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Artigo Original

Avaliação do ventrículo esquerdo em pacientes com DPOC e hipoxemia noturna

Evaluation of the left ventricle in patients with COPD and nocturnal hypoxemia

Victória Oliveira Prados1, Talita Lima1, Larissa Tavares da Silva1, Isadora Coelho Matos1, Ana Carolina Lobato Maya1, José Laerte Rodrigues Silva Júnior1,2,3, Marcelo Fouad Rabahi1,2,3

ABSTRACT

Objective: To verify association between left ventricular (LV) mass and thickness and the presence of significant nocturnal hypoxemia in patients with COPD with mild diurnal hypoxemia. Methods: A cross-sectional study carried out in clinically stable outpatients with COPD and mild hypoxemia (oxygen saturation ≥90 to ≤94%, identified by noninvasive oximetry) in a clinic specialized in the treatment of respiratory diseases in Goiânia-GO. All patients were submitted to clinical evaluation, spirometry, polysomnography, echocardiography, arterial blood gas analysis, 6-minute walk test and chest X-ray. Results: Patients with significant nocturnal hypoxemia had echocardiographic parameters associated with increase of LV musculature when compared to patients with mild nocturnal hypoxemia. The LV volume/mass ratio was significantly lower in the group with significant nocturnal hypoxemia (ratio 0.64 ± 0.13 versus 0.72 ± 0.12, p = 0.04), the thickness diastolic diameter of the interventricular septum and the diastolic thickness of the LV posterior wall were significantly higher in this group (9.7 ± 0.92 versus 9.1 ± 0.90 p = 0.03), (9.7 ± 1.0 versus 8.9 ± 1.0, p = 0.01. The time in REM sleep with saturation below 85% significantly predicted septum thickness (adjustment for BMI, age and mean blood pressure, r2 = 0.20; p = 0.046). Conclusion: We observed association between severe REM sleep hypoxemia and echocardiographic parameters indicating increased LV mass in individuals with COPD and significant nocturnal hypoxemia. This suggests that this subgroup of individuals may benefit from an echocardiographic evaluation of the left ventricle.

Keywords: Chronic Obstructive Pulmonary Disease; Left ventricular hypertrophy; Echocardiography.

RESUMO

Objetivo: Verificar a associação entre massa e espessura do ventrículo esquerdo (VE) e presença de hipoxemia noturna significativa em pacientes portadores de DPOC com hipoxemia diurna leve. Métodos: Estudo transversal realizado em pacientes ambulatoriais, clinicamente estáveis, portadores de DPOC e hipoxemia leve (saturação de oxigênio ≥ 90 a ≤ 94%, identificados por oximetria não invasiva) em um centro clínico especializado no atendimento de doenças respiratórias em Goiânia (GO). Todos foram submetidos a avaliação clínica, espirometria, polissonografia, ecocardiografia, gasometria arterial, teste de caminhada de 6 minutos e radiografia de tórax. Resultados: Foram avaliados 64 pacientes com DPOC e hipoxemia noturna. Pacientes com hipoxemia noturna significativa apresentaram parâmetros ecocardiográficos associados a mais quantidade de musculatura do VE quando comparados a pacientes com hipoxemia noturna leve. A relação entre volume/massa do VE foi significativamente menor no grupo com hipoxemia noturna significativa (0,64 ± 0,13 versus 0,72 ± 0,12; p = 0,04) e a espessura diastólica do septo interventricular e a espessura diastólica da parede posterior do VE foram significativamente maiores nesse grupo (9,7 ± 0,92 versus 9,1 ± 0,90; p = 0,03) (9,7 ± 1,0 versus 8,9 ± 1,0; p = 0,01). O tempo de sono REM com saturação abaixo de 85% prediz significativamente a espessura do septo (ajuste para índice de massa corporal [IMC], idade e pressão arterial média; r2 = 0,20; p = 0,046). Conclusão: Em indivíduos portadores de DPOC e hipoxemia noturna significativa, foi observada associação entre hipoxemia severa no sono REM e parâmetros ecocardiográficos que indicam aumento da massa do VE. Tal fato sugere que esse subgrupo de indivíduos pode se beneficiar de uma avaliação ecocardiográfica do VE.

Palavras-chave: Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica; Hipertrofia ventricular esquerda; Ecocardiografia.

INTRODUÇÃO

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma das principais causas de morbidade e deficiências globais e, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),(1) mais de 210 milhões de pessoas no mundo apresentam DPOC, podendo se tornar, em 2020, a terceira maior causa de morte no mundo.(2) No Brasil, estima-se que haja mais de 7 milhões de adultos acometidos.(3)

Essa doença causa alterações pulmonares e extrapulmonares que levam à diminuição da qualidade de vida do indivíduo, à redução da tolerância ao exercício, ao aumento do número de hospitalizações e ao risco de morbidades cardiovasculares.(4) A hipoxemia crônica não corrigida causada pela DPOC desencadeia mecanismos que contribuem para a hipertrofia ventricular esquerda, mediante inflamação sistêmica, liberação de radicais de oxigênio e ativação do sistema nervoso simpático. A hipertrofia do ventrículo esquerdo (VE) merece atenção devido aos prejuízos causados nos pacientes portadores dessa condição, como arritmias, redução da perfusão coronariana, eventos tromboembólicos e um significativo aumento de 38% na mortalidade de pacientes com DPOC.(5)

As anormalidades provocadas por hipoxemia leve à severa no ventrículo direito (VD) já estão bem descritas na literatura,(6) mas a relação da doença respiratória crônica com alterações do VE ainda não está bem estabelecida.(7) Dessa forma, o objetivo do presente estudo é verificar, em pacientes com DPOC, a associação entre aumento da massa e/ou espessura do VE e hipoxemia noturna significativa, pois a identificação precoce e o consequente tratamento produziriam grande impacto na prevenção de complicações cardiovasculares nesses pacientes.

MÉTODOS

O presente trabalho é um subprojeto da pesquisa "Associação entre hipoxemia noturna e depressão em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC): um estudo de caso-controle", realizado de acordo com as boas práticas clínicas e aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Geral de Goiânia, sob o protocolo nº 198.344/2013. A pesquisa principal realizou, inicialmente, um estudo transversal para estimar a prevalência de apneia obstrutiva do sono (AOS) e de hipoxemia noturna, seguido de um estudo caso-controle, tendo comparado pacientes portadores de DPOC e hipoxemia leve com depressão maior (casos) com pacientes sem depressão maior (controles). Este trabalho avalia os dados colhidos em um estudo transversal da amostra inicial de pacientes portadores de DPOC e hipoxemia leve.

Local do estudo

O estudo da pesquisa principal foi conduzido no Centro de Pesquisa Clínica da CLARE, um ambulatório especializado no atendimento de doenças pulmonares, em Goiânia (GO).

Critérios de inclusão

Indivíduos portadores de DPOC que não estavam em oxigenoterapia domiciliar, clinicamente estáveis, com 40 anos ou mais, admitidos entre 1º de abril e 31 de setembro de 2013 no Centro de Pesquisa Clínica da CLARE.

Após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), oximetria foi realizada para incluir somente pacientes portadores de hipoxemia diurna leve (saturação de oxigênio ≥ 90% a ≤ 94%). Os pacientes, subsequentemente, realizaram avaliação clínica (anamnese e exame físico), responderam a questionários validados de dispneia do Medical Research Council, comprometimento da saúde da DPOC (COPD Assessment Test [CAT]), nível socioeconômico (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, 2009)(8), e realizaram espirometria, teste de caminhada de 6 minutos, exame de polissonografia, ecocardiograma, gasometria arterial e radiografia de tórax. Foram considerados portadores de hipoxemia noturna significativa indivíduos que apresentaram saturação de oxigênio ≤ 85% por pelo menos cinco minutos durante o sono.(9)

Critérios de exclusão

Gravidez, infarto do miocárdio recente (havia menos de três meses), antecedentes médicos de asma ou qualquer outra doença pulmonar concomitante, história de diagnóstico de câncer, presença de insuficiência renal ou realização de diálise, presença de diabetes insulino-dependente, presença de PaO2 < 60 mmHg em repouso, presença de evidência radiográfica de qualquer anormalidade significativa não atribuível à DPOC e incapacidade de entender ou completar todos os questionários, testes e entrevistas.

Cálculo do tamanho amostral

Foi utilizado o Teste t para determinar se a espessura da parede inferosseptal do VE difere significativamente entre os grupos de pacientes portadores de DPOC com e sem hipoxemia noturna significativa. Calculou-se a amostra para ser capaz de detectar uma diferença de 15% ou mais na espessura da parede inferosseptal do VE. Um estudo prévio relatou que a média e o desvio padrão da espessura da parede inferosseptal do VE em um grupo de pacientes portadores de DPOC foram 11 ± 1,9. Para α (bicaudal) = 0,05 e poder = 0,80, são necessários, no mínimo, 42 indivíduos portadores de DPOC.

Os resultados foram analisados com o programa Stata versão 13.1 (StataCorp, Texas, EUA), utilizando 5% de nível de significância (p < 0,05). Teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para avaliar a normalidade dos dados. As variáveis quantitativas com distribuição normal foram descritas utilizando média e desvio padrão, as quantitativas que não apresentavam distribuição normal foram descritas utilizando-se mediana e intervalo interquartil e as variáveis qualitativas foram descritas por meio de proporções.

O teste t foi utilizado para comparação das médias, o teste de Wilcoxon foi utilizado para comparações de medianas e para variáveis dicotômicas foi utilizado o teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher. A regressão linear foi selecionada para estimar a associação entre o tempo com saturação abaixo de 85% no sono REM e a espessura do septo interventricular (SIV), enquanto se fez ajuste para IMC, idade e pressão arterial média.

RESULTADOS

No período do estudo, 230 pacientes com DPOC foram admitidos no ambulatório do Centro de Pesquisa Clínica da CLARE e avaliados para elegibilidade. Destes, 24 pacientes (10,4%) não foram incluídos devido à oxigenoterapia domiciliar ou à recusa em participar. Dos pacientes restantes, 93 pacientes (40,4%) foram excluídos por causa de oximetria ≥ 95% ou < 90%, 42 pacientes (18,3%) foram excluídos devido a VEF1/CVF > 70 e sete pacientes (3,0%) foram excluídos devido à presença de evidência radiológica de alterações significativas não imputáveis à DPOC e à PaO2 < 60 mmHg. A Figura 1 descreve o fluxo para seleção dos participantes.

Em sua maioria, a amostra do estudo compreendeu pacientes com DPOC de idade e doença avançada (GOLD D), com predomínio do sexo masculino (56,3%), baixo nível socioeconômico, IMC normal, maioria de ex-fumantes e hipertensos (57,8%) com doença controlada. Os grupos com e sem hipoxemia noturna significativa diferiram em relação a IMC, PaCO2 e saturação de oxigênio. Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos, considerando-se a pressão arterial ou a porcentagem de hipertensos. O grupo com hipoxemia noturna significativa (26,6%) apresentou maior IMC, PaCO2 e menos saturação de oxigênio (Tabela 1).

Havia mais indivíduos com AOS no grupo com hipoxemia noturna significativa, assim como a saturação média na vigília e durante o sono foram significativamente mais baixas nesse grupo (Tabela 2).

Ao avaliar a saturação média do sono REM versus não REM, verificou-se que a mediana do sono REM é significativamente menor que a do sono não REM em ambos os grupos: com hipoxemia noturna significativa (88% versus 91%, respectivamente; p = 0,001) e sem hipoxemia noturna significativa (93% versus 93,5%, respectivamente; p = 0,02).

Em relação aos parâmetros ecocardiográficos, a relação entre volume e massa foi significativamente menor no grupo com hipoxemia noturna significativa (relação 0,64 ± 0,13 versus 0,72 ± 0,12; p = 0,04), a espessura diastólica do septo interventricular e a espessura diastólica da parede posterior (PP) do VE foram significativamente maiores nesse mesmo grupo (9,7 ± 0,92 versus 9,1 ± 0,90; p = 0,03), (9,7 ± 1,0 versus 8,9 ± 1,0; p = 0,01 (Tabela 3 e Figuras 2 e 3). O tempo com saturação abaixo de 85% no sono REM apresenta correlação positiva com a espessura do septo interventricular, r = 0,32, p = 0,01, e prediz significativamente a espessura do septo interventricular (espessura do septo interventricular em mm = 8,21 + 0,022 tempo com saturação ≤ 85% + 0,03 IMC + 0,017 pressão arterial média - 0,02 idade, r2 = 0,20; p = 0,046).

DISCUSSÃO

A amostra de indivíduos portadores de DPOC do presente estudo apresentou características representativas desses pacientes no Brasil que vão ao encontro dos dados publicados pelo estudo PLATINO, em que 18% dos homens e 14% das mulheres eram portadores de DPOC.(10) Dessa forma, tanto no estudo realizado por Mueller et al.,(11) que estudou os efeitos sistêmicos da hipoxemia noturna em pacientes com DPOC sem a síndrome da AOS, em que o sexo masculino correspondeu a 71,4% do total, quanto no presente estudo, em que a amostra do sexo masculino correspondeu a 56,3%, houve predominância do gênero masculino.

Tal fato também foi observado em relação ao nível socioeconômico da amostra. Tando(12) afirma que baixas condições socioeconômicas são um fator de risco para DPOC. Da mesma forma, Prescott et al.(13) reforçam que o impacto negativo do status socioeconômico sobre a função pulmonar dos pacientes com DPOC só é menor que o impacto do tabagismo. No escore socioeconômico utilizado na presente pesquisa, pacientes com hipoxemia noturna significativa atingiram 16 pontos e os sem hipoxemia noturna significativa, 17, ambos na classe C2 (renda familiar média de 726 reais), reforçando a influência do status socioeconômico na DPOC.

Observou-se hipertensão arterial sistêmica (HAS) em 57% dos indivíduos avaliados, tendo sido considerada a comorbidade mais frequente em pacientes portadores de DPOC na pesquisa de Costa et al.(14) afetando 42,2% dos participantes nesse estudo. Verificou-se também que não houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos com e sem hipoxemia noturna significativa em relação ao nível de pressão arterial e à prevalência de hipertensos. Dessa forma, no presente estudo, a hipertrofia do VE encontrada no grupo com hipoxemia noturna não se deveu ao controle inadequado da pressão arterial ou a mais quantidade de hipertensos no grupo com hipoxemia noturna significativa, pois a hipertensão arterial é fator de risco bem estabelecido para hipertrofia ventricular esquerda.(15)

A amostra em estudo apresentava IMC normal, entretanto a média de IMC do grupo com hipoxemia noturna significativa foi maior que no grupo sem a anormalidade do sono (27,6 kg/m2 versus 24,2 kg/m2). Isso também foi observado no estudo de Chaouat et al.,(16) que verificou associação entre IMC elevado e dessaturação noturna. Pujante et al.(17) encontrou alta prevalência (76,2%) de AOS em pacientes com obesidade mórbida, assim como alta prevalência (78,6%) de alterações da massa do VE em obesos mórbidos acometidos pela AOS. Em outros estudos, como os de Avelar et al.,(18) Mirzaaghazadeh et al.,(19) Papachatzakis et al.(20) e Gupta et al.(21), a maior parte dos pacientes com AOS tinha IMC e circunferência da cintura significativamente maior, uma vez que a obesidade é um importante fator de risco para AOS, que, por sua vez, produz hipoxemia noturna.(22)

No entanto, AOS não é a causa exclusiva de hipoxemia noturna significativa, que pode ser também ocasionada pela própria DPOC, por diminuição da capacidade residual funcional devido à hipotonia dos músculos intercostais, à diminuição da resposta ventilatória à hipóxia e à hipercapnia e por piora da desproporção ventilação/perfusão no período noturno.(23) No presente trabalho, a AOS se mostrou presente em 64,3% dos pacientes com hipoxemia noturna significativa e em 35,7% dos pacientes sem hipoxemia noturna significativa. Segundo Senaratna et al.,(24) na população geral, a prevalência varia de 9% a 38% e, no estudo de Tufik et al.,(25) o índice de AOS encontrado foi de 32,8%, que se assemelhou ao encontrado na amostra sem hipoxemia, o que mostra que a prevalência da AOS na população geral e em pacientes com DPOC sem hipoxemia noturna se manteve muito próxima, enquanto o excesso de AOS no grupo com hipoxemia justifica parcialmente mais dessaturação noturna nesse grupo.

No estudo de Zanchet e Viegas,(26) verificou-se que 52% dos pacientes estudados (portadores de DPOC, sem AOS e com hipoxemia leve em vigília) apresentaram dessaturação noturna. Isso foi visto no presente trabalho, uma vez que, mesmo no grupo sem hipoxemia significativa, a saturação mínima no sono foi baixa (87%). Observou-se também no presente estudo que a saturação média na vigília foi significativamente mais baixa em indivíduos com hipoxemia noturna significativa (92% versus 94%), o que se reproduziu durante o sono (88% versus 93% no sono REM). Desta forma, pode-se concluir que a presença de hipoxemia leve em vigília é um fator preditivo de níveis menores de saturação média durante o sono, como demonstrado por Lewis et al.(27) Foi observada queda da saturação de oxigênio quando em sono REM se comparado com o sono não REM em ambos os grupos. Essa queda em ambos os grupos provavelmente decorre de modificações fisiológicas da mecânica respiratória durante o sono. A diminuição da sensibilidade dos quimiorreceptores, do drive motor respiratório e da contração muscular causa alterações na relação ventilação/perfusão e aumento da resistência ao fluxo aéreo. Embora sem importância em indivíduos saudáveis, tais alterações podem levar à hipoxemia noturna pronunciada no sono REM em pacientes com DPOC.(4)

Em relação aos valores diurnos de PaO2 e PaCO2, Plywaczewski et al.(28) demonstraram que pacientes com valores de PaO2 inferiores a 65 mmHg e PaCO2 acima de 45 mmHg apresentavam mais probabilidade de dessaturação noturna. O presente estudo encontrou resultados semelhantes. O grupo com hipoxemia noturna significativa apresentou níveis de saturação significativamente menores (92,9% versus 94,2%) e de PaCO2 maiores (37,5 versus 34,2) em relação ao grupo sem hipoxemia noturna significativa.

Segundo Mendes,(29) os estudos sobre a relação entre função pulmonar e remodelamento cardíaco em indivíduos hipertensos ainda são escassos. Vonk Noordegraaf et al.(6) não verificaram aumento de massa do VE nem alteração em seus parâmetros de imagem quando realizaram comparação de um grupo de 25 portadores de DPOC com hipoxemia leve com controles saudáveis, porem foi utilizada ressonância nuclear magnética para avaliação do coração e não ecocardiografia. Em estudos post mortem, mostrou-se que a hipertrofia esquerda e sua magnitude estão bem correlacionadas com a duração da sobrecarga de pressão do VD.(30) Além disso, pela interdependência ventricular, alterações estruturais do VD também alteram as estruturas do VE.(6) O presente estudo traz importantes achados para reforçar essas evidências científicas a respeito das alterações de VE que podem ser produzidas por enfermidades respiratórias.

Três parâmetros relacionados à hipertrofia ventricular esquerda estavam alterados em um grupo de pacientes que sofria de hipoxemia significativa no período noturno (relação entre volume e massa, espessura diastólica do septo interventricular e espessura diastólica da parede posterior do VE). Como explicado no estudo de Dempsey et al.,(22) a hipóxia grave induz aumentos na atividade nervosa simpática, inclusive na atividade nervosa simpática do sistema renal, ativando o sistema renina-angiotensina-aldosterona. Essa estimulação do receptor mineralocorticoide induz não apenas inflamação, mas também estresse oxidativo, o que leva à disfunção endotelial e à remodelação vascular, mecanismos importantes na patogênese da hipertrofia cardíaca. Mesmo em indivíduos saudáveis, o sono REM está associado à ativação simpática intensa, até 226% do valor basal em vigília, possivelmente ligada a alterações no tônus muscular.(31) Em pacientes com hipoxemia noturna, como portadores de AOS, essa hiperatividade do sistema nervoso simpático pode permanecer até quando o indivíduo está em vigília, estando envolvida direta ou indiretamente em vários outros efeitos da hipoxemia, incluindo estresse oxidativo, disfunção lipídica, inflamação sistêmica, disfunção endotelial e aterosclerose acelerada.(32) A acentuação da hipoxemia durante o sono REM de pacientes com DPOC é causada pela redução do volume-minuto secundário à depressão da resposta ventilatória a estímulos químicos associada à redução da atividade da musculatura acessória da ventilação, que ocorre nessa fase do sono. Com a função diafragmática comprometida por possível hiperinsuflação e redução da atividade muscular respiratória acessória, há redução da capacidade residual funcional, que aumenta o volume de fechamento, altera a relação entre ventilação e perfusão e causa queda da oxigenação.(33) A intensificação da hipoxemia, por sua vez, acentua a ativação do sistema nervoso simpático, que leva a alterações hemodinâmicas durante o sono REM, desempenhando um papel importante da produção de hipertrofia ventricular esquerda.(34)

Foram analisadas características do VE em pacientes com hipoxemia noturna significativa com DPOC e hipoxemia diurna leve, tendo se encontrado dados que indicam aumento da massa do VE quando comparados com os de um grupo sem hipoxemia noturna significativa. Foi demonstrado que a massa do VE é um importante preditor de desfechos cardiovasculares, como insuficiência cardíaca e doença arterial coronariana, observando-se mais risco cardiovascular com aumento da musculatura de VE, independentemente da presença de critérios de hipertrofia ventricular.(35,36) Além disso, ensaios clínicos randomizados demonstram que uma intervenção terapêutica que reduz a massa do VE resulta em queda de mortalidade e morbidade.(3,4) Dessa forma, o presente estudo, ao mostrar maior massa de VE no grupo com hipoxemia significativa durante o sono, identifica a presença de mais risco cardiovascular nesses pacientes.(37,38)

Na literatura, dados de estudos que relacionam DPOC e função cardíaca do VE são escassos e não conclusivos. Dessa forma, como uma parcela significativa de portadores de DPOC apresenta hipoxemia noturna, os achados do presente estudo possuem implicações clínicas relevantes ao prognóstico deles, uma vez que a hipertrofia do VE em sua fase não compensada pode resultar em disfunção do VE, constituindo um importante fator de aumento da morbimortalidade cardiovascular. Deste modo, além da preocupação habitual do clínico em tratar as consequências hemodinâmicas da doença pulmonar no VD, o trabalho mostra que, em um subgrupo de doentes (portadores de hipoxemia noturna significativa), é importante considerar se a enfermidade respiratória afeta o VE para evitar as complicações associadas à sua disfunção.

O presente estudo avaliou portadores de DPOC com hipoxemia leve (saturação de oxigênio ≥ 90 a ≤ 94%) por ser improvável a presença de hipoxemia noturna isolada em indivíduos com saturação de oxigênio ≥ 95% no repouso,(27) sugerindo que esse subgrupo de pacientes não precisaria ser avaliado para hipoxemia noturna. Se considerarmos que portadores de DPOC com saturação de oxigênio < 90% possuem mais probabilidade de apresentar PaO2 < 60 mmHg em repouso e de necessitar de oxigenoterapia domiciliar se tiverem hipertensão pulmonar ou cor pulmonale, esse grupo precisará necessariamente ser avaliado por ecocardiograma. Dessa forma, forma-se um subgrupo de indivíduos portadores de DPOC com saturação de oxigênio entre 90% e 94%, do qual há escassa publicação sobre a presença de hipoxemia noturna. Essa hipoxemia noturna poderia gerar mais risco cardiovascular, já que portadores de hipoxemia leve diurna podem apresentar quedas desproporcionais na saturação de oxigênio durante o sono, podendo causar arritmias e hipertensão pulmonar, aumentando o risco para doenças cardíaca e cerebrovascular.(39)

O presente estudo possui várias limitações. A administração de medicações sedativas não foi incluída como critério de exclusão e seu uso poderia acentuar hipoxemia presente durante o sono. No entanto, como o desenho do presente estudo não se preocupou com o diagnóstico da causa da hipoxemia noturna, mas com sua consequência, que seria a hipertrofia ventricular esquerda quando fosse significativa, não importaria se a causa da hipoxemia grave fosse hipoxemia noturna isolada, AOS ou uso crônico de sedativos (já que são medicações habitualmente de uso crônico), o resultado seria a hipoxemia noturna, que, se significativa, produziria aumento da massa ventricular. Além disso, como o trabalho tem relativamente baixo tamanho amostral e caráter transversal, é necessária a realização de novos estudos prospectivos com amostras maiores que incluam participantes com diferentes gravidades de DPOC para confirmar os resultados encontrados e verificar a aplicabilidade da avaliação desses parâmetros de hipertrofia ventricular esquerda na prática clínica diária.

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