Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
6740
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Desempenho da quantificação de adenosina desaminase e determinação da relação lactato desidrogenase/adenosina desaminase para o diagnóstico de tuberculose pleural em crianças e adolescentes

Performance of the quantification of adenosine deaminase and determination of the lactate dehydrogenase/adenosine deaminase ratio for the diagnosis of pleural tuberculosis in children and adolescents

Julia Lima Vieira1, Luiza Foschiera1, Isabel Cristina Schutz Ferreira1, Valentina Coutinho Baldoto Gava Chakr1,2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200558

ABSTRACT

Objective: To evaluate the accuracy of determining the adenosine deaminase (ADA) level, the 2'-deoxyadenosine/ADA ratio, and the LDH/ADA ratio in pleural fluid for the diagnosis of pleural tuberculosis (PT) in children and adolescents. Methods: This was a retrospective cross-sectional study conducted at a tertiary hospital in a high-tuberculosis-incidence area, between 2001 and 2018. All patients with ADA in pleural fluid and a confirmed diagnosis of PT (cPT) or parapneumonic effusion (PPE) were included. Results: The cPT and PPE groups comprised 25 and 68 individuals, respectively. At a cutoff of 40 U/L, ADA measurement showed the following: sensitivity, 88%; specificity, 31%; positive predictive value (PPV), 32%; negative predictive value (NPV), 88%; and overall accuracy, 46%. The best cutoffs were an ADA level of 125 U/L, a 2'-deoxyadenosine/ADA ratio of 0.5, and an LDH/ADA ratio of 8.3, with AUC of 0.67, 0.75, and 0.82, respectively. The sensitivity, specificity, PPV, NPV, and overall accuracy of the 125 U/L ADA cutoff were 84%, 65%, 47%, 92%, and 70%, respectively, compared with 79%, 79%, 59%, 91%, and 79%, respectively, for the 8.3 LDH/ADA ratio cutoff. Changing the LDH/ADA ratio cutoff to 3.0 increased the specificity to 98%. Conclusions: The ADA level and the 2'-deoxyadenosine/ADA ratio are not good biomarkers for the diagnosis of PT in pediatric patients. Determination of the LDH/ADA ratio provides the best overall accuracy for the diagnosis of PT in such patients.

Keywords: Adenosine deaminase; Pleural effusion; Tuberculosis, pleural/diagnosis; Child; Adolescent.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a acurácia da determinação do nível de adenosina desaminase (ADA), da relação 2’-desoxiadenosina/ADA e da relação LDH/ADA no líquido pleural para o diagnóstico de tuberculose pleural (TP) em crianças e adolescentes. Métodos: Estudo transversal retrospectivo realizado em um hospital terciário em uma área de alta incidência de tuberculose entre 2001 e 2018. Todos os pacientes com determinação de ADA no líquido pleural e com diagnóstico confirmado de TP (TPc) ou de derrame parapneumônico (DPP) foram incluídos. Resultados: Os grupos TPc e DPP foram compostos por 25 e 68 indivíduos, respectivamente. Num ponto de corte de 40 U/L, a medida de ADA mostrou o seguinte: sensibilidade, 88%; especificidade, 31%; valor preditivo positivo (VPP), 32%; valor preditivo negativo (VPN), 88%; e acurácia geral, 46%. Os melhores pontos de corte foram ADA de 125 U/L, relação 2’-desoxiadenosina/ADA de 0,5 e relação LDH/ADA de 8,3, com ASC de 0,67, 0,75 e 0,82, respectivamente. A sensibilidade, especificidade, VPP, VPN e acurácia geral do ponto de corte de 125 U/L para ADA foram de 84%, 65%, 47%, 92% e 70%, respectivamente, em comparação com 79%, 79%, 59%, 91% e 79%, respectivamente, para o ponto de corte de 8,3 para a relação LDH/ADA. Ao alterar o ponto de corte da relação LDH/ADA para 3,0 a especificidade aumentou para 98%. Conclusões: O nível de ADA e a relação 2’-desoxiadenosina/ADA não são bons biomarcadores para o diagnóstico de PT em pacientes pediátricos. A determinação da relação LDH/ADA fornece a melhor acurácia geral para o diagnóstico de PT nesses pacientes.

Palavras-chave: Adenosina desaminase; Derrame pleural; Tuberculose pleural/diagnóstico; Criança; Adolescente.

INTRODUÇÃO 
 
A tuberculose é uma doença causada pela infecção por Mycobacterium tuberculosis.(1) Apesar do sucesso da farmacoterapia nas últimas sete décadas, a tuberculose é a principal causa de morte por doenças infecciosas no mundo.(2) O Brasil está na lista dos 30 países com as maiores cargas de tuberculose.(1) Em 2017, a incidência de tuberculose na cidade de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, foi de 90 casos por 100.000 habitantes.(3)
 
As manifestações graves da tuberculose são mais comuns na faixa etária pediátrica. A tuberculose extrapulmonar ocorre em aproximadamente 20% dos casos de tuberculose na infância.(1) Estudos realizados em países de baixa e média renda constataram que a tuberculose pleural (TP) é o tipo mais comum de tuberculose extrapulmonar em crianças e adolescentes.(4-6)
 
Um diagnóstico definitivo de TP é feito por meio da identificação de bacilos M. tuberculosis em escarro, líquido pleural ou espécimes de biópsia pleural.(7) É difícil diagnosticar a tuberculose em pacientes pediátricos, e o uso de estratégias de diagnóstico que foram desenvolvidas para adultos pode resultar na perda de muitos casos pediátricos.(8) A análise do aspirado gástrico e de amostras de escarro tem baixo rendimento diagnóstico(9): 40-50% e 20-30%, respectivamente. Portanto, o diagnóstico de TP em pacientes pediátricos é geralmente baseado na história de contato com um adulto com tuberculose pulmonar, juntamente com achados clínicos sugestivos do diagnóstico, reação positiva no teste tuberculínico (TT) e análise do líquido pleural (mostrando derrame pleural [DP] exsudativo unilateral com predomínio de linfócitos e alto teor de proteína). Crianças com TP geralmente apresentam baixo número de bacilos. Portanto, a microscopia de amostras de líquido pleural raramente identifica BAAR, e as culturas costumam ser negativas. Embora a biópsia pleural ofereça um melhor perfil de sensibilidade, ela é invasiva e inviável em certos contextos.(9,10) Consequentemente, a quantificação de biomarcadores do líquido pleural tornou-se uma alternativa atraente à biópsia pleural.(11)
 
A análise da adenosina desaminase (ADA) no líquido pleural, utilizando-se um ponto de corte de 40 U/L, demonstrou ter altas sensibilidade e especificidade (89-99% e 88-99%, respectivamente) para o diagnóstico de TP em adultos. Em crianças e adolescentes, o diagnóstico diferencial de atividade elevada de ADA costuma ser entre TP e empiema, pois outras causas são raras nessa população. Os poucos estudos envolvendo pacientes pediátricos mostram que a medição de ADA não é muito precisa nesses pacientes.(12,13) Além disso, a medição da atividade das isoenzimas ADA1 e ADA2 pode ser valiosa em casos de suspeita de resultados falso-negativos ou falso-positivos.(10) Relatos pontuais sugeriram que o nível de LDH no líquido pleural é geralmente menor na TP do que em outros tipos de DP inflamatório em que o nível de ADA está elevado e que a avaliação dessa relação tem utilidade diagnóstica.(14)
 
O objetivo do presente estudo foi avaliar a determinação dos níveis de ADA, dos níveis das isoenzimas ADA e da relação LDH/ADA no líquido pleural como parâmetros para discriminar entre DP tuberculoso e derrame parapneumônico (DPP) em crianças e adolescentes. Nossa hipótese era a de que a determinação dos níveis de isoenzimas ADA e a relação LDH/ADA teriam maior acurácia para o diagnóstico de TP do que a quantificação de ADA.
 
MÉTODOS
 
Estudo transversal retrospectivo de todos os indivíduos ≤ 18 anos de idade para os quais os níveis de ADA foram medidos em amostras de líquido pleural no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, um hospital universitário terciário na cidade de Porto Alegre, Brasil, entre janeiro de 2001 e junho de 2018. Os participantes elegíveis foram identificados por meio da análise dos prontuários médicos eletrônicos.
 
A população do estudo consistiu em dois subgrupos: pacientes com diagnóstico confirmado de TP e pacientes com diagnóstico de DPP. Indivíduos com derrame transudativo, conforme definido pelos critérios de Light,(15) foram excluídos, assim como aqueles com DP maligno, doenças reumatológicas, DP tuberculoso provável ou DP de etiologia desconhecida.
 
A etiologia do DP foi definida da seguinte forma:
 

  • TP confirmada (TPc) — M. tuberculosis identificado por cultura, PCR ou baciloscopia (coloração de Ziehl-Neelsen) em amostras de líquido pleural, biópsia pleural, escarro, LBA ou líquido de lavagem gástrica; ou amostra de biópsia pleural demonstrando granuloma, com ou sem necrose, e quadro clínico sugestivo de PT

  • TP provável — diagnóstico clínico de tuberculose e boa resposta clínica ao tratamento com medicamentos antituberculose

  • DPP — DP exsudativo associado a uma infecção no parênquima pulmonar relacionada a qualquer patógeno, exceto M. tuberculosis, bem como ausência de uma causa alternativa identificada ao longo do curso clínico

  • Empiema — DP purulento, conforme evidenciado pela presença macroscópica de pus, ou um resultado de coloração de gram positivo ou resultado de cultura em líquido pleural positivo

  • DP de etiologia desconhecida — nenhum diagnóstico clínico ou patológico determinado a partir do prontuário médico

  • DP maligno — citologia do líquido pleural positiva, histologia do tecido pleural positiva ou malignidade confirmada em outro sítio com evidência radiológica de envolvimento torácico metastático


 
Durante o período do estudo, a LDH foi analisada por fotometria; A ADA foi determinada pelo método colorimétrico descrito por Giusti e Galanti(16); e a atividade das isoenzimas ADA foi quantificada pelo cálculo da relação 2′-desoxiadenosina/ADA.(17) Os profissionais do laboratório não foram cegados quanto aos dados clínicos dos pacientes, pois os exames eram solicitados de acordo com a rotina de tratamento. Nesse contexto, é obrigatório que o médico assistente indique a importância de um exame específico para a investigação do caso.
 
Os seguintes dados clínicos e bioquímicos foram recuperados dos prontuários médicos eletrônicos: em amostras de líquido pleural — pH, proteína total, glicose, LDH, contagem total de leucócitos com citologia diferencial, resultado de triagem de células malignas, ADA, relação 2′-desoxiadenosina/ADA, relação LDH/ADA, resultado de PCR para M. tuberculosis, resultado de baciloscopia e resultado de cultura para bactérias aeróbicas e M. tuberculosis; em amostras de biópsia pleural — achados de exame histopatológico e resultados de baciloscopia/cultura para M. tuberculosis; e outros — TT, baciloscopia, cultura (para M. tuberculosis) e PCR (para M. tuberculosis) em amostras de líquido de lavagem gástrica, escarro e LBA.
 
As análises estatísticas foram realizadas com o pacote estatístico IBM SPSS Statistics, versão 23.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). As variáveis categóricas estão expressas como frequências absolutas e relativas. As variáveis contínuas estão expressas como mediana e intervalo interquartil se sua distribuição for não normal, enquanto variáveis contínuas com distribuição simétrica estão expressas como média e desvio-padrão ou intervalo de confiança de 95% se sua distribuição for normal. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi usado para determinar se as variáveis tinham distribuição normal. O teste do qui-quadrado foi aplicado para comparar as variáveis categóricas, o teste de Mann-Whitney foi utilizado para detectar diferenças significativas entre as medianas, enquanto o teste t para amostras independentes foi utilizado para detectar diferenças significativas entre as médias.
 
O desempenho da determinação do nível de ADA, relação LDH/ADA e relação 2′-desoxiadenosina/ADA para a diferenciação entre TPc e DPP foi avaliada pela construção de curvas ROC. Utilizamos o pacote estatístico MedCalc, versão 19.2.6 (MedCalc, Mariakerke, Bélgica) para estimar o tamanho da amostra. Para um nível alfa de 0,05, com um poder de 90%, três vezes mais casos negativos do que casos positivos, e uma ASC alvo de 0,8 para a relação LDH/ADA, significativamente diferente do valor da hipótese nula (0,5), o tamanho necessário de amostra no grupo positivo (TPc) e no grupo negativo (DPP) foi de 12 e 36, respectivamente. Os melhores pontos de corte foram determinados pelo cálculo do índice de Youden. As seguintes características de teste foram calculadas: acurácia geral, sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP) e valor preditivo negativo (VPN). Na análise da acurácia da determinação das relações 2′-desoxiadenosina/ADA e LDH/ADA, excluímos os pacientes cujos dados estavam ausentes.
 
A correlação entre o nível de ADA e a idade foi determinada pelo coeficiente de correlação de Spearman (r), que foi classificado como fraco (r ≤ 0,3), moderado (r = 0,4-0,6) ou forte (r > 0,6). Valores de p ≤ 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
 
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Referência nº 19814619.8.0000.5327). Devido à natureza retrospectiva do estudo, a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido foi dispensada.
 
RESULTADOS
 
Identificamos 131 pacientes cujos dados sobre os níveis de ADA estavam disponíveis. Desses 131 pacientes, 38 (29%) foram excluídos pelos seguintes motivos: ter DP de etiologia desconhecida (n = 18); ter TP provável (n = 10); ter DP maligno (n = 2); e ter DP transudativo (n = 7). Um caso (do grupo DPP) foi excluído devido a um nível anormalmente alto de ADA (771 U/L), que foi considerado um erro laboratorial. Portanto, revisamos os dados de um total de 93 pacientes (25 com TPc e 68 com DPP). Dos 25 pacientes no grupo TPc, 1 (4,0%) estava infectado pelo HIV, assim como 2 (2,9%) dos 68 pacientes no grupo DPP. Outras comorbidades significativas entre os pacientes do grupo DPP foram doença neoplásica (n = 5), doença falciforme (n = 3), síndrome de Down (n = 2), fibrose cística (n = 1), anemia de Fanconi (n = 1), doença mitocondrial (n = 1) e doença congênita de glicosilação (n = 1). Os critérios para o diagnóstico clínico de tuberculose incluíram febre (observada em todos os pacientes), tosse (em 78%), dor no peito (em 82%), dispneia (em 43%), suores noturnos (em 8%), perda de peso (em 17%) e hemoptise (em nenhum). A Tabela 1 mostra as principais características de cada grupo. Os métodos utilizados para a confirmação do diagnóstico de PT estão apresentados na Tabela 2. O DP foi classificado como empiema em 9 (13,2%) dos pacientes do grupo DPP. Foi realizada cultura do líquido pleural em 66 (97,1%) dos pacientes do grupo DPP, e o crescimento bacteriano foi detectado em apenas 9 (13,6%): Streptococcus pneumoniae (n = 4); Staphylococcus aureus (n = 2); Haemophilus sp. (n = 1); Stenotrophomonas maltophilia (n = 1); e Enterobacter sp. (n = 1).



 
Quando aplicamos o ponto de corte mais amplamente utilizado para ADA (40 U/L), encontramos o seguinte em relação a sua capacidade de diagnosticar TP: sensibilidade de 88% (IC95%: 69-98); especificidade de 31% (IC95%: 20-43); VPP de 32% (IC95%: 27-37); VPN de 88% (IC95%: 70-96); e acurácia geral de 46% (IC95%: 36-57). Como é sabido que o empiema resulta em níveis elevados de ADA, o que poderia piorar o desempenho diagnóstico de sua medição, a análise foi repetida após a exclusão dos casos de DP purulento. No ponto de corte de 40 U/L, a sensibilidade, especificidade, VPP, VPN e acurácia geral foram de 88% (IC95%: 69-98), 36% (IC95%: 24-49), 37% (IC95%: 31-42), 88% (IC95%: 70-96) e 51% (IC95%: 40-62), respectivamente.
 
Conforme demonstrado na Figura 1, a análise da curva ROC da determinação do nível de ADA, relação 2′-desoxiadenosina/ADA e relação LDH/ADA mostrou que os melhores pontos de corte, respectivamente, foram os seguintes: 125 U/L (ASC = 0,67; IC95%: 0,57-0,77; p = 0,003), 0,5 (ASC = 0,75; IC95%: 0,62-0,85; p = 0,0001) e 8,3 (ASC = 0,82; IC95%: 0,73-0,90; p < 0,0001). As características dos testes em seus melhores pontos de corte são apresentadas na Tabela 3. Depois que casos de DP purulento foram excluídos da análise, o melhor ponto de corte para ADA (125 U/L) mostrou um desempenho diagnóstico ligeiramente melhor, com uma ASC de 0,73, sensibilidade de 84% e especificidade de 73%, enquanto o desempenho do melhor ponto de corte para a relação 2′-desoxiadenosina/ADA (0,5) e da relação LDH/ADA (8,3) não melhorou, com ASC de 0,72 e 0,81, respectivamente.
 





 
Como os testes de diagnóstico de tuberculose baseados em biomarcadores, sem a utilização de escarro, deveriam ter alta especificidade (≥ 98%), sem uma sensibilidade alvo mínima,(18) realizamos uma análise adicional da determinação da relação LDH/ADA com um ponto de corte de 3,0, que apresentou sensibilidade de 33% (IC95%: 16-55), especificidade de 98% (IC95%: 91-100), VPP de 89% (IC95%: 51-98), VPN de 79% (IC95%: 74-84) e acurácia geral de 80% (IC95%: 70-88). Por sua vez, uma mudança no ponto de corte não melhorou a especificidade da medição de ADA. Por fim, encontramos uma correlação inversa entre idade e nível de ADA no líquido pleural (r = −0,24; p = 0,02).
 
DISCUSSÃO
 
Os principais resultados do presente estudo sugerem que a determinação do nível de ADA e da relação 2′-desoxiadenosina/ADA em amostras de líquido pleural não é suficientemente precisa para ser utilizada no diagnóstico de TP em crianças e adolescentes. No entanto, a determinação da razão LDH/ADA teve boa acurácia para discriminar entre DP tuberculoso e DPP, especialmente quando o ponto de corte foi ajustado para favorecer a especificidade.
 
Está bem estabelecido que a medida de ADA no líquido pleural (com um ponto de corte de 40 U/L) tem um bom desempenho na detecção de TP em adultos, com valores de sensibilidade e especificidade acima de 86%, bem como valores preditivos acima de 88%.(1,9,19) No entanto, muitos estudos em adultos incluíram pacientes com DP transudativo e não excluíram pacientes com provável diagnóstico de tuberculose.(19) Isso poderia explicar o fato de que, em nossa amostra, a medida de ADA teve um desempenho ruim, mesmo após o ponto de corte ter sido ajustado para 125 U/L, de acordo com o índice de Youden. Outra possível explicação para esse fato é que excluímos pacientes com DP maligno, visto que se sabe que os níveis de ADA são consideravelmente mais baixos em pacientes com DP maligno do que naqueles com DP tuberculoso.(20,21)
 
Wu et al.(13) sugeriram que a quantificação de ADA no líquido pleural não é um método preciso para o diagnóstico de PT em pacientes pediátricos. No entanto, a amostra naquele estudo incluiu pacientes com diagnóstico de tuberculose provável. Além disso, os autores não forneceram dados sobre a sensibilidade, especificidade, VPP ou VPN do teste.(13) Por sua vez, Mishra et al.(12) demonstraram que a acurácia da quantificação de ADA no líquido pleural é maior em pacientes com TP confirmada do que naqueles com TP provável (85% vs. 75%), embora o grupo de TP confirmada no estudo fosse de apenas 8 indivíduos.
 
Pesquisadores e médicos enfatizam a necessidade de testes adicionais para o diagnóstico da tuberculose, especialmente para pacientes cuja doença pode ser difícil de diagnosticar (como em crianças). A OMS recomenda que novos testes diagnósticos para tuberculose em pacientes pediátricos tenham especificidade mínima de 98%, além de recomendar valores-alvo de sensibilidade e especificidade de 90% e 70%, respectivamente, para os testes de triagem. (22) No presente estudo, a determinação da razão LDH/ADA foi o teste que produziu os melhores resultados, sendo particularmente útil para excluir um diagnóstico de TP, para o qual se verificou um VPN de 91% e uma sensibilidade de 79% quando o ponto de corte foi de 8,3, bem como uma especificidade de 98% quando um ponto de corte de 3,0 foi usado. Corroborando nossos achados, dois estudos retrospectivos mostraram que as relações LDH/ADA foram significativamente menores em adultos com PT do que naqueles com DP de outras etiologias.(14,23)
 
Outros autores relataram uma correlação inversa entre a idade e o nível de ADA no líquido pleural. (20,24) Com base nesses dados, houve a hipótese de que um ponto de corte mais alto seria necessário para melhorar a acurácia diagnóstica de ADA em pacientes pediátricos. Da mesma forma, em nossa amostra, descobrimos que o nível de ADA no líquido pleural diminuiu significativamente com o aumento da idade. No entanto, a correlação foi fraca, o que indica que essa variação não é grande o suficiente para influenciar a interpretação do teste ou para explicar o fato de o fenômeno ter sido observado apenas quando utilizado o maior ponto de corte.
 
Nosso estudo tem algumas limitações. A natureza retrospectiva do estudo e o pequeno tamanho da amostra resultaram em amplos intervalos de confiança. Embora a tuberculose seja bastante prevalente na região em que nosso estudo foi realizado, a TP é menos comum. De acordo com o sistema de vigilância epidemiológica oficial da cidade de Porto Alegre,(25) ocorreram 352 casos de TP em indivíduos < 19 anos na cidade entre 2001 e 2018. Apenas 24 (6,8%) desses casos foram confirmados em laboratório. Deve-se ter em mente que nossa amostra foi restrita a indivíduos para os quais os valores de ADA estavam disponíveis e nos quais o diagnóstico de PT foi confirmado por extensos testes microbiológicos. Portanto, alguns pacientes que foram classificados como tendo PT no sistema de vigilância poderiam não ser incluídos em nosso estudo. Compreendemos a limitação intrínseca imposta pela natureza retrospectiva do estudo. No entanto, dado que a PT com necessidade de hospitalização é um evento incomum em pacientes pediátricos, um desenho prospectivo implicaria em um período de acompanhamento muito longo e ainda poderia não ter resultado em um número adequado de pacientes para a análise de acurácia. Além disso, como nosso estudo abrangeu um período de 17 anos, a variabilidade dos métodos diagnósticos utilizados pode causar preocupação. Na verdade, não houve variações no método de avaliação de ADA, que foi a principal medida de desfecho do estudo. Quanto à análise de LDH, houve variabilidade no equipamento utilizado (um analisador Roche Cobas foi substituído por um analisador Siemens Advia, sendo este último utilizado por quatro anos), embora não tenha havido variação no método de análise (espectrofotometria ultravioleta). Portanto, não houve diferenças na interpretação dos resultados. Outra limitação é que apenas um pequeno número de pacientes foi submetido ao TT e à análise citológica do líquido pleural. Consequentemente, não foi possível estudar a acurácia da medida de ADA em um subgrupo de pacientes com resultados positivos de TT e de líquido pleural com predomínio de linfócitos. Além disso, não tínhamos uma amostra representativa de pacientes infectados pelo HIV.
 
Nosso estudo também tem alguns pontos fortes, como a seleção cuidadosa do grupo TPc, no qual incluímos apenas pacientes cujo diagnóstico foi confirmado por extensos testes microbiológicos em uma variedade de amostras biológicas (escarro, líquido de lavagem gástrica, líquido pleural, LBA e biópsia pleural).(18) Além disso, ressaltamos o aspecto original do estudo em relação aos métodos diagnósticos não empregados anteriormente em pediatria, como a análise das relações LDH/ADA e 2′-desoxiadenosina/ADA.
 
Estamos cientes de que nossos resultados não representam a palavra final sobre o assunto. Em vez disso, pensamos que sua importância reside no fato de suscitar novas questões quanto à interpretação dos níveis de ADA no diagnóstico de PT em pacientes pediátricos, principalmente porque existem poucos estudos sobre o assunto para esses pacientes. Acreditamos que nossos achados irão encorajar o desenvolvimento de estudos prospectivos, com amostras maiores de pacientes, visando avaliar a reprodutibilidade de nossos achados em outras populações.
 
AGRADECIMENTOS
 
Agradecemos ao professor Paulo José Cauduro Marostica, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, a revisão do artigo. Gostaríamos também de agradecer a Jorge Chakr pela revisão do artigo em inglês.
 
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
 
JLV: curadoria de dados; investigação; validação; visualização; redação e revisão das versões preliminar e final; e aprovação da versão final. LF: curadoria de dados; análise formal; investigação; validação; visualização; redação e revisão das versões preliminar e final; e aprovação da versão final. ICSF: curadoria de dados; investigação; sourcing; validação; visualização; redação e revisão das versões preliminar e final; e aprovação da versão final. VCBGC: conceituação; curadoria de dados; análise formal; investigação; metodologia; administração do projeto; sourcing; supervisão; validação; visualização; redação e revisão das versões preliminar e final; e aprovação da versão final.
 
REFERÊNCIAS
 

  1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Coordenação-Geral do Programa Nacional de Controle da Tuberculose [homepage on the Internet]. Brasília: o Ministério, c2019 [cited 2020 Jan 20]. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil, 2nd updated ed. [Adobe Acrobat document, 366p.]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil_2_ed.pdf

  2. Glaziou P, Floyd K, Raviglione MC. Global Epidemiology of Tuberculosis. Semin Respir Crit Care Med. 2018;39(3):271-285. https://doi.org/10.1055/s-0038-1651492

  3. Brasil. Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Programa Estadual de Controle da Tuberculose. Centro Estadual de Vigilância em Saúde. Hospital Sanatório Partenon [homepage on the Internet]. Porto Alegre: Centro Estadual de Vigilância em Saúde [updated 2019 Apr; cited 2020 Jan 20]. Informe Epidemiológico: Tuberculose 2019. Available from: https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20190551/28115140-informetb2019.pdf

  4. Zombini EV, Almeida CH, Silva FP, Yamada ES, Komatsu NK, Figueiredo SM. Clinical epidemiological profile of tuberculosis in childhood and adolescence. J Hum Growth Dev. 2013;23(1):52-57. 10.7322/jhgd.50391 https://doi.org/10.7322/jhgd.50391

  5. Sant’anna CC, Schmidt CM, March Mde F, Pereira SM, Barreto ML. Tuberculosis among adolescents in two Brazilian State capitals [Article in Portuguese]. Cad Saude Publica. 2013;29(1):111-116.

  6. Bisero E, Luque G, Borda ME, Melillo K, Zapata A, Varela S. Tuberculosis in a Pediatric Population Treated at a Public Hospital. Adherence to Treatment. Descriptive Study [Article in Spanish]. Rev Am Med Respir. 2013;13(4):184-189.

  7. Shaw JA, Irusen EM, Diacon AH, Koegelenberg CF. Pleural tuberculosis: A concise clinical review. Clin Respir J. 2018;12(5):1779-1786. https://doi.org/10.1111/crj.12900

  8. Reuter A, Hughes J, Furin J. Challenges and controversies in childhood tuberculosis. Lancet. 2019;394(10202):967-978. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(19)32045-8

  9. Lewinsohn DM, Leonard MK, LoBue PA, Cohn DL, Daley CL, Desmond E, et al. Official American Thoracic Society/Infectious Diseases Society of America/Centers for Disease Control and Prevention Clinical Practice Guidelines: Diagnosis of Tuberculosis in Adults and Children. Clin Infect Dis. 2017;64(2):111-115. https://doi.org/10.1093/cid/ciw778

  10. Fischer GB, Andrade CF, Lima JB. Pleural tuberculosis in children. Paediatr Respir Rev. 2011;12(1):27-30. https://doi.org/10.1016/j.prrv.2010.11.001

  11. Garcia-Zamalloa A, Taboada-Gomez J. Diagnostic accuracy of adenosine deaminase and lymphocyte proportion in pleural fluid for tuberculous pleurisy in different prevalence scenarios. PLoS One. 2012;7(6):e38729. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0038729

  12. Mishra OP, Kumar R, Ali Z, Prasad R, Nath G. Evaluation of polymerase chain reaction and adenosine deaminase assay for the diagnosis of tuberculous effusions in children. Arch Dis Child. 2006;91(12):985-989. https://doi.org/10.1136/adc.2005.079160

  13. Wu YH, Zhao GW, Wang XF, Wang MS. Pleural effusion adenosine deaminase is not accurate in diagnosis of pediatric tuberculous pleural effusion: a retrospective study. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2015;19(9):1706-1710.

  14. Blakiston M, Chiu W, Wong C, Morpeth S, Taylor S. Diagnostic Performance of Pleural Fluid Adenosine Deaminase for Tuberculous Pleural Effusion in a Low-Incidence Setting. J Clin Microbiol. 2018;56(8):e00258-18. https://doi.org/10.1128/JCM.00258-18

  15. Hooper C, Lee YC, Maskell N; BTS Pleural Guideline Group. Investigation of a unilateral pleural effusion in adults: British Thoracic Society Pleural Disease Guideline 2010. Thorax. 2010;65 Suppl 2:ii4-ii17. https://doi.org/10.1136/thx.2010.136978

  16. Giusti G, Galanti B. Adenosine deaminase: colorimetric method. Methods Enzym Anal. 1984;4:315-323.

  17. Gakis C, Calia GM, Naitana AG, Ortu AR, Contu A. Serum and pleural adenosine deaminase activity. Correct interpretation of the findings. Chest. 1991;99(6):1555-1556. https://doi.org/10.1378/chest.99.6.1555

  18. Drain PK, Gardiner J, Hannah H, Broger T, Dheda K, Fielding K, et al. Guidance for Studies Evaluating the Accuracy of Biomarker-Based Nonsputum Tests to Diagnose Tuberculosis. J Infect Dis. 2019;220(220 Suppl 3):S108-S115. https://doi.org/10.1093/infdis/jiz356

  19. Aggarwal AN, Agarwal R, Sehgal IS, Dhooria S. Adenosine deaminase for diagnosis of tuberculous pleural effusion: A systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2019;14(3):e0213728. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0213728

  20. Zarić B, Kuruc V, Milovančev A, Markovic M, Šarčev T, Čanak V, et al. Differential diagnosis of tuberculous and malignant pleural effusions: what is the role of adenosine deaminase?. Lung. 2008;186(4):233-240. https://doi.org/10.1007/s00408-008-9085-7

  21. Yildiz PB, Yazar EE, Gorgun D, Secik F, Cakir G. Predictive role of adenosine deaminase for differential diagnosis of tuberculosis and malignant pleural effusion in Turkey. Asian Pac J Cancer Prev. 2011;12(2):419-423.

  22. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: WHO [updated 2014 Apr 28-29; cited 2020 Jan 20]. High-priority target product profiles for new tuberculosis diagnostics: report of a consensus meeting. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/135617/WHO_HTM_TB_2014.18_eng.pdf?sequence = 1

  23. Wang J, Liu J, Xie X, Shen P, He J, Zeng Y. The pleural fluid lactate dehydrogenase/adenosine deaminase ratio differentiates between tuberculous and parapneumonic pleural effusions. BMC Pulm Med. 2017;17(1):168. https://doi.org/10.1186/s12890-017-0526-z

  24. Abrao FC, de Abreu IR, Miyake DH, Busico MA, Younes RN. Role of adenosine deaminase and the influence of age on the diagnosis of pleural tuberculosis [published correction appears in Int J Tuberc Lung Dis. 2014 Dec;18(12):1526. Miyaki, D H [corrected to Miyake, D H]]. Int J Tuberc Lung Dis. 2014;18(11):1363-1369. https://doi.org/10.5588/ijtld.14.0257

  25. Brasil. Ministério da Saúde. Tecnologia da Informação a Serviço do SUS (DATASUS) [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde [cited 2020 Nov 14]. Available from: https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/


 

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia