Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
11031
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Cartas ao Editor

Morbidade e mortalidade por COVID-19 em 2020: o caso da cidade do Rio de Janeiro

COVID-19 morbidity and mortality in 2020: the case of the city of Rio de Janeiro

Nádia Cristina Pinheiro Rodrigues1,2, Mônica Kramer de Noronha Andrade1, Denise Leite Maia Monteiro3, Valéria Teresa Saraiva Lino1, Inês do Nascimento Reis1, Vera Cecília Frossard1, Gisele O'Dwyer1

AO EDITOR,

Em março de 2020, foi declarada a presença de transmissão comunitária do severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 no Brasil. O presente estudo investigou possíveis mudanças de tendência e o nível de morbidade e mortalidade por coronavirus disease 2019 (COVID-19) ao longo da pandemia na cidade do Rio de Janeiro (RJ), utilizando análises de séries temporais. Informações referentes aos casos e óbitos ocorridos entre 6 de março e 22 de julho de 2020 (139 dias) na cidade do Rio de Janeiro que foram utilizados no presente estudo estão disponíveis no link https://covid19br.wcota.me/. Foram coletados dados da frequência diária do número de casos e de óbitos por COVID-19 ao longo do período.

Para casos e óbitos, foram comparados dois períodos de 2020: número de casos: 1º período - de 6 de março a 18 de maio (74 dias); e 2º período - de 19 de maio a 22 de julho (65 dias); e número de óbitos: 1º período - de 6 de março a 6 de maio (62 dias); e 2º período - de 7 de maio a 22 de julho (77 dias).

Por se tratar de uma série temporal relativamente curta, optou-se por usar a regressão de Prais-Winsten e Cochrane-Orcutt para o ajuste dos modelos para os dois desfechos (casos e óbitos por COVID-19). Os modelos incluíram um termo constante, um termo indicando mudança de nível após o primeiro período e outro indicando mudança de tendência (angulação) após o primeiro período.

A expressão do modelo é a seguinte:

Yt = (^β 0 + ^β 1 × total de dias + ^β 2 × 1 + ^β 3 × dias após o período pré-predição) + et
onde Yt representa o efeito absoluto para um determinado tempo, ^β 0 representa a constante, ^β 1 refere-se ao parâmetro relacionado ao tempo total de investigação, ^β 2 refere-se ao parâmetro relacionado ao período de predição, ^β 3 refere-se ao parâmetro relacionado ao tempo do efeito que se deseja estimar, e et é o erro aleatório.

Entre 6 de março e 22 de julho ocorreram 68.334 casos e 7.887 mortes por COVID-19. As médias dos números de casos no primeiro e segundo períodos foram de 181,66 ± 208,86 e de 844,48 ± 553,34, respectivamente, enquanto as médias dos números de mortes/dia no primeiro e segundo períodos foram de 12,32 ± 14,51 e de 92,51 ± 46,92, respectivamente.

Em relação aos casos, o parâmetro de correlação serial do modelo foi de 7,17 (IC95%: 3,18-11,16; p < 0,001), indicando um aumento de casos. A partir do 75º dia, a tendência se inverteu, apontando uma redução dos casos (coeficiente = −21,87; IC95%: −28,07 a −15,67; p < 0,0001). Detectamos uma mudança de nível entre os casos (coeficiente = 887,56; IC95%: 642,88-1.132,25; p < 0,0001) no segundo período (Figura 1A)
 



Quanto aos óbitos, o parâmetro de correlação serial foi de 0,73 (IC95%: 0,14-1,31; p < 0,02), indicando crescimento. A partir do dia 7 de maio, a tendência se inverteu apontando uma redução dos óbitos (coeficiente = −1,53; IC95%: −2,24 a −0,83; p < 0,0001). As estimativas do modelo de regressão também foram significativas para a mudança de nível, indicando aumento médio de 90,11 mortes por COVID-19 (IC95%: 63,64-116,58; p < 0,0001) no segundo período (Figura 1B).

Desde o princípio da epidemia na cidade do Rio de Janeiro, a política municipal de testagem de pacientes incluiu o teste RT-PCR para pacientes internados ou para pacientes suspeitos nas Unidades de Pronto Atendimento, mas não há testes disponíveis na atenção primária. Nossos achados indicaram que, nos primeiros meses, o número de mortes era baixo; porém, em cerca de dois meses após o início da epidemia, houve um importante aumento na morbidade e mortalidade devido à alta transmissibilidade da doença, ao desconhecimento do comportamento biológico do vírus e à ausência de tratamento específico e/ou vacinas.

Segundo o Ministério da Saúde, na última quinzena de maio havia mais de 240 mil casos confirmados e pouco mais de 16 mil óbitos no Brasil. Naquela ocasião, registravam-se no Brasil quase 140 mil hospitalizações por suspeita de COVID-19.

Medidas de controle foram implantadas para vencer a pandemia. Mesmo com a adoção do distanciamento social como principal política de enfrentamento para a COVID-19 no Brasil, faltaram ações coordenadas importantes, tais como investimentos em um sistema de informação unificado; maior disponibilidade para a realização de testes diagnósticos para casos suspeitos; reorientação do fluxo operacional nas unidades de saúde; e agilização do cuidado aos pacientes, com a construção de hospitais de campanha e compra de equipamentos.(1,2)

Dois cenários de mitigação de medidas foram observados no Brasil. O primeiro refere-se a um período curto sem mitigação, enquanto o segundo refere-se à presença de mitigação média. Esse segundo cenário se distingue do ocorrido em outros países, como França, Espanha e Suíça, que adotaram medidas mais rígidas com isolamento completo após a acumulação de 50 casos (cenário de mitigação intensa). Já Alemanha, Itália e Reino Unido tomaram essas ações mais tardiamente.(3)

Apesar das medidas de contenção, a estimativa do índice que mede a capacidade do indivíduo infectado de infectar outras pessoas (R0) no início de maio de 2020 era de 2,4 no estado do Rio de Janeiro e na região metropolitana do estado,(4) o que indica que a doença ainda estaria em crescimento e que outras medidas precisariam ser implementadas para contê-la.

A experiência exitosa da China utilizando medidas não farmacológicas para a mitigação da doença suscitou estudos de efetividade.(5-7) Pesquisadores estimam que as medidas de intervenção não farmacológicas adiariam o colapso do sistema de saúde nos casos graves com necessidade de internação, diminuindo a taxa de ocupação dos leitos de

Entre os obstáculos que dificultaram o controle da COVID-19 no Brasil, destaca-se a troca frequente dos Ministros da Saúde durante a pandemia, o descrédito sobre a necessidade de mitigação mais rígida, a pressão constante pelo retorno de atividades econômicas e o retardo na disponibilização de auxílio governamental à população vulnerável, ocasionando extensas filas nas agências bancárias e consequentes aglomerações.

Apesar do aumento significativo de mortes e de casos no mês de maio, as medidas de relaxamento da pandemia se deram principalmente no final de maio e início de junho (Figura 1C). Ações adicionais de fiscalização poderiam contribuir para que as normas estabelecidas fossem cumpridas.

REFERÊNCIAS

1. Barreto ML, Barros AJD, Carvalho MS, Codeço CT, Hallal PRC, Medronho RA, et al. What is urgent and necessary to inform policies to deal with the COVID-19 pandemic in Brazil?[Article in Portuguese]. Rev Bras Epidemiol. 2020;23:e200032. https://doi.org/10.1590/1980-549720200032
2. Klompas M, Morris CA, Sinclair J, Pearson M, Shenoy ES. Universal Masking in Hospitals in the Covid-19 Era. N Engl J Med. 2020;382(21):e63. https://doi.org/10.1056/NEJMp2006372
3. Batista A, Antunes B, Peres I, Marchesi J, Cunha JP, Dantas L, et al. Nota Técnica 8-Projeção de casos de infecção por COVID-19 no Brasil até 24 de abril de 2020 [monograph on the Internet]. Rio de Janeiro: Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde; 2020. Available from: https://drive.google.com/file/d/1i9GsIm_HFl9me4zBpxCqHz0Arxyf8UPd/view?usp=drive_open&usp=embed_facebook
4. Farias CM, Medronho RA, Travassos GH. Nota Técnica: Avaliação do comportamento da COVID-19 no estado do Rio de Janeiro e seus municípios com base em R0 calculado a partir das evoluções anteriores de R dos casos notificados à Secretaria de Estado de Saúde-RJ [monograph on the Internet]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2020. Available from: https://ufrj.br/sites/default/files/img-noticia/2020/05/nota_tecnica_covidimetro.pdf
5. Chinazzi M, Davis JT, Ajelli M, Gioannini C, Litvinova M, Merler S, et al. The effect of travel restrictions on the spread of the 2019 novel coronavirus (COVID-19) outbreak. Science. 2020;368(6489):395-400. https://doi.org/10.1126/science.aba9757
6. Fang Y, Nie Y, Penny M. Transmission dynamics of the COVID-19 outbreak and effectiveness of government interventions: A data-driven analysis. J Med Virol. 2020;92(6):645-659. https://doi.org/10.1002/jmv.25750
7. Kraemer MUG, Yang C-H, Gutierrez B, Wu CH, Klein B, Pigott DM, et al. The effect of human mobility and control measures on the COVID-19 epidemic in China. Science. 2020;368(6490):493-497. https://doi.org/10.1126/science.abb4218
8. Ferguson NM, Laydon D, Nedjati-Gilani G, Imai N, Ainslie K, Baguelin M, et al. Report 9: Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand [monograph on the Internet]. London: Imperial College London; 2020. Available from: http://www. https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/mrc-gida/2020-03-16-COVID19-Report-9.pdf
9. Batista A, Antunes B, Faveret G, Peres I, Marchesi J, Cunha JP, et al. Nota Técnica 6: Projeção de casos de infecção por COVID-19 no Brasil até 20 de abril de 2020 [monograph on the Internet]. Rio de Janeiro: Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde; 2020. Available from: https://drive.google.com/file/d/1bIaiC46l9pVYNeFvrSa9rEsxiu4PXGPU/view?usp=drive_open&usp=embed_facebook
10. Ganem F, Mendes FM, Oliveira SB, Porto VBG, Araujo W, Nakaya H, et al. The impact of early social distancing at COVID-19 Outbreak in the largest Metropolitan Area of Brazil. medRxiv. 2020.04.06.20055103. https://doi.org/10.1101/2020.04.06.20055103

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia