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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Acompanhamento de rotina após tratamento cirúrgico de câncer de pulmão: a TC de tórax é útil?

Routine follow-up after surgical treatment of lung cancer: is chest CT useful?

Juliana B F Morellato1, Marcos D Guimarães2, Maria L L Medeiros1, Hélio A Carneiro1, Alex D Oliveira2, João P O Medici1, Marcus V B Baranauskas1, Jefferson L Gross1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210025

ABSTRACT

Objective: To report the experience of a routine follow-up program based on medical visits and chest CT. Methods: This was a retrospective study involving patients followed after complete surgical resection of non-small cell lung cancer between April of 2007 and December of 2015. The follow-up program consisted of clinical examination and chest CT. Each follow-up visit was classified as a routine or non-routine consultation, and patients were considered symptomatic or asymptomatic. The outcomes of the follow-up program were no evidence of cancer, recurrence, or second primary lung cancer. Results: The sample comprised 148 patients. The median time of follow-up was 40.1 months, and 74.3% of the patients underwent fewer chest CTs than those recommended in our follow-up program. Recurrence and second primary lung cancer were found in 17.6% and 11.5% of the patients, respectively. Recurrence was diagnosed in a routine medical consultation in 69.2% of the cases, 57.7% of the patients being asymptomatic. Second primary lung cancer was diagnosed in a routine medical appointment in 94.1% of the cases, 88.2% of the patients being asymptomatic. Of the 53 patients who presented with abnormalities on chest CT, 41 (77.3%) were diagnosed with cancer. Conclusion: Most of the cases of recurrence, especially those of second primary lung cancer, were confirmed by chest CT in asymptomatic patients, indicating the importance of a strict follow-up program that includes chest CTs after surgical resection of lung cancer.

Keywords: Lung neoplasms/surgery; Neoplasm recurrence, local; Neoplasms, second primary.

RESUMO

Objetivo: Relatar a experiência de um programa de acompanhamento de rotina baseado em consultas médicas e TC de tórax. Métodos: Estudo retrospectivo envolvendo pacientes acompanhados após ressecção cirúrgica completa de câncer de pulmão de células não pequenas entre abril de 2007 e dezembro de 2015. O programa de acompanhamento consistiu em exame clínico e TC de tórax. Cada visita de acompanhamento foi classificada como uma consulta de rotina ou fora da rotina, e os pacientes foram considerados sintomáticos ou assintomáticos. Os desfechos do programa de acompanhamento foram ausência de evidência de câncer, recidiva ou segundo câncer de pulmão primário. Resultados: A amostra foi composta por 148 pacientes. A mediana do tempo de acompanhamento foi de 40,1 meses, e 74,3% dos pacientes realizaram menos TCs do que as recomendadas em nosso programa de acompanhamento. Recidiva e segundo câncer de pulmão primário foram encontrados em 17,6% e 11,5% dos pacientes, respectivamente. A recidiva foi diagnosticada em uma consulta médica de rotina em 69,2% dos casos, sendo 57,7% dos pacientes assintomáticos. O segundo câncer de pulmão primário foi diagnosticado em consulta médica de rotina em 94,1% dos casos, sendo 88,2% dos pacientes assintomáticos. Dos 53 pacientes que apresentaram anormalidades na TC de tórax, 41 (77,3%) foram diagnosticados com câncer. Conclusões: A maioria dos casos de recidiva, principalmente os de segundo câncer de pulmão primário, foi confirmada por TC de tórax em pacientes assintomáticos, indicando a importância de um programa de acompanhamento rigoroso que inclua TC de tórax após ressecção cirúrgica de câncer de pulmão.

Palavras-chave: Neoplasias pulmonares/cirurgia; Recidiva local de neoplasia; Segunda neoplasia primária.

INTRODUÇÃO
 
O câncer de pulmão é a principal causa de mortes relacionadas ao câncer em todo o mundo. No Brasil, o câncer de pulmão é o quarto tipo mais incidente, com estimativa de 30.200 novos casos em 2020.(1) Apenas 20% dos novos casos apresentam doença localizada passível de ressecção cirúrgica e metade dos pacientes recidivará mesmo após a ressecção cirúrgica completa. (2) Outra preocupação é o risco de um segundo câncer de pulmão primário em sobreviventes de câncer de pulmão; estudos anteriores relataram uma taxa de 1-3% por paciente-ano.(3)
 
Diagnósticos de recidiva e de segundo câncer de pulmão primário justificam a organização de um programa de acompanhamento. Alguns autores relataram que 60-75% dos casos de recidiva foram encontrados em TCs de tórax de rotina em pacientes assintomáticos.(4) Infelizmente, a maioria das recidivas ocorre em um sítio distante, onde o tratamento curativo é impossível, além de a maioria das recidivas locais não serem ressecáveis e terem um prognóstico sombrio.(5) No entanto, o diagnóstico precoce de câncer de pulmão durante um programa de rastreamento levou a uma redução de 20% na mortalidade específica por câncer.(6) O alto risco de um segundo câncer de pulmão primário justifica a inclusão de tais pacientes em um programa de rastreamento com realização anual de TC de baixa dose. Outros motivos que justificam o acompanhamento são identificar e tratar os efeitos precoces e tardios do tratamento oncológico; tratar outros cânceres primários que sejam passíveis de prevenção primária e secundária; e controlar a ansiedade do paciente e o medo de recidiva.(7)
 
Embora os riscos de recidiva e de segundo câncer de pulmão primário sejam bem conhecidos, uma estratégia de acompanhamento ideal ainda não está bem definida e permanece controversa em diferentes diretrizes.(8-10) Não há um consenso quanto à modalidade, exames, frequência e período de acompanhamento. Vários estudos têm recomendado a TC de tórax como exame de imagem para acompanhamento.(9,10) No entanto, isso aparentemente não tem influência na sobrevida geral. Além disso, pouco se sabe sobre os intervalos de tempo ideais para avaliar os pacientes em um programa de acompanhamento.(11-15)
 
O objetivo do presente estudo foi relatar a experiência de um programa de acompanhamento de rotina baseado em TC de tórax.
 
MÉTODOS
 
Revisão retrospectiva de pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas submetidos à ressecção cirúrgica completa entre abril de 2007 e dezembro de 2015 no A.C. Camargo Cancer Center, localizado na cidade de São Paulo (SP). Este estudo foi aprovado pelo conselho de revisão institucional local (Referência no 1980/14).
 
Os critérios de inclusão foram os seguintes: ter sido submetido à ressecção cirúrgica completa de câncer de pulmão de células não pequenas e participar do programa de acompanhamento em nossa instituição. A idade foi considerada na data do tratamento cirúrgico. Os tipos histológicos foram classificados de acordo com os laudos patológicos. Os estágios clínicos e patológicos foram definidos de acordo com o manual de estadiamento do American Joint Committee on Cancer.(16) Todos os pacientes foram submetidos a PET/TC e RM de cérebro para estadiamento.
 
O tratamento cirúrgico incluiu ressecção do parênquima (segmentectomia, lobectomia ou pneumonectomia) e linfadenectomia mediastinal. Os tratamentos adjuvantes foram indicados a critério do oncologista clínico e/ou radioterapeuta. Definimos o término do tratamento como a data da ressecção cirúrgica ou a data do término do tratamento adjuvante.
 
Acompanhamento
 
A rotina institucional foi baseada em consultas médicas e TCs de tórax em todos os casos, sendo solicitados exames complementares de acordo com a avaliação inicial. Os intervalos entre as avaliações de acompanhamento foram os seguintes: a cada três meses no primeiro e no segundo ano no programa; a cada seis meses entre o terceiro e o quinto ano; e todos os anos após cinco anos. Avaliação de acompanhamento de rotina foi definida como uma visita agendada conforme nossa avaliação de rotina. Avaliação de acompanhamento fora da rotina foi definida como uma consulta médica agendada em uma data diferente, motivada por alguma manifestação clínica, no ambulatório ou pronto-socorro.
 
Conforme as informações registradas nos prontuários, os pacientes foram classificados como sintomáticos ou assintomáticos. Os pacientes sintomáticos foram os que relataram algum sintoma (espontaneamente ou estimulados por questionamento médico direto) ou que apresentaram algum achado no exame físico. Os pacientes classificados como assintomáticos não apresentaram sintomas nem achados anormais ao exame físico.
 
O desfecho de cada visita de acompanhamento foi classificado em quatro categorias: 1. ausência de evidências de câncer; 2. recidiva de câncer de pulmão anterior; 3. segundo câncer de pulmão primário; e 4. segundo câncer extrapulmonar primário. A recidiva foi definida preferencialmente por biópsia. Nos casos em que a biópsia foi considerada desnecessária ou difícil de ser realizada, a recidiva foi determinada por avaliação clínica e radiológica de acordo com as características dos exames de imagem (TC, RM ou PET/TC) e com a evolução nas avaliações sequenciais. Recidiva local foi definida como um tumor ocorrendo nas margens da ressecção, recidiva regional foi definida como um tumor nos linfonodos mediastinais, e recidiva à distância foi definida como um tumor em outros órgãos fora do hemitórax ipsilateral. A recidiva na pleura ipsilateral e em múltiplos nódulos no pulmão ipsilateral também foi classificada como recidiva à distância. No entanto, a diferenciação entre recidiva sistêmica e segundo câncer de pulmão primário foi muito controversa nos casos de um único nódulo no pulmão ipsilateral remanescente. Uma nova neoplasia pulmonar identificada durante uma avaliação de acompanhamento foi classificada como segundo câncer de pulmão primário quando o tipo histológico era diferente do câncer primário. Nos pacientes apresentando o mesmo tipo histológico, um segundo câncer de pulmão primário foi definido de acordo com os critérios de Martini e Melamed(13): a) localização diferente do tumor primário, preferencialmente no pulmão contralateral; b) intervalo livre de doença superior a dois anos; e c) ausência de envolvimento de uma cadeia de linfonodos comum entre o primeiro tumor e o tumor primário atual. Um segundo câncer extrapulmonar primário foi definido pelo exame anatomopatológico e classificado de acordo com a localização anatômica.
 
Análise estatística
 
As variáveis contínuas foram expressas como medianas e variações mínimo-máximo, e as variáveis categóricas foram expressas como frequências absolutas e relativas. O tempo para a recidiva e o tempo para o diagnóstico de segundo câncer de pulmão primário foram calculados a partir da data de conclusão do tratamento do câncer até a data de confirmação da recidiva ou do segundo câncer de pulmão primário por biópsia ou diagnóstico clínico. As correlações foram determinadas pelo teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher. O nível de significância adotado foi p <0,05.
 
RESULTADOS
 
Entre 2007 e 2015, 148 pacientes com câncer de pulmão foram incluídos no estudo. A mediana de idade foi de 67 anos (variação, 25-86 anos). As características dos pacientes são descritas na Tabela 1.


 
A lobectomia pulmonar foi o tipo de ressecção cirúrgica mais comum (67,6%), e a maioria dos pacientes (53,4%) foi classificada como estágio patológico IA (Tabela 2). Nessa amostra, 41 pacientes (27,7%) receberam tratamento adjuvante: quimioterapia, em 31 (21,1%); radioterapia, em 2 (1,3%); e quimiorradiação, em 8 (5,4%).

 
A mediana do tempo de acompanhamento foi de 40,1 meses (variação: 0,6-123,2 meses). A mediana do número de consultas por paciente foi 9 (variação, 1-22), e a mediana do número de TCs de tórax por paciente foi 7 (variação: 0-18). No primeiro ano de acompanhamento, a mediana do número de TCs de tórax foi 3 (variação: 0-5), ao passo que essa foi de apenas 1,5 (variação: 0-4) no segundo ano de acompanhamento.
 
Avaliamos os pacientes de acordo com sua adesão ao programa de acompanhamento de rotina na nossa instituição. Em relação ao número de TCs de tórax durante o programa de acompanhamento, apenas 21 pacientes (14,2%) o completaram corretamente, enquanto 110 (74,3%) e 17 (11,5%), respectivamente, realizaram menos e mais TCs de tórax do que o recomendado.
 
Em nossa amostra, 95 (64,2%) pacientes não mostravam evidências de câncer na última consulta de acompanhamento. Recidiva foi identificada em 26 pacientes (17,6%): recidiva locorregional, em 13 (8,8%); e recidiva à distância, em 13 (8,8%). A recidiva foi confirmada por biópsia e baseada na avaliação por imagem em 16 e 10 pacientes, respectivamente. A mediana do tempo para recidiva foi de 15,1 meses (variação: 1,2-59,3 meses).
 
Dezessete pacientes (11,5%) tiveram diagnóstico de segundo câncer de pulmão primário: confirmado por biópsia, em 16, e por exame de imagem, em 1. A mediana do tempo para recidiva foi de 33,3 meses (variação: 1,2-75,1 meses). O segundo câncer de pulmão primário foi contralateral em 14 pacientes (82,4%).Adenocarcinoma foi o tipo histológico mais comum, em 10 pacientes (58,8%), seguido por carcinoma espinocelular, em 3 (17,6%); carcinoma de grandes células, em 2 (11,8%); e câncer de pulmão de células não pequenas inespecífico, em 2 (11,8%). A distribuição de acordo com o estágio clínico foi a seguinte: I (n = 8; 47%); II (n = 1; 5,9%); IIIA (n = 4; 23,5%); IIIB (n = 1; 5,9%); e IVA (n = 2; 11,8%). A Figura 1 mostra que a maioria dos casos de recidiva foi identificada nos primeiros 20 meses de acompanhamento, enquanto um segundo câncer de pulmão primário foi mais comumente identificado após 30 meses de acompanhamento. Uma segunda neoplasia extrapulmonar maligna foi diagnosticada em 10 pacientes (6,7%) nos seguintes sítios primários: pâncreas, em 3; mama, em 2; cólon, em 1; próstata, em 1; sarcoma de tecidos moles, em 1; rim, em 1, e cérebro, em 1.

 
Foram diagnosticadas recidivas em consultas médicas de rotina em 18 dos 26 pacientes (69,2%), 15 dos quais (57,7%) eram assintomáticos, e anormalidades foram identificadas na TC de tórax de rotina: nódulo, em 7; linfonodos mediastinais, em 3; nódulo pleural, em 2; tumor traqueal, em 1; tumor mediastinal, em 1; e nódulo pancreático, em 1. Foram observados sintomas relacionados à recidiva em 11 pacientes (42,3%): dor, em 6; dispneia, em 2; hemoptise, em 1; tontura, em 1; e rouquidão, em 1.
 
Um segundo câncer de pulmão primário foi diagnosticado em uma consulta médica de rotina em 16 pacientes (94,1%), sendo a maioria (88,2%) assintomática. Apenas 2 pacientes (11,8%) apresentaram sintomas de dispneia (em 1) e hemoptise (em 1). Dos 15 pacientes assintomáticos, o achado mais frequente na TC de tórax foi nódulo pulmonar, em 13 pacientes, seguido por linfonodo mediastinal, em 1; e opacidade em vidro fosco, em 1.
 
A Tabela 3 mostra que os achados na TC de tórax em pacientes assintomáticos diagnosticaram segundo câncer de pulmão primário (88,2%) com maior frequência do que recidiva (57,7%; p = 0,04).


 
Foram encontradas anormalidades na TC de tórax em 53 pacientes (35,8%). A Figura 2 mostra os achados, os exames complementares realizados, a presença de sintomas e os desfechos. A PET/TC foi realizada em 34 pacientes (64,1%).Dos 53 pacientes, 12 (22,7%) não tinham câncer, apesar dos resultados anormais da TC. Entre esses pacientes, PET/TC e broncoscopia foram realizadas em 5 e em 1, respectivamente.


 
DISCUSSÃO
 
Há controvérsias na literatura sobre a modalidade, frequência e duração do acompanhamento, bem como o tipo de exames a serem realizados após a ressecção cirúrgica do câncer de pulmão.(14) Analisamos o programa de acompanhamento em nossa instituição, com foco especial no papel da TC de tórax. No presente estudo, a mediana do período de acompanhamento foi de 40,1 meses.
 
A mediana do número de TCs de tórax por paciente foi de 3 no primeiro ano de acompanhamento, mas caiu para 1,5 no segundo ano.
 
Apenas 14,2% dos pacientes realizaram o número exato de TCs de tórax preconizado pelo protocolo institucional vigente, enquanto a maioria dos pacientes (74,3%) foi submetida a menos TCs de tórax do que o preconizado por nosso protocolo. Foi observada recidiva em 17,6% da amostra (mediana do tempo para recidiva = 15,1 meses).
 
A maioria dos casos de recidiva foi detectada nas consultas de rotina (69,2%) e na TC de tórax de rotina com achados anormais em pacientes assintomáticos (57,7%). Segundo câncer de pulmão primário foi encontrado em 11,5% dos pacientes, sendo a maioria assintomática (88,2%) e com alterações na TC de tórax. Observamos que os achados anormais na TC de tórax em pacientes assintomáticos diagnosticaram segundo câncer de pulmão primário (88,2%) mais frequentemente do que recidiva (57,7%; p = 0,04).
 
A taxa de segundo câncer de pulmão primário de 1-3% por paciente-ano foi relatada em estudos anteriores.(3) Lou et al.(4) relataram 7% de casos de segundo câncer de pulmão primário em um programa de acompanhamento. Similarmente aos nossos achados, Kent et al.(17) relataram uma taxa de segundo câncer de pulmão primário de 11%. Curiosamente, o risco de desenvolver uma malignidade primária extrapulmonar nesse cenário tem sido pouco estudado. Alguns autores relataram a incidência de malignidade extrapulmonar adicional, variando de 1% a 26%.(18-20) Semelhante aos nossos resultados, Son et al. relataram uma taxa de 4,7% de segunda malignidade primária não pulmonar durante o acompanhamento de pacientes submetidos à ressecção de câncer de pulmão.(20) O período de acompanhamento é uma excelente oportunidade para prevenir diferentes neoplasias primárias e secundárias.  Esses aspectos devem ser considerados em um programa abrangente de sobrevivência após o tratamento curativo do câncer de pulmão.
 
Embora a maioria das diretrizes recomende o uso de TC de tórax em programas de acompanhamento após ressecção cirúrgica curativa de câncer de pulmão, não há consenso sobre sua utilidade nesse cenário.(21) Lou et al.(4) relataram sua vasta experiência sobre o papel da TC de tórax no acompanhamento de pacientes com câncer de pulmão tratados cirurgicamente. Similarmente à nossa experiência, eles descobriram que recidiva e segundo câncer de pulmão primário foram diagnosticados em 61% e 93% dos pacientes assintomáticos, respectivamente, por TC de tórax e durante uma consulta de rotina.
 
 Estudos de rastreamento publicados recentemente confirmaram a importância do diagnóstico precoce do câncer de pulmão.(6,17) Portanto, podemos extrapolar esses resultados para o diagnóstico precoce de segundo câncer de pulmão primário durante um programa de acompanhamento. Contudo, não podemos supor que o diagnóstico precoce de recidiva possa impactar a sobrevida geral ou a qualidade de vida. Uma revisão sistemática e meta-análise mostrou uma tendência de melhor sobrevida em um programa de acompanhamento intensivo, e a identificação de recidiva em pacientes assintomáticos foi associada a um aumento significativo na sobrevida.(22) Crabtree et al.(23) relataram que a TC de tórax resultou no diagnóstico precoce de malignidades sucessivas, embora nenhuma diferença na sobrevida tenha sido demonstrada quando a TC de tórax e a radiografia de tórax foram comparadas. Em nossa experiência, a TC de tórax identificou significativamente mais casos de segundo câncer de pulmão primário do que de recidiva, e o tempo para a detecção de recidiva foi menor do que o tempo para o diagnóstico de segundo câncer de pulmão primário.
 
O intervalo ideal entre os exames de vigilância não está bem definido, embora a maioria das diretrizes recomende acompanhamento a cada seis meses nos primeiros dois anos, e depois anualmente.(10,11) Baseado em nossa experiência, recomendamos um programa de acompanhamento mais rigoroso do que aqueles na maioria das diretrizes.(15) Contudo, o presente estudo mostrou que a maioria dos pacientes havia sido submetida a menos TCs de tórax do que o sugerido em nossa diretriz. A baixa taxa de adesão ao nosso protocolo de acompanhamento pode ser explicada pelo seu curto intervalo de tempo, principalmente nos primeiros dois anos. Também descobrimos que a maioria dos casos de recidiva ocorreu nos primeiros dois anos de acompanhamento, enquanto os casos de segundo câncer de pulmão primário ocorreram mais comumente após o terceiro ano de acompanhamento. Isso sugere que a vigilância deve ser mais rigorosa nos primeiros dois anos de acompanhamento para detectar recidivas e deve ser mantida anualmente daí em diante. Em analogia às diretrizes de rastreamento,(6,17) a TC de tórax convencional poderia ser substituída pela TC de tórax de baixa dosagem após o segundo ano de acompanhamento. Atualmente, para os estágios iniciais (I e II), preconiza-se a realização de TCs de tórax semestralmente nos primeiros dois anos de acompanhamento, seguida por exames anuais a partir do terceiro ano.
 
Em nosso programa de acompanhamento, foram encontradas anormalidades na TC de tórax em todos os casos de recidiva ou de segundo câncer de pulmão primário. Korst et al.(24) estudaram 92 pacientes com achados anormais na TC de tórax em um programa de acompanhamento e relataram que nódulos pulmonares e derrame pleural estavam associados à recidiva. Curiosamente, as anormalidades consideradas falso-positivas foram muito semelhantes às observadas em pacientes que tiveram recidiva ou segundo câncer de pulmão primário.
 
Resultados falso-positivos podem levar a consequências indesejadas, como a realização de exames adicionais (incluindo procedimentos invasivos arriscados ou maior exposição à radiação, mesmo se os procedimentos não forem invasivos), reduzindo o custo-benefício e aumentando a ansiedade e o medo do paciente. Como em nossos resultados, Lou et al.(4) relataram 25% de achados falso-positivos na TC de tórax, e procedimentos invasivos adicionais foram realizados em apenas 5% dos casos.
 
A principal limitação do presente estudo foi seu desenho retrospectivo. Embora nossa coorte tenha tido um longo período de acompanhamento, o estudo reflete a experiência de uma única instituição especializada em atendimento oncológico e não pode ser generalizada. A classificação dos achados anormais ou suspeitos na TC de tórax foi determinada por médicos e pode ter diminuído a taxa de resultados falso-positivos. Porém, acreditamos que isso não seja um problema, pois, na prática, a interpretação do exame é feita pelo clínico e não apenas pelo laudo do exame de imagem. Em alguns casos, pode ser difícil distinguir entre recidiva pulmonar e segundo câncer de pulmão primário, especialmente em estudos retrospectivos. O impacto na sobrevida geral deve ser o principal desfecho para avaliar a eficácia de uma estratégia de acompanhamento após a ressecção cirúrgica do câncer de pulmão. Devido ao pequeno número de pacientes e à falta de um grupo controle (pacientes não inscritos no programa de acompanhamento), não foi possível avaliar a sobrevida geral no presente estudo.
 
Em conclusão, verificamos que a maioria dos casos de recidiva, e especialmente a maioria dos casos de segundo câncer de pulmão primário, foi detectada com base em achados anormais na TC de tórax em pacientes assintomáticos, o que sugere a importância de um programa de acompanhamento rigoroso que inclua TC de tórax após ressecção cirúrgica de câncer de pulmão.
 
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
 
JBFM e JLG: concepção e desenho do estudo; coleta, análise e interpretação de dados; redação e revisão crítica do manuscrito; e aprovação da versão final. MDG: concepção e desenho do estudo; análise e interpretação de dados; revisão crítica do manuscrito; e aprovação da versão final. MLLM e HAC: coleta, análise e interpretação de dados; revisão crítica do manuscrito; e aprovação da versão final. ADO: análise e interpretação de dados; revisão crítica do manuscrito; e aprovação da versão final. JPOM e MVBB: desenho do estudo; revisão crítica do manuscrito; e aprovação da versão final.
 
REFERÊNCIAS
 



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