Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
6859
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Pico de fluxo inspiratório de crianças e adolescentes com asma que utilizam inaladores de pó: um estudo transversal

Peak inspiratory flow in children and adolescents with asthma using dry powder inhalers: a cross-sectional study

Caroline Palácio da Silva1a, Jean Silva Aretakis Cordeiro1, Murilo Carlos Amorim de Britto1, Patrícia Gomes de Matos Bezerra1, Lívia Barboza de Andrade1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200473

ABSTRACT

Objective: To measure peak inspiratory flow (PIF) and assess dynamic lung function in children and adolescents with asthma, as well as to determine the association of PIF with dynamic lung function and clinical variables. Methods: This was a cross-sectional study of children and adolescents with asthma using dry powder inhalers (DPIs) regularly. The control group included sex-, age-, weight-, and height-matched individuals without lung disease. Socioeconomic and clinical variables were collected. PIF and dynamic lung function variables were obtained with a specific device. Between-group comparisons were made with the Student's t-test and ANOVA. Multiple linear regression analysis was performed, and Pearson's correlation coefficients were calculated to assess associations between PIF and the other variables. Results: A total of 88 individuals (44 asthma patients and 44 controls) participated in the study. PIF and respiratory muscle strength (S-index) values were lower in the asthma patients than in the controls. PIF correlated positively with age, weight, height, and S-index in the asthma group. After controlling for height, we found an increase of 0.05 units in PIF associated with an increase of 1 unit in the S-index in the asthma group. Conclusions: PIF appears to be lower in children and adolescents with asthma than in those without asthma, correlating positively with age, height, weight, and respiratory muscle strength.

Keywords: Dry powder inhalers; Asthma; Muscle strength; Child; Adolescent.

RESUMO

Objetivo: Analisar o pico de fluxo inspiratório (PFI) e a função pulmonar dinâmica de crianças e adolescentes asmáticos e verificar sua associação com variáveis clínicas. Métodos: Estudo transversal com crianças e adolescentes asmáticos que faziam uso regular de inaladores de pó. O grupo controle foi composto por participantes sem doença pulmonar, pareados por sexo, idade, peso e altura. Foram coletadas variáveis socioeconômicas e clínicas. O PFI e variáveis de função pulmonar dinâmica foram obtidos através de um dispositivo específico. As associações entre os dois grupos foram estudadas utilizando-se o teste t de Student e ANOVA. Realizou-se um modelo de regressão linear múltipla e foram calculados os coeficientes de correlação de Pearson para estimar associações entre o PFI e as demais variáveis. Resultados: Foram incluídos no estudo 88 participantes (44 em cada grupo). Nos asmáticos, os valores do PFI e de força muscular respiratória (S-índex) foram menores que os dos controles. O PFI nos asmáticos apresentou correlações positivas com as variáveis idade, peso, altura e S-índex. Controlando-se a altura, houve um aumento de 0,05 unidades no PFI associado ao aumento de 1 unidade de S-índex nos asmáticos. Conclusões: O PFI é menor em crianças e adolescentes com asma em comparação àqueles sem asma com características antropométricas semelhantes e apresenta correlações positivas com idade, altura, peso e força dos músculos respiratórios.

INTRODUÇÃO
 
A asma na infância e adolescência destaca-se por sua alta prevalência, causando um grande número de visitas a serviços de urgência e emergência e uma carga econômica significativa relacionada a hospitalizações pela falta de controle da doença.(1-3) Para minimizar tais eventos, medidas educativas e a limitação de agentes desencadeantes são essenciais, e, em alguns casos, o uso de medicações inalatórias também é necessário.(4)
 
Dentre as formas de administração medicamentosa, os inaladores de pó vêm sendo cada vez mais prescritos, e a manobra e o padrão do fluxo de inalação devem ser adequados para o sucesso do tratamento. Além disso, os usuários devem inspirar com fluxo suficiente para superar a resistência interna do dispositivo e permitir a entrega da dose correta do fármaco, promovendo o efeito terapêutico desejado.(5-7)
 
Estudos demonstraram que o pico de fluxo inspiratório (PFI) varia bastante em cada paciente, especialmente naqueles com alto grau de obstrução ao fluxo aéreo, como asmáticos graves, e depende da força dos músculos respiratórios.(8-10) Sabe-se que o fluxo de inalação é reduzido durante exacerbações agudas e que esse aumenta nos períodos de remissão da doença.(11) Há dificuldades de mensuração do PFI, e poucos centros fazem essa avaliação de rotina. Apenas o dispositivo In-Check DIAL (Clement Clarke International Ltd., Harlow, Reino Unido) simula a resistência interna ao fluxo através de diferentes inaladores de pó; porém, esse equipamento não é acessível em todos os países. Assim, a prescrição de dispositivos de inalação muitas vezes é baseada na intuição e no senso comum, não numa avaliação criteriosa. (12) Medidas importantes que influenciam na deposição do fármaco são a forma de realizar a manobra e o padrão de curva e de volume realizados.(11,12)
 
Em 2010, houve o lançamento de um manovacuômetro (POWERbreathe K5; HaB International Ltd., Southam, Reino Unido) que possui um software que permite analisar variáveis de função pulmonar, dentre elas, o PFI. Agregando valor às avaliações respiratórias, esse equipamento destaca-se por fornecer outras variáveis, como o S-índex (força muscular dinâmica), o volume de ar mobilizado e o tempo da manobra, além da análise gráfica do padrão de inalação em tempo real.(13-15) No Brasil, se tornou o único equipamento disponível até o momento para tais medições.(13)
 
Considerando o grande número de dispositivos inalatórios e as diferentes taxas de PFI exigidas pelos fabricantes e por não existir atualmente qualquer recomendação mundial validada e disponível com critérios específicos para uma adequada prescrição, o presente estudo analisou o PFI e variáveis dinâmicas de função pulmonar em crianças e adolescentes asmáticos que utilizavam inaladores de pó e verificou associações com variáveis intervenientes.
 
MÉTODOS
 
Delineamento do estudo
 
Estudo de corte transversal, analítico, realizado no período entre março de 2018 e setembro de 2019 no Ambulatório de Pneumologia Pediátrica do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, que é um hospital terciário de referência em doenças respiratórias infantis na cidade do Recife (PE). O estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da instituição (CAAE no. 84171618.3.0000.5201). A captação dos participantes se deu por busca ativa daqueles considerados elegíveis, que foram convidados a participar, assinar o termo de consentimento livre e esclarecido e o termo de assentimento, quando pertinente.
 
População do estudo
 
A população foi composta por 88 crianças e adolescentes com idade entre 6 e 18 anos, divididos em dois grupos de 44 participantes: grupo asmático e grupo controle. Esse último foi criado diante da lacuna existente de valores normais na literatura quanto às variáveis dinâmicas de função pulmonar analisadas. Os critérios de elegibilidade foram os seguintes:
 
Grupo asmático: crianças e adolescentes com diagnóstico clínico de asma,(4) acompanhadas no serviço de pneumologia pediátrica e que faziam uso regular de inalador de pó por pelo menos três meses, sendo excluídos aqueles com incapacidade de compreender ou realizar as manobras solicitadas, ou ainda, se houvesse a presença de outra doença pulmonar crônica associada
Grupo controle: crianças e adolescentes sem asma ou outra doença pulmonar associada, pareados por sexo, idade, peso e altura com indivíduos do grupo asmático, que eram capazes de compreender e realizar as manobras solicitadas, oriundos de uma escola pública do município
Para calcular o tamanho amostral, utilizou-se o programa de domínio público OpenEpi, versão 3.01, considerando as diferenças de média do PFI em asmáticos e controles, com nível de significância de 95% e poder de 80%. Conclui-se que eram necessários 92 participantes, 46 para cada grupo.
 
Procedimentos
 
As variáveis peso e altura foram mensuradas no dia da avaliação e registradas no formulário de coleta de dados, que incluía outras variáveis, dentre elas, o Asthma Control Test, que é composto por cinco perguntas e classifica o controle da asma (controlada, parcialmente controlada ou não controlada).(16,17) Avaliou-se o IMC de acordo com os valores obtidos através da calculadora on-line disponível no site da Biblioteca Virtual de Saúde, específica para crianças, determinando os respectivos percentis com base nos gráficos do Centers for Disease Control and Prevention. (18) Foi quantificada a dose total diária de corticoide inalatório administrada (em µg) de cada participante asmático através da escala de medicação publicada no GINA (baixa, média ou alta dose).(19)
 
Para avaliar o nível de atividade física, foi aplicado um escore adaptado a partir do questionário habitual level of physical activity de Santuz et al.(20) Nele, as graduações foram as seguintes: 1 (sedentário), 2 (atividade regular até 2 h/semana) e 3 (atividade competitiva ou realizada por mais de 2 h/semana).(20) Em relação ao controle ambiental, os participantes/responsáveis foram questionados sobre exposição a poeira, mofo, animais de estimação, assim como à exposição ativa/passiva ao fumo. Aqueles expostos a pelo menos um desses itens foi classificado como apresentando controle ambiental inadequado.
 
Os participantes foram abordados quanto ao tipo do dispositivo inalatório utilizado e convidados a demonstrar sua técnica de inalação, utilizando placebo. Para a avaliação da técnica foram utilizados critérios de acordo com o proposto por cada fabricante. O paciente foi orientado a realizar a manobra de inalação como a faz habitualmente, podendo ou não ter influência do acompanhante, porém, não receberam quaisquer instruções do avaliador durante a realização da técnica. A avaliação foi realizada por apenas dois pesquisadores devidamente treinados e capacitados para esse fim. Os itens analisados foram preparo adequado da dose, expiração fora do dispositivo, inspiração mais rápida e profunda possível e pausa inspiratória de 10 segundos. O preparo da dose variava conforme o recomendado para cada tipo de dispositivo de acordo com o respectivo fabricante.(21)
 
Para a avaliação do PFI, utilizou-se o dispositivo eletrônico de carga linear POWERbreathe K5 (HaB International Ltd.). Esse inclui um software adicional de feedback denominado Breathe-Link, que permite a realização do teste respiratório com análise em tempo real através da visualização gráfica.
 
Para essa medida, o participante foi colocado sentado em uma cadeira com encosto, com o nariz ocluído por um clipe nasal, de frente para a tela de um computador a fim de permitir o feedback visual, o que auxiliava na execução da manobra. O avaliador conectava a peça bucal do dispositivo e orientava o participante para que mantivesse os lábios bem vedados, evitando assim vazamentos ao redor da boca. Em seguida era solicitada uma expiração até o volume de reserva expiratório, seguida de uma inspiração máxima, rápida e explosiva (a mais rápida possível). Os valores foram expressos em litros por segundo. Foram realizadas de 8-10 manobras, sem intervalos entre elas, visto que a medida é dinâmica. O maior valor das tentativas foi considerado para a análise desde que a curva tenha sido reprodutível e aceitável. Para que a curva seja considerada reprodutível, os três maiores valores não devem diferir mais do que 20%. Para ser considerada aceitável, não deve haver presença de vazamentos na análise gráfica e o PFI máximo deve ocorrer nos primeiros segundos da manobra e sem evidência de atenuação prévia ao pico máximo obtido. Todas as crianças aceitaram bem a manobra, e nenhum teste foi interrompido por desconforto respiratório ou a pedido dos participantes.
 
Concomitantemente à obtenção do PFI, foram obtidas mais três variáveis de função pulmonar, o S-índex, medida dinâmica da força muscular inspiratória (em cmH2O), o VT total (em L) e o tempo para atingir o PFI (em s).
 
Análise estatística
 
A análise estatística foi realizada utilizando o pacote estatístico Stata, versão 12.1 SE (StataCorp LP, College Station, TX, EUA). No estudo das associações entre os grupos foram utilizados o teste t de Student e ANOVA quando pertinente. O efeito de potenciais fatores de confusão nos desfechos foi controlado em um modelo de regressão linear múltipla, no qual foram incluídas todas as variáveis que, na análise univariada, diferiram significativamente entre os grupos. O coeficiente de correlação de Pearson foi usado para estimar a força da associação entre o PFI e as demais variáveis. Foi adotado o nível de significância de 5%.
 
RESULTADOS
 
Foram considerados elegíveis para o estudo 109 participantes. No grupo asmático, 44 crianças e adolescentes fora do período de exacerbação da doença foram incluídos, com médias de idade, peso e altura, respectivamente, de 14,3 ± 3,5 anos, 52,3 ± 13,0 kg e 156,4 ± 12,2 cm. No grupo controle, 44 crianças e adolescentes pareados com indivíduos do grupo asmático foram incluídos, com médias de idade, peso e altura, respectivamente, de 14,0 ± 3,46 anos, 55,85 ± 12,92 kg e 1,60 ± 0,11 cm. Portanto, houve um total de 88 participantes no estudo (Figura 1). Não foram observadas diferenças entre os grupos quanto às características basais. A Tabela 1 mostra a caracterização geral dos participantes do grupo asmático.


 


A Tabela 2 mostra a comparação das médias das variáveis relacionadas à função pulmonar analisadas nos dois grupos. Foram observadas diferenças significativas nos valores de PFI e S-índex.



 
A Tabela 3 compara as médias de PFI com características clínicas do grupo asmático. Observou-se que as médias de PFI não foram iguais entre as três categorias do nível de atividade física; quanto maior o nível de atividade física dos asmáticos, maior o PFI. Observou-se ainda que, no grupo asmático, o PFI apresentou correlações positivas com as variáveis idade (r = 0,56, p ≤ 0,001), peso (r = 0,32; p = 0,032), altura (r = 0,56, p ≤ 0,001) e S-índex (r = 0,96; p ≤ 0,001).

 
Por fim, a Tabela 4 mostra que tanto a altura quanto o S-índex demonstraram correlações positivas com o PFI, indicando que aqueles casos com valores altos nessas variáveis apresentaram valores altos de PFI. O modelo de regressão múltipla ajustado produziu um r2 ajustado de 93.4%, [F(2,40) = 325,64; p < 0,001]. Ainda de acordo com a Tabela 4, controlando-se a altura, houve um aumento de 0,05 unidades de PFI (em L/s) associado a um aumento de 1 unidade de S-índex; de modo idêntico, controlando-se o S-índex, houve um aumento de 0,012 unidades de PFI (em L/s) associado a um aumento de 1 cm na altura no grupo asmático.


 
DISCUSSÃO
 
O presente estudo foi pioneiro na análise do PFI e de variáveis dinâmicas de função pulmonar de crianças e adolescentes com asma, utilizando-se um dispositivo eletrônico de carga linear, pelo qual foi possível demonstrar que o PFI dos asmáticos está diminuído em comparação a controles.
 
Sabe-se que fatores relacionados à experiência do paciente com a manobra de inalação estão relacionados a alterações nos valores pelo efeito de aprendizado. (21,22) A despeito disso, mesmo quando comparando crianças e adolescentes com asma que realizam a manobra de inalação diariamente com crianças e adolescentes saudáveis que nunca tiveram contato com tal manobra, os valores foram significativamente inferiores nos asmáticos. Essa redução pode ser explicada pela fisiopatologia da doença, que está associada à obstrução das vias aéreas, especialmente aquelas de menor calibre e/ou com algum grau de remodelamento. Nesses casos, ocorre um aumento da pressão intratorácica negativa que é necessária para superar a resistência do inalador, reduzindo o lúmen das vias aéreas e resultando em fluxos inspiratórios diminuídos.(23-25) Além disso, o PFI mais baixo nessa população pode estar relacionado ao achatamento do diafragma devido à hiperinsuflação secundária à obstrução das vias aéreas.(26)
 
A média de PFI de crianças e adolescentes com asma obtido em nosso estudo foi de 4,34 L/s, equivalente a 260,4 L/min, valor superior ao encontrado na literatura em relação a crianças e adolescentes asmáticos (média ~ 91,1 L/min).(11) Essa discrepância pode ser atribuída às diferentes resistências internas impostas durante a avaliação. No estudo supracitado,(11) os participantes foram submetidos à carga adaptada ao dispositivo Accuhaler (GlaxoSmithKline, Bretford, Reino Unido), que é um inalador de média resistência, enquanto, em nosso estudo, a carga utilizada foi padronizada em 3 cmH2O, a mínima imposta pelo POWERbreathe K5, que é quase nula, sendo essa necessária apenas para que seja possível disparar a válvula acoplada no interior do dispositivo.(11) Além disso, como está bem definido na literatura, à medida em que a resistência interna do dispositivo aumenta, o PFI diminui.(27) Em contrapartida, quando analisamos o estudo de Kamps et al.,(8) que avaliou o PFI sem resistência simulada aos dispositivos inalatórios, os valores se tornam mais similares com os nossos, com média de 186,8 L/s(8) e de 260,4 L/s em nosso estudo. Esse aumento do PFI em nosso estudo pode estar relacionado à média de altura mais alta em nossa amostra. Ainda de forma similar aos nossos resultados, aquele estudo encontrou uma correlação positiva entre a altura e o PFI.(8)
 
Vale ressaltar que, em nosso estudo, foram realizadas 10 manobras de avaliação do PFI e o maior valor entre elas foi obtido, diferentemente da maioria dos estudos, que utilizam 1-3 manobras. Nosso critério para tal mensuração foi baseado no estudo de Silva et al.,(15) no qual a maioria dos participantes apresentou os maiores valores na oitava manobra devido ao efeito de aprendizado; assim, não estaríamos subestimando o PFI dos participantes avaliados.
 
Em relação à comparação das médias de PFI com características clínicas do grupo asmático, estudos comprovam que, durante exacerbações agudas da asma, ocorre a redução do PFI; porém, nosso estudo não encontrou uma correlação entre essa variável e o nível de controle da doença, lembrando que a maioria dos pacientes com asma incluídos em nosso estudo foi classificada como com asma controlada.(8,28)
 
Quando analisado o PFI dos asmáticos com seu nível de atividade física, houve uma diferença entre os grupos. Isso pode ser explicado pela redução da força da musculatura respiratória em crianças com asma, que pode causar uma redução do PFI pela diminuição do número de fibras musculares diafragmáticas e não apenas pela obstrução ao fluxo. Sabemos que a atividade aeróbica melhora o quadro de asma, e o sedentarismo pode piorar tais condições, o que corrobora nossos achados: quanto maior era o nível de atividade física, maiores foram os valores de PFI.(29)
 
Observou-se uma correlação positiva entre idade e PFI em crianças e adolescentes, o que pode estar relacionado ao melhor entendimento e execução da técnica de inalação, que obtiveram valores mais altos, ou até mesmo ao processo de crescimento e desenvolvimento muscular.(8,30) Quando nossos resultados são comparados com os de outros estudos na população adulta, a correlação se inverte à medida em que ocorre o processo de envelhecimento, devido aos fatores de perda de força e massa muscular.(31-33)
 
O VT e o tempo para atingir o PFI foram similares entre os grupos asmáticos e controle. A média do VT total demonstrado no estudo de Seheult et al.(31) foi de 1,1 L, valor similar porém um pouco abaixo do encontrado em nosso estudo, de 1,72 L. Num estudo com crianças treinadas em uso de inalador de pó, o tempo para atingir o PFI se altera na medida em que se altera a resistência.(34) Foi demonstrada uma média de tempo para atingir o PFI de 0,16 s em dispositivos de alta resistência e de 0,19 s em dispositivos de baixa resistência,(34) corroborando nossos achados, cujo PFI máximo foi alcançado por volta de 0,20 s.
 
Foi observada uma diferença significativa entre os valores de S-índex de asmáticos e controles. A desvantagem biomecânica associada ao posicionamento do principal músculo da inspiração (diafragma) em pacientes com asma pode ser um fator que contribui para os valores mais baixos de S-índex nessa população. Além disso, o S-índex obteve uma correlação positiva com o PFI, indicando que aqueles casos com valores altos dessa variável apresentaram um tendência de ter também valores altos de PFI, corroborando o estudo de Kamps et al.,(8) no qual crianças com asma que utilizavam inaladores de pó apresentaram correlação positiva entre PFI e PImáx, que, assim como o S-índex, é uma medida de força muscular inspiratória. Portanto, o S-índex é uma medida dinâmica de função pulmonar que pode alertar sobre valores de PFI mais baixos.
 
Kamps et al.(8) mostraram uma correlação entre a medida estática da força muscular respiratória e o PFI, mas não há na literatura dados que correlacionem o PFI com a medida dinâmica (S-índex). Portanto, nosso estudo é pioneiro nessa análise e não existem dados quanto aos valores normais nessa população. Nossos achados apontam para valores com médias de 87,10 cmH2O para o grupo controle e de 78,27 cmH2O para o grupo asmático. No estudo de Silva et al.,(15) a média do S-índex foi superior (102 cmH2O); porém, a população estudada era formada por adultos saudáveis.
 
O presente estudo apresenta como limitação o fato de o dispositivo utilizado para obter o PFI não simular a resistência interna dos diferentes inaladores utilizados na prática clínica. Além disso, devemos ainda considerar como uma possível fragilidade deste estudo o fato de não termos avaliado sintomas de acometimento da via aérea superior desses pacientes, o que poderia acarretar algum impacto na função respiratória.
 
Em resumo, a análise do PFI mostrou-se um método prático que fornece informações adicionais importantes para a indicação de uso de inaladores de pó. Apesar dos resultados positivos da terapia inalatória, é importante enfatizar a necessidade de uma avaliação cuidadosa do paciente, considerando suas características individuais. O PFI se encontra reduzido em crianças e adolescentes com asma que utilizam inalador de pó, quando comparados com aqueles sem patologia pulmonar. Idade, peso, altura e força muscular respiratória apresentam correlações positivas com o PFI.
 
Sugerimos uma avaliação individual do paciente para a prescrição do dispositivo inalatório de pó mais adequado, considerando suas características antropométricas e, quando possível, variáveis de função pulmonar. Também sugerimos que esses pacientes sejam orientados sobre a realização da manobra inalatória de forma adequada e sejam incentivados a realizar atividades físicas supervisionadas ou sejam inseridos em um programa de reabilitação pulmonar.
 
AGRADECIMENTOS
 
Agradecemos a PULMOCARDIO Fisioterapia Ltda. o empréstimo do equipamento POWERbreathe K5, que tornou possível a realização desta pesquisa.
 
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
 
CPS: autor principal; concepção e planejamento do trabalho; redação e revisão das versões preliminares e definitiva). JSAC, MCAB e PGMB: pesquisa; concepção e planejamento do trabalho; LBA: concepção e planejamento do trabalho; aprovação da versão final.
 
REFERÊNCIAS
 



  1. Solé D, Camelo-Nunes IC, Wandalsen GF, Mallozi MC. Asthma in children and adolescents in Brazil: contribution of the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) [Article in Portuguese]. Rev Paul Pediatr. 2014;32(1):114-125. https://doi.org/10.1590/S0103-05822014000100018

  2. Pizzichini MMM, Cruz ÁA. Celebrating World Asthma Day in Brazil: is the glass half full or half empty?. J Bras Pneumol. 2019;45(3):e20190130. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20190130

  3. Cardoso TA, Roncada C, Silva ERD, Pinto LA, Jones MH, Stein RT, et al. The impact of asthma in Brazil: a longitudinal analysis of data from a Brazilian national database system. J Bras Pneumol. 2017;43(3):163-168. https://doi.org/10.1590/s1806-37562016000000352

  4. Global Initiative for Asthma - GINA [homepage on the Internet]. Bethesda: Global Initiative for Asthma. [cited 2020 Sep 1]. Pocket Guide for Asthma Management and Prevention in Children. 2018 [Adobe Acrobat document, 29p.]. Available from: https://ginasthma.org/archived-reports/

  5. Salvi S, Gogtay J, Aggarwal B. Use of breath-actuated inhalers in patients with asthma and COPD - an advance in inhalational therapy: a systematic review. Expert Rev Respir Med. 2014;8(1):89-99. https://doi.org/10.1586/17476348.2014.854168

  6. Pepper AN, Cooke A, Livingston L, Lockey RF. Asthma and chronic obstructive pulmonary disease inhalers: Techniques for proper use [published correction appears in Allergy Asthma Proc. 2016 Sep;37(5):122]. Allergy Asthma Proc. 2016;37(4):279-290. https://doi.org/10.2500/aap.2016.37.3954

  7. Farkas Á, Jókay Á, Balásházy I, Füri P, Müller V, Tomisa G, et al. Numerical simulation of emitted particle characteristics and airway deposition distribution of Symbicort(®) Turbuhaler(®) dry powder fixed combination aerosol drug. Eur J Pharm Sci. 2016;93:371-379. https://doi.org/10.1016/j.ejps.2016.08.036

  8. Kamps AW, Brand PL, Roorda RJ. Variation of peak inspiratory flow through dry powder inhalers in children with stable and unstable asthma. Pediatr Pulmonol. 2004;37(1):65-70. https://doi.org/10.1002/ppul.10410

  9. Taylor TE, Holmes MS, Sulaiman I, Costello RW, Reilly RB. Influences of gender and anthropometric features on inspiratory inhaler acoustics and peak inspiratory flow rate. Annu Int Conf IEEE Eng Med Biol Soc. 2015;2015:2227-2230. https://doi.org/10.1109/EMBC.2015.7318834

  10. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde [cited 2020 Sep 1]. Portaria no. 1317 de 25 Nov 2013. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Asma. [about 2 screens]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2013/prt1317_25_11_2013.html

  11. Bentur L, Mansour Y, Hamzani Y, Beck R, Elias N, Amirav I. Measurement of inspiratory flow in children with acute asthma. Pediatr Pulmonol. 2004;38(4):304-307. https://doi.org/10.1002/ppul.20109

  12. Sanders MJ. Guiding Inspiratory Flow: Development of the In-Check DIAL G16, a Tool for Improving Inhaler Technique. Pulm Med. 2017;2017:1495867. https://doi.org/10.1155/2017/1495867

  13. Langer D, Jacome C, Charususin N, Scheers H, McConnell A, Decramer M, et al. Measurement validity of an electronic inspiratory loading device during a loaded breathing task in patients with COPD. Respir Med. 2013;107(4):633-635. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2013.01.020

  14. Minahan C, Sheehan B, Doutreband R, Kirkwood T, Reeves D, Cross T. Repeated-sprint cycling does not induce respiratory muscle fatigue in active adults: measurements from the powerbreathe® inspiratory muscle trainer. J Sports Sci Med. 2015;14(1):233-238.

  15. Silva PE, de Carvalho KL, Frazão M, Maldaner V, Daniel CR, Gomes-Neto M. Assessment of Maximum Dynamic Inspiratory Pressure. Respir Care. 2018;63(10):1231-1238. https://doi.org/10.4187/respcare.06058

  16. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da Asma - 2012. J Bras Pneumol. 2012;38(Suppl 1):S1-S46.

  17. Roxo JP, Ponte EV, Ramos DC, Pimentel L, D’Oliveira Júnior A, Cruz AA. Portuguese-language version of the Asthma Control Test: validation for use in Brazil. J Bras Pneumol. 2010;36(2):159-166. https://doi.org/10.1590/S1806-37132010000200002

  18. Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Tede Telessaúde Brasil [homepage on the Internet]. São Paulo: BVS; [cited 2018 Feb 23]. Cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) infantil. Available from: https://aps.bvs.br/apps/calculadoras/?page=7

  19. Global Initiative for Asthma (GINA) homepage on the Internet]. Bethesda: GINA [cited 2020 Sep 1]. 2019 GINA Report: Global Strategy for Asthma Management and Prevention. Available from: https://ginasthma.org/2019-gina-report-global-strategy-for-asthma-management-and-prevention/

  20. Santuz P, Baraldi E, Zaramella P, Filippone M, Zacchello F. Factors limiting exercise performance in long-term survivors of bronchopulmonary dysplasia. Am J Respir Crit Care Med. 1995;152(4 Pt 1):1284-1289. https://doi.org/10.1164/ajrccm.152.4.7551383

  21. Aguiar R, Lopes A, Ornelas C, Ferreira R, Caiado J, Mendes A, et al. Terapêutica inalatória: Técnicas de inalação e dispositivos inalatórios. Rev Port Imunoalerg. 2017;25(1):9-26.

  22. Dal Negro RW, Povero M. Dry-powder inhalers in patients with persistent airflow limitation: usability and preference. Multidiscip Respir Med. 2016;11(1):31. https://doi.org/10.1186/s40248-016-0068-x

  23. Oliveira CM, Lanza Fde C, Solé D. Respiratory muscle strength in children and adolescents with asthma: similar to that of healthy subjects?. J Bras Pneumol. 2012;38(3):308-314. https://doi.org/10.1590/S1806-37132012000300005

  24. Gelfand EW, Kraft M. The importance and features of the distal airways in children and adults. J Allergy Clin Immunol. 2009;124(6 Suppl):S84-S87. https://doi.org/10.1016/j.jaci.2009.07.062

  25. Manifesto on small airway involvement and management in asthma and chronic obstructive pulmonary disease: an Interasma (Global Asthma Association - GAA) and World Allergy Organization (WAO) document endorsed by Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma (ARIA) and Global Allergy and Asthma European Network (GA2LEN). World Allergy Organ J. 2016;9(1):37. https://doi.org/10.1186/s40413-016-0123-2

  26. Weiner P, Suo J, Fernandez E, Cherniack RM. The effect of hyperinflation on respiratory muscle strength and efficiency in healthy subjects and patients with asthma. Am Rev Respir Dis. 1990;141(6):1501-1505. https://doi.org/10.1164/ajrccm/141.6.1501

  27. Cegla UH. Pressure and inspiratory flow characteristics of dry powder inhalers. Respir Med. 2004;98 Suppl A:S22-S28. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2004.02.003

  28. Selroos O. Dry-powder inhalers in acute asthma. Ther Deliv. 2014;5(1):69-81. https://doi.org/10.4155/tde.13.132

  29. Andrade LB, Britto MC, Lucena-Silva N, Gomes RG, Figueroa JN. The efficacy of aerobic training in improving the inflammatory component of asthmatic children. Randomized trial. Respir Med. 2014;108(10):1438-1445. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2014.07.009

  30. Vogelberg C, Kremer HJ, Ellers-Lenz B, Engel M, Maus J, Conrad F, et al. Clinical evaluation of the peak inspiratory flow generated by asthmatic children through the Novolizer. Respir Med. 2004;98(10):924-931. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2004.03.024

  31. Seheult JN, Costello S, Tee KC, Bholah T, Al Bannai H, Sulaiman I, et al. Investigating the relationship between peak inspiratory flow rate and volume of inhalation from a Diskus™ Inhaler and baseline spirometric parameters: a cross-sectional study. Springerplus. 2014;3:496. https://doi.org/10.1186/2193-1801-3-496

  32. Janssens JP, Pache JC, Nicod LP. Physiological changes in respiratory function associated with ageing. Eur Respir J. 1999;13(1):197-205. https://doi.org/10.1183/09031936.99.14614549

  33. Janssens W, VandenBrande P, Hardeman E, De Langhe E, Philps T, Troosters T, et al. Inspiratory flow rates at different levels of resistance in elderly COPD patients. Eur Respir J. 2008;31(1):78-83. https://doi.org/10.1183/09031936.00024807

  34. Kondo T, Hibino M, Tanigaki T, Cassan SM, Tajiri S, Akazawa K. Appropriate use of a dry powder inhaler based on inhalation flow pattern. J Pharm Health Care Sci. 2017;3:5. https://doi.org/10.1186/s40780-017-0076-9



Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia