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Editorial

Novas percepções sobre pneumonia em pacientes em ventilação mecânica prolongada: necessidade de um novo paradigma que aborde a disbiose

New insights into pneumonia in patients on prolonged mechanical ventilation: need for a new paradigm addressing dysbiosis

Jordi Rello1,2,3, Jacques Schrenzel4, Alexandre M Tejo5

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210198

A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM) está relacionada a desfechos ruins e é mais comumente tratada com antibioticoterapia nas UTIs. A Infectious Diseases Society of America definiu PAVM como novo infiltrado pulmonar de origem infecciosa que ocorre ≥ 48 h após a intubação traqueal.(1) O uso sistêmico de antibióticos pode aumentar o risco de PAVM ao causar depleção de microrganismos comensais e selecionar bactérias gram-negativas que podem ter múltiplos mecanismos de resistência. As culturas de aspirado traqueal colhido por técnica tradicional são inespecíficas e levam ao uso generalizado de antimicrobianos. Como alternativa aos antibióticos sistêmicos, sugere-se a aerossolização,(2) apesar da atual falta de evidências da redução da mortalidade ou do número de dias em ventilação mecânica (VM).(3)
 
No presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Núñez et al.(4) abordam a ocorrência de PAVM em pacientes traqueostomizados e em VM prolongada (mediana = 56 dias). Os autores relataram taxas de mortalidade em 30 e 90 dias de 30,0% e 63,7%, respectivamente. A pontuação no escore SOFA e o uso de drogas vasoativas apresentaram associação significativa com a mortalidade em 30 dias, enquanto idade avançada, pontuação no escore SOFA, uso de drogas vasoativas e DPOC apresentaram associação com a mortalidade em 90 dias.(4) Pseudomonas aeruginosa foi confirmada como o principal patógeno isolado, especialmente nos pacientes com DPOC. Curiosamente, embora o Acinetobacter baumannii tenha sido isolado de culturas microbiológicas de diversos pacientes,(4) isso não apresentou associação com mortalidade, sugerindo que pacientes morrem de pneumonia como um evento final e não como uma consequência.
 
O motivo pelo qual a maioria dos episódios de PAVM se desenvolve nos primeiros 10 dias de VM é instigante. As recentes tecnologias metagenômicas oferecem o potencial de melhorar a compreensão da interação entre a microbiota respiratória, a resposta imune e as condições subjacentes dos indivíduos. Esses avanços colocam em questão a visão tradicional da patogênese da pneumonia — ou seja, a visão de que a pneumonia é causada por um único organismo e resulta da microaspiração. Estudos metagenômicos revelaram que outras bactérias (anaeróbios ou organismos “não cultiváveis”) frequentemente estão associadas ao patógeno principal(5) e, como novo conceito, que o desenvolvimento de PAVM é uma combinação de disbiose e falha da resposta imune do hospedeiro. Como a SDRA e a PAVM estão associadas a diferentes microbiomas respiratórios, uma melhor compreensão dessa interação deve ser valiosa para as estratégias de manejo dessas doenças. Os patógenos são introduzidos em uma comunidade microbiana complexa pré-existente, o que facilita ou impede o seu crescimento e, em última análise, determina a infecção. Uma melhor compreensão da microbiota utilizando metagenômica é necessária para melhorar o tratamento e para a efetiva prevenção da PAVM.(6) O microbioma tem um papel crítico na ativação imunológica e na defesa do hospedeiro em pacientes em VM prolongada.
 
A PAVM deve ser diferenciada da traqueobronquite associada à VM,(1) que é mais comum e representa uma etapa intermediária entre a disbiose das vias aéreas e o desenvolvimento de PAVM,(2) levando ao uso excessivo de antibióticos, que, por sua vez, aumenta o risco de surgimento de patógenos multirresistentes.(5,7,8) Além disso, a maioria dos pacientes em VM prolongada já teve um ou mais episódios de infecção ou de recidiva causados pelo mesmo patógeno. Nosso grupo(9) avaliou a colonização por P. aeruginosa em pacientes em VM, utilizando eletroforese em gel de campo pulsado, e constatou que 18% dos indivíduos apresentaram pneumonias recorrentes que não eram casos de reinfecção, mas recidivas causadas pelo mesmo clone com fenótipos mais resistentes. É preciso verificar se isso também é verdade para a colonização por A. baumannii.
 
Para romper o círculo vicioso de uso excessivo de antibióticos, resistência antimicrobiana e disbiose do microbioma do hospedeiro, é necessário um novo paradigma. Alterações na microbiota podem ser uma resposta a doenças crônicas e podem tornar o hospedeiro mais suscetível a infecção. Flanagan et al.(10) foram os primeiros a sequenciar o gene 16s rRNA a partir de espécimes de aspirado traqueal em pacientes ventilados colonizados por P. aeruginosa: as bactérias mais comuns pertenciam aos filos Firmicutes, Bacteroidetes e Proteobacteria. A antibioticoterapia reduziu a diversidade da microbiota e induziu uma predominância de P. aeruginosa.(10) De acordo com a maioria dos estudos, existe uma interação entre as comunidades bacterianas e fúngicas, e modificações em uma comunidade afetam a outra, enquanto a interação dessas comunidades com o viroma ainda não está elucidada. Apesar de não ter impacto na mortalidade, a colonização brônquica pelo filo Ascomyta (Candida spp.) é um conhecido fator de risco independente para PAVM por Pseudomonas.(11)
 
Em suma, o paradigma tradicional da PAVM (de que ela é uma doença causada por um único patógeno bacteriano adquirido por microaspiração) precisa ser substituído por um modelo hipotético em que a PAVM estaria associada à disbiose. O microbioma intestinal contribui para a proteção contra patógenos oportunistas. Enriquecer a microbiota com membros do filo Proteobacteria, que são considerados comensais, aumenta os níveis séricos de IgA.(12) Assim, disbiose pulmonar combinada com disbiose intestinal pode induzir imunossupressão local e disfunção pulmonar, facilitando a ocorrência de PAVM. O papel da resposta Th17 provocada por bactérias filamentosas segmentadas, a qual fornece proteção contra pneumonia estafilocócica, parece crucial. Essas observações não são apenas de interesse acadêmico. A identificação precoce de pacientes com disbiose associada a maior risco de desenvolvimento de PAVM é uma necessidade clínica não atendida, e essa identificação precoce deve levar a estratégias preventivas inovadoras e direcionadas.
 
Enquanto baleias e golfinhos estão protegidos das consequências da aspiração faríngea e intestinal, ambos permanecem suscetíveis à pneumonia, causa comum de morte entre os cetáceos. Chegou a hora de considerar a imunidade do hospedeiro regulada pelo microbioma como um componente essencial da fisiopatologia da PAVM.
 
REFERÊNCIAS
 



  1. Niederman MS. Hospital-acquired pneumonia, health care-associated pneumonia, ventilator-associated pneumonia, and ventilator-associated tracheobronchitis: definitions and challenges in trial design. Clin Infect Dis. 2010;51 Suppl 1:S12-S17. https://doi.org/10.1086/653035

  2. Koulenti D, Arvaniti K, Judd M, Lalos N, Tjoeng I, Xu E, et al. Ventilator-Associated Tracheobronchitis: To Treat or Not to Treat?. Antibiotics (Basel). 2020;9(2):51. https://doi.org/10.3390/antibiotics9020051

  3. Sole-Lleonart C, Roberts JA, Chastre J, Poulakou G, Palmer LB, Blot S, et al. Global survey on nebulization of antimicrobial agents in mechanically ventilated patients: a call for international guidelines. Clin Microbiol Infect. 2016;22(4):359-364. https://doi.org/10.1016/j.cmi.2015.12.016

  4. Núñez SA, Roveda G, Zárate MS, Emmerich M, Verón MT. Ventilator-associated pneumonia in patients on prolonged mechanical ventilation: description, risk factors for mortality, and performance of the SOFA score. J Bras Pneumol. 2021;47(3):20200569.

  5. Emonet S, Lazarevic V, Leemann Refondini C, Gaïa N, Leo S, Girard M, et al. Identification of respiratory microbiota markers in ventilator-associated pneumonia. Intensive Care Med. 2019;45(8):1082-1092. https://doi.org/10.1007/s00134-019-05660-8

  6. Fromentin M, Ricard JD, Roux D. Respiratory microbiome in mechanically ventilated patients: a narrative review. Intensive Care Med. 2021;47(3):292-306. https://doi.org/10.1007/s00134-020-06338-2

  7. Ahmed QA, Niederman MS. Respiratory infection in the chronically critically ill patient. Ventilator-associated pneumonia and tracheobronchitis. Clin Chest Med. 2001;22(1):71-85. https://doi.org/10.1016/S0272-5231(05)70026-5

  8. Rello J, Lisboa T, Koulenti D. Respiratory infections in patients undergoing mechanical ventilation. Lancet Respir Med. 2014;2(9):764-774. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(14)70171-7

  9. Rello J, Mariscal D, March F, Jubert P, Sanchez F, Valles J, et al. Recurrent Pseudomonas aeruginosa pneumonia in ventilated patients: relapse or reinfection?. Am J Respir Crit Care Med. 1998;157(3 Pt 1):912-916. https://doi.org/10.1164/ajrccm.157.3.9703014

  10. Flanagan JL, Brodie EL, Weng L, Lynch SV, Garcia O, Brown R, et al. Loss of bacterial diversity during antibiotic treatment of intubated patients colonized with Pseudomonas aeruginosa. J Clin Microbiol. 2007;45(6):1954-1962. https://doi.org/10.1128/JCM.02187-06

  11. Azoulay E, Timsit JF, Tafflet M, de Lassence A, Darmon M, Zahar JR, et al. Candida colonization of the respiratory tract and subsequent pseudomonas ventilator-associated pneumonia. Chest. 2006;129(1):110-117. https://doi.org/10.1378/chest.129.1.110

  12. Wilmore JR, Gaudette BT, Gomez Atria D, Hashemi T, Jones DD, Gardner CA, et al. Commensal Microbes Induce Serum IgA Responses that Protect against Polymicrobial Sepsis. Cell Host Microbe. 2018;23(3):302-311.e3. https://doi.org/10.1016/j.chom.2018.01.005



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