Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
7856
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Pressões respiratórias máximas são preditores de sarcopenia em idosos?

Are maximum respiratory pressures predictors of sarcopenia in the elderly?

Rhaine Borges Santos Pedreira1, Marcos Henrique Fernandes1, Thaís Alves Brito1, Paloma Andrade Pinheiro1, Raildo da Silva Coqueiro1, José Ailton Oliveira Carneiro1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210335

ABSTRACT

Objective: To compare maximum respiratory pressures and spirometric parameters among elderly individuals classified as having no sarcopenia, probable sarcopenia, and confirmed sarcopenia, and to test the ability of these variables to discriminate sarcopenia in a community-dwelling elderly population. Methods: This was a cross-sectional study involving 221 elderly (= 60 years of age) individuals of both sexes. Sarcopenia was diagnosed in accordance with the new consensus of the European Working Group on Sarcopenia in Older People. Maximum respiratory pressures and spirometry parameters were assessed. Results: The prevalences of probable sarcopenia and confirmed sarcopenia were 20.4% and 4.1%, respectively. Regardless of the sex, those with confirmed sarcopenia had significantly lower MEP than those with no sarcopenia and probable sarcopenia, whereas only males with confirmed sarcopenia presented with significantly lower MIP than did the other individuals. There was an inverse association of MIP and MEP with sarcopenia, indicating that the decrease by 1 cmH2O in these parameters increases the chance of sarcopenia by 8% and 7%, respectively. Spirometric parameters were not associated with sarcopenia. Cutoff points for MIP and MEP, respectively, were = 46 cmH2O and = 50 cmH2O for elderly women, whereas they were = 63 cmH2O and = 92 cmH2O for elderly men, and both were identified as predictors of sarcopenia (area under the ROC curve > 0.70). Conclusions: Sarcopenia was associated with lower maximum respiratory pressures, but not with spirometric parameters. Maximum respiratory pressures can be used as markers of sarcopenia in a community-dwelling elderly population regardless of the sex.

Keywords: Aging; Sarcopenia; Maximal respiratory pressures; Spirometry.

RESUMO

Objetivo: Comparar as pressões respiratórias máximas e parâmetros espirométricos entre idosos classificados como sem sarcopenia, sarcopenia provável e sarcopenia confirmada e testar a capacidade dessas variáveis de discriminar sarcopenia em idosos residentes em comunidade. Métodos: Estudo transversal envolvendo 221 idosos (≥ 60 anos) de ambos os sexos. Sarcopenia foi diagnosticada de acordo com o novo consenso do Grupo de Trabalho Europeu sobre Sarcopenia em Pessoas Idosas. As pressões respiratórias máximas e parâmetros espirométricos foram avaliados. Resultados: As prevalências de sarcopenia provável e sarcopenia confirmada foram de 20,4% e 4,1%, respectivamente. Independentemente do sexo, aqueles com sarcopenia confirmada apresentaram PEmáx significativamente menor do que aqueles sem sarcopenia e provável sarcopenia, enquanto apenas os homens com sarcopenia confirmada apresentaram PImáx significativamente menor do que os outros indivíduos. Houve uma associação inversa de PImáx e PEmáx com sarcopenia, indicando que a diminuição de 1 cmH2O nesses parâmetros aumenta a chance de sarcopenia em 8% e 7%, respectivamente. Os parâmetros espirométricos não foram associados à sarcopenia. Os pontos de corte para PImáx e PEmáx, respectivamente, foram ≤ 46 cmH2O e ≤ 50 cmH2O para mulheres idosas, enquanto foram ≤ 63 cmH2O e ≤ 92 cmH2O para homens idosos, e ambas foram identificadas como preditores de sarcopenia (ASC ROC > 0,70). Conclusões: A sarcopenia associou-se a pressões respiratórias máximas mais baixas, mas não a parâmetros espirométricos. As pressões respiratórias máximas podem ser usadas como marcadores de sarcopenia em idosos residentes em comunidade, independentemente do sexo.

Palavras-chave: Envelhecimento; Sarcopenia; Pressões respiratórias máximas; Espirometria.

INTRODUÇÃO
 
O atual consenso do European Working Group on Sarcopenia in Older People (EWGSOP, Grupo de Trabalho Europeu sobre Sarcopenia em Pessoas Idosas)(1) define a sarcopenia como uma doença muscular diagnosticada quando há declínio da força e massa muscular. Evidências recentes indicam que a sarcopenia pode afetar os músculos respiratórios,(2) comprometendo sua força e impactando os volumes e capacidades pulmonares,(1,3) o que aumenta o risco de doenças respiratórias.(3,4)
 
Embora alguns parâmetros respiratórios já tenham se mostrado capazes de predizer sarcopenia, o PFE parece ser o parâmetro espirométrico mais frequentemente associado a essa doença.(5-7) O declínio do PFE com o avançar da idade o torna útil para avaliar a gravidade da sarcopenia nos músculos respiratórios de idosos longevos. (5) Além disso, idosos com sarcopenia apresentam menor força muscular respiratória, o que está associado ao declínio da força e massa dos músculos periféricos e do desempenho físico.(8)
 
A mudança proposta pelo EWGSOP(1) para o diagnóstico da sarcopenia, na qual a avaliação da força muscular passa a ser prioridade, criou uma lacuna na literatura, justificando a realização de estudos que sigam as diretrizes atuais. Assim, será possível verificar se as alterações propostas podem afetar o diagnóstico e o comportamento da sarcopenia em relação a outras condições de saúde.
 
Partimos da hipótese de que parâmetros respiratórios podem ser preditores de sarcopenia em idosos, e este parece ser o primeiro estudo a avaliar a capacidade das pressões respiratórias máximas (PRMs) e parâmetros espirométricos de discriminar sarcopenia em uma população de idosos residentes em comunidade, utilizando como critério diagnóstico a proposta mais recente do consenso EWGSOP. (1) Assim, pesquisas para investigar a relação entre sarcopenia e condição respiratória em idosos podem contribuir para a atenção à saúde desse grupo populacional, tornando oportuno o diagnóstico de sarcopenia em idosos submetidos a testes respiratórios.
 
Este estudo teve como objetivo comparar PRMs e parâmetros espirométricos em uma amostra de idosos classificados como sem sarcopenia, sarcopenia provável e sarcopenia confirmada, assim como testar a capacidade dessas variáveis de discriminar sarcopenia em idosos residentes em comunidade.
 
MÉTODOS
 
Trata-se de um estudo transversal, com dados do projeto denominado “Estado nutricional, comportamentos de risco e condições de saúde dos idosos de Lafaiete Coutinho-BA”, que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Protocolo n. 491.661).
 
Contamos com o apoio da Secretaria Municipal de Saúde de Lafaiete Coutinho, município do estado da Bahia, Brasil, que é 100% coberto pela Estratégia Saúde da Família, para localizar os idosos (≥ 60 anos) cadastrados nas duas Unidades de Saúde da zona urbana do município. Assim, foi realizado um censo, e 331 indivíduos foram identificados na triagem inicial. Desse total, 3 indivíduos se recusaram a participar do estudo e 10 foram excluídos por não terem sido localizados após três tentativas. Portanto, 318 idosos participaram das entrevistas. Foram excluídos os participantes cujas informações para a classificação da sarcopenia estavam incompletas e aqueles que não realizaram manovacuometria e/ou espirometria. A amostra final deste estudo envolveu 221 idosos (Figura 1).


 
A coleta de dados ocorreu em duas ocasiões. Inicialmente, foi realizada uma entrevista domiciliar por meio de um instrumento baseado na pesquisa Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento,(9) o Questionário Internacional de Atividade Física adaptado para a população idosa,(10) e a Escala de Depressão Geriátrica,(11) os dois últimos validados para uso no Brasil. Também foram aplicados testes para avaliar o desempenho funcional na primeira ocasião. No segundo momento, os idosos foram convidados a comparecer à Unidade de Saúde onde estavam cadastrados, em horário previamente agendado, para a realização de medidas antropométricas, teste de força de preensão palmar e testes respiratórios.
 
Sarcopenia (variável dependente)
 
Sarcopenia foi diagnosticada com base no algoritmo recentemente proposto pelo consenso EWGSOP.(1) Inicialmente, os idosos foram classificados como não portadores de sarcopenia (força muscular, massa muscular e desempenho físico adequados); provável sarcopenia (força muscular insuficiente, mas massa muscular e desempenho físico adequados); sarcopenia confirmada (força muscular e massa muscular insuficientes, mas desempenho físico adequado); e sarcopenia confirmada grave (força muscular, massa muscular e desempenho físico insuficientes). Em seguida, a variável sarcopenia foi recategorizada, sendo consideradas para a análise dos dados três categorias: sem sarcopenia, sarcopenia provável e sarcopenia confirmada (incluindo doença grave).
 
Força muscular
 
A força muscular periférica foi avaliada por meio do teste de força de preensão palmar, utilizando-se um dinamômetro hidráulico (Saehan Corporation SH5001, Dangjin, Coreia do Sul).(12)
 
Força muscular insuficiente foi definida de acordo com sexo e IMC.(13) O IMC foi classificado em três categorias(14): IMC < 22 kg/m2 (baixo peso); 22 kg/m2 ≤ IMC ≤ 27 kg/m2 (peso adequado); e IMC > 27 kg/m2 (sobrepeso). Para cada categoria de IMC, o ponto de corte para o resultado do teste de força de preensão palmar foi estabelecido no percentil 25. Assim, os participantes foram considerados com força muscular insuficiente quando apresentaram valores abaixo do ponto de corte relacionado à sua categoria de IMC e sexo. Aqueles que durante a coleta de dados não conseguiram realizar o teste por limitações físicas foram classificados como tendo força muscular insuficiente.
 
Massa muscular
 
A massa muscular total (MMT) foi calculada por meio de uma equação proposta por Lee et al.(15) e validada para uso na população idosa brasileira por Rech et al.(16):
 
MMT (kg) = (0,244 × MC) + (7,8 × h) − (0,098 × I) + (6,6 × S) + (E − 3,3)
onde MC é a massa corporal (em kg), h é a altura (em m), I é a idade (em anos), S é o sexo e E é a etnia.
 
Os valores 0 para mulheres e 1 para homens foram adotados para a variável sexo, e a etnia autorreferida foi categorizada adotando 0 para branca (branca, parda [exceto negra] e indígena), 1,2 para asiática e 1,4 para afrodescendentes (negro e negro misturado com outra raça).
 
A partir da MMT, o índice de massa muscular (IMM) foi estimado conforme proposto por Janssen et al.(17):
 
IMM = MMT/altura2
 
Por fim, o percentil 20 do IMM foi utilizado como ponto de corte para classificar os participantes com massa muscular insuficiente, estratificados por sexo.
 
Desempenho físico
 
O desempenho físico foi avaliado por meio do teste de caminhada de 2,44 metros. Desempenho físico insuficiente foi definido pelo critério adaptado por Guralnik et al.,(18) e, primeiramente, a estatura foi classificada em duas categorias, de acordo com o sexo, com base na mediana. Posteriormente, para cada categoria de altura, o percentil 75 foi utilizado como ponto de corte para o tempo gasto durante o teste de caminhada. Assim, os idosos com valores acima do ponto de corte para o tempo gasto durante o teste de caminhada e aqueles que não realizaram o teste por limitação física foram considerados com desempenho físico insuficiente.
 
Variáveis independentes
 
Força muscular respiratória

 
As PRMs foram avaliadas seguindo as diretrizes da American Thoracic Society(19) e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia,(20) utilizando um manovacuômetro digital (MVD 300; Globalmed, Porto Alegre, Brasil).
 
Para a análise dos dados, foram utilizados os maiores valores de PImáx e PEmáx entre as manobras consideradas aceitáveis e reprodutíveis. As manobras foram consideradas aceitáveis quando não ocorreram vazamentos e quando foram sustentadas por pelo menos dois segundos. Para serem consideradas reprodutíveis, dentre as três manobras aceitáveis, as duas com maiores valores não deveriam diferir mais que 10% entre si. Até cinco manobras podiam ser realizadas, respeitando um intervalo de um minuto entre elas. Esse valor foi excedido somente se a maior PRM fosse registrada na última manobra realizada, encerrando o teste quando uma pressão menor fosse gerada.
 
Parâmetros espirométricos
 
Parâmetros espirométricos foram coletados por meio do espirômetro CareFusion Microlab (Micro Medical Ltd., Rochester, Inglaterra), de acordo com as diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. (20) As seguintes medidas foram coletadas: CVF, VEF1, relação VEF1/CVF, PFE e FEF25-75%. Além dessas medidas, foram estimados os valores previstos para a população brasileira, conforme descrito por Pereira et al.(21) e calculados. Para a análise estatística, foram consideradas apenas as variáveis em porcentagem dos valores previstos.
 
Características da população estudada
 
Foram coletadas as seguintes variáveis: variáveis sociodemográficas (sexo e faixa etária); hábitos de vida (tabagismo e nível de atividade física — utilizando a versão longa do Questionário Internacional de Atividade Física(10) e classificando os participantes como ativos ou insuficientemente ativos, respectivamente, aqueles que praticavam ≥ 150 min ou < 150 min de atividade física moderada/vigorosa por semana(22); condição de saúde (doenças crônicas; hospitalização nos últimos 12 meses; sintomas depressivos [utilizando a Escala de Depressão Geriátrica])(11); quedas nos últimos 12 meses; e capacidade funcional — em que as atividades básicas de vida diária (ABVD) foram avaliadas por meio das escalas de Katz et al.(23) e as atividades instrumentais de vida diária (AIVD) de acordo com Lawton & Brody.(24) Os participantes foram classificados como independentes quando conseguiam realizar atividades sem ajuda e como dependentes quando necessitavam de ajuda em pelo menos uma das atividades. A capacidade funcional foi classificada de forma hierárquica(25) em três categorias: independente, dependente somente para AIVD e dependente para ABVD e AIVD.
 
Análise estatística
 
Foram calculadas frequências absolutas e relativas, bem como medianas e amplitudes. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi aplicado para avaliar a normalidade da distribuição dos dados.
 
A associação entre a sarcopenia e as variáveis categóricas foi realizada por meio do teste do qui-quadrado (associação linear-linear). Para comparar PImáx, PEmáx e parâmetros espirométricos entre os subgrupos sem sarcopenia, sarcopenia provável e sarcopenia confirmada, foi utilizado o teste one-way ANOVA, seguido do teste post hoc de Tukey para variáveis com distribuição normal e o teste de Kruskal-Wallis seguido do teste U de Mann-Whitney para variáveis sem distribuição normal. O teste U de Mann-Whitney também foi utilizado para a análise comparativa entre os sexos.
 
A associação entre o perfil de sarcopenia e os parâmetros respiratórios foi avaliada por meio de análise de regressão logística multinomial e expressa em OR e IC95%. Nessa análise, foram feitos ajustes para a variável sexo e as covariáveis que tiveram associação significativa com o diagnóstico de sarcopenia.
 
O poder diagnóstico da sarcopenia determinado por PRM e parâmetros espirométricos e a identificação dos melhores pontos de corte, diferenciados entre homens e mulheres, foram avaliados por meio dos parâmetros fornecidos por uma curva ROC: ASC, sensibilidade e especificidade.
 
Significância foi fixada em 5% (p ≤ 0,05). Todas as análises estatísticas foram realizadas com o pacote IBM SPSS Statistics, versão 21.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA) e o pacote estatístico MedCalc, versão 9.1.0.1 (MedCalc, Mariakerke, Bélgica).
 
RESULTADOS
 
A população do estudo envolveu 221 idosos, sendo 54,3% do sexo feminino e 19,5% com idade ≥ 80 anos. As características da amostra de acordo com o perfil de sarcopenia são apresentadas na Tabela 1. A prevalência de sarcopenia provável foi de 20,4% e a de sarcopenia confirmada foi de 4,1%.


 
A Tabela 2 mostra que homens e mulheres idosos com sarcopenia confirmada apresentaram valores de PEmáx significativamente menores do que aqueles com sarcopenia provável e sem sarcopenia. Em relação à PImáx, apenas os idosos do sexo masculino com sarcopenia confirmada apresentaram valores inferiores em relação àqueles com sarcopenia provável e sem sarcopenia (p ≤ 0,05). No subgrupo sem sarcopenia, os homens apresentaram valores de PImáx e PEmáx mais elevados do que as mulheres. No subgrupo provável sarcopenia, os homens também apresentaram valores de PEmáx mais elevados do que as mulheres (p ≤ 0,05).


 
A Tabela 3 mostra que não houve diferenças significativas entre os parâmetros espirométricos nos subgrupos relacionados à sarcopenia ou entre os sexos (p > 0,05).


 
A análise ajustada do modelo de regressão logística multinomial mostrou que PImáx e PEmáx apresentaram uma associação inversamente proporcional com sarcopenia (p ≤ 0,05), indicando que o aumento de uma unidade (1 cmH2O) na PImáx e PEmáx reduziu a chance do desfecho nos idosos em 8% e 7%, respectivamente. Não houve associações dos parâmetros espirométricos nos subgrupos sarcopenia provável e sarcopenia confirmada (Tabela 4).


 
Os subgrupos sem sarcopenia e provável sarcopenia, por não apresentarem diferenças significativas entre as medianas nem associações no modelo ajustado, foram agrupados como “sem sarcopenia” para a análise da curva ROC. Independentemente do sexo, os resultados das ASC ROC de PImáx e PEmáx indicaram valores acima de 0,70, o que pode ser considerado como bom poder preditivo. Os pontos de corte estabelecidos para a triagem de mulheres e homens idosos com sarcopenia, respectivamente, foram PImáx ≤ 46 cmH2O e PEmáx ≤ 50 cmH2O; e PImáx ≤ 63 cmH2O e PEmáx ≤ 92 cmH2O. Ressalta-se que a PEmáx apresentou melhor poder preditivo para sarcopenia, independente do sexo, bem como melhor sensibilidade e especificidade (Figura 2).


 
DISCUSSÃO
 
Este estudo mostrou que a PEmáx foi menor no subgrupo com sarcopenia confirmada do que nos subgrupos sarcopenia provável e sem sarcopenia, independentemente do sexo, enquanto a PImáx foi menor apenas para homens com sarcopenia confirmada. Na comparação entre os sexos, foi possível observar que os homens do subgrupo sem sarcopenia apresentaram maiores valores de PImáx e PEmáx quando comparados às mulheres do mesmo subgrupo e que os homens do subgrupo provável sarcopenia apresentaram valores de PEmáx mais elevados quando comparados com as mulheres do mesmo subgrupo.
 
Ohara et al.(8) observaram uma associação entre sarcopenia e força muscular respiratória e também identificaram que idosos com sarcopenia apresentaram menores valores de PImáx e PEmáx quando comparados com aqueles sem sarcopenia. Além disso, os autores observaram uma associação entre a redução da força muscular respiratória e o declínio nos componentes da sarcopenia. Os processos fisiológicos que acompanham o envelhecimento afetam o sistema muscular do idoso, de modo que a fraqueza dos músculos respiratórios está associada ao declínio da musculatura periférica.(26)
 
A sarcopenia diafragmática afeta a força desse músculo, repercutindo na capacidade inspiratória e também na capacidade de realizar manobras expulsivas importantes para a higienização das vias aéreas. (27) Esse achado foi reafirmado em um estudo de revisão que discutiu os mecanismos relacionados ao envelhecimento das fibras musculares diafragmáticas. (4) Assim, os achados do presente estudo corroboram a hipótese descrita acima. Além disso, destacamos que o envelhecimento é acompanhado por acentuada cifose torácica e aumento da rigidez da caixa torácica, reduzindo a capacidade de retração elástica e complacência pulmonar(28) e afetando a força muscular respiratória.(29,30)
 
Neste estudo, homens com sarcopenia confirmada apresentaram melhor PImáx e PEmáx do que mulheres com a doença, e homens com provável sarcopenia apresentaram melhor PEmáx do que mulheres da mesma categoria, conforme relatado em estudo anterior.(31) Esses achados podem ser explicados pelas diferenças que existem na composição corporal de homens e mulheres: os homens tendem a apresentar maior força e massa muscular.(26,32)
 
Os resultados também mostraram que um aumento de 1 cmH2O, tanto na PImáx quanto na PEmáx, foi capaz de reduzir a chance de sarcopenia em idosos em 8% e 7%, respectivamente. Essa redução foi superior à relatada em outros estudos.(8) Essas diferenças podem estar relacionadas aos perfis das populações quanto aos aspectos sociais e às condições de saúde. Diferenças metodológicas em relação aos critérios utilizados para o diagnóstico de sarcopenia também são destacadas, uma vez que nosso estudo utilizou o novo consenso EWGSOP,(1) enquanto Ohara et al.(8) basearam seu estudo em recomendações anteriores. Acrescentamos que Ohara et al.(8) utilizaram um manovacuômetro analógico, enquanto nós, um aparelho digital. Tais diferenças podem ter influenciado os valores observados.
 
Outro achado importante deste estudo foi a identificação de pontos de corte para auxiliar o rastreamento da sarcopenia a partir dos valores obtidos na manovacuometria. Em nosso estudo, observamos que os pontos de corte para PImáx e PEmáx apresentaram melhores valores de sensibilidade para ambos os sexos e melhor especificidade para mulheres em relação aos do estudo de Ohara et al.(8) Ambos os estudos tiveram pontos de corte semelhantes para mulheres idosas e sugeriram valores maiores para os homens, embora os pontos de corte para os homens tenham sido bastante distintos entre os dois estudos. Essas diferenças também podem ter ocorrido por diferenças no perfil das amostras de homens idosos, além de diferenças metodológicas entre os dois estudos quanto ao diagnóstico de sarcopenia.(1,33) Comparações com outros estudos nacionais não foram possíveis, pois ainda existem poucas investigações propondo pontos de corte para o diagnóstico de sarcopenia em idosos residentes em comunidade no Brasil.
 
A análise de sensibilidade dos pontos de corte da PEmáx, para ambos os sexos, e da PImáx, principalmente nas mulheres, demonstrou que esses parâmetros são muito eficientes no diagnóstico real da sarcopenia na população idosa em comunidade. Além disso, verificamos que o ponto de corte para PEmáx também apresentou alta especificidade para mulheres idosas.
 
Considerando as repercussões que a sarcopenia pode gerar na vida dos idosos, como declínio funcional e vulnerabilidade a doenças respiratórias, é importante identificar parâmetros respiratórios capazes de predizer a sarcopenia por meio de pontos de corte com sensibilidade e especificidade adequadas. Com essas informações, os profissionais de saúde terão mais uma oportunidade de rastreamento da sarcopenia na avaliação respiratória do idoso, e a manovacuometria poderá fornecer informações úteis para estabelecer intervenções precoces e reverter ou minimizar os efeitos adversos da doença.
 
Não houve diferenças significativas nos parâmetros espirométricos entre os subgrupos analisados, nem associações dos parâmetros espirométricos com os subgrupos de sarcopenia provável e confirmada. Esses resultados diferem dos de Ohara et al.,(7) nos quais pior função pulmonar (CVF, VEF1 e FEF25-75%) e pior força muscular foram evidenciadas em idosos com sarcopenia do que naqueles sem sarcopenia. Neste estudo, os parâmetros espirométricos foram apresentados como porcentagens dos valores previstos, enquanto Ohara et al.(7) utilizaram os valores reais (em L ou L/s). As equações para o cálculo dos valores previstos consideram características do paciente, como sexo, idade, peso e altura, que não são consideradas na análise dos valores reais. Esses aspectos podem justificar os diferentes resultados encontrados.Nesse sentido, considerando as divergências entre os resultados e o pequeno número de estudos disponíveis na literatura que corroboram essa discussão, sugere-se que mais estudos sejam realizados para investigar esses aspectos.
 
Uma limitação do presente estudo foi a utilização de equações que consideram medidas antropométricas para estimar a massa muscular. Apesar da escolha de equações validadas e úteis para auxiliar no diagnóstico de sarcopenia em estudos populacionais, estudos de imagem mais complexos poderiam produzir medidas mais precisas. Além disso, salientamos que o número de indivíduos em cada grupo, de acordo com a classificação da sarcopenia,(1) pode ter influenciado os resultados obtidos.
 
Apesar das limitações, este parece ser o primeiro estudo a propor pontos de corte de PImáx e PEmáx para o diagnóstico de sarcopenia em idosos residentes em comunidade, considerando o novo consenso EWGSOP.(1) O uso dos pontos de corte apresentados neste estudo, seja na prática clínica ou como medida de referência para outros estudos, pode contribuir para uma investigação mais detalhada da condição de saúde do idoso.
 
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
 
RBSP: busca na literatura, coleta de dados, desenho do estudo, análise dos dados, preparação do manuscrito, revisão crítica do manuscrito e aprovação da versão final. MHF, TAB, PAP e RSC: coleta de dados, revisão crítica do manuscrito e aprovação da versão final. JAOC: coleta de dados, desenho do estudo, análise dos dados, revisão crítica do manuscrito e aprovação da versão final.
 
CONFLITO DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 



  1. Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, Bruyère O, Cederholm T, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis [published correction appears in Age Ageing. 2019 Jul 1;48(4):601]. Age Ageing. 2019;48(1):16-31. https://doi.org/10.1093/ageing/afz046

  2. Kinugasa Y, Yamamoto K. The challenge of frailty and sarcopenia in heart failure with preserved ejection fraction. Heart. 2017;103(3):184-189. https://doi.org/10.1136/heartjnl-2016-309995

  3. Bahat G, Tufan A, Ozkaya H, Tufan F, Akpinar TS, Akin S, et al. Relation between hand grip strength, respiratory muscle strength and spirometric measures in male nursing home residents. Aging Male. 2014;17(3):136-140. https://doi.org/10.3109/13685538.2014.936001

  4. Elliott JE, Greising SM, Mantilla CB, Sieck GC. Functional impact of sarcopenia in respiratory muscles. Respir Physiol Neurobiol. 2016;226:137-146. https://doi.org/10.1016/j.resp.2015.10.001

  5. Kera T, Kawai H, Hirano H, Kojima M, Fujiwara Y, Ihara K, et al. Relationships among peak expiratory flow rate, body composition, physical function, and sarcopenia in community-dwelling older adults. Aging Clin Exp Res. 2018;30(4):331-340. https://doi.org/10.1007/s40520-017-0777-9

  6. Kera T, Kawai H, Hirano H, Kojima M, Watanabe Y, Motokawa K, et al. Definition of Respiratory Sarcopenia With Peak Expiratory Flow Rate. J Am Med Dir Assoc. 2019;20(8):1021-1025. https://doi.org/10.1016/j.jamda.2018.12.013

  7. Ohara DG, Pegorari MS, Santos NLO, Silva CFR, Oliveira MSR, Matos AP, Jamami M. Cross-sectional study on the association between pulmonary function and sarcopenia in brazilian community-dwelling elderly from the amazon region. J Nutr Health Aging. 2020;24(2):181-187. https://doi.org/10.1007/s12603-019-1290-y

  8. Ohara DG, Pegorari MS, Oliveira Dos Santos NL, de Fátima Ribeiro Silva C, Oliveira MSR, Matos AP, et al. Cross-Sectional Study on the Association between Pulmonary Function and Sarcopenia in Brazilian Community-Dwelling Elderly from the Amazon Region. J Nutr Health Aging. 2020;24(2):181-187. https://doi.org/10.1007/s12603-019-1290-y

  9. Albala C, Lebrão ML, León Díaz EM, Ham-Chande R, Hennis AJ, Palloni A, et al. The Health, Well-Being, and Aging (“SABE”) survey: methodology applied and profile of the study population [Article in Spanish]. Rev Panam Salud Publica. 2005;17(5-6):307-322. https://doi.org/10.1590/S1020-49892005000500003

  10. Benedetti TRB, Antunes PC, Rodriguez-Añez CR, Mazo GZ, Petroski EL. Reprodutibilidade e validade do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) em homens idosos. Rev Bras Med Esporte. 2007;13(1):11-16. https://doi.org/10.1590/S1517-86922007000100004

  11. Almeida OP, Almeida SA. Reliability of the Brazilian version of the ++abbreviated form of Geriatric Depression Scale (GDS) short form [Article in Portuguese]. Arq Neuropsiquiatr. 1999;57(2B):421-426. https://doi.org/10.1590/S0004-282X1999000300013

  12. Figueiredo IM, Sampaio RF, Mancini MC, Silva FCM, Souza MAP. Teste de força de preensão utilizando o dinamômetro Jamar. Acta Fisiatrica. 2007;14(2):104-110. https://doi.org/10.5935/0104-7795.20070002

  13. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2001;56(3):M146-M156. https://doi.org/10.1093/gerona/56.3.M146

  14. American Academy of Family Physicians. American Dietetic Association. National Concil On The Aging. Nutrition Screening Initiative. Nutrition screening and intervention resources for healthcare professionals working with older adults. Washington DC: American Dietetic Association; 2002.

  15. Lee RC, Wang Z, Heo M, Ross R, Janssen I, Heymsfield SB. Total-body skeletal muscle mass: development and cross-validation of anthropometric prediction models [published correction appears in Am J Clin Nutr 2001 May;73(5):995]. Am J Clin Nutr. 2000;72(3):796-803. https://doi.org/10.1093/ajcn/72.3.796

  16. Rech CR, Dellagrana RA, Marucci MFN, Petroski EL. Validade de equações antropométricas para estimar a massa muscular em idosos. Rev Bras Cineantropom Desemp Hum. 2012;14(1):23-31. https://doi.org/10.5007/1980-0037.2012v14n1p23

  17. Janssen I, Baumgartner RN, Ross R, Rosenberg IH, Roubenoff R. Skeletal muscle cutpoints associated with elevated physical disability risk in older men and women. Am J Epidemiol. 2004;159(4):413-421. https://doi.org/10.1093/aje/kwh058

  18. Guralnik JM, Simonsick EM, Ferrucci L, Glynn RJ, Berkman LF, Blazer DG, et al. A short physical performance battery assessing lower extremity function: association with self-reported disability and prediction of mortality and nursing home admission. J Gerontol. 1994;49(2):M85-M94. https://doi.org/10.1093/geronj/49.2.M85

  19. American Thoracic Society/European Respiratory Society. ATS/ERS Statement on respiratory muscle testing. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(4):518-624. https://doi.org/10.1164/rccm.166.4.518

  20. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Diretrizes para testes de função pulmonar. J Bras Pneumol. 2002;28(Suppl 3):S1-S238.

  21. Pereira CAC, Sato T, Rodrigues SC. Novos valores de referência para espirometria forçada em brasileiros adultos de raça branca. J Bras Pneumol. 2007;33(4):397-406. https://doi.org/10.1590/S1806-37132007000400008

  22. World Health Organization (WHO) [homepage on the Internet]. Geneva: WHO; c2010 [cited 2021 Aug 1]. Global Recommendations on Physical Activity for Health. Available from: https://www.who.int/dietphysicalactivity/factsheet_recommendations/en/

  23. KATZ S, FORD AB, MOSKOWITZ RW, JACKSON BA, JAFFE MW. STUDIES OF ILLNESS IN THE AGED. THE INDEX OF ADL: A STANDARDIZED MEASURE OF BIOLOGICAL AND PSYCHOSOCIAL FUNCTION. JAMA. 1963;185:914-919. https://doi.org/10.1001/jama.1963.03060120024016

  24. Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist. 1969;9(3):179-186. https://doi.org/10.1093/geront/9.3_Part_1.179

  25. Hoeymans N, Feskens EJ, van den Bos GA, Kromhout D. Measuring functional status: cross-sectional and longitudinal associations between performance and self-report (Zutphen Elderly Study 1990-1993). J Clin Epidemiol. 1996;49(10):1103-1110. https://doi.org/10.1016/0895-4356(96)00210-7

  26. Shin HI, Kim DK, Seo KM, Kang SH, Lee SY, Son S. Relation Between Respiratory Muscle Strength and Skeletal Muscle Mass and Hand Grip Strength in the Healthy Elderly. Ann Rehabil Med. 2017;41(4):686-692. https://doi.org/10.5535/arm.2017.41.4.686

  27. Greising SM, Mantilla CB, Medina-Martínez JS, Stowe JM, Sieck GC. Functional impact of diaphragm muscle sarcopenia in both male and female mice. Am J Physiol Lung Cell Mol Physiol. 2015;309(1):L46-L52. https://doi.org/10.1152/ajplung.00064.2015

  28. Cruz C, Cruz L, Reis R, Inácio F, Veríssimo M. Doença alérgica respiratória no idoso. Rev Port Imunoalergol. 2018;26(3):189-205.

  29. Diz JBM, Queiroz BZ, Tavares LB, Pereira LSM. Prevalence of sarcopenia among the elderly: findings from broad cross-sectional studies in a range of countries Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(3):665-678. https://doi.org/10.1590/1809-9823.2015.14139

  30. Rosa RS, Bianchi PD, Hansen D, Monschau BT. Alterations of the physiological pulmonary function due to aging on the functionality of elder people [Article in Portuguese]. Fisioter Brasil. 2014;15(1):16-21. https://doi.org/10.33233/fb.v15i1.307

  31. Simões RP, Auad MA, Dionísio J, Mazzonetto M. Influência da idade e do sexo na força muscular respiratória. Fisioter Pesq. 2007;14(1),36-41. https://doi.org/10.1590/fpusp.v14i1.75507

  32. Falsarella GR, Gasparotto LPR, Coimbra IB, Coimbra AMV. Envelhecimento e os fenótipos da composição corporal. Rev Kairos. 2014;17(2):57-77. https://doi.org/10.1590/S1809-98232014000100019

  33. Cruz-Jentoft AJ, Baeyens JP, Bauer JM, Boirie Y, Cederholm T, Landi F, et al. Sarcopenia: European consensus on definition and diagnosis: Report of the European Working Group on Sarcopenia in Older People. Age Ageing. 2010;39(4):412-423. https://doi.org/10.1093/ageing/afq034



Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia