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Educação Continuada: Fisiologia Respiratória

Ausência de obstrução ao fluxo aéreo na espirometria: pode ainda ser DPOC?

Absence of airflow obstruction on spirometry: can it still be COPD?

José Alberto Neder1a, Danilo Cortozi Berton2a, Denis E O'Donnell1a

CONTEXTO

Uma relação VEF1/CVF < 0,7 tem sido amplamente utilizada para definir obstrução ao fluxo aéreo, pois, em média, ela se correlaciona bem com medidas mais sofisticadas de limitação do fluxo expiratório. Na verdade, o ponto de corte de 0,7 está no cerne da definição de DPOC de acordo com a GOLD.(1) A maioria dos médicos presume que uma relação VEF1/CVF pós-broncodilatador (BD) ≥ 0,7 efetivamente exclui DPOC.

PANORAMA

Mulher, 59 anos, ex-fumante inveterada (45 anos-maço), com queixas de dispneia aos esforços (mMRC = 3) recebeu diagnóstico provisório de DPOC. Embora tenha havido melhora parcial com o uso de formoterol inalatório (mMRC = 2), ela foi encaminhada ao serviço de pneumologia para reavaliação do diagnóstico, pois a relação VEF1/CVF pós-BD sempre fora ≥ 0,7 (Figura 1A). Testes de função pulmonar adicionais, no entanto, mostraram aprisionamento aéreo leve (↑VR) e ↓DLCO moderada (Figura 1B). Considerando-se que os sintomas de esforço da paciente poderiam ser um mero reflexo de descondicionamento grave, um teste de exercício cardiopulmonar foi realizado para determinar se havia alguma evidência de que "os pulmões" poderiam explicar sua falta de ar. Conforme mostrado na Figura 1C, esse era de fato o caso: a) os escores de dispneia, seja em função da taxa de trabalho ou da ventilação minuto (⩒E), estavam tipicamente acima do limite superior de normalidade(2); b) houve evidências de restrições críticas para a expansão do volume corrente (Figura 1C, seta), pois o volume corrente atingiu prematuramente ≈70% da capacidade inspiratória e ≈0,5 L do volume de reserva inspiratório, ou seja, o volume pulmonar inspiratório final também foi próximo à CPT,(3) e o ⩒E de pico se aproximou da ventilação voluntária máxima estimada. Além disso, uma TC de tórax mostrou enfisema e paredes brônquicas espessadas (Figura 1D).
 



Embora haja controvérsias correntes sobre o melhor ponto de corte para definir a obstrução ao fluxo aéreo (uma relação VEF1/CVF fixa < 0,7 ou limite inferior de normalidade com base na idade e sexo), uma relação VEF1/CVF reduzida tem sido considerada um critério indispensável para o diagnóstico de DPOC.(1) Há evidências crescentes de que indivíduos com relação FEV1/FVC intermediária (ou seja, maior que o limite inferior de normalidade, mas menor que 0,7) têm taxas de hospitalização e mortalidade mais altas,(1) mais comorbidades cardiovasculares e pior tolerância ao exercício e dispneia(4) do que indivíduos sem obstrução usando-se ambos os critérios. Ocasionalmente, no entanto, a CVF diminui aproximadamente em conjunto com o VEF1 à medida que o VR aumenta apesar de uma CPT preservada, refletindo o aumento do colapso/fechamento das pequenas vias aéreas em baixos volumes pulmonares durante a manobra forçada. (5) De fato, um número considerável de fumantes sintomáticos sem evidências espirométricas de obstrução pode mostrar aprisionamento aéreo e/ou ↓DLCO mais mudanças estruturais compatíveis com a DPOC.(1) Assim, alguns desses indivíduos podem se beneficiar clinicamente da abordagem mais proativa em relação ao tratamento precoce com BD.(1)

MENSAGEM CLÍNICA

A principal característica fisiopatológica da definição atual de DPOC (relação ↓FEV1/FVC persistente) não é uma condição sine qua non em fumantes com aprisionamento aéreo e/ou ↓DLCO e/ou enfisema na TC. Assim, há um grande interesse em adicionar variáveis de TC à definição de DPOC,(1) embora realmente acreditemos que as variáveis fisiológicas acima mencionadas também devam ser levadas em consideração. Resumindo, o diagnóstico de DPOC em indivíduos com alta probabilidade pré-teste da doença, mas com relação VEF1/CVF preservada, requer uma abordagem mais holística, envolvendo a avaliação de anormalidades clínicas (dispneia), fisiológicas (volumes pulmonares e DLCO) e anatômicas (enfisema).

REFERÊNCIAS

1. Han MK, Agusti A, Celli BR, Criner GJ, Halpin DMG, Roche N, et al. From Gold 0 to Pre-COPD. Am J Respir Crit Care Med. 2020;10.1164/rccm.202008-3328PP [published online ahead of print, 2020 Nov 19]. https://doi.org/10.1164/rccm.202008-3328PP
2. Neder JA, Berton DC, Nery LE, Tan WC, Bourbeau J, O'Donnell DE, et al. A frame of reference for assessing the intensity of exertional dyspnoea during incremental cycle ergometry. Eur Respir J. 2020;56(4):2000191. https://doi.org/10.1183/13993003.00191-2020
3. Marillier M, Bernard AC, Gass R, Berton DC, Verges S, O'Donnell DE, et al. Are the "critical" inspiratory constraints actually decisive to limit exercise tolerance in COPD?. ERJ Open Res. 2020;6(3):00178-2020. https://doi.org/10.1183/23120541.00178-2020
4. Neder JA, Milne KM, Berton DC, de-Torres JP, Jensen D, Tan WC, et al. Exercise Tolerance according to the Definition of Airflow Obstruction in Smokers. Am J Respir Crit Care Med. 2020;202(5):760-762. https://doi.org/10.1164/rccm.202002-0298LE
5. Berton DC, Neder JA. Measuring slow vital capacity to detect airflow limitation in a woman with dyspnea and a preserved FEV1/FVC ratio. J Bras Pneumol. 2019;45(2):e20190084. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20190084

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