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Editorial

O desafio de diagnosticar doença pulmonar intersticial por meio de TCAR: estado da arte e perspectivas futuras

The challenge of diagnosing interstitial lung disease by HRCT: state of the art and future perspectives

Gaetano Rea1,Marialuisa Bocchino2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210199

A TCAR de tórax é o padrão ouro para reconhecer padrões de alterações pulmonares subjacentes a doenças pulmonares intersticiais (DPI) e entidades com potencial de evolução fibrótica. Na era das terapias antifibróticas, é incontestável que os exames de imagem têm um papel fundamental no diagnóstico e prognóstico precoce. A precisão diagnóstica da TCAR de tórax é de fato suficientemente alta para detectar até mesmo alterações subclínicas que ocorrem nas DPI em estágio inicial. Qualquer alteração é uma peça de um quebra-cabeça que deve ser cuidadosamente analisado e revisado ao longo do tempo, com o acréscimo de novos elementos. A capacidade que a mente hábil do observador tem de interpretar o significado desses elementos e inseri-los em um padrão específico reduzirá, no contexto clínico apropriado, a gama de possíveis entidades patológicas.
 
O artigo de revisão de Torres et al.,(1) publicado neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, enfatiza o papel da TCAR de tórax na investigação diagnóstica de DPI. O primeiro aspecto que merece atenção é a metodologia, que exige parâmetros procedimentais e técnicos adequados: paciente em decúbito ventral, aquisição no momento da inspiração máxima, aquisição volumétrica, reconstrução de cortes finos (1,00-1,25 mm), uso de filtro de reconstrução de alta resolução e o menor tempo de rotação e maior pitch para reduzir o tempo de aquisição e os artefatos de movimento. A aquisição volumétrica é fundamental para a diferenciação entre bronquiectasias de tração e faveolamento, que por sua vez é fundamental para diagnosticar ou descartar fibrose pulmonar idiopática (FPI).(2,3) Além disso, a reconstrução multiplanar do pulmão, que permite avaliar a distribuição e extensão das alterações intersticiais, só pode ser realizada por meio de TC volumétrica. A aquisição integrada de imagens em decúbito ventral ajuda na diferenciação entre reticulação muito precoce nas regiões subpleurais inferiores e aumento não patológico da densidade pulmonar induzido pela gravidade (pulmão dependente). Por fim, a TC volumétrica em cortes finos adquiridos no fim da expiração melhora ainda mais a confiabilidade do diagnóstico de doenças das pequenas vias aéreas.
 
Os autores(1) descrevem corretamente as características tomográficas comumente observadas nas DPI fibrosantes e analisam minuciosamente os sinais que diferenciam o padrão de imagem da FPI daquele associado a outras DPI fibrosantes. Com base nas diretrizes internacionais mais recentes de diagnóstico de FPI,(2) os autores(1) discutem a nova classificação tomográfica de FPI em quatro padrões: PIU, provável de PIU, indeterminado para PIU e diagnóstico alternativo. Os dois primeiros padrões tendem a ser considerados um só, pois bronquiectasia de tração e faveolamento têm o mesmo valor prognóstico quanto à profusão de focos fibroblásticos na análise histológica.(4) Com efeito, no contexto clínico apropriado e na ausência de elementos que sugiram a presença de outras DPI, o padrão tomográfico provável de PIU é por si só altamente consistente com o diagnóstico de FPI, segundo a Sociedade Fleischner.(3) Por outro lado, os padrões indeterminado para PIU e diagnóstico alternativo, embora não indiquem FPI, não excluem um padrão histológico de PIU. A TC nesses cenários é um componente fundamental da investigação diagnóstica porque facilita a identificação do melhor local para realizar a biópsia, o que aumenta o desempenho da amostragem. Isso significa que a combinação de radiologia com histologia é essencial, juntamente com as informações clínicas, no processo diagnóstico de DPI. Finalmente, para pacientes cujo diagnóstico permanece indeterminado apesar de todos os esforços, o comportamento clínico e a progressão da doença irão orientar o processo de decisão. Isso corrobora um estudo(5) no qual se recomendou que uma equipe multidisciplinar discuta os casos atípicos para que se chegue a um “diagnóstico provisório”, um procedimento que pode alcançar níveis de confiança elevados (> 70%). A equipe multidisciplinar é considerada o padrão ouro para o diagnóstico de DPI que não a FPI, incluindo uma ampla gama de entidades que vão desde DPI com características de autoimunidade até pneumonia de hipersensibilidade crônica e pneumonia intersticial não específica.(6) A falta de classificação e de critérios diagnósticos padronizados para algumas dessas entidades ainda é um desafio diagnóstico, principalmente porque uma proporção não desprezível de casos de DPI mediada por inflamação pode evoluir para fibrose.
 
Ainda se debate o momento em que se deve realizar a TCAR de tórax durante o acompanhamento dos pacientes porque não há consenso. O momento em que a TCAR é realizada permite que se diferenciem as DPI não fibróticas das fibróticas; entre essas, permite que se diferenciem as formas com progressão lenta daquelas com progressão rápida. Em particular, Torres et al.(1) ressaltam a importância da TCAR de tórax no acompanhamento das formas progressivas de DPI fibrosante, caracterizadas por episódios de exacerbação aguda e aceleração da doença, em que opacidades em vidro fosco sobrepostas à fibrose podem assumir um valor diferente.(7) Atualmente, a atenção dada à identificação de alterações pulmonares intersticiais (API) também é um tópico interessante. Os achados radiológicos de API são precoces, subclínicos e limitados. Inicialmente atribuídas ao envelhecimento, as API são achados incidentais na maioria dos casos e são relativamente comuns em fumantes/ex-fumantes idosos na ausência de uma doença clinicamente relevante.(8) Nesse contexto, a TCAR de tórax é a única ferramenta diagnóstica disponível que distingue as API não fibróticas das fibróticas. Essa diferenciação tem implicações prognósticas porque as API fibróticas podem evoluir para fibrose pulmonar ao longo de alguns anos de monitoramento em até 40% dos casos.
 
A TC é um campo de aplicação e estudo em evolução. Há uma necessidade crescente de melhorar o desempenho diagnóstico por meio da integração entre interpretação visual e quantificação do dano tecidual. O avanço da tecnologia tornou esse objetivo mais fácil de atingir. Foram criadas ferramentas tanto de código aberto como comerciais para traçar o perfil do paciente e estratificar o prognóstico de maneira melhor, com dados matemáticos e estatísticos.(9,10) A inteligência artificial é uma possibilidade emergente aguardada com esperança. As DPI fibróticas representam um setor altamente complexo da medicina, que exige a integração de conhecimentos específicos e profundos, além de uma interação estreita entre profissionais diferentes (e complementares). Nintedanibe e pirfenidona vêm sendo usados no tratamento de FPI, mas novas evidências sugerem que também podem ser usados como uma estratégia confiável contra outras DPI fibróticas progressivas.(11,12)
 
O radiologista é um integrante insubstituível da equipe multidisciplinar. A TCAR de tórax é de fundamental importância na história natural das DPI: no diagnóstico precoce, na avaliação da gravidade, na estratificação do prognóstico, na progressão da doença e na identificação imediata de quaisquer complicações em curto e longo prazo.
 
Referências
 

  1. Torres PPTS, Rabahi MF, Moreira MAC, Escuissato DL, Meirelles GSP, Marchiori E. Importance of chest HRCT in the diagnostic evaluation of fibrosing interstitial lung disease. J Bras Pneumol. 2021;47(3):e20200096

  2. Raghu G, Remy-Jardin M, Myers JL, Richeldi L, Ryerson CJ, Lederer DJ, et al. Diagnosis of Idiopathic Pulmonary Fibrosis. An Official ATS/ERS/JRS/ALAT Clinical Practice Guideline. Am J Respir Crit Care Med. 2018;198(5):e44-e68. https://doi.org/10.1164/rccm.201807-1255ST

  3. Lynch DA, Sverzellati N, Travis WD, Brown KK, Colby TV, Galvin JR, et al. Diagnostic criteria for idiopathic pulmonary fibrosis: a Fleischner Society White Paper. Lancet Respir Med. 2018;6(2):138-153. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(17)30433-2

  4. Walsh SL, Wells AU, Sverzellati N, Devaraj A, von der Thüsen J, Yousem SA, et al. Relationship between fibroblastic foci profusion and high resolution CT morphology in fibrotic lung disease. BMC Med. 2015;13:241. https://doi.org/10.1186/s12916-015-0479-0

  5. Walsh SLF, Lederer DJ, Ryerson CJ, Kolb M, Maher TM, Nusser R, et al. Diagnostic Likelihood Thresholds That Define a Working Diagnosis of Idiopathic Pulmonary Fibrosis. Am J Respir Crit Care Med. 2019;200(9):1146-1153. https://doi.org/10.1164/rccm.201903-0493OC

  6. Walsh SLF, Wells AU, Desai SR, Poletti V, Piciucchi S, Dubini A, et al. Multicentre evaluation of multidisciplinary team meeting agreement on diagnosis in diffuse parenchymal lung disease: a case-cohort study. Lancet Respir Med. 2016;4(7):557-565. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(16)30033-9

  7. Sverzellati N, Odone A, Silva M, Polverosi R, Florio C, Cardinale L, et al. Structured reporting for fibrosing lung disease: a model shared by radiologist and pulmonologist. Radiol Med. 2018;123(4):245-253. https://doi.org/10.1007/s11547-017-0835-6

  8. Hatabu H, Hunninghake GM, Richeldi L, Brown KK, Wells AU, Remy-Jardin M, et al. Interstitial lung abnormalities detected incidentally on CT: a Position Paper from the Fleischner Society. Lancet Respir Med. 2020;8(7):726-737. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30168-5

  9. Rea G, De Martino M, Capaccio A, Dolce P, Valente T, Castaldo S, et al. Comparative analysis of density histograms and visual scores in incremental and volumetric high-resolution computed tomography of the chest in idiopathic pulmonary fibrosis patients. Radiol Med. 2021;126(4):599-607. https://doi.org/10.1007/s11547-020-01307-7

  10. Bocchino M, Bruzzese D, D'Alto M, Argiento P, Borgia A, Capaccio A, et al. Performance of a new quantitative computed tomography index for interstitial lung disease assessment in systemic sclerosis. Sci Rep. 2019;9(1):9468. https://doi.org/10.1038/s41598-019-45990-7

  11. Distler O, Highland KB, Gahlemann M, Azuma A, Fischer A, Mayes MD, et al. Nintedanib for Systemic Sclerosis-Associated Interstitial Lung Disease. N Engl J Med. 2019;380(26):2518-2528. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1903076

  12. Flaherty KR, Wells AU, Cottin V, Devaraj A, Walsh SLF, Inoue Y, et al. Nintedanib in Progressive Fibrosing Interstitial Lung Diseases. N Engl J Med. 2019;381(18):1718-1727. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1908681



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