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ISSN (on-line): 1806-3756

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Cartas ao Editor

Associação do valor do limiar do ciclo do teste Xpert MTB/RIF com a baciloscopia de escarro em pacientes com tuberculose pulmonar

Association between Xpert MTB/RIF cycle threshold values and sputum smear microscopy in patients with pulmonary tuberculosis

Gabriela Carpin Pagano1a, Giovana Rodrigues Pereira1,2a, Karen Gomes D'Ávila3a, Luciana Rott Monaiar3a, Denise Rossato Silva1,3,4a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200549

AO EDITOR,







Em 2010, a OMS endossou o uso do teste Xpert MTB/RIF (Cepheid; Sunnyvale, CA, EUA) em países com alta carga de tuberculose, considerando-o uma tecnologia capaz de revolucionar o diagnóstico da doença.(1) Os resultados do teste são gerados automaticamente e relatados como Mycobacterium tuberculosis não detectado ou detectado e, nesse caso, se é sensível ou resistente à rifampicina. O teste também fornece o valor de cycle threshold (CT, limiar de ciclo), que reflete o número de ciclos de PCR necessários para detectar M. tuberculosis. Cada ciclo representa aproximadamente 50% menos material do que o anterior, proporcionando assim um resultado semiquantitativo da carga bacilar, sendo que valores de CT mais elevados refletem menor carga bacilar.(2)







Considerando a recomendação atual da OMS de substituir a baciloscopia de escarro pelo Xpert MTB/RIF como um teste diagnóstico inicial para tuberculose (embora a baciloscopia ainda seja realizada em algumas localidades), visto que a cultura leva várias semanas para fornecer resultados, o CT do teste Xpert MTB/RIF pode ser a única maneira de avaliar a carga bacilar.(3-6) O presente estudo teve como objetivo avaliar a associação do valor de CT do teste Xpert MTB/RIF com a baciloscopia do escarro e avaliar o desempenho diagnóstico do CT do Xpert MTB/RIF.







Foi realizado um estudo transversal, com coleta de dados prospectiva, em um ambulatório de tuberculose de um posto de saúde na cidade de Alvorada (RS), que teve uma incidência da doença de 84,4 casos/100.000 habitantes entre 2017 e 2019.(7) O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, localizado na cidade de Porto Alegre (protocolo no. 160063).







Pacientes maiores de 18 anos com sintomas respiratórios sugestivos de tuberculose pulmonar e que puderam coletar escarro foram convidados a participar. Pacientes que não conseguiram coletar escarro e aqueles com tuberculose extrapulmonar foram excluídos. A tuberculose pulmonar foi diagnosticada de acordo com as Diretrizes Brasileiras de Tuberculose.(8)







Os seguintes dados foram coletados: dados demográficos, tabagismo, abuso de álcool, sintomas e comorbidades. As radiografias de tórax foram classificadas como típicas de tuberculose ou compatíveis com tuberculose.(9) Os esfregaços de escarro foram corados pela técnica de coloração de Ziehl-Neelsen para detecção de BAAR, e a cultura foi realizada pelo método de Ogawa-Kudoh.(8) O teste Xpert MTB/RIF foi realizado de acordo com as instruções do fabricante.(2)







A análise dos dados foi realizada com os programas IBM SPSS Statistics, versão 18.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA) e MedCalc, versão 16.4.3 (MedCalc Software, Mariakerke, Bélgica). Com base nos resultados da baciloscopia (positiva ou negativa), calcularam-se sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo com os respectivos IC95% do CT do Xpert MTB/RIF. Da mesma forma, construímos curvas ROC para determinar o melhor ponto de corte. Para o cálculo do tamanho amostral, considerou-se que a sensibilidade do CT do Xpert MTB/RIF foi de 85% em um estudo prévio.(4) Assim, utilizando-se IC95% e um poder de 80%, pelo menos 100 pacientes deveriam ser incluídos.







Durante o período do estudo, 407 pacientes realizaram o teste Xpert MTB/RIF; desses, 150 tiveram o resultado Xpert MTB/RIF positivo e foram incluídos no estudo. Na Tabela 1 estão descritas as características dos pacientes. Observaram-se diferenças estatisticamente significativas entre a média do CT dos pacientes com baciloscopia de escarro positiva e a daqueles com baciloscopia negativa (17,8 ± 4,8 e 22,3 ± 6,7, respectivamente; p = 0,002). A sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo e o valor preditivo negativo do CT do Xpert (ponto de corte do CT: 22,7) foram de 83,6% (IC95%: 75,8-89,7), 60,7% (IC95%: 40,6-78,5), 90,3% (IC95%: 85,3-93,7) e 45,9% (IC95%: 34,0-58,3), respectivamente. A área sob a curva ROC para o ponto de corte de 22,7 foi de 0,70 (IC95%: 0,62-0,77; p = 0,002).







 
















Poucos estudos(4-6) avaliaram o ponto de corte do CT como medida da carga bacilar. Os pontos de corte mais estudados foram 28(5,6) e 31,8.(4) Hanrahan et al.(6) demonstraram que o ponto de corte do CT de 28 teve bom valor preditivo para positividade do escarro, com sensibilidade de 89,9% e especificidade de 67,0%. Em outro estudo,(5) os autores mostraram que valores menores de CT estavam associados com HIV negativo e baixo IMC e utilizaram o ponto de corte de 28 também, relatando sensibilidade de 95% e especificidade de 54,1%. No presente estudo, identificamos como melhor ponto de corte o valor do CT de 22,7, menor do que os pontos de corte da maioria dos estudos. Entretanto, a decisão do melhor ponto de corte do CT difere de acordo com o contexto e com os objetivos do exame. Com o intuito de detectar o maior número possível de pacientes com baciloscopia positiva, valores maiores de CT devem ser escolhidos. Já no contexto de recursos limitados, pacientes com valores menores de CT devem ser priorizados para o isolamento respiratório.(4)







Em uma meta-análise,(4) foi demonstrado que os pontos de corte de 27,7 e 31,8 apresentaram sensibilidade de 85% e 95%, respectivamente, assim como especificidade de 67% e 35%, para amostras com baciloscopia positiva. Entretanto, os autores concluíram que a moderada acurácia diagnóstica dos valores do CT comparada com a da baciloscopia, assim como necessidades diferentes em contextos com prevalência variável de baciloscopia positiva, pode impedir o uso de valores do CT como substitutos da baciloscopia em todos os contextos.







Uma das limitações do presente estudo foi o fato de que os pacientes foram recrutados em um único ambulatório de tuberculose. No entanto, acreditamos que os resultados sejam aplicáveis a contextos semelhantes. Além disso, não avaliamos se os valores de CT podem predizer a infecciosidade e transmissão, embora já tenha sido demonstrado que a baciloscopia positiva é por si só uma medida imperfeita para infecciosidade, com evidência de transmissão de casos negativos de baciloscopia, porém com cultura positiva. (10) Apesar dessas limitações, pelo que sabemos, este é o primeiro estudo no Brasil a avaliar a acurácia do CT como substituto da baciloscopia de escarro.







Em conclusão, os valores do CT do Xpert MTB/RIF estão associados com os resultados da baciloscopia de escarro, e os valores de CT são menores em pacientes com baciloscopia positiva. O ponto de corte do valor do CT de 22,7 mostrou um bom valor preditivo para positividade da baciloscopia de escarro.







CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES







GCP: design do estudo, metodologia, investigação, análise formal e redação do rascunho original; GRP, KGD e LRM: metodologia, investigação, redação, revisão e edição; e DRS: design do estudo, metodologia, investigação, análise formal e redação do rascunho original.







APOIO FINANCEIRO







Este estudo recebeu apoio financeiro do Fundo de Incentivo à Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (FIPE-HCPA).







REFERÊNCIAS







1. World Health Organization. Global tuberculosis report 2019. Geneva: World Health Organization; 2019.







2. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) [homepage on the Internet]. Brasília: Anvisa; c2020 [cited 2020 Jun 2]. Boletim Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde (BRATS) no. 16 Available from: http://portal.anvisa.gov.br/resultado-de-busca?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=412399&_101_type=document







3. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: World Health Organization; c2011 [cited 2020 Jun 2]. Automated Real-time Nucleic Acid Amplification Technology for Rapid and Simultaneous Detection of Tuberculosis and Rifampicin Resistance: Xpert MTB/RIF System--Policy Statement [Adobe Acrobat document, 36p.]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44586/9789241501545_eng.pdf;jsessionid=726C522135C4C5E1DE0E87F9739C5F2D?sequence=1







4. Lange B, Khan P, Kalmambetova G, Al-Darraji HA, Alland D, Antonenka U, et al. Diagnostic accuracy of the Xpert® MTB/RIF cycle threshold level to predict smear positivity: a meta-analysis. Int J Tuberc Lung Dis. 2017;21(5):493-502. https://doi.org/10.5588/ijtld.16.0702







5. Beynon F, Theron G, Respeito D, Mambuque E, Saavedra B, Bulo H, et al. Correlation of Xpert MTB/RIF with measures to assess Mycobacterium tuberculosis bacillary burden in high HIV burden areas of Southern Africa. Sci Rep. 2018;8(1):5201. https://doi.org/10.1038/s41598-018-23066-2







6. Hanrahan CF, Theron G, Bassett J, Dheda K, Scott L, Stevens W, et al. Xpert MTB/RIF as a measure of sputum bacillary burden. Variation by HIV status and immunosuppression. Am J Respir Crit Care Med. 2014;189(11):1426-1434. https://doi.org/10.1164/rccm.201312-2140OC







7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde, c2020 [updated 2020 Mar; cited 2020 Jun 2]. Boletim Epidemiológico: Tuberculose 2020 [Adobe Acrobat document, 40p.]. Available from: https://antigo.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/24/Boletim-tuberculose-2020-marcas--1-.pdf







8. Conde MB, Melo FA, Marques AM, Cardoso NC, Pinheiro VG, Dalcin Pde T, et al. III Brazilian Thoracic Association Guidelines on tuberculosis. J Bras Pneumol. 2009;35(10):1018-1048. https://doi.org/10.1590/S1806-37132009001000011







9. Diagnostic Standards and Classification of Tuberculosis in Adults and Children. This official statement of the American Thoracic Society and the Centers for Disease Control and Prevention was adopted by the ATS Board of Directors, July 1999. This statement was endorsed by the Council of the Infectious Disease Society of America, September 1999. Am J Respir Crit Care Med. 2000 Apr;161(4 Pt 1):1376-95. https://doi.org/10.1164/ajrccm.161.4.16141







10. Transmission of Mycobacterium tuberculosis from patients smear-negative for acid-fast bacilli [published correction appears in Lancet 1999 May 15;353(9165):1714]. Lancet. 1999;353(9151):444-449. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(98)03406-0

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