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Editorial

Não basta a prescrição: a importância da adesão ao tratamento farmacológico na DPOC

Prescription is not enough: the importance of adherence to pharmacological treatment of COPD

Eanes Delgado Barros Pereira1, Antonio George de Matos Cavalcante1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220058

A DPOC é uma doença crônica e progressiva caracterizada por sintomas respiratórios persistentes e redução do fluxo aéreo, secundária a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões devido à inalação de partículas nocivas ou gases tóxicos e influenciada por fatores do hospedeiro, incluindo desenvolvimento pulmonar anormal e suscetibilidade genética. Além de afetar os pulmões, a DPOC também é acompanhada de manifestações sistêmicas que têm sério impacto na qualidade de vida e na sobrevida dos pacientes.(1)
 
Os dados sobre a prevalência da DPOC variam muito devido a diferenças nos métodos de pesquisa e critérios diagnósticos. Apesar das complexidades, estão surgindo dados que permitem estimativas mais precisas sobre a prevalência da DPOC. O Projeto Latino-Americano de Investigação de Doenças Pulmonares Obstrutivas (PLATINO)(2) investigou a prevalência de limitação do fluxo aéreo após o uso de broncodilatador em indivíduos > 40 anos residentes em cinco países da América Latina. As prevalências variaram de 7,8% na Cidade do México (México) a 19,7% em Montevidéu (Uruguai).(2)
 
Segundo a OMS,(3) a DPOC é a terceira causa de morte no mundo, e 80% dessas mortes ocorrem em países de baixa e média renda. A DPOC representa um fardo humano considerável devido a sua alta prevalência, morbidade e mortalidade, criando um desafio enorme para os sistemas de saúde.(3,4)
 
Pacientes com DPOC geralmente apresentam sintomas respiratórios, comorbidades, declínio da função pulmonar e episódios de exacerbação aguda. A gravidade e a frequência das exacerbações estão fortemente correlacionadas com o prognóstico do paciente. Pacientes com maior frequência de exacerbações apresentam declínio acelerado da função pulmonar, má qualidade de vida relacionada à saúde e aumento da mortalidade. O manejo da doença requer diagnóstico precoce, remoção de fatores de risco, bem como tratamentos farmacológicos e não farmacológicos.(1,4)
 
A terapia farmacológica para a DPOC estável inclui broncodilatadores inalatórios de longa duração (antagonistas muscarínicos de longa duração e β2-agonistas de longa duração) que podem ser usados individualmente ou em combinação com corticosteroides inalatórios como terapia dupla ou tripla. Evidências crescentes oriundas de ensaios clínicos randomizados sugerem que os tratamentos farmacológicos podem causar benefícios significativos em uma série de desfechos, incluindo dispneia, qualidade de vida relacionada à saúde, frequência de exacerbações e mortalidade.(5-7)
 
Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Moreira et al.(8) relataram uma associação entre a não adesão ao tratamento farmacológico e a mortalidade geral em pacientes com DPOC acompanhados em um programa público de gestão de doenças do sistema público de saúde brasileiro. Eles observaram, entre os pacientes com DPOC moderada a grave, uma taxa de adesão geral de 87,2%. Usando um modelo de regressão de Cox ajustado, os pesquisadores observaram que a chance de mortalidade era quase duas vezes maior em pacientes não aderentes.
 
Os autores reconhecem que utilizaram um método indireto para avaliar a adesão ao tratamento. No entanto, é importante notar que não existe um método padrão ouro para avaliar a adesão aos medicamentos inalatórios. (9) Um dos métodos mais precisos é a administração diretamente observada, mas isso é impraticável no cenário da prática clínica e protocolos de pesquisa.
 
Os crescentes avanços da medicina resultam em benefícios para a saúde humana, embora os custos também sejam crescentes e muitas vezes atinjam um ponto economicamente insustentável. Portanto, é importante que os recursos sejam utilizados de forma eficiente para beneficiar o maior número possível de pacientes.
 
Diretrizes para o tratamento da DPOC e outras doenças são baseadas principalmente em evidências coletadas de ensaios clínicos randomizados que avaliam a eficácia de medicamentos.(1) No entanto, evidências coletadas de estudos observacionais da vida real que avaliam a eficácia também são importantes. A não adesão é apontada como um importante contribuinte para a redução da eficácia.
 
A não adesão ao tratamento da DPOC pode ser primária, quando o paciente não segue a prescrição, ou secundária, quando a medicação não é utilizada na dose recomendada ou o dispositivo inalatório é utilizado incorretamente. Tanto a não adesão primária e secundária contribuem para reduzir a eficácia do tratamento.(9,10)
 
Vários fatores são identificados como modificadores do nível de adesão, incluindo aqueles relacionados aos medicamentos e aqueles relacionados ao paciente. A qualidade da comunicação entre aqueles que prescrevem as medicações e os pacientes influencia o nível de adesão ao tratamento. A comunicação de boa qualidade, com informações sobre a doença, medicamentos e técnicas de uso do dispositivo, pode melhorar a adesão primária e secundária.(9,10)
 
A via de administração também pode influenciar a adesão. Em geral, os medicamentos orais têm taxas de adesão mais altas do que os medicamentos inalatórios da mesma classe. Isso é particularmente um problema para pacientes com asma ou DPOC, uma vez que o uso de medicamentos inalatórios é desejável devido à menor incidência de efeitos colaterais. Erros na técnica inalatória são comuns e interferem na administração adequada do medicamento.(9,10)
 
O sistema público de saúde brasileiro oferece acesso a medicamentos inalatórios gratuitamente para pacientes com DPOC a fim de reduzir o pesado ônus social e econômico da doença.
 
Consideramos que os resultados do estudo de Moreira et al.(8) são de grande importância para alertar médicos e gestores de saúde quanto à necessidade de se avaliar o nível de adesão primária e secundária e implementar ações que visem aumentar a eficácia do tratamento e a eficiência dos cuidados de saúde.
 
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
 
Os autores contribuíram de forma equânime na realização deste trabalho.
 
CONFLITO DE INTERESSES
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) [homepage on the Internet]. Bethesda: GOLD; [cited 2022 Feb 10]. Global strategy for the diagnosis, management, and prevention of chronic obstructive pulmonary disease 2021. Available from: www.goldcopd.org
2.            Menezes AM, Perez-Padilla R, Jardim JR, Muiño A, Lopez MV, Valdivia G, et al. Chronic obstructive pulmonary disease in five Latin American cities (the PLATINO study): a prevalence study. Lancet. 2005;366(9500):1875-1881. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(05):67632-5
3.            World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: WHO; [cited 2022 Feb 10]. Chronic obstructive pulmonary disease (COPD). https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/chronic-obstructive-pulmonary-disease-(copd)
4.            Halpin DMG, Celli BR, Criner GJ, Frith P ,López Varela MV, Salvi S, et al. The GOLD Summit on chronic obstructive pulmonary disease in low- and middle-income countries. Int J Tuberc Lung Dis. 2019;23(11):1131-1141. https://doi.org/10.5588/ijtld.19.0397
5.            Hurst JR, Siddiqui MK, Singh B, Varghese P, Holmgren U, de Nigris E. A Systematic Literature Review of the Humanistic Burden of COPD. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis. 2021;16:1303-1314. https://doi.org/ 10.2147/COPD.S296696
6.            Suissa S, Dell’Aniello S, Ernst P. Long-term natural history of chronic obstructive pulmonary disease: severe exacerbations and mortality. Thorax. 2012;67(11):957-963. https://doi.org/10.1136/thoraxjnl-2011-201518
7.            Scott DA, Woods B, Thompson JC, Clark JF, Hawkins N, Chambers M, et al. Mortality and drug therapy in patients with chronic obstructive pulmonary disease: a network meta-analysis. BMC Pulm Med. 2015;15:145. https://doi.org/10.1186/s12890-015-0138-4
8.            Moreira ATA, Pinto CR, Lemos ACM, Assunção-Costa L, Souza GS, Martins Netto E. Evidence of the association between adherence to treatment and mortality among patients with COPD monitored at a public disease management program in Brazil. J Bras Pneumol. 2021;48(1):e20210120. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210120
9.            Sanduzzi, A., Balbo, P., Candoli, P. Catapano GA, Contini P, Mattei A, et al. COPD: adherence to therapy. Multidiscip Respir Med. 2014;9(1):60. https://doi.org/10.1186/2049-6958-9-60
10.          Bourbeau J, Bartlett SJ. Patient adherence in COPD. Thorax. 2008;63(9):831-838. https://doi.org/10.1136/thx.2007.086041

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