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ISSN (on-line): 1806-3756

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Editorial

Adquirindo expertise em tromboendarterectomia pulmonar: precisamos sempre seguir em frente!

Getting expertise in pulmonary thromboendarterectomy: we always need to move forward!

Ricardo de Amorim Corrêa1, Cláudio Leo Gelape2, Rodrigo de Castro-Bernardes3

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210427

A hipertensão pulmonar tromboembólica crônica (HPTEC) é uma das principais causas de hipertensão pulmonar (HP), sendo classificada como HP do grupo 4 pelo 6º Simpósio Mundial de Hipertensão Pulmonar.(1) É uma das complicações crônicas da embolia pulmonar (EP) aguda, juntamente com a doença pulmonar tromboembólica crônica.(2) Cerca de 75% dos pacientes com HPTEC têm histórico documentado de EP.(1)
 
A doença pulmonar tromboembólica crônica e a HPTEC apresentam sintomas e achados de imagem semelhantes e diferem pela presença de HP em repouso nos pacientes com HPTEC. A HPTEC é atualmente definida pela presença de pressão média da artéria pulmonar (PAPm) > 20 mmHg com pressão de oclusão da artéria pulmonar ≤ 15 mmHg e resistência vascular pulmonar (RVP) ≥ 3 unidades Wood, pelo menos um defeito de desequilíbrio perfusional em imagens do pulmão e achados de trombos fibróticos na angiotomografia pulmonar com múltiplos detectores, ressonância magnética ou cineangiografia pulmonar convencional (estenoses anelares, teias e/ou lesões em fenda ou cônicas) após pelo menos três meses de anticoagulação efetiva. A patologia mostra trombos organizados e remodelação vascular anormal decorrentes de deficiência na angiogênese, comprometimento da fibrinólise e disfunção endotelial.(1,2) Grandes artérias pulmonares e artérias pulmonares periféricas estão envolvidas, e a magnitude destas últimas impacta a tomada de decisão clínica quanto à indicação e resultados da endarterectomia pulmonar (EAP).
 
A incidência de HPTEC após EP é incerta e provavelmente subdiagnosticada, variando de 0,4% a 8,8% (incidência combinada de 3,4%; IC95%: 2,1-4,4%). A prevalência varia de 0,4% a 9,1%.(3) A sobrevida é baixa, com sobrevida estimada em 5 anos de 30% quando a PAPm está acima de 40 mmHg e de 10% se estiver acima de 50 mmHg.(4)
 
A HPTEC é a única causa potencialmente curável de HP. A EAP é o tratamento padrão ouro e consiste na remoção de lesões trombóticas organizadas dos vasos proximais, ou seja, das artérias principais, lobares e segmentares (Figura 1). O refinamento das técnicas e a crescente expertise das equipes cirúrgicas têm permitido atingir lesões mais distais, resultando em melhores resultados em curto e longo prazo.(5) Outras opções são o tratamento médico e a angioplastia pulmonar por balão (APB, também conhecida como angioplastia pulmonar percutânea). O riociguate é o único medicamento aprovado para HPTEC inoperável ou para pacientes com HPTEC persistente/recorrente após EAP.(6) A APB foi incorporada ao arsenal para manejo da HPTEC, sendo inicialmente indicada para pacientes inoperáveis; no entanto, à medida que a experiência com a técnica aumentou nos centros especializados, ela passou a fazer parte do manejo multimodal da HPTEC, juntamente com a EAP e o tratamento médico como ferramentas complementares.(2,7)

 
Um estudo de coorte avaliou a hemodinâmica pós- EAP e constatou que PAPm residual ≥ 30 mmHg se correlacionou com o início de vasodilatadores pulmonares e que PAPm residual ≥ 38 mmHg e RVP ≥ 425 dina ··s−1·· cm−5 se correlacionaram com pior sobrevida em longo prazo.(8) Atualmente, a definição hemodinâmica de HP pós-EAP tem sido debatida após os novos critérios de HP preconizados pelo referido simpósio.(1,2)
 
Os resultados de um Registro Europeu de HPTEC(9) revelaram sobrevida em 1 ano, 2 anos e 3 anos de 93% (IC95%: 90-95%), 91% (IC95%: 87-93% ) e 89% (IC95%: 86-92%), respectivamente, em pacientes operados (n = 404/679) e de 88% (IC95%: 83-91%), 79% (IC95%: 74-83%) e 70% (IC95%: 64-76), respectivamente, em pacientes não operados (n = 275/679), destacando o papel central da EAP. A mortalidade em pacientes operados e não operados foi associada à classe IV da New York Heart Association (NYHA; razão de risco [RR] = 4,16 [IC95%: 1,49-11,62]; p = 0,0065 vs. RR = 4,76 [IC95%: 1,76-12,88]; p = 0,0021), aumento da pressão do átrio direito (RR = 1,34 [IC95%: 0,95-1,90]; p = 0,0992 vs. RR = 1,50 [IC95%: 1,20-1,88]; p = 0,0004) e histórico de câncer (RR = 3,02 [IC95%: 1,36-6,69]; p = 0,0065 vs. RR = 2,15 [IC95%: 1,18-3,94]; p = 0,0129).(9)
 
Outros autores relataram taxas de sobrevida em 1 mês, 1 ano e 3 anos de 97,2%, 93,1% e 92,5%, respectivamente, após a EAP.(10) Eles encontraram melhora significativa na classe da NYHA e na distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos, bem como redução da RVP de 773 ± 353 dina ··s−1·· cm−5 para 307 ± 221 dina ··s−1·· cm−5 (p < 0,001) após o procedimento.(10)
 
Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Scudeller et al.(11) apresentam uma análise retrospectiva dos resultados de EAP no maior centro de referência em EAP da América do Sul ao longo de um período de 10 anos. Eles compararam três períodos sequenciais de tempo juntamente com as melhorias no manejo clínico, anestésico e cirúrgico dos pacientes: grupo 1 (janeiro de 2007 a dezembro de 2012), grupo 2 (janeiro de 2013 a março de 2015) e grupo 3 (abril de 2015 a maio de 2016). EP prévia foi confirmada em 80% da amostra, e não houve diferenças nos parâmetros clínicos e hemodinâmicos entre os grupos, sugerindo que os resultados podem ser decorrentes do próprio aprimoramento técnico, mesmo se considerarmos o desenho retrospectivo do estudo. A probabilidade de sobrevida em 2 anos após a cirurgia para os grupos 1, 2 e 3 foi, respectivamente, de 70%, 77% e 88% (p = 0,501), um pouco menor do que a relatada em um estudo anterior,(9) mas houve redução de complicações pós-operatórias precoces no grupo 3 (10,3%) vs. grupos 1 e 2 (34,2% e 31,4%, respectivamente; p = 0,035).
 
Os autores examinaram variáveis potencialmente associadas a complicações cirúrgicas e infecciosas, bem como à mortalidade hospitalar. Na análise multivariada, estar no grupo 3 foi associado a menos complicações cirúrgicas (OR = 0,221 [IC95%: 0,052-0,939]; p = 0,034 para a comparação dos grupos 1 e 3). Além disso, a pressão sistólica da artéria pulmonar elevada foi associada a mais complicações cirúrgicas (OR = 1,031 [IC95%: 1,007-1,056]; p = 0,012), e as classes III-IV da NYHA no pré-operatório foram associadas a mais complicações infecciosas do que as classes I-II no pré-operatório (OR = 3,538 [IC95%: 1,107 -11,309]; p = 0,033). Idade mais avançada (OR = 1,06 [IC95%: 1,02-1,10; p = 0,047) e maior RVP (OR = 1,00 [IC95%: 1,00-1,01]; p = 0,024) foram associadas a maior mortalidade hospitalar. A probabilidade de mortalidade foi 6,2 e 4,1 vezes maior em pacientes ≥ 60 anos de idade e naqueles com RVP ≥ 860 dina ··s−1·· cm−5, respectivamente. Durante o período de acompanhamento, 75,0%, 61,5% e 63,1% dos pacientes dos grupos 1, 2 e 3, respectivamente, foram classificados como NYHA I 3-6 meses após a EAP, e 58,5% dos pacientes submetidos a cateterismo cardíaco direito desenvolveram HP residual.(11) Embora a definição hemodinâmica da HP residual não tenha sido relatada, o resultado é superior ao encontrado em uma grande meta-análise recente (25%).(12)
 
A EAP é o tratamento padrão ouro para HPTEC, melhorando desfechos clínicos e taxa de sobrevida. De extrema importância é o aprimoramento contínuo das técnicas cirúrgicas e anestésicas, bem como dos cuidados pós-operatórios, conforme demonstrado por Scudeller et al.(11) O tratamento médico e a APB atualmente desempenham um papel importante no tratamento multimodal da HPTEC, o que pode melhorar ainda mais os resultados e o prognóstico desses pacientes.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
Todos os autores contribuíram igualmente para a redação e revisão do documento.
 
CONFLITO DE INTERESSES
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Kim NH, Delcroix M, Jais X, Madani MM, Matsubara H, Mayer E, et al. Chronic thromboembolic pulmonary hypertension. Eur Respir J. 2019;53(1):1801915. https://doi.org/10.1183/13993003.01915-2018
2.            Delcroix M, Torbicki A, Gopalan D, Sitbon O, Klok FA, Lang I, et al. ERS statement on chronic thromboembolic pulmonary hypertension. Eur Respir J. 2021;57(6):2002828. https://doi.org/10.1183/13993003.02828-2020
3.            Coquoz N, Weilenmann D, Stolz D, Popov V, Azzola A, Fellrath JM, et al. Multicentre observational screening survey for the detection of CTEPH following pulmonary embolism. Eur Respir J. 2018;51(4):1702505. https://doi.org/ 10.1183/13993003.02505-2017
4.            Fedullo P, Kerr KM, Kim NH, Auger WR. Chronic thromboembolic pulmonary hypertension. Am J Respir Crit Care Med. 2011;183(12):1605-1613. https://doi.org/10.1164/rccm.201011-1854CI
5.            Jenkins DP, Biederman A, D’Armini AM, Dartevelle PG, Gan HL, Klepetko W, et al. Operability assessment in CTEPH: Lessons from the CHEST-1 study. J Thorac Cardiovasc Surg. 2016;152(3):669-674.e3. https://doi.org/10.1016/j.jtcvs.2016.02.062
6.            Ghofrani HA, D’Armini AM, Grimminger F, Hoeper MM, Jansa P, Kim NH, et al. Riociguat for the treatment of chronic thromboembolic pulmonary hypertension. N Engl J Med. 2013;369(4):319-329. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1209657
7.            Mizoguchi H, Ogawa A, Munemasa M, Mikouchi H, Ito H, Matsubara H. Refined balloon pulmonary angioplasty for inoperable patients with chronic thromboembolic pulmonary hypertension. Circ Cardiovasc Interv. 2012;5(6):748-755. https://doi.org/10.1161/CIRCINTERVENTIONS.112.971077
8.            Cannon JE, Su L, Kiely DG, Page K, Toshner M, Swietlik E, et al. Dynamic Risk Stratification of Patient Long-Term Outcome After Pulmonary Endarterectomy: Results From the United Kingdom National Cohort. Circulation. 2016;133(18):1761-1771. https://doi.org/10.1161/ CIRCULATIONAHA.115.019470
9.            Delcroix M, Lang I, Pepke-Zaba J, Jansa P, D’Armini AM, Snijder R, et al. Long-Term Outcome of Patients With Chronic Thromboembolic Pulmonary Hypertension: Results From an International Prospective Registry. Circulation. 2016;133(9):859-871. https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.115.016522
10.          Tromeur C, Jaïs X, Mercier O, Couturaud F, Montani D, Savale L, et al. Factors predicting outcome after pulmonary endarterectomy. PLoS One. 2018;13(6):e0198198. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0198198
11.          Scudeller PG, Terra-Filho M, Freitas Filho O, Galas FRBG, Andrade TD, Nicotari DO, et al. Chronic thromboembolic pulmonary hypertension: the impact of advances in perioperative techniques in patient outcomes. J Bras Pneumol. 2021;47(5):e20200435. https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20200435
12.          Hsieh WC, Jansa P, Huang WC, Nižnanský M, Omara M, Lindner J. Residual pulmonary hypertension after pulmonary endarterectomy: A meta-analysis. J Thorac Cardiovasc Surg. 2018;156(3):1275-1287.  https://doi.org/10.1016/j.jtcvs.2018.04.110
 

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