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Artigo Original

Tradução para a língua portuguesa e análise das propriedades psicométricas do instrumento Patient Generated Index para pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica: avaliação individualizada de qualidade de vida

Portuguese translation and validation of the Patient Generated Index instrument for patients with Chronic Obstructive Pulmonary Disease: individualized quality of life assessment

Renato Fleury Cardoso1,2, Danny Ruta3, Thessália Miranda de Oliveira1, Maria Carolina Barbosa Costa1, Alenice Aliane Fonseca1,2, Pedro Henrique Scheidt Figueiredo1,2, Alessandra de Carvalho Bastone1,2, Marcus Alessandro de Alcântara1,2, Ana Cristina Rodrigues Lacerda1,2, Vanessa Pereira Lima1,2

ABSTRACT

Objective: To translate, adapt and validate the Patient Generated Index (PGI) for Brazilians with chronic obstructive pulmonary disease (COPD). Methods: 50 volunteers with COPD, mostly men (74%), with 73.1 ± 8.9 years of age, FEV1 of 52.3 ± 14.5% of predicted and FEV1 / FVC of 56.2 ± 8.6% of predicted responded to PGI, to the Saint George Respiratory Questionnaire (SGRQ) and to perform Glittre Activities of Daily Living test (Glittre ADL). After 1-2 weeks, PGI was again applied for the analysis of relative and absolute reliability. Results: The translation occurred without changes in the questionnaire. The score obtained in PGI had weak correlation with the SGRQ total score (r = -0.44, p <0.001) and with the impact domain (r = -0.40, p <0.05), presented a moderate correlation with the symptoms domain of the SGRQ (r = -0.55, p <0.001) and weak correlation with the activity domain (r = -0.31, p <0.05). A weak correlation was observed between PGI and Glittre ADL (r = -0.30; p <0.05). It was observed high reliability among the measures of PGI (ICCr = 0.94). Conclusion: This study shows that the Brazilian version of PGI is a reliable and valid instrument to measure health‑related quality of life (HRQL) in patients with COPD. It is a new and individualized form of evaluation of COPD patient-centered quality of life.

Keywords: Quality of life; Chronic obstructive pulmonary disease; Reproducibility of results and translations.

RESUMO

Objetivo: Traduzir, adaptar e validar o Patient Generated Index (PGI) para brasileiros com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Métodos: 50 voluntários com DPOC, em sua maioria homens (74%), com 73,1 ± 8,9 anos de idade, VEF1 de 52,3 ± 14,5% do previsto e VEF1/CVF de 56,2 ± 8,6% do previsto, responderam ao PGI e ao Saint George Respiratory Questionnaire (SGRQ) e realizaram teste Glittre Activities of Daily Living (Glittre ADL). Após o período de 7-14 dias, o PGI foi novamente aplicado para análise da confiabilidade relativa e absoluta. Resultados: A tradução ocorreu sem alterações no questionário. A pontuação obtida no PGI apontou fraca correlação com a pontuação total do SGRQ (r = −0,44; p < 0,001) e com o domínio impacto (r = −0,40; p < 0,05), moderada correlação com o domínio sintomas do SGRQ (r = −0,55; p < 0,001) e fraca correlação com o domínio atividades (r = −0,31; p < 0,05). Foram observadas fraca correlação entre o PGI e o Glittre ADL (r = −0,30; p < 0,05) e alta confiabilidade entre as medidas do PGI (CCIr = 0,94). Conclusão: Este estudo mostra que a versão brasileira do PGI é um instrumento confiável e válido para medir a qualidade de vida relacionada à saúde em pacientes com DPOC. Trata-se de uma nova forma individualizada de avaliação de qualidade de vida centrada no paciente com DPOC.

Palavras-chave: Qualidade de vida; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Reprodutibilidade e tradução.

INTRODUÇÃO

O estudo da qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) em indivíduos com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é tradicionalmente realizado por meio de questionários estruturados como o Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ),(1) o Chronic Respiratory Questionnaire (CRQ)(2) e o Airways Questionnaire 20 (AQ20).(3) Tais questionários são estruturados em domínios nos quais existem questões que abordam especificamente uma área que é conhecidamente afetada pela DPOC. Apesar de extremamente úteis na prática clínica, os questionários estruturados não permitem estipular a relevância ou importância de um fator ou domínio de forma individualizada. Dessa forma, ferramentas que possibilitem a avaliação centrada no paciente podem fornecer informações adicionais sobre a importância de determinado aspecto da QVRS, bem como a dedução de quais componentes da Classificação Internacional de Funcionalidade e Incapacidade (CIF) podem estar mais afetados.

Tendo em vista a abordagem centrada no paciente, Ruta et al.(4) desenvolveram o questionário Patient Generated Index (PGI), que utiliza uma abordagem inovadora para medir a QVRS e pode ser adaptada a diversas doenças e/ou condições de tratamento.(4) Os pacientes são direcionados a definir as áreas mais importantes de sua vida que são afetadas pela doença, relatando o grau de importância para cada uma delas e classificando-as em termos de relevância.(5)

Esse instrumento é valido, confiável e responsivo em uma série de condições de saúde,(4-7) entretanto, até o momento, não há versões traduzidas para a língua portuguesa, e sua aplicação em pacientes com DPOC não é conhecida. Portanto, o principal objetivo do presente trabalho foi realizar a adaptação transcultural do PGI para a língua portuguesa falada no Brasil e avaliar a validade em uma população de indivíduos com DPOC. Já o objetivo secundário foi analisar o conteúdo das respostas do PGI em relação aos componentes da CIF.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de adaptação transcultural e análise de propriedades de medida, realizado em duas fases: tradução para o português e adaptação transcultural do instrumento PGI; e análise das propriedades psicométricas para pacientes com DPOC. Foi realizada a análise convergente utilizando-se o teste Glittre Activities of Daily Living (Glittre ADL) e a concorrente com o Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) (CAAE n. 73581917.4.0000.5108), e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo foi conduzido de maio de 2017 a março de 2019.

A metodologia para tradução e adaptação transcultural foi baseada em Guillemin et al.(8) A utilização do instrumento foi autorizada pelo autor que recomendou a versão do PGI empregada para a adaptação à doença específica da versão desenvolvida por Camfield e Ruta.(9) A tradução do questionário foi realizada por dois tradutores bilíngues independentes, fluentes em inglês e falantes nativos em português. Após a reconciliação das traduções, na qual um terceiro tradutor propôs uma tradução final, a versão foi então retrotraduzida para o inglês por dois tradutores independentes, bilíngues nativos da língua inglesa e fluentes no português. Ambas as retrotraduções foram enviadas para o autor do instrumento original para apreciação. Sem a constatação de divergências entre as versões original e traduzida, foi iniciada a etapa do pré-teste em indivíduos com DPOC.

Na versão em português, foram mantidos o nome e a abreviatura do nome do instrumento em inglês de modo a facilitar o seu reconhecimento (Figura 1).

O recrutamento dos participantes foi realizado em uma clínica-escola de fisioterapia universitária, consultórios médicos e hospitais da cidade. O critério de inclusão do estudo foi o diagnóstico clínico de DPOC comprovado pela espirometria.(10) Os critérios de exclusão foram: indivíduos analfabetos ou com incapacidade de compreender o questionário ou seguir as instruções, déficit cognitivo, instabilidade clínica no mês prévio à avaliação, presença de doença grave ou limitante e indivíduos incapacitados de executar qualquer uma das avaliações. Para caracterização da amostra, os participantes realizaram espirometria (Pony Graphic, Cosmed, Roma, Itália), seguindo as Diretrizes para Testes de Função Pulmonar.(11) Medidas antropométricas foram registradas. A estratégia para a validação do PGI incluiu a validade convergente com o questionário SGRQ e divergente com o teste funcional Glittre ADL, bem como a análise da confiabilidade teste-reteste e da confiabilidade absoluta por meio do cálculo do Erro Padrão da Medida (EPM) e da Mínima Diferença Detectável (MDD). A amostra pré-teste foi de cinco indivíduos que completaram o PGI (versão traduzida e retrotraduzida). Não houve nenhuma má interpretação do texto, então essa versão foi utilizada no estudo.

Cinquenta indivíduos(12) com diagnóstico de DPOC compuseram a amostra para validação do instrumento. Após 7-14 dias da primeira avaliação e aplicação do PGI, os pacientes responderam novamente ao PGI. O PGI e o SGRQ foram aplicados em forma de entrevista, realizada pelo mesmo pesquisador.

O Patient Generated Index (PGI) é completado em três etapas: (1) os indivíduos identificam, no máximo, as cinco áreas mais importantes de sua vida afetadas pela DPOC; (2) então avaliam quanto cada uma delas foi afetada pela doença usando uma escala de 0 a 6, em que 0 é o pior imaginável, e 6, exatamente como eles gostariam que fosse; (3) no estágio final os indivíduos distribuem 10 pontos, buscando refletir sua relativa importância, ou seja, dando mais pontos para as áreas mais importantes em sua vida e menos pontos para as áreas menos importantes identificadas na etapa 1. Todos os 10 pontos devem ser distribuídos.(9) O cálculo do escore total do PGI é dado segundo a Figura 2.

O SGRQ é um questionário estruturado em 76 itens, no qual cada um deles possui determinada pontuação, e a avaliação da qualidade de vida é dividida nos domínios: sintomas, atividades e impacto psicossocial da doença respiratória. O resultado final é a soma da pontuação dos itens de cada domínio, gerando um escore que varia de 0 (sem redução da qualidade de vida) a 100 (redução máxima da qualidade de vida), considerando o percentual atingido pelo paciente em relação à pontuação máxima e a pontuação total obtida para aquele domínio, além do percentual desse máximo.(13)

O Glittre ADL foi realizado em um corredor de 10 metros, delimitado, de um lado, por uma cadeira e, do outro, por uma estante. O voluntário iniciou o teste sentado na cadeira, portando uma mochila contendo um peso de 2,5 kg para as mulheres ou 5 kg para os homens. A marcação do tempo gasto para a execução, por meio de um cronômetro, foi iniciada imediatamente após o sujeito ser avisado do início do teste. O voluntário foi orientado a percorrer o corredor passando por uma escada de três degraus localizada na metade do corredor e seguindo em direção à estante. Nela havia três pesos de 1 kg cada, localizados em uma prateleira ajustada à altura da sua cintura escapular. O indivíduo foi orientado a fazer a transferência dos pesos para uma prateleira mais baixa, ajustada à altura da sua cintura pélvica e, depois, para o chão. Em seguida, deveria retornar os pesos pelas mesmas prateleiras até a prateleira mais alta e retornar o percurso até sentar-se novamente na cadeira. O voluntário teve de realizar esse percurso cinco vezes, no menor tempo possível, sem correr.(14)

A análise das respostas do PGI foi baseada no processo de linking, conforme metodologia proposta por Cieza et al.(15) Trata-se de 10 regras para ligação entre os domínios ou questões abordadas em um instrumento e a CIF. Para análise do conteúdo das respostas, foram aplicadas as regras 5 (Identificar e documentar a categorização das opções de resposta) e 6 (Vincular os conceitos principais, relevantes e/ou adicionais, à categoria mais precisa da CIF), uma vez que o PGI é um instrumento centrado no paciente. Dois pesquisadores independentes procederam à ligação das respostas aos conceitos da CIF, e potenciais divergências foram resolvidas por um terceiro pesquisador com experiência no uso da CIF.(15)

Para a análise estatística, foi utilizado o programa IBM SPSS Statistics, versão 20.0 (IBM Corporation, Armonk, New York, Estados Unidos). A normalidade dos dados foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk. A análise de validade se deu por meio dos coeficientes de correlação de Spearman. Coeficientes entre 0 e 0,25 denotaram correlação desprezível; 0,25 e 0,50, correlação fraca; 0,50 e 0,75, correlação moderada; e > 0,75, correlação forte.(16) A confiabilidade teste-reteste foi analisada por meio do coeficiente de correlação intraclasse (CCIr), modelo alfa, de efeitos aleatórios de duas vias (model alpha, 2-way random effects model), e a concordância se deu pelo diagrama de Bland-Altman. Alta confiabilidade foi considerada quando CCIr ≥ 0,90. A confiabilidade absoluta foi avaliada pelo EPM e MDD, conforme equações posteriormente descritas.(17) O EPM foi estimado pela equação: EPM = DP * √ (1-r), em que DP representa o desvio-padrão da amostra, e r, o CCIr. A MDD foi estimada pela fórmula: MDCindiv = EPM * 1,65 *√2, em que 1,65 representa o z-score do intervalo de confiança a 90%, e √2, o número de erros associados à medida repetida. A comparação entre os dois testes foi realizada pelo teste Wilcoxon pareado. Significância estatística foi considerada quando p < 0,05 em todas as análises.

RESULTADOS

A tradução para o português do instrumento PGI foi realizada obtendo-se uma versão sem maiores adaptações. De 52 indivíduos avaliados, 2 foram excluídos: 1 por apresentar pico hipertensivo antes de iniciar o Glittre ADL e 1 por não conseguir realizá-lo (déficit de equilíbrio). Cinquenta pacientes com DPOC compuseram a amostra final. As características da amostra estão apresentadas na Tabela 1. A pontuação média do PGI foi de 43,5 ± 15,0 pontos. Os 50 pacientes elencaram, no primeiro dia de administração do PGI, 229 áreas que foram agrupadas em 28 categorias, sendo as 5 mais citadas: caminhar depressa, subir ladeira/escada, trabalhar, levantar peso e dançar. Dados adicionais podem ser encontrados no Material Suplementar (Quadro S1 e Tabela S1).

A pontuação obtida no PGI obteve fraca correlação com a pontuação total do SGRQ (r = −0,44; p < 0,001) e com o domínio impacto (r = −0,40; p < 0,05), moderada correlação com o domínio sintomas (r = −0,55; p < 0,001) e fraca correlação com o domínio atividades (r = −0,31; p < 0,05). Fraca correlação foi encontrada com o Glittre ADL (r = −0,30; p < 0,05).

Ao classificar as categorias citadas segundo a CIF, foi constatado que a maioria das respostas dos pacientes compreendeu os domínios atividades e participação, sendo que atividades foi predominante (126 respostas) (Tabela S1). Os resultados apresentados na Figura 3 apontam para 229 respostas, agrupadas em 28 categorias após a análise de conteúdo (Quadro S1), as quais foram distribuídas em 20 itens para o componente atividades e participação (d), 1 item para fatores ambientais e 2 itens para fatores pessoais. Nenhuma resposta incluiu domínios do componente funções e estruturas do corpo.(18)

Sete domínios do componente atividades e participação foram mencionados nas respostas dos participantes: mobilidade, autocuidado, vida doméstica, interações e relacionamentos interpessoais, áreas principais da vida e vida comunitária, social e cívica. O domínio mobilidade se destacou com oito itens afetados entre os indivíduos com DPOC.

Não houve diferença estatisticamente significativa entre a 1ª e 2ª medidas do PGI (IC95% -1,6-2,1); p =0,788. Foi observada uma excelente confiabilidade teste-reteste CCIr = 0.94 (IC 95%: 0,91-0,97). O EPM e a MDD para o PGI foram 4,7 e 10,8, respectivamente. Pelo diagrama de Bland-Altman foi demonstrada a concordância entre as medidas 1 e 2 do PGI, com Bias = 0,3 (Figura 4).

DISCUSSÃO

O presente estudo apresenta a tradução para a língua portuguesa e validação do questionário PGI para pacientes com DPOC. Apesar das diferenças culturais entre o Brasil e a Inglaterra, a versão brasileira do questionário PGI não exigiu grandes adaptações. Isso se deve provavelmente ao fato de o PGI ser um instrumento simples e conceitualmente universal.

Pelo conhecimento dos autores, este é o primeiro estudo que elaborou uma versão brasileira do questionário PGI, que já foi adaptado e validado em países como Estados Unidos(19-21) e Canadá(5,22,23) e feita a adaptação transcultural para a Noruega.(24) Além disso, versão modificada do PGI foi validada na Etiópia, Tailândia e Bangladesh, abrangendo os idiomas bengali, tailandês, amárico e oromo.(9)

Por se tratar de um questionário que é enquadrado em uma doença específica, o PGI possui validação para diversas doenças como: lombalgia,(4) esclerose múltipla,(20) câncer,(25) artrite,(26) dermatite atópica,(7) HIV,(27) entre outras. Porém, este estudo é o primeiro reportando a validação do PGI para uma população com DPOC.

A validação convergente e a concorrente para DPOC foram feitas por meio da análise de correlação do PGI com o Glittre ADL e o SGRQ, ferramentas validadas para avaliação da QVRS e desempenho funcional no paciente com DPOC.(11) Apesar de o PGI ter obtido uma fraca correlação com o domínio impacto e atividades do SGRQ e com o escore total, o domínio sintomas apresentou moderada correlação com o PGI. Quando as respostas do PGI segundo a CIF foram padronizadas, foi obtida uma prevalência maior das respostas no domínio atividades. Esse resultado pode ser explicado pelas diferenças nas características dos questionários. Enquanto no questionário estruturado (SGRQ) o peso de um item é predeterminado, nos questionários centrados no paciente (PGI) o indivíduo é quem atribui o peso a um item específico sobre sua QVRS.

A moderada relação observada com o domínio sintomas do SGRQ com o PGI sugere uma influência das alterações da estrutura e função do corpo sobre o componente atividades e participação da CIF. Adicionalmente, os dados do PGI permitem inferir que a influência dos sintomas sobre a QVRS se dá por seus desfechos nas atividades e participação do indivíduo, e não pelos sintomas em si. Sendo assim, o PGI aparece como uma ferramenta complementar aos questionários estruturados, útil para avaliação da QVRS, especialmente quanto aos aspectos relacionados aos domínios atividades e participação da CIF. Esses itens, muitas vezes, não conseguem ser detectados com facilidade nos questionários estruturados, o que faz do PGI um forte aliado na avaliação complementar mais detalhada e globalizada do indivíduo com DPOC. Como exemplo há as áreas mais citadas no PGI que não constituem atividades de vida diária (AVD) por exemplo: dançar, andar de bicicleta, nadar, jogar futebol, beber bebidas alcoólicas e ir a festas. Essas atividades apresentaram impacto direto na qualidade de vida avaliada pelo PGI desses pacientes, por vezes sendo mais citada do que os sintomas.

Estudos anteriores também demonstraram correlações baixas e moderadas do PGI com instrumentos de qualidade de vida genéricos(5,9,23,28) ou específicos.(5,29) Isso indica a peculiaridade do PGI, em que, diferentemente do que ocorre com os questionários estruturados, o indivíduo é convidado a descrever e pontuar os itens que, em seu ponto de vista, têm maior significado e relevância em sua qualidade de vida. Já em instrumentos estruturados, os itens a serem pontuados já são previamente descritos.

Apesar da não identificação de nenhum outro estudo que correlacione o PGI com um teste funcional, foi feita a opção por utilizar o Glittre ADL. A escolha se deu por se tratar de um teste que mimetiza atividades de vida diária. Skumlien et al.(14) observaram correlação moderada entre o SGRQ e o Glittre ADL apenas no domínio atividade. Neste estudo, foi identificada fraca correlação do PGI com o Glittre ADL. Considerando que o PGI é um questionário genérico, essa fraca correlação sugere que talvez haja comprometimento da execução das AVD pelo indivíduo, o que poderia afetar a QVRS dos pacientes com DPOC, porém outros fatores podem também ser determinantes.

O PGI fundamenta-se no pressuposto de que os problemas de saúde afetam os indivíduos e sua qualidade de vida de maneira diferente e, portanto, são mais bem definidos pelo paciente de forma individualizada. Este estudo buscou identificar em quais aspectos a DPOC afeta a QVRS e em que medida o PGI é capaz de fornecer informações não abordadas por um instrumento específico de QVRS.

Os pacientes determinaram 229 áreas de suas vidas que, de alguma forma, eram afetadas pela DPOC, as quais foram agrupadas em 28 categorias. Ao comparar as categorias de respostas do PGI com os itens do SGRQ, foi identificado que muitas das áreas indicadas pelos pacientes com DPOC (16 das 28 categorias) estavam contempladas pelo SGRQ. As nove categorias mais citadas na avaliação pelo PGI (caminhar depressa, subir ladeira/escada, trabalhar, levantar peso, dançar, fazer trabalho pesado, correr, arrumar casa e andar de bicicleta) foram contempladas diretamente entre os itens do SGRQ.

Algumas das categorias restantes poderiam ser contempladas indiretamente por algum item, como é o caso de cantar, área identificada por um paciente, a qual poderia talvez constar no item "me falta ar quando falo". Porém, de forma interessante, cantar para esse paciente teve um peso de 30% no escore total do PGI, enquanto o item "me falta ar quando eu falo" teve peso 0 no escore do SGRQ, o que pode demonstrar a maior sensibilidade do PGI. Foram identificadas ainda áreas como sexo, ânimo para cozinhar comidas diferentes, beber bebida alcoólica, usar fogão a lenha, visitar pessoas no hospital e até mesmo fumar, que foram citadas como impactantes na QVRS desses pacientes, mas que não são contempladas pelo SGRQ.

Assim, considera-se que o PGI pode ser capaz de excluir questões que não são de interesse direto para o indivíduo e consegue capturar áreas da vida que são importantes do ponto de vista individual, o que geralmente não é representado nas ferramentas estruturadas de QVRS.

Este estudo demonstrou alta confiabilidade no teste-reteste do PGI, com valor de CCIr dentro do considerado minimamente aceitável para confiabilidade de testes clínicos.(17) Níveis semelhantes de confiabilidade foram encontrados em outros estudos com versões e populações comparáveis.(23,28,29) Para prática clínica, existe a probabilidade de 68% de uma medida repetida do PGI estar dentro de 1 EPM, ou 4,7 pontos, e 96% de probabilidade de estar dentro de 2 EPM, ou 9,4 pontos. O valor do EPM foi utilizado para calcular a MDD, que é clinicamente aplicada para diferenciar uma alteração real de uma alteração relacionada à variação individual da medida. Assim, variações de 10,8 pontos no PGI indicam variações clinicamente relevantes em pacientes com DPOC. Não foram encontrados outros estudos que tenham avaliado a confiabilidade absoluta do PGI.

Estes resultados sugerem que o PGI possa ser considerado um instrumento com potencial de utilização na prática clínica e complementar na avaliação do paciente com DPOC, o que possibilitaria estratégias individualizadas para seu tratamento.

Como limitações deste estudo destaca-se que a amostra foi composta, em sua maioria - 76% (38) -, de indivíduos classificados como GOLD II, o que poderia limitar a validade externa do estudo. Além disso, o PGI foi aplicado na região de Diamantina, Minas Gerais, uma localidade com índice de desenvolvimento humano (IDH) abaixo da média nacional. Ainda, há forte cultura do garimpo e presença comum do fogão a lenha nas residências, o que justifica as respostas encontradas no PGI. Outra limitação é que o tempo gasto pelos pacientes para responder ao instrumento não foi registrado, porém, a grosso modo, foi constatado que, para respondê-lo, levava em torno de 10 minutos.

Em suma, este estudo mostra que a versão brasileira do PGI é um instrumento confiável e válido para medir a QVRS em pacientes com DPOC, além de ser capaz de destacar áreas que não são capturadas por instrumentos genéricos, podendo ser aplicado de forma complementar aos instrumentos tradicionais para avaliação da QVRS na DPOC.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Profa. Dra. Tania Janaudis Ferreira (McGill University), pelas orientações e pelo apoio durante toda a execução do projeto; às Profas. Dra. Janaina Martins Andrade e Dra. Camila Ribeiro Coimbra, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), pela disponibilidade e pelo auxílio no recrutamento dos voluntários; ao Laboratório de Fisiologia do Exercício (LAFIEX) da UFVJM; e aos voluntários, pela disponibilidade para participação do estudo.

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MATERIAL SUPLEMENTAR

Este artigo acompanha um material suplementar.

Quadro S1. Respostas do PGI segundo a CIF.

Tabela S1. Categorias citadas pelos pacientes em resposta ao PGI e número de vezes que foram citadas.
Este material está disponível como parte do artigo online publicado em http://jornaldepneumologia.com.br/detalhe_anexo.asp?id=84

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