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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Características prognósticas da evolução da sarcoidose em uma coorte brasileira

Prognostic features of sarcoidosis course in a Brazilian cohort

Marina Dornfeld Cunha Castro1, Carlos Alberto de Castro Pereira1, Maria Raquel Soares1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210366

ABSTRACT

Objective: To identify predictive features associated with the course of sarcoidosis at initial evaluation and to develop a predictive score. Methods: This was a retrospective study involving pulmonary sarcoidosis patients, classified as having a self-limited or persistent course of disease, comparing data between the outcomes by univariate analysis. Features related to persistent disease were selected by multivariate analysis and a prognostic score was designed. Results: The sample comprised 200 patients (mean age = 49 years). The median duration of symptoms to diagnosis was 12 months, and delayed diagnosis (> 12 months) was found in 43% of the cases. The most common radiological stage was II; 37% had reduced FVC. Relevant systemic involvement was detected in 37% of the patients. Treatment for tuberculosis was prescribed in 44 patients prior to sarcoidosis diagnosis. Treatment for sarcoidosis was required in 77% of the sample, and the disease course was persistent in 115 cases. Excluding 40 patients with fibrotic disease, prognostic factors to persistent disease were parenchymal involvement, delayed diagnosis, dyspnea, relevant systemic involvement, and reduced FVC. On the basis of the analysis, a 3-letter scoring system (A, B and C) was developed according to the selected factors. The positive predictive values for persistent course for A (= 1 point) and C scores (= 4 points) were 12.5% and 81.8%, respectively. Conclusions: A score can be derived by selected features at initial evaluation, allowing the prediction of outcomes in a significant number of sarcoidosis patients.

Keywords: Sarcoidosis; Prognosis; Chronic disease; Tuberculosis.

RESUMO

Objetivo: Identificar características preditivas associadas à evolução da sarcoidose na avaliação inicial e desenvolver um escore preditivo. Métodos: Estudo retrospectivo com pacientes com sarcoidose pulmonar, classificados como tendo evolução autolimitada ou persistente da doença, comparando dados entre os desfechos por meio de análise univariada. Características relacionadas à doença persistente foram selecionadas por meio de análise multivariada, e foi desenvolvido um escore prognóstico. Resultados: A amostra foi composta por 200 pacientes (média de idade = 49 anos). A mediana da duração dos sintomas até o diagnóstico foi de 12 meses, e houve diagnóstico tardio (> 12 meses) em 43% dos casos. O estádio radiológico mais frequente foi o II; 37% apresentavam redução da CVF. Envolvimento sistêmico relevante foi detectado em 37% dos pacientes. Tratamento para tuberculose foi prescrito em 44 pacientes antes do diagnóstico de sarcoidose. Tratamento para sarcoidose foi necessário em 77% da amostra, e a evolução da doença foi persistente em 115 casos. Com a exclusão de 40 pacientes com doença fibrótica, os fatores prognósticos para doença persistente foram comprometimento parenquimatoso, diagnóstico tardio, dispneia, comprometimento sistêmico relevante e redução da CVF. Com base na análise, foi desenvolvido um sistema de pontuação por letras (A, B e C) de acordo com os fatores selecionados. Os valores preditivos positivos para evolução persistente para as pontuações A (≤ 1 ponto) e C (≥ 4 pontos) foram de 12,5% e 81,8%, respectivamente. Conclusões: É possível derivar um escore por meio de características selecionadas na avaliação inicial, permitindo a predição de desfechos em um significativo número de pacientes com sarcoidose.

Palavras-chave: Sarcoidose; Prognóstico; Doença crônica; Tuberculose.

INTRODUÇÃO
 
A sarcoidose é uma doença granulomatosa multissistêmica com expressão clínica, história natural e prognóstico altamente variáveis.(1,2) Varia desde doença autolimitada, frequentemente assintomática, até doença com grave perda de função que pode levar à morte.(1-3)
 
Vários estudos derivaram modelos para predição de maior risco de morte, insuficiência respiratória ou doença crônica. (3-14) Alguns sugeriram classificações complexas após um acompanhamento de longo prazo. (15-17) Individualmente, pode ser difícil estabelecer o prognóstico da sarcoidose, mas seria importante tentar identificar possíveis desfechos no momento do diagnóstico. Várias manifestações estão fortemente associadas a um pior prognóstico. Elas incluem fenótipos de sarcoidose resistente a tratamento (por exemplo, fibrose e hipertensão pulmonar) e sarcoidose de múltiplos órgãos.(18,19) Outras características estão associadas à sarcoidose crônica ou persistente em alguns estudos, mas não em outros.(7,8,10,12,16,17,20) Elas incluem idade mais avançada, sexo masculino, tabagismo, sintomas respiratórios/constitucionais, raça, nível de dispneia, ausência de eritema nodoso, função pulmonar anormal, comprometimento parenquimatoso pulmonar na ausência de fibrose e comprometimento sistêmico.(7,8,10,12,16,17,20)
 
A influência da duração dos sintomas até o diagnóstico de sarcoidose sobre os desfechos raramente é relatada. Em um estudo envolvendo o desenvolvimento de um escore por especialistas, maior tempo para o diagnóstico de sarcoidose foi associado a maior gravidade da doença na análise univariada, mas não na análise multivariada.(16) Em outro estudo, os grupos de evolução subaguda e crônica (ou seja, se a duração estimada da doença foi menor ou maior que 2 anos, respectivamente) apresentaram uma média semelhante de duração dos sintomas até o diagnóstico (apenas 2 meses).(9) Em um estudo norte-americano,(21) a sarcoidose não foi diagnosticada em até 6 meses após os sintomas iniciais em mais de um quarto dos indivíduos. Esses pacientes apresentavam menor VEF1 (mas não menor CVF) e estádios mais avançados da doença.(21) A mediana da duração dos sintomas até o diagnóstico foi de 12 meses em um estudo no Brasil.(22) No grupo tempo para o diagnóstico > 12 meses, tanto a CVF quanto o VEF1 eram inferiores, e o diagnóstico errôneo de tuberculose foi mais frequente.
 
Os objetivos do presente estudo foram identificar características preditivas na avaliação inicial associadas à evolução clínica da sarcoidose e desenvolver um escore prognóstico preditivo simples da evolução da doença na prática cotidiana. Em particular, analisou-se o papel do diagnóstico tardio e do tratamento para tuberculose diagnosticada erroneamente.
 
MÉTODOS
 
Pacientes com diagnóstico de sarcoidose pulmonar foram avaliados retrospectivamente em três centros especializados (dois hospitais terciários e uma clínica privada) em doenças pulmonares intersticiais (DPIs) na cidade de São Paulo (SP) entre janeiro de 1990 e dezembro de 2015.
 
O diagnóstico de sarcoidose foi baseado em um consenso conjunto da American Thoracic Society, da European Respiratory Society e da World Association of Sarcoidosis and Other Granulomatous Disorders. (1) Pacientes com características clínicas típicas, pacientes incapazes de se submeter a procedimentos de biópsia e aqueles sem achados histológicos definitivos foram diagnosticados por uma equipe multidisciplinar envolvendo pneumologistas e radiologistas especializados em DPIs. Pacientes com avaliação inicial completa em até 3 meses após o tratamento inicial foram incluídos. Os dados foram registrados em um formulário de avaliação padronizado e incluíram as seguintes variáveis: idade, sexo, procedimento diagnóstico, sintomas, resultados de testes de função pulmonar e de exames radiológicos de tórax, estadiamento sistêmico, tratamento e desfecho. Diagnóstico prévio de tuberculose foi cuidadosamente revisado. Nenhum diagnóstico bacteriológico foi confirmado na coorte. Casos raros de pacientes com sarcoidose presumida ou confirmada, mas com diagnóstico definitivo de tuberculose, observados durante o período de estudo foram excluídos. Os critérios de exclusão incluíram ausência de envolvimento torácico (estádio 0) ou dados incompletos no momento do diagnóstico ou em relação ao desfecho da doença.
 
A dispneia foi classificada segundo a magnitude da tarefa (Mahler e Wells),(23) sendo considerada relevante se presente em atividades moderadas/leves ou em repouso. As imagens torácicas foram classificadas segundo o sistema Scadding de estadiamento,(24) com base nos achados da TC. A CVF foi classificada como anormal utilizando valores de referência para a população brasileira.(25) Comprometimento de órgãos foi considerado na presença de comprometimento definitivo ou provável utilizando critérios de dois estudos de referência.(1,26) Comprometimento sistêmico relevante foi definido pela presença de sarcoidose extratorácica, excluindo-se manifestações agudas (paralisia facial, adenopatia periférica, comprometimento das glândulas orbitárias/salivares, eritema nodoso, artrite ou distúrbios do metabolismo do cálcio).
 
Médicos especializados em DPIs decidiram individualmente sobre a terapia. Os registros incluíam tipo de medicamentos e tempo para início e duração do tratamento, considerado quando realizado por pelo menos 3 meses consecutivos.
 
A evolução da doença foi classificada da seguinte forma: autolimitada — involução espontânea em até 2 anos após o diagnóstico ou estabilidade por pelo menos 1 ano após um curso de terapia; e persistente — resistência ao tratamento, recaída após interrupção do tratamento, tratamento de manutenção considerado necessário ou evidência de doença crônica estável 2 anos após o diagnóstico.(27) Para classificar a evolução da doença, aguardou-se um intervalo de 1 ano a partir dos critérios de desfecho mais recentes. Alguns pacientes apresentavam recaída ou resistência ao tratamento durante a última avaliação, e não houve tempo suficiente para determinar se a doença estava cronicamente estável ou se necessitava de tratamento permanente.
 
Análise estatística
 
Os resultados foram expressos em frequências absolutas e relativas, média ± desvio padrão ou mediana e quartis inferior e superior (Q1 e Q3). A distribuição normal das variáveis foi testada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov após inspeção visual das curvas.
 
O tempo desde o primeiro sintoma até o diagnóstico foi considerado zero nos pacientes assintomáticos (diagnóstico incidental). Dados clínicos, radiológicos e funcionais foram comparados entre os pacientes com evolução autolimitada e os com evolução persistente por meio dos testes exato de Fisher ou qui-quadrado de Pearson para variáveis categóricas e por meio dos testes t de Student e U de Mann-Whitney para variáveis contínuas com distribuição normal e não normal, respectivamente.
 
As variáveis inicialmente selecionadas por meio da análise univariada com valor de p < 0,10 foram inseridas em uma análise multivariada utilizando o método de Wald (técnica stepwise forward) para calcular ORs e IC95% para características independentes relacionadas à evolução persistente no grupo sarcoidose não fibrótica.
 
Após a regressão logística, foram atribuídos pesos relativos a valores significativos de OR, e foi desenvolvido um escore de prognóstico, atribuindo pontos para cada variável identificada. A consistência interna do modelo final foi testada por meio do método bootstrap (1.000 amostras).
 
As análises foram realizadas com o programa IBM SPSS Statistics, versão 21.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Hospital São Paulo/Universidade Federal de São Paulo (CAAE n. 55830016.0.1001.5505) e do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (CAAE n. 55830016.0.2001.5463).
 
RESULTADOS
 
Um total de 200 pacientes com sarcoidose com avaliação inicial completa e acompanhamento foi incluído no estudo. A Tabela 1 resume as características basais e os dados comparativos entre indivíduos com sarcoidose não fibrótica e fibrótica. A maioria dos indivíduos era do sexo feminino (63%), e a média de idade no momento do diagnóstico foi de 49,4 anos. A mediana da duração dos sintomas até o diagnóstico foi de 12 meses. Tosse e dispneia foram os sintomas pulmonares mais frequentes. Metade da amostra manifestou sintomas sistêmicos (febre e/ou perda de peso).


 
Caracterizou-se diagnóstico tardio quando o diagnóstico foi confirmado mais de 12 meses após o início dos sintomas (em 43% dos casos). O diagnóstico tardio foi mais frequente no sexo feminino do que no masculino (75% vs. 54%; p < 0,01), nos pacientes com mais de 50 anos de idade (64% vs. 38%; p < 0,01) e naqueles com sibilância (38% vs. 23%; p = 0,02) em comparação com o diagnóstico precoce (≤ 12 meses).
 
O estádio radiológico mais frequente foi o II, seguido pelos estádios I e IV, estes últimos com proporções semelhantes. A média da CVF ficou abaixo do limite inferior da normalidade em 37% dos casos.
 
Tratamento para tuberculose presumida foi realizado antes do diagnóstico de sarcoidose em 44 pacientes (22%). Os pacientes tratados para tuberculose presumida, em comparação com os não tratados, foram associados à perda de peso (61% vs. 35%; p < 0,001) e comprometimento parenquimatoso pulmonar (95% vs. 77%; p = 0,01). Nesse grupo, observou-se maior duração da doença antes do tratamento da sarcoidose: mediana [Q1-Q3] = 17,0 [9,0-62,5] meses vs. 9,0 [2,8-18,0] meses; p = 0,024.
 
O comprometimento sistêmico é mostrado na Figura 1. Comprometimento sistêmico relevante (excluindo-se manifestações agudas) estava presente em 74 casos (37%).


 
Durante a evolução da doença, 77% dos casos necessitaram de tratamento, principalmente corticosteroides (em 74%), seguidos por metotrexato e/ou leflunomida (em 39%). Apenas 4% dos pacientes necessitaram de inibidores de TNF. Dois ou mais medicamentos foram prescritos para 51% dos pacientes.
 
A análise das características associadas aos desfechos propostos foi realizada após a exclusão de 40 pacientes em estádio IV, pois esse estádio está relacionado a lesões pulmonares irreversíveis. Em comparação com os pacientes com sarcoidose não fibrótica, aqueles em estádio IV (n = 40) eram mais velhos, mais frequentemente apresentavam diagnóstico tardio, mais frequentemente apresentavam dispneia, apresentavam menor CVF (em % do valor predito) e mais frequentemente apresentavam o hábito de fumar (p < 0,05 para todos). Todos os pacientes fibróticos necessitaram de tratamento (82% deles com dois ou mais medicamentos), e em comparação com aqueles sem fibrose, apresentaram também uma taxa de mortalidade mais elevada (28% vs. 9%).
 
A amostra final de pacientes com sarcoidose pulmonar não fibrótica foi dividida em subgrupos de evolução autolimitada (n = 85) e persistente (n = 75) de acordo com o desfecho da doença (Figura 2). As características prognósticas dos dois subgrupos foram comparadas (Tabela 2). A análise univariada associou o subgrupo de evolução persistente a comprometimento parenquimatoso pulmonar (estádios II e III), diagnóstico tardio, dispneia, comprometimento sistêmico relevante em dois ou mais órgãos (mas não em apenas um órgão), redução da CVF e tratamento para tuberculose presumida. Eritema nodoso foi observado em 16 pacientes (10% dos casos), principalmente em mulheres (88%), mas sua presença não foi associada a um melhor desfecho (10 no subgrupo doença autolimitada vs. 6 no subgrupo doença persistente). O tabagismo foi semelhante nos dois subgrupos. Outras associações significativas foram as seguintes: 42/122 (34%) dos pacientes com comprometimento parenquimatoso apresentavam redução da CVF, contra 5/38 (13%) daqueles sem comprometimento parenquimatoso (p = 0,01); e 24/56 (43%) dos pacientes com dispneia apresentavam redução da CVF, contra 23/104 (22%) daqueles sem dispneia (p = 0,01). Não houve associação significativa entre comprometimento parenquimatoso e dispneia (p = 0,29). Embora tenha havido associações significativas entre essas variáveis, todas elas foram selecionadas para a análise multivariada final.




 
No modelo final de regressão logística, dois pacientes foram excluídos por serem considerados discrepantes pelo modelo estatístico selecionado. Os resultados da análise multivariada (OR e IC95%) são apresentados na Tabela 3. Tratamento para tuberculose não atingiu significância estatística. No entanto, mais pacientes tratados para tuberculose desenvolveram fibrose pulmonar durante o acompanhamento. Exames de imagem de evolução estavam disponíveis em 154/158 dos pacientes com sarcoidose não fibrótica; 15/32 (47%) e 31/122 (25%) dos que tinham e não tinham recebido tratamento para tuberculose, respectivamente, desenvolveram fibrose (p = 0,018).


 
Utilizando as ORs relativas das variáveis significativas, foi desenvolvido um sistema de escore: redução da CVF, diagnóstico tardio e dispneia — 1 ponto cada — comprometimento parenquimatoso pulmonar e dois ou mais comprometimentos extratorácicos relevantes — 2 pontos cada. Agrupando a soma de pontos mais relevante a desfechos distintos, foram desenvolvidos três pontos de corte e um sistema de estadiamento: 0-1 ponto = estádio A (24 pacientes); 2-3 pontos = estádio B (90 pacientes); e ≥ 4 pontos = estádio C (44 pacientes). Evolução persistente ocorreu em 12,5% (21/24) dos pacientes em estádio A, em 38,9% (35/90) daqueles em estádio B e em 81,8% (36/44) daqueles em estádio C (x2 = 39,94; p < 0,001; Figura 3).


 
De acordo com o escore proposto, com o acréscimo de 40 casos de doença fibrótica (evolução persistente), o modelo faria uma predição correta em 97 de 200 casos (48%).
 
Foi realizada a validação interna do sistema de estadiamento (método bootstrap de reamostragem), com base em 1.000 amostras, e as variáveis estatisticamente significativas permaneceram na análise multivariada (p < 0,05), exceto novamente tratamento para tuberculose (p = 0,16).
 
DISCUSSÃO
 
A predição da evolução da sarcoidose na avaliação inicial é uma tarefa difícil na prática clínica.(28,29) No atual estudo, conseguimos identificar características prognósticas na apresentação associadas à evolução autolimitada ou persistente em pacientes com sarcoidose pulmonar não fibrótica em um significativo, mas limitado, número de casos. Essas características incluíram diagnóstico tardio (> 12 meses), presença de dispneia, comprometimento parenquimatoso pulmonar (estádios II e III), redução da CVF e doença extratorácica relevante em dois ou mais órgãos. Tratamento para tuberculose presumida em pacientes com sarcoidose foi associado a diagnóstico tardio e doença mais persistente.
 
Os pacientes sem comprometimento torácico (estádio 0) foram excluídos do presente estudo. Em comparação com um grande estudo prospectivo norte-americano, o presente estudo incluiu um menor número de casos de estádio I e um maior número de casos de estádio IV, provavelmente em virtude de viés de seleção.(30)
 
Vários fatores foram associados ao desfecho da sarcoidose em diferentes estudos.(4-14) No presente estudo, a evolução da sarcoidose foi classificada como autolimitada ou persistente.(27) Na apresentação, todos os pacientes com fibrose pulmonar (estádio IV) apresentavam doença persistente e necessitaram de tratamento. Esses pacientes eram mais velhos, mais frequentemente apresentavam diagnóstico tardio, mais frequentemente relataram dispneia significativa, mais frequentemente eram fumantes ou ex-fumantes e apresentavam menor CVF%. A perda de peso foi mais frequente naqueles tratados para tuberculose diagnosticada erroneamente, mas a presença de febre não foi significativamente diferente.
 
O tabagismo parece ter um efeito protetor no desenvolvimento de sarcoidose, mas esse não é um achado universal. No presente estudo, os indivíduos em estádio radiológico IV mais frequentemente eram fumantes ou ex-fumantes, sugerindo maior risco para o fenótipo fibrótico em fumantes, semelhante ao observado na pneumonite de hipersensibilidade.(31)
 
Não foi encontrada nenhuma influência do sexo dos indivíduos no prognóstico. A raça não foi avaliada, em virtude da elevada miscigenação da população brasileira.
 
Foi relatado que ocorre remissão espontânea em 90% dos pacientes em estádio I, em 40-70% daqueles em estádio II e em 10-20% daqueles em estádio III.(32) No presente estudo, os pacientes em estádio I mais frequentemente apresentavam doença autolimitada, mas aqueles em estádios II e III apresentavam frequências semelhantes de evolução autolimitada e persistente e, consequentemente, foram combinados. O mesmo foi observado no estudo clássico de Neville et al.(2)
 
Comprometimento parenquimatoso, dispneia e redução da CVF permaneceram preditores significativos do desfecho da doença na análise multivariada. Há uma dissociação entre nível de dispneia, resultados de função pulmonar e exames de imagem do tórax na sarcoidose.(33,34) Constatamos que até casos de estádio I podem apresentar redução da CVF e dispneia relevante, à semelhança do que foi relatado em outros estudos.(8,32) Doença parenquimatosa pulmonar pode estar presente quando se realiza TCAR, mesmo na ausência de anormalidades radiográficas, demonstrando a maior sensibilidade da TC.(35) Constatamos que CVF abaixo do limite inferior da normalidade foi um preditor de evolução persistente da doença. Em um estudo, CVF < 80% do valor predito também foi um preditor de doença crônica.(36) A relação VEF1/CVF foi semelhante entre os dois grupos. Poucos estudos avaliaram o papel da dispneia para predição da evolução da sarcoidose. Em um estudo para determinar características na apresentação inicial associadas a tratamento continuado (2 anos após início), Baughman et al.(8) constataram que o nível de dispneia e a CV predita foram características significativas.
 
A dispneia é multifatorial e pode ser resultado de vários aspectos na sarcoidose, não apenas de anormalidades pulmonares. Condições como hipertensão pulmonar, doença cardíaca, anemia, comprometimento musculoesquelético/neurológico, comprometimento articular, síndromes parassarcoides (fadiga crônica, ansiedade e depressão) e hiperventilação podem resultar em dispneia.(37)
 
Frequentemente há atraso no diagnóstico da sarcoidose desde o início dos sintomas por vários motivos, incluindo um grande número de consultas médicas antes do diagnóstico.(21,22,38) A apresentação da sarcoidose é muito diversificada, a doença é pouco frequente, e pouquíssimos médicos têm treinamento e experiência sobre a doença.
 
A influência do atraso no diagnóstico sobre os desfechos é raramente relatada. Na presente amostra, metade dos casos apresentava atraso no diagnóstico de mais de 1 ano, e a maioria desses casos estava associada à doença crônica. O diagnóstico tardio foi mais frequente no sexo feminino, nos pacientes mais velhos (> 50 anos), naqueles com sibilância e naqueles erroneamente diagnosticados com tuberculose.
 
Sarcoidose persistente foi mais frequente quando havia comprometimento extrapulmonar de múltiplos órgãos relevante, uma associação bem conhecida.(7,10,19,29,39)
 
Em países em desenvolvimento, dada a alta incidência de tuberculose, muitos pacientes diagnosticados com sarcoidose terão recebido tratamento para tuberculose. Em nosso estudo, os pacientes com perda de peso tinham mais frequentemente sido tratados para tuberculose. Até onde sabemos, o impacto de tal decisão no desfecho final da sarcoidose não foi estudado.
 
Embora o Mycobacterium tuberculosis não pareça ser o gatilho etiológico da sarcoidose, há evidências crescentes de que as micobactérias são a causa de pelo menos alguns casos de sarcoidose. No presente estudo, constatamos que um grande número de pacientes tratados para tuberculose teve evolução crônica e desenvolveu fibrose, confirmada por exames de imagem, que não estava presente na avaliação inicial. Isso sugere que o tratamento para tuberculose presumida pode piorar a evolução da doença. Um estudo postulou que o(s) antígeno(s) dessa micobactéria poderia(m) ser liberado(s) durante a morte do organismo, com o complexo de proteínas do hospedeiro e da micobactéria em resposta à infecção levando à sarcoidose.(40) Esse estudo também sugeriu que a falha na depuração desses complexos de antígenos/proteínas em alguns pacientes poderia levar à doença crônica.(40) Parece haver uma associação bidirecional entre sarcoidose e tuberculose. Alguns pacientes com sarcoidose têm tuberculose confirmada, antes ou depois da sarcoidose. No entanto, tais casos foram excluídos da presente coorte.
 
Vários estudos desenvolveram classificações complexas para avaliar a evolução da sarcoidose após um longo período de acompanhamento. Foram incluídas nessas classificações as categorias de medicamentos utilizadas no tratamento.(15-17)
 
Um estudo realizado na Turquia avaliou a evolução de 275 pacientes com sarcoidose separados de acordo com a evolução da doença (grupo subagudo vs. grupo crônico) e desenvolveu um modelo para predição da evolução utilizando variáveis clínicas e demográficas simples.(9) A regressão logística indicou que eritema nodoso, artralgia e/ou artrite e doença em estádio I foram mais frequentes no grupo subagudo, enquanto sintomas respiratórios/constitucionais e doença em estádio II-III foram mais observados no grupo doença crônica. Em nosso estudo, o eritema nodoso foi pouco frequente e não apresentou valores preditivos. Os sintomas constitucionais não foram um preditor de desfecho.
 
Os principais pontos fortes do presente estudo são o longo período de acompanhamento dos pacientes e a simplicidade do modelo desenvolvido. No entanto, várias limitações estão presentes em nosso estudo. Os pacientes foram avaliados retrospectivamente e tratados em centros de referência, podendo portanto não ser representativos da sarcoidose em geral. O modelo derivado foi capaz de estimar o prognóstico em apenas metade dos casos e deve ser revisado utilizando uma coorte de validação. Melhores marcadores de prognóstico, incluindo biomarcadores, são necessários na sarcoidose. Medidas da DLCO e investigação de hipertensão pulmonar foram realizadas em um número limitado de casos e não foram incluídas na análise final. Achados parenquimatosos específicos na TC, que podem ser úteis na predição do prognóstico, não foram avaliados. Por fim, este estudo não incluiu um protocolo para terapia.
 
Em conclusão, é possível derivar um escore preditivo do desfecho da sarcoidose por meio de múltiplas variáveis na avaliação inicial, a fim de predizer a evolução clínica da doença em um significativo, mas limitado, número de casos. Os resultados devem ser confirmados em estudos futuros que envolvam uma coorte de validação.
 
AGRADECIMENTOS
 
A autora correspondente agradece às instituições e participantes envolvidos no estudo, em especial à Universidade Federal de São Paulo por recebê-la desde o início da residência médica.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
MDCC e CACP: concepção e desenho do estudo; análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do manuscrito; e aprovação da versão final. MRS: aconselhamento especializado e orientação em todas as etapas do estudo e no processo de preparação do manuscrito e aprovação da versão final.
 
CONFLITO DE INTERESSE
 
Não declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
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