva1,5,6,7, Afrânio Lineu Kritski1, Anna Cristina C. Carvalho1,2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210505

ABSTRACT

Objective: To analyze the association of dysglycemia with clinical, laboratory, and radiographic characteristics of patients with pulmonary tuberculosis (PTB), as well as with their tuberculo-sis treatment outcomes. Methods: This was a longitudinal study involving 140 patients diag-nosed with PTB (positive cultures for Mycobacterium tuberculosis or positive Xpert MTB/RIF results from sputum samples). Patients were evaluated at diagnosis (M0), after completing the second month of treatment (M2), and at the end of treatment (MEND). At M0, the pati-ents were classified into three groups: normoglycemia+PTB (NGTB); pre-diabetes melli-tus+PTB (PDMTB), and diabetes mellitus+PTB (DMTB), in accordance with glycated hemoglo-bin levels (< 5.7%, 5.7%-6.4%, and = 6.5%, respectively). Treatment outcomes were classified as favorable (cure or treatment completion) and unfavorable (death, loss to follow-up, or treatment failure). Results: In our sample, 76 patients (61.4%) had dysglycemia, 20 of whom (14.3%) had DM at M0. The patients with dysglycemia, in comparison with those in the NGTB group, more frequently presented with positive sputum smear microscopy (94.2% vs. 75.9%; p = 0.003); cavities (80.2% vs. 63.0%; p = 0.03); bilateral lesions (67.4% vs. 46.0%; p = 0.02); and higher median of affected thirds of the lungs (3.0 vs. 2.0; p = 0.03) on chest radiography. No significant differences regarding outcomes were found among the groups, but tuberculosis lethality was higher in the DMTB group than in the PDMTB and NGTB groups (20% vs. 2.2%). Conclusions: PTB patients with dysglycemia had laboratory and radiographic manifestations indicative of more advanced disease, and the risk of death was higher in the DMTB group. These findings reinforce the recommendation for early screening for DM in patients with newly diagnosed tuberculosis in order to reduce the risk of death during treatment.

Keywords: Tuberculosis/diagnosis; Tuberculosis/diagnostic imaging; Tuberculosis/therapy; Diabetes mellitus; Treatment outcome.

RESUMO

Objetivo: Analisar a associação de disglicemia e características clínicas, laboratoriais e radio-gráficas em pacientes com tuberculose pulmonar (TBP), bem como a associação de disglice-mia e desfechos do tratamento da tuberculose. Métodos: Estudo longitudinal com 140 paci-entes com diagnóstico de TBP (culturas de escarro positivas para Mycobacterium tuberculosis ou resultados positivos do teste Xpert MTB/RIF em amostras de escarro). Os pacientes foram avaliados no momento do diagnóstico (M0), após dois meses de tratamento (M2) e no fim do tratamento (MFIM). Em M0, os pacientes foram divididos em três grupos: normoglicemi-a+TBP (NGTB); pré-diabetes mellitus+TBP (PDMTB) e diabetes mellitus+TBP (DMTB), de a-cordo com os níveis de hemoglobina glicada (< 5,7%, 5,7%-6,4% e ≥ 6,5%, respectivamente). Os desfechos do tratamento foram classificados em favoráveis (cura ou conclusão do trata-mento) e desfavoráveis (óbito, perda de seguimento ou falência do tratamento). Resultados: Em nossa amostra, 76 pacientes (61,4%) apresentavam disglicemia, 20 (14,3%) dos quais a-presentavam DM em M0. Os pacientes com disglicemia, em comparação com os do grupo NGTB, apresentaram mais frequentemente baciloscopia de escarro positiva (94,2% vs. 75,9%; p = 0,003); cavidades (80,2% vs. 63,0%; p = 0,03); lesões bilaterais (67,4% vs. 46,0%; p = 0,02) e maior mediana de terços pulmonares acometidos (3,0 vs. 2,0; p = 0,03) na radiografia de tó-rax. Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos quanto aos desfechos, mas a letalidade da tuberculose foi maior no grupo DMTB do que nos grupos PDMTB e NGTB (20% vs. 2,2%). Conclusões: Pacientes com TBP e disglicemia apresentaram manifestações laboratoriais e radiográficas indicativas de doença mais avançada, e o risco de óbito foi maior no grupo DMTB. Esses achados reforçam a recomendação de detecção precoce de DM em pacientes com tuberculose recém-diagnosticada, a fim de reduzir o risco de óbito durante o tratamento.

Palavras-chave: Tuberculose/diagnóstico; Tuberculose/diagnóstico por imagem; Tuberculose/terapia; Diabetes mellitus; Resultado do tratamento.

 
INTRODUÇÃO
 
Nos últimos anos, a associação de diabetes mellitus (DM) e tuberculose (DMTB) tem sido reconhecida como um importante problema de saúde pública. O DM aumenta em 2-3 vezes o risco de tuberculose ativa, e os desfechos do tratamento da tuberculose são frequentemente mais desfavoráveis em pacientes com DMTB do que em pacientes com tuberculose sem DM.(1-3) Pacientes com DM apresentam alteração da resposta imune inata e adaptativa ao Mycobacterium tuberculosis, o que aumenta o risco de infecção primária ou reativação da infecção tuberculosa.(4) A resposta hiperinflamatória do hospedeiro na tuberculose pode causar hiperglicemia, dificultar o manejo clínico de pacientes com DM e fazer com que o DM se desenvolva em pacientes com pré-DM.(5)
 
O progresso rumo à eliminação da tuberculose foi recentemente afetado pela pandemia de COVID-19, que reduziu o acesso aos serviços de tuberculose, levando a uma queda de 18% no número de novos casos de tuberculose diagnosticados de tuberculose e a um aumento do número de mortes causadas pela doença. Esses números podem ser ainda mais prejudicados pelo rápido aumento do DM nos últimos anos, particularmente em países de baixa e média renda.(6) Em países nos quais a carga de tuberculose é alta, ainda há poucos estudos prospectivos avaliando o papel da disglicemia (DM e pré-DM) na apresentação clínica da tuberculose e na resposta ao tratamento da doença em condições de rotina.(7,8) Dados sobre DMTB fornecidos pelo Ministério da Saúde do Brasil(9) e baseados em casos de tuberculose notificados ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação mostram que, entre 2019 e 2021, 10% dos pacientes com tuberculose relataram que eram diabéticos.
 
No presente estudo, nosso objetivo foi descrever as características clínicas, laboratoriais e radiográficas de pacientes com tuberculose pulmonar (TBP) com e sem disglicemia, bem como analisar a relação entre essas características e os desfechos do tratamento da tuberculose.
 
MÉTODOS
 
Entre setembro de 2016 e novembro de 2020, realizamos um estudo longitudinal com pacientes com TBP atendidos no Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias (RJ).
 
Uma amostra consecutiva de conveniência composta por indivíduos que procuraram o centro com histórico de no mínimo duas semanas de tosse foi avaliada por meio de um escore clínico(10) baseado em sinais e sintomas respiratórios de tuberculose. A probabilidade de TBP nos pacientes cuja pontuação foi ≥ 5 era média/alta e, portanto, foram convidados a participar do estudo. (10) Foram incluídos no estudo os pacientes com idade ≥ 18 anos que concordaram em ser entrevistados e se submeter a medidas antropométricas, radiografia de tórax (RXT) e coleta de amostras clínicas. Foram considerados pacientes com TBP os participantes que apresentaram cultura de escarro com resultado positivo para M. tuberculosis e/ou teste Xpert MTB/RIF (GeneXpert; Cepheid, Sunnyvale, CA, EUA) com resultado positivo em amostras de escarro. Com base na hemoglobina glicada (HbA1c), os pacientes com tuberculose foram divididos em três grupos: o grupo normoglicêmico (NGTB; HbA1c < 5,7%); o grupo pré-diabético (PDMTB; 5,7% ≤ HbA1c ≤ 6,4%) e o grupo diabético (DMTB; HbA1c ≥ 6,5%).(11-13) Todos os testes de HbA1c foram realizados em um laboratório credenciado (Laboratório de Análises Clínicas da Unigranrio) em Duque de Caxias.
 
Após a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido, os pacientes foram avaliados no momento do diagnóstico de tuberculose ou durante a primeira semana de tratamento (M0), após dois meses de tratamento (M2) e no fim do tratamento (MFIM).
Durante as consultas, os pacientes foram submetidos a medidas antropométricas (peso e estatura), exames de escarro [baciloscopia de escarro, teste Xpert MTB/RIF, cultura para M. tuberculosis, teste de sensibilidade a medicamentos de primeira linha (BACTEC MGIT 960 SIRE; Becton Dickinson, Sparks, MD, EUA)], exames de sangue (glicemia de jejum e HbA1c) e RXT. Os participantes também preencheram um questionário, aplicado por um(a) enfermeiro(a) treinado(a), com perguntas sobre características sociodemográficas e sinais e sintomas de TBP. O uso de tabaco, álcool e drogas ilícitas foi avaliado por meio de um questionário específico.(14) Um pneumologista que desconhecia o perfil glicêmico dos pacientes avaliou, por meio de um formulário padronizado, a RXT quanto à presença de cavidades pulmonares (número e tamanho) e à extensão do acometimento pulmonar (lesões unilaterais ou bilaterais e número de terços pulmonares acometidos). As informações sobre os desfechos do tratamento da tuberculose foram extraídas dos prontuários clínicos, e os desfechos foram classificados em favoráveis (cura ou conclusão do tratamento) e desfavoráveis (óbito, perda de seguimento ou falência do tratamento).
 
Foram calculadas as frequências absolutas e relativas das variáveis categóricas; para as variáveis contínuas, foram descritas as medianas e intervalos interquartis. As relações entre as variáveis categóricas e a disglicemia e o desfecho do tratamento foram avaliadas por meio do teste do qui-quadrado (ou do teste exato de Fischer, conforme apropriado), e foram descritas as OR e respectivos IC95%. Para comparar as variáveis contínuas, foi usado o teste de Wilcoxon-Mann-Whitney. O nível de significância adotado foi de 5%, e os valores de p foram bicaudais. Análises multivariadas da relação entre características clínicas, laboratoriais e radiográficas e os níveis de HbA1c e desfechos do tratamento da tuberculose foram realizadas por meio de regressão logística. Foram elaboradas disposições gráficas (box plots) da distribuição dos níveis de HbA1c em M0, M2 e MFIM e nos pacientes que morreram ou não. As análises estatísticas foram realizadas por meio dos programas IBM SPSS Statistics, versão 23.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA) e R 2019 (The R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria).
 
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho em 02/07/2015 (CAAE n. 45637715.5.0000.5257).
 
RESULTADOS
 
Durante o estudo, foram identificados 318 pacientes elegíveis, isto é, com sintomas respiratórios e pontuação clínica média/alta para TBP. Dos 318 pacientes, 8 (3,8%) foram excluídos: 3 não conseguiram coletar ou entregar uma amostra de escarro e foram encaminhados para investigação adicional; não foram coletadas amostras de sangue de outros 3; e não foi possível processar as amostras enviadas ao laboratório de 2 participantes. Dos 310 participantes inicialmente incluídos no estudo, 140 (45,2%) receberam diagnóstico de TBP.
 
A maioria dos pacientes com TBP era do sexo masculino (n = 93; 66,4%); as medianas de idade e IMC foram, respectivamente, 36 anos e 19,7 kg/m2. Houve predomínio de participantes não brancos (n = 116; 82,9%), e 75 pacientes (53,6%) frequentaram a escola durante menos de 8 anos. O uso de tabaco, álcool e drogas ilícitas foi identificado, respectivamente, em 42,9%, 49,3% e 24,3% dos pacientes (Tabela 1). Tratamento prévio de tuberculose e infecção pelo HIV foram observados em 12,9% e 7,2%, respectivamente (Tabela S1).


 


 

 
A prevalência de disglicemia em M0 foi de 61,4% (pré-DM em 47,1% e DM em 14,3%). Dos 20 pacientes com DM, 13 (65,0%) já haviam recebido diagnóstico de DM tipo 2. A glicemia foi medida em todos os pacientes; entretanto, informações a respeito de jejum foram registradas em apenas 112 pacientes (80,0%). O teste foi realizado em jejum em 73,2% (82/112), e em 11,0% (9/82) desses casos os valores foram ≥ 126 mg/dL. Dos 9 pacientes, 4 (44,4%) tinham diagnóstico prévio de DM tipo 2.
 
As medianas de idade e IMC foram significativamente maiores no grupo DMTB. O uso de tabaco, álcool e drogas ilícitas foi maior no grupo PDMTB (Tabela 1).
 
No tocante a sintomas de TBP, tratamento prévio de tuberculose e infecção pelo HIV, não foram observadas diferenças estatísticas entre pacientes com tuberculose normoglicêmicos e disglicêmicos. Todos os pacientes relataram tosse e escarro, uma vez que ambas as variáveis foram incluídas na definição de sintomas respiratórios, um critério de elegibilidade adotado no estudo (Tabela S1).
 
Achados da RXT e resultados de testes microbiológicos e moleculares no momento do diagnóstico de TBP e durante o período de acompanhamento
 
No momento do diagnóstico de TBP, a presença de doença cavitária na RXT foi mais comum nos pacientes do grupo PDMTB (84,8%) do que nos dos grupos NGTB (63,0%) e DMTB (65,0%). Não houve diferenças estatísticas entre os três grupos nem quanto à média de cavidades nem quanto ao número de cavidades > 2 cm. No entanto, lesões bilaterais foram mais frequentemente observadas no grupo DMTB do que no grupo NGTB (70% vs. 46%; p = 0,03). A média de terços pulmonares acometidos foi estatisticamente maior nos grupos DMTB e PDMTB do que no grupo NGTB. Nos pacientes com disglicemia, em comparação com os do grupo NGTB, cavidades (80,2% vs. 63,0%) e lesões bilaterais na RXT (67,4% vs. 46,0%) foram mais comuns, e o número de terços pulmonares acometidos foi maior (mediana: 3 vs. 2). Durante o período de acompanhamento (M2 e MFIM), não foram observadas diferenças estatísticas entre os três grupos quanto aos achados da RXT (Tabela 2).


 


 

 
A positividade na baciloscopia de escarro foi significativamente maior nos grupos PDMTB e DMTB (93,0%) do que no grupo NGTB (75,9%; p = 0,005); entretanto, os grupos foram semelhantes quanto aos resultados positivos do teste Xpert MTB/RIF e da cultura de M. tuberculosis no escarro (Tabela 3). Cepas resistentes de M. tuberculosis foram mais comuns nos grupos NGTB (20,9%) e PDMTB (19,0%) do que no grupo DMTB (10,0%). Os padrões de resistência mais comuns foram monorresistência à estreptomicina (45,8%, 11/24) e monorresistência à isoniazida (25,0%, 6/24). Durante o período de acompanhamento, não foram observadas diferenças significativas entre os três grupos quanto aos resultados dos testes microbiológicos (Tabela 3).


 


 

 
Análise univariada e multivariada das características clínicas, radiográficas e microbiológicas associadas à disglicemia
 
A Tabela 4 mostra as análises de regressão logística univariada e multivariada das características clínicas, radiográficas e microbiológicas em M0 que apresentaram relação com a disglicemia. Maior IMC, presença de cavidades na RXT e baciloscopia de escarro positiva  estiveram independentemente associados com a disglicemia nos pacientes com TBP.


 


 

 
Variação dos níveis de HbA1c durante o tratamento da tuberculose
 
As distribuições dos níveis de HbA1c (em %) avaliados em M0, M2 e MFIM são apresentadas na Figura 1. Foi observada em M2 uma redução significativa da HbA1c acima dos níveis normais (≥ 5,7%), particularmente no grupo PDMTB (de 47% em M0 para 14% em M2), isto é, dos 66 pacientes do grupo PDMTB em M0, não se confirmou a disglicemia em M2 em 46 (70%). A mediana dos níveis de HbA1c nos grupos PDMTB e DMTB, respectivamente, diminuíram significativamente de M0 — 5,9% [5,8-6,1%] e 9,7% [6,8-11,8%] — para M2 — 5,4% [5,1-5,6%] e 8,1% [5,9-12,5%] — para MFIM — 5,4% [5,2-5,7%] e 8,4% [6,3-10,3%]. Observamos uma redução significativa dos níveis disglicêmicos em M2 em comparação com os observados em M0 (61% vs. 25%; p = 0,001), que se estabilizaram entre M2 e MFIM (25% vs. 28%; p = 1,0). No entanto, em 8 dos pacientes do grupo PDMTB em M2, 5 (62,5%) já apresentavam níveis de HbA1c ≥ 5,7% em M0.
 

 

 
Desfechos do tratamento da tuberculose
 
Todos os pacientes usaram o esquema básico para tratamento da tuberculose (inclusive os pacientes com resistência a isoniazida, cujo tratamento foi estendido para nove meses), e a média de duração do tratamento da tuberculose foi de 6,8 meses no grupo NGTB, 6,2 meses no grupo PDMTB e 7,1 meses no grupo DMTB (p = 0,13). Informações a respeito dos desfechos do tratamento da tuberculose estavam disponíveis para todos os pacientes, à exceção de 1 (encaminhado para outra clínica). Entre os 139 pacientes avaliados, houve perda de seguimento em 29, houve falência do tratamento em 2, os desfechos do tratamento foram favoráveis em 102 (7 curados e 95 concluíram o tratamento) e 6 morreram. Não houve associações significativas entre as variáveis sociodemográficas, clínicas e laboratoriais e os desfechos do tratamento. Os pacientes dos grupos PDMTB e DMTB não apresentaram frequências significativamente maiores de desfechos desfavoráveis (óbito, abandono do tratamento ou falência do tratamento) quando comparados aos do grupo NGTB (25,0% vs. 33,9%). Em MFIM, 12 pacientes do grupo PDMTB apresentaram desfechos favoráveis (cura ou conclusão do tratamento). Da mesma forma, não houve diferença significativa entre os desfechos do tratamento da tuberculose (favoráveis ou desfavoráveis) e os níveis de HbA1c (p = 0,38). No entanto, dos 6 pacientes que morreram, 4 eram do grupo DMTB. A letalidade da tuberculose foi de 20% (4/20) entre os pacientes do grupo DMTB e de 2,2% nos grupos PDMTB (1/46) e NGTB (1/45). Apesar da limitação da análise em virtude do pequeno número de eventos, observamos uma associação significativa entre óbito e níveis mais elevados de HbA1c (Figura 2).
 

 

 
DISCUSSÃO
 
Em países com alta carga de tuberculose, como o Brasil, há poucos estudos prospectivos nos quais se analisam as características clínicas, microbiológicas e radiográficas de pacientes com TBP ou o papel do DM e pré-DM nos desfechos do tratamento da TBP.(8,10)
 
Em nosso estudo, a frequência de DM em pacientes com TBP (14,2%) foi maior do que a relatada em outro estudo realizado no Brasil(8) e mais próxima das relatadas em outras séries (de 12,8% a 25%),(16-19) porém menor do que a relatada em um estudo realizado na Índia,(15) no qual a proporção de pacientes com tuberculose e DM foi de 30%. Em países como a China(20) e o Quênia,(21) a frequência de DMTB é menor (5,0% e 6,3%, respectivamente) do que a observada em nosso estudo. Em outros estudos realizados no Brasil, a frequência de DM em pacientes com tuberculose foi semelhante à observada em nosso estudo (13,6% e 14%).(22,23) As diferenças quanto à prevalência de DM nesses estudos, realizados em diferentes regiões geográficas, podem estar relacionadas com predisposições genéticas ao DM, hábitos alimentares (inclusive consumo de álcool), obesidade, distribuição etária e sedentarismo, mas também podem estar relacionadas com diferenças quanto aos métodos usados para avaliar a disglicemia.(15-23)
 
Embora se recomende internacionalmente que se realize, no início do tratamento da tuberculose, a avaliação dos pacientes quanto à presença de DM, o teste a ser utilizado (glicemia de jejum, teste de tolerância à glicose ou HbA1c) e o momento da repetição do teste podem variar de acordo com as condições locais.(24-26) Em nosso estudo, as informações sobre glicemia de jejum foram coletadas em apenas 58,6% dos pacientes. Portanto, optamos por usar a HbA1c como teste de detecção, adotando como critério para o diagnóstico de DM a presença de níveis ≥ 6,5%. (11,13,27) O uso da HbA1c como teste de detecção de DM apresenta algumas vantagens, tais como não exigir que o paciente esteja em jejum e uma estabilidade pré-analítica maior. No entanto, o teste tem limitações: é mais caro e influenciado por outras condições (idade, etnia e presença de anemia).(27) Além disso, a HbA1c detecta até um terço a menos de casos de DM que a glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL.(28)
 
Os sintomas da tuberculose em pacientes com DM parecem ser mais comuns e graves do que os descritos em pacientes com tuberculose sem DM.(22,29) No entanto, não observamos diferenças significativas entre o grupo NGTB e os grupos disglicêmicos em nossa coorte quanto à tipologia ou duração dos sintomas. Os pacientes com DMTB apresentaram maior média de idade e IMC (sugerindo a presença de sobrepeso), achado comum em pacientes com DM tipo 2, como relatado em outros estudos.(16,21,24)
 
A RXT de pacientes com DMTB está mais frequentemente associada à presença de múltiplas cavidades e acometimento pulmonar bilateral. Pacientes com DMTB também apresentam maior frequência de achados “atípicos” na RXT, com lesões nos lobos inferiores, especialmente em pacientes com mau controle glicêmico.(30-32) Em nossa amostra, a presença de cavidades, lesões bilaterais e acometimento de um maior número de terços pulmonares foram mais comuns nos pacientes disglicêmicos. Como são escassos os dados referentes ao perfil radiográfico e inflamatório de pacientes com DMTB durante o tratamento da tuberculose,(33) nossos achados corroboram os resultados descritos em um estudo(34) no qual foram investigadas cobaias com hiperglicemia crônica e que mostrou menor resposta imune inata na presença de macrófagos alveolares infectados por M. tuberculosis. Os animais apresentaram atraso na resposta T específica e subsequente hiperinflamação, com níveis elevados das citocinas Th1, Th2 e Th17; neutrofilia; e alta carga bacilar pulmonar.(34) O fato de que a baciloscopia de escarro é mais frequentemente positiva em pacientes disglicêmicos poderia ser consequência da redução do controle da multiplicação do M. tuberculosis. Em séries de casos na Índia(17) e na China,(20) maiores proporções de baciloscopia de escarro positiva também foram relatadas em pacientes diabéticos.
 
Não foram encontradas diferenças quanto ao uso de álcool, tabaco ou drogas ilícitas entre os grupos estudados, corroborando o que foi descrito em outros estudos.(19,20) No entanto, estudos realizados no Brasil(22,29) identificaram uma frequência maior de uso de tabaco em pacientes com DMTB do que naqueles com tuberculose sem DM. Em uma coorte de pacientes com tuberculose na Coreia do Sul, o risco de óbito foi quase cinco vezes maior na presença de DM e uso de tabaco.(35)
 
As diferenças observadas entre pacientes normoglicêmicos e disglicêmicos quanto aos achados radiográficos e microbiológicos no momento do diagnóstico de tuberculose não estavam mais presentes no período de acompanhamento. No entanto, a análise dos exames radiográficos e microbiológicos realizados durante o período de acompanhamento envolveu um número menor de pacientes e, portanto, é possível que nossa amostra não tenha tido poder suficiente para identificar tais diferenças. Além disso, a alta proporção de óbitos no grupo DMTB (20%) poderia indicar uma resposta menos eficaz ao tratamento antituberculose em pacientes com DMTB. A duração do tratamento da tuberculose para pacientes com DMTB recomendada pela maioria das diretrizes,(24,36) inclusive as brasileiras,(37) é a mesma para pacientes com tuberculose sem DM. No entanto, pacientes com DMTB geralmente apresentam maior risco de toxicidade causada pelos antituberculosos (neuropatia periférica por isoniazida e neuropatia ocular por etambutol), interações medicamentosas (particularmente rifampicina) e baixas concentrações plasmáticas de antituberculosos.(38) Todos esses fatores poderiam contribuir para desfechos desfavoráveis do tratamento nesses pacientes.
 
Em nosso estudo, o pré-DM foi identificado em 47,1% dos pacientes com tuberculose, valor superior ao descrito em outros estudos, com prevalência de 7,4% a 37,5%.(8,16,17,19-21) No entanto, observamos uma redução significativa dos níveis de HbA1c no segundo mês de tratamento. A normalização dos níveis glicêmicos durante o tratamento da tuberculose em pacientes inicialmente disglicêmicos também foi relatada por outros autores.(19,39,40) No estudo de Calderon et al. realizado no Peru,(19) a prevalência de pacientes com pré-DM diminuiu de 31% no momento do diagnóstico da tuberculose para 17% após o término do segundo mês de tratamento, sendo mantida a mesma proporção no sexto mês de tratamento. Esses achados sugerem que a disglicemia identificada no momento do diagnóstico se deve, em parte, à hiperglicemia induzida pelo estresse, uma consequência da resposta inflamatória ao M. tuberculosis, que diminui gradativamente em decorrência do controle da infecção.(29,40)
 
Não houve diferenças significativas entre pacientes normoglicêmicos e disglicêmicos quanto aos desfechos do tratamento da tuberculose. O motivo pelo qual não houve diferenças pode ter sido a inclusão de uma variável não biológica, como a perda de seguimento, nos desfechos desfavoráveis. No entanto, a análise dos casos que evoluíram para óbito revelou maior letalidade nos pacientes do grupo DMTB, e foi observada uma associação entre níveis mais elevados de HbA1c e óbito. A associação entre DM e óbito durante o tratamento da tuberculose foi previamente descrita em uma revisão sistemática e em uma revisão sistemática e meta-análise,(2,3) nas quais a OR de óbito/falência de tratamento variou de 1,69(2) a 1,88.(3)
 
Nosso estudo tem limitações relacionadas principalmente ao tamanho da amostra, que pode ter limitado a detecção de associações significativas, principalmente durante o período de acompanhamento, quando houve redução adicional do número de participantes. Além disso, ao incluirmos apenas pacientes com probabilidade média/alta de TBP avaliada por meio de um escore clínico, não analisamos pacientes com sintomas menos exuberantes, isto é, nos estágios iniciais da doença ou com apresentações “atípicas”. Apesar dessas limitações, o caráter prospectivo do estudo, com coleta de dados clínicos, laboratoriais e radiográficos em três momentos distintos (M0, M2 e MFIM), possibilitou a avaliação da evolução desses parâmetros, como a variação dos níveis de HbA1c e sua associação com os desfechos do tratamento.
 
Em suma, apresentamos os resultados de uma coorte prospectiva de pacientes com TBP confirmada, identificando altas proporções de pacientes com DM e pré-DM associados, doença mais avançada em pacientes com disglicemia e maior frequência de óbitos entre pacientes com DMTB. Esses achados reforçam a necessidade de avaliar se há disglicemia no momento do diagnóstico da tuberculose, a fim de identificar precocemente pacientes com pré-DM e DM e oferecer a eles tratamento para ambas as doenças. Novos estudos prospectivos, com uma amostra representativa composta por pacientes com tuberculose, são necessários para compreender o papel dos estados disglicêmicos na tuberculose e no risco de progressão para DM.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
ASRM e ACCC: conceituação; análise dos dados; administração do projeto; redação, edição e revisão do manuscrito. ALB: conceituação; administração do projeto; redação, edição e revisão do manuscrito. ALK: conceituação; aquisição de financiamento; administração do projeto; redação, edição e revisão do manuscrito. CFSL: coleta de dados; edição e revisão do manuscrito. ECS: análise laboratorial; edição e revisão do manuscrito. LIG: coleta de dados; análise dos dados; edição e revisão do manuscrito. GA: análise estatística avançada; edição e revisão do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
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