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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Conhecimento, atitudes e práticas em relação à COVID-19 entre profissionais de saúde na América Latina

COVID-19 knowledge, attitudes, and practices among health care workers in Latin America

Mayson Laércio de Araújo Sousa1,2, Iara S Shimizu1,3, Cecilia M Patino4, Carlos A. Torres-Duque5,6, Ignacio Zabert7, Gustavo E Zabert7, Rogelio Perez-Padilla8, Fabio Varón-Vega5,9,10, Mark Cohen11, Juliana C Ferreira1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220018

ABSTRACT

Objective: To evaluate COVID-19 knowledge, attitudes, and practices among health care workers (HCWs) practicing in Latin American countries during the first surge of the COVID-19 pandemic. Methods: This was a multinational cross-sectional survey study, using an online self-administered questionnaire. The final version of the questionnaire comprised 40 questions, organized in five sections: demographic and professional characteristics; COVID-19 knowledge; attitudes toward COVID-19; COVID-19 practices; and institutional resources. Results: The study involved 251 HCWs from 19 Latin American countries who agreed to participate. In our sample, 77% of HCWs participated in some sort of institutional training on COVID-19, and 43% had a low COVID-19 knowledge score. COVID-19 knowledge was associated with the type of health center (public/private), availability of institutional training, and sources of information about COVID-19. Concerns about not providing adequate care were reported by 60% of the participants. The most commonly used ventilatory strategies were protective mechanical ventilation, alveolar recruitment maneuvers, and prone positioning, and the use of drugs to treat COVID-19 was mainly based on institutional protocols. Conclusions: In this multinational study in Latin America, almost half of HCWs had a low COVID-19 knowledge score, and the level of knowledge was associated with the type of institution, participation in institutional training, and information sources. HCWs considered that COVID-19 was very relevant, and more than half were concerned about not providing adequate care to patients.

Keywords: COVID-19; Health knowledge, attitude, practice; Health personnel; Latin America.

RESUMO

Objetivo: Avaliar o conhecimento, atitudes e práticas em relação à COVID-19 entre profissionais de saúde atuantes em países da América Latina durante o primeiro surto da pandemia. Métodos: Estudo multinacional transversal com uso de questionário on-line autoaplicável. A versão final do questionário foi composta por 40 perguntas, organizadas em cinco seções: características demográficas e profissionais; conhecimento sobre COVID-19; atitudes em relação à COVID-19; práticas relacionadas à COVID-19; e recursos institucionais. Resultados: O estudo envolveu 251 profissionais de saúde de 19 países da América Latina que aceitaram participar. Em nossa amostra, 77% dos profissionais de saúde participaram de algum tipo de treinamento institucional sobre COVID-19 e 43% tiveram baixa pontuação de conhecimento sobre COVID-19. O conhecimento sobre COVID-19 apresentou associação com o tipo de instituição de saúde (pública/privada), disponibilidade de treinamento institucional e fontes de informação. Receio de não prestar atendimento adequado foi relatado por 60% dos participantes. As estratégias ventilatórias mais utilizadas foram ventilação mecânica protetora, manobras de recrutamento alveolar e posição prona, e o uso de medicamentos para tratar a COVID-19 foi baseado principalmente em protocolos institucionais. Conclusões: Neste estudo multinacional na América Latina, quase metade da amostra teve baixa pontuação de conhecimento sobre COVID-19 e o nível de conhecimento apresentou associação com o tipo de instituição, participação em treinamento institucional e fontes de informação. Os profissionais de saúde consideravam a COVID-19 muito relevante, e mais da metade tinha receio de não prestar atendimento adequado aos pacientes.

Palavras-chave: COVID-19; Conhecimentos, atitudes e prática em saúde; Profissionais de saúde; América Latina.

INTRODUÇÃO
 
Em dezembro de 2019, uma nova doença infecciosa causada por um beta-coronavírus foi identificada na província de Wuhan, na China.(1-5) Desde então, o vírus se espalhou pelo mundo e infectou quase 174 milhões de indivíduos, com mais de 3 milhões de mortes até junho de 2021.(6)
 
Pesquisas em todo o mundo descreveram os modos de transmissão, que se sabe agora que incluem principalmente o contato com gotículas respiratórias e aerossóis,(7,8) enquanto estudos clínicos revelaram que os sintomas mais comuns da COVID-19 eram febre, tosse, cefaleia, mialgia, dispneia e fadiga.(9,10) Além disso, as manifestações clínicas variaram de doença leve a doença grave e morte, embora um percentual significativo de indivíduos infectados pelo vírus nunca tenha desenvolvido sintomas.(11)
 
Os profissionais de saúde estão em maior risco de infecção, pois prestam atendimento direto aos pacientes infectados.(8) A implementação de precauções padrão respiratórias e de contato, bem como o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) adequados, como máscaras N95, óculos para proteção e protetores faciais (face shields), a lavagem regular das mãos com sabão ou a desinfecção com álcool em gel, a manutenção de uma distância de 1,5-2 m de outras pessoas e evitar tocar olhos, nariz e boca constituem as principais medidas preventivas contra a contaminação.(4,8)
 
As instituições de saúde em contextos com poucos recursos, como a América Latina, tiveram acesso limitado a EPI durante o primeiro surto de COVID-19 no início de 2020.(12,13) Além disso, a falta de protocolos clínicos e treinamento institucionais, o aumento das horas de trabalho e a escassez de recursos, incluindo leitos de UTI, medicamentos e ventiladores, representaram barreiras adicionais para os profissionais de saúde atenderem os pacientes com COVID-19 nesses contextos.
 
Conhecimento, atitudes e práticas (CAP) adequadas em relação a doenças relacionadas à COVID-19 entre profissionais de saúde podem diminuir o risco de infecção e afetar os desfechos dos pacientes. (8,14-16) Portanto, as instituições devem garantir que os profissionais da linha de frente tenham acesso a informações, treinamento adequado e preparação emocional, bem como acesso a EPI e recursos, a fim de oferecer atendimento baseado em evidências aos pacientes com COVID-19.(17,18)
 
O objetivo deste estudo foi avaliar o CAP em relação à COVID-19 entre profissionais de saúde atuantes em países da América Latina durante o primeiro surto da pandemia.
 
MÉTODOS
 
Desenho do estudo e amostra
 
Trata-se de um estudo transversal com uso de questionário on-line autoaplicável. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (números de aprovação: SDC 5047/20/076 e CAAE 32048620.0.0000.0068), e todos os participantes aceitaram o termo de consentimento livre e esclarecido eletrônico antes de começarem a responder às perguntas do questionário.
 
O critério de inclusão foi ser profissionais de saúde na América Latina, e o critério de exclusão foi a recusa em assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Os convites para participar do estudo foram enviados pela Asociación Latinoamericana de Tórax (ALAT) a todos os membros, por e-mail, entre junho e outubro de 2020. Além disso, os pesquisadores enviaram convites pelas redes sociais, com link para acessar o questionário, utilizando uma estratégia de bola de neve para alcançar um grupo mais amplo de profissionais de saúde, inclusive aqueles que não eram membros da ALAT.
 
Desenho do questionário CAP
 
As perguntas do questionário foram elaboradas com base nos conteúdos e recomendações do Centers for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos,(19) da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) (20) e da OMS.(4) O questionário foi escrito em português e depois traduzido para o espanhol por pesquisadores bilíngues utilizando o processo de retrotradução.
 
Um painel de especialistas, composto por um infectologista, um pneumologista, um fisioterapeuta e um enfermeiro, revisou o questionário quanto à abrangência, clareza e relevância. Esses especialistas também avaliaram a validade de face e de conteúdo das perguntas.(21)
 
A versão final do questionário, após várias rodadas de revisão e de avaliação dos especialistas, foi composta por 40 perguntas organizadas em cinco seções.
 
A primeira seção concentrou-se nas características demográficas e profissionais, incluindo idade, sexo, categoria profissional (médico, fisioterapeuta/terapeuta respiratório, enfermeiro e outras), experiência profissional e tipo de instituição de atuação (Tabela S1)
 
A segunda seção avaliou o conhecimento sobre COVID-19. A seção Conhecimento incluiu 10 perguntas de múltipla escolha sobre fontes de informação, treinamento, prevenção, diagnóstico e tratamento relacionados à COVID-19. As respostas corretas a essas perguntas receberam pontuação 1, enquanto as respostas incorretas ou “Não sei” receberam pontuação 0. Portanto, a pontuação máxima nessa seção foi 10. Os participantes com pontuação ≥ 6 foram considerados possuidores de um alto nível de conhecimento sobre COVID-19.
 
A terceira seção avaliou atitudes em relação à COVID-19 e foi composta por 10 perguntas. Cinco perguntas avaliaram a percepção de relevância da COVID-19, por meio de uma escala Likert variando de 1 (não importante) a 5 (muito importante), e as 5 perguntas subsequentes avaliaram medos ou receios em relação à doença, as primeiras 4 perguntas por meio de uma escala Likert variando de 1 (muito medo) a 5 (nenhum medo) e uma pergunta dicotômica (do tipo sim/não) referente ao receio de não prestar atendimento adequado aos pacientes com COVID-19, pontuada com 5 e 0 pontos, respectivamente. Quando a resposta a essa pergunta foi “Sim”, os respondentes foram questionados sobre os motivos de tal receio com mais 6 perguntas do tipo sim/não, que não contaram para a pontuação de atitudes. A pontuação de atitudes variou de 10 (pior atitude) a 50 (melhor atitude).
 
A quarta seção incluiu três subseções descrevendo práticas relacionadas à COVID-19. A primeira subseção incluiu 8 perguntas do tipo sim/não sobre práticas clínicas relacionadas à COVID-19. A segunda subseção indagou sobre estratégias ventilatórias para pacientes em ventilação mecânica (VM) por meio de uma escala Likert de 4 pontos (“Sempre”, “Às vezes”, “Nunca” e “Não sei”). A última subseção continha 7 perguntas sobre tratamento, incluindo o uso de medicamentos específicos para COVID-19, como hidroxicloroquina/cloroquina, azitromicina, remdesivir, lopinavir/ritonavir, tocilizumabe, esteroides sistêmicos e plasma convalescente.
 
A quinta seção avaliou os recursos institucionais disponíveis para o atendimento dos pacientes, como número de leitos hospitalares e de UTI, número de ventiladores mecânicos e EPI.
 
Análise estatística
 
Os dados foram coletados e gerenciados por meio da plataforma REDCap (Vanderbilt University, Nashville, TN, EUA) hospedada pela ALAT.(22,23)
 
O tamanho da amostra do estudo foi calculado com base no percentual de profissionais de saúde com conhecimento suficiente sobre as práticas relacionadas à COVID-19. Uma publicação anterior relatou que 89% dos profissionais de saúde possuíam conhecimento suficiente sobre COVID-19.(24) Previmos que 60% dos profissionais de saúde seriam considerados possuidores de conhecimento suficiente e utilizamos uma margem de erro de 5% (IC95%), resultando em um tamanho amostral de 150 participantes.
 
Para caracterizar a população do estudo, as variáveis categóricas foram descritas como frequência e percentual, e as variáveis contínuas, como média e desvio-padrão. Utilizamos o teste exato de Fisher e testes do qui-quadrado para comparar os participantes com pontuação de conhecimento acima e abaixo da mediana.
 
Todos os dados foram inseridos e analisados por meio do programa R, versão 4.0.3 (The R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria). O nível de significância adotado foi de p < 0,05.
 
RESULTADOS
 
Entre junho e outubro de 2020, 251 profissionais de saúde de 19 países da América Latina aceitaram participar do estudo. As principais características dos respondentes do estudo são apresentadas na Tabela 1. Os respondentes eram principalmente do México, Brasil, Argentina e Colômbia. A participação foi muito baixa em alguns países: Bolívia (1,2%), Costa Rica (1,2%), Guatemala (1,2%), Honduras (0,4%), Nicarágua (1,2%) e Panamá (1,2%), que somaram 6% da amostra. A média de idade foi de 48 ± 13 anos, e 62% da amostra era do sexo masculino. A maioria dos respondentes eram médicos, com longo período de experiência profissional (> 15 anos), e atualmente atuava em hospital ou unidade de saúde. Quase metade dos respondentes atuava em instituições públicas, e 77% relataram ter participado de algum tipo de treinamento institucional sobre COVID-19. As fontes de informação sobre COVID-19 mais utilizadas foram publicações científicas, recomendações de sociedades científicas e sites governamentais oficiais.


 
A Tabela 2 apresenta o percentual de respostas corretas para cada uma das 10 perguntas referentes ao conhecimento sobre COVID-19. A mediana da pontuação de conhecimento (variação, 0-10) foi de 6 (IIQ: 5-6). Em nossa amostra, 107 participantes (43%) tiveram pontuação baixa nessa seção (pontuação < 6). Entre os participantes que tiveram pontuação de conhecimento adequada (pontuação ≥ 6), 17 (7% da amostra geral) tiveram pontuação ≥ 8. O conhecimento sobre apresentação assintomática da COVID-19, fatores de risco, critérios diagnósticos e medidas de prevenção foi elevado, mas o conhecimento sobre tratamento, transmissão, complicações e VM protetora na COVID-19 foi baixo.


 
Os resultados na seção Atitudes estão resumidos na Figura 1. A mediana de pontuação foi de 43 (IIQ: 38-49). Não houve associação significativa entre a pontuação e as características dos respondentes (Tabela S1). A maioria dos participantes acreditava que a COVID-19 era um assunto muito relevante em sua instituição, em seu país e em todo o mundo. Os participantes tinham mais receio de infectar membros da família do que de serem infectados. No geral, os respondentes tinham muito medo de não ter acesso a testes (40%) ou assistência médica (60%) se tivessem COVID-19. Além disso, 60% relataram ter receio de não prestar atendimento adequado, sendo os principais motivos a falta de pessoal, a falta de EPI, a sobrecarga de trabalho e dilemas éticos.


 
A Figura 2 resume os resultados na seção Práticas. Quase todos os participantes relataram atender pacientes na UTI (95%) em VM (98%). Quase metade dos respondentes relatou falta de leitos, e um terço relatou falta de ventiladores mecânicos nas instituições em que atuavam. As estratégias ventilatórias mais utilizadas para pacientes com COVID-19 foram VM protetora, manobras de recrutamento alveolar e posição prona. Em relação ao tratamento de COVID-19, o uso de medicamentos foi baseado principalmente em protocolos institucionais. Remdesivir, hidroxicloroquina e plasma convalescente foram os medicamentos mais utilizados.


 
Comparando os participantes com pontuação de conhecimento acima da mediana com aqueles com pontuação abaixo da mediana, constatamos que os primeiros mais comumente atuavam em instituições públicas, receberam treinamento institucional sobre COVID-19 e utilizavam publicações científicas, recomendações de sociedades científicas e recomendações de outras instituições como fontes de informação sobre COVID-19. No entanto, a pontuação não mostrou associações com atuar em UTI/pronto-socorro ou testar positivo para COVID-19 (Tabela 3).


 
As características das instituições dos participantes são apresentadas no material suplementar (Tabelas S2-S6). Em relação aos equipamentos de diagnóstico por imagem, 20 (13%) e 34 (22%) dos respondentes, respectivamente, relataram que TC e ultrassonografia não estavam disponíveis em suas instituições (Tabela S3). Cerca de um terço dos participantes relatou que suas instituições tinham um número insuficiente de médicos, enfermeiros ou fisioterapeutas (Tabela S4). Em relação à disponibilidade de EPI, 53 participantes (47%) relataram que os funcionários só às vezes tinham acesso a respiradores N95 em suas instituições, enquanto 5 (3%) relataram não ter acesso a esse EPI (Tabela S6).
 
DISCUSSÃO
 
Neste estudo transversal, avaliamos o CAP em relação à COVID-19 entre profissionais de saúde em 19 países da América Latina. Constatamos que mais de um terço dos profissionais de saúde em nossa amostra participou de algum tipo de treinamento institucional sobre COVID-19 e que 43% possuíam um baixo nível de conhecimento sobre COVID-19. A mediana da pontuação de atitudes foi alta, mas 60% dos participantes relataram receio de não prestar atendimento adequado a seus pacientes. A maioria dos participantes relatou atender pacientes com COVID-19 em VM, sendo as estratégias ventilatórias mais utilizadas a VM protetora, manobras de recrutamento alveolar e posição prona, e o uso de medicamentos para tratar a COVID-19 foi baseado principalmente em protocolos institucionais. Constatamos também que o nível de conhecimento apresentou associação com o tipo de instituição de atuação, a disponibilidade de treinamento institucional sobre COVID-19 e as fontes de informação sobre COVID-19.
 
Este é um estudo latino-americano abrangente que abordou o CAP em relação à COVID-19 entre profissionais de saúde. Estudos sobre CAP são importantes para fornecer informações valiosas sobre como as iniciativas de saúde pública podem proteger melhor a saúde em nível populacional. Como os profissionais de saúde estão mais expostos aos perigos da infecção pelo SARS-CoV-2, é importante entender seu CAP a fim de estabelecer intervenções comportamentais estratégicas para prevenir infecções nessa população.(25-27)
 
A maioria dos participantes relatou ter participado de treinamento institucional sobre COVID-19, e isso apresentou associação com maiores níveis de conhecimento. A pandemia de COVID-19 teve um impacto significativo na educação em saúde em todo o mundo, e webinários e reuniões on-line proporcionaram uma grande oportunidade de ensino e aprendizagem durante esse período.(16) No entanto, alguns profissionais de saúde relataram sentir-se sobrecarregados com o número e a frequência desses eventos e não haviam participado de todos eles, reforçando a importância de propor estratégias de treinamento eficazes, principalmente durante a pandemia de COVID-19.(28)
 
Apesar da alta participação em treinamentos, quase metade dos profissionais de saúde possuía um baixo nível de conhecimento sobre COVID-19. Embora seja difícil estimar quanto conhecimento é suficiente para alcançar mudanças desejáveis nos desfechos de saúde, sabe-se que o tipo de fonte de informação pode influenciar o nível de conhecimento e, potencialmente, a prática clínica.(26,29) Nosso achado de que o nível de conhecimento sobre tratamento, transmissão, complicações e VM protetora na COVID-19 era baixo pode ser explicado pela falta de conhecimento científico durante a primeira onda da pandemia, especialmente em relação a complicações e tratamento.(18,26)
 
Os profissionais de saúde tiveram pontuação de atitudes elevada, acreditando que a COVID-19 era muito relevante. Estudos anteriores relataram que a maioria dos profissionais de saúde tem atitudes positivas em relação à COVID-19, e isso apresentou associação com idade, gênero, categoria profissional, escolaridade, tipo de hospital e participação em cursos on-line.(13,27,29-31)
 
Constatamos também que 60% dos profissionais de saúde tinham receio de não prestar atendimento adequado, e os principais motivos foram preocupações com a falta de pessoal, a falta de EPI, a sobrecarga de trabalho e dilemas éticos. A América Latina tem uma das maiores taxas de infecção por COVID-19 do mundo, e vários fatores de risco foram sugeridos, incluindo a falta de recursos humanos e institucionais,(13,32) o que pode explicar as preocupações dos profissionais de saúde. Além disso, uma parcela considerável dos respondentes relatou falta de leitos e/ou de ventiladores mecânicos nas instituições em que trabalhavam.
 
Os respondentes também relataram a falta de equipamentos de diagnóstico por imagem. Pode-se esperar acesso restrito à TC em países de baixa e média renda, considerando os altos custos dos equipamentos. No entanto, a ultrassonografia é uma tecnologia portátil e de custo relativamente baixo, mas 22% dos respondentes não tinham acesso a ela. Estudos anteriores também relataram a falta de acesso à ultrassonografia e sugeriram que isso pode refletir a desigualdade na aquisição e oferta de equipamentos médicos e no treinamento no uso desses equipamentos em países de baixa e média renda, especialmente em áreas rurais.(33,34)
 
As estratégias ventilatórias mais utilizadas para os pacientes com COVID-19 foram VM protetora, manobras de recrutamento alveolar e posição prona. Esse achado está de acordo com os de uma revisão de escopo que mapeou as estratégias de VM utilizadas em pacientes críticos com COVID-19(35); os autores constataram que as configurações do ventilador, especialmente volume corrente, pressão de platô e pressão de distensão, foram relativamente consistentes em todos os estudos, e geralmente seguiram recomendações baseadas em evidências para ventilação protetora pulmonar, e que a posição prona foi amplamente utilizada.(35)
 
Em relação ao tratamento de COVID-19, os respondentes relataram que o uso de medicamentos foi baseado principalmente em protocolos institucionais. Isso pode ser explicado pelo fato de que havia um número muito limitado de ensaios clínicos randomizados publicados sobre tratamento de COVID-19 durante o período do estudo. Os medicamentos mais utilizados foram remdesivir, hidroxicloroquina e plasma convalescente. É importante mencionar que, no momento da distribuição do questionário, não havia evidências de eficácia dessas estratégias de tratamento em pacientes com COVID-19.
 
Observamos que as pontuações de conhecimento foram maiores entre os profissionais de saúde que atuavam em instituições públicas, os que tiveram treinamento institucional sobre COVID-19 e os que utilizavam publicações científicas, recomendações de sociedades científicas e recomendações de outras instituições como fontes de informação. Outros estudos também relataram maior percentual de conhecimento adequado entre os profissionais de saúde da linha de frente que atuavam em hospitais públicos e os que receberam treinamento institucional sobre COVID-19.(29) Esses achados enfatizam a necessidade de treinamento médico contínuo para garantir o acesso às recomendações baseadas em evidências em todos os níveis.
 
Este estudo tem várias limitações. O conhecimento foi medido por meio de um questionário autoaplicável e, portanto, pode não refletir todos os aspectos do conhecimento médico sobre COVID-19. Nossa estratégia de recrutamento foi baseada no envio de e-mails aos membros da ALAT e convites via redes sociais, de modo que a amostra resultante pode não representar a realidade em todos os países da América Latina. Além disso, como utilizamos uma estratégia de bola de neve, é possível que tenhamos tido agrupamento amostral entre os funcionários bem treinados, e não podemos estimar a taxa de resposta. Os respondentes de questionários on-line provavelmente não representam todo o universo de profissionais de saúde, uma vez que as atitudes, as percepções de risco e o conhecimento podem variar entre os países e ao longo do tempo. Ademais, medidas relacionadas a comportamentos autorreferidos estão sujeitas a vieses de memória, resposta e conveniência social, e faltou corroboração objetiva do real CAP entre os respondentes. A maioria dos participantes do questionário eram médicos, e outros profissionais de saúde não foram bem representados. Por se tratar de um estudo transversal, só podemos fazer suposições para um único momento. Por fim, nosso desenho de estudo nos impede de fazer quaisquer suposições sobre como o nível de conhecimento dos participantes se traduziu nos desfechos dos pacientes. É razoável esperar que o nível de conhecimento tenha variado ao longo da pandemia de COVID-19, e é importante considerar que os surtos de casos durante essa primeira onda da pandemia nos países representados não ocorreram ao mesmo tempo em todos os lugares; houve picos de casos de COVID-19 na Argentina, Uruguai e Paraguai após o período do questionário.
 
Em conclusão, este estudo multinacional envolvendo vários países da América Latina mostrou que quase metade dos profissionais de saúde inquiridos possuía um baixo nível de conhecimento sobre COVID-19 e que o nível de conhecimento apresentou associação com o tipo de hospital de atuação, a participação em treinamento institucional sobre COVID-19 e as fontes de informação sobre COVID-19. Os profissionais de saúde consideravam a COVID-19 muito relevante, tendo alta pontuação de atitudes, e mais da metade tinha receio de não prestar atendimento adequado aos pacientes. Nossos achados ressaltam a necessidade de treinamento institucional adequado sobre COVID-19, implementação de medidas institucionais apropriadas para atender às preocupações dos profissionais da linha de frente sobre a doença, incluindo o fornecimento dos recursos e EPI necessários, e divulgação de fontes confiáveis de informação sobre COVID-19.
 
AGRADECIMENTOS
 
Os autores gostariam de agradecer à ALAT o apoio a este projeto.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
MLAS e ISS contribuíram igualmente em todos os aspectos do estudo. CMP, CATD, IZ, GEZ, RPP, FVV e MC: conceituação; metodologia; edição e revisão da primeira versão do manuscrito. JCF: conceituação; curadoria de dados; análise formal; metodologia; administração do projeto; redação, edição e revisão do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
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