A asma é doença crônica que acomete cerca de 300 milhões de pessoas em todo o mundo, com prevalência entre 1% e 16%. No Brasil, a mortalidade por asma é elevada apesar da tendência de queda; no período entre 1980 e 2012 ela foi responsável por aproximadamente 2.339 óbitos anuais.(1) A falta de controle da asma afeta de forma imperativa a qualidade de vida dos pacientes e sobrecarrega os sistemas de saúde em todo o mundo.(2) Portanto, linhas de cuidados organizadas e direcionadas aos pacientes com asma, principalmente nas formas graves da doença, são fundamentais.
Entre 3% e 10% dos adultos com asma têm a forma grave da doença, definida como aquela que necessita de tratamento com doses altas de corticosteroide inalatório associado a uma segunda medicação para prevenir seu descontrole ou que não é controlada apesar da terapia ideal de acordo com as diretrizes da European Respiratory Society/American Thoracic Society.(3) No Brasil, o número de pacientes com asma grave e suas características não é conhecido.
Novas formas de tratamento, incluindo os medicamentos imunobiológicos, têm revolucionado os desfechos da asma grave em pacientes bem selecionados e com fenótipos definidos. Entretanto, o uso dessas terapias, ainda não disponíveis no sistema público de saúde brasileiro, requer uma organização do tratamento do asmático que permita a avaliação estruturada para o diagnóstico, a determinação da gravidade e do fenótipo da doença, a disponibilidade de equipe multidisciplinar e modelos de cuidado bem delineados.
Nesse sentido, em artigo publicado no presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Alves et al.(4) descrevem as características clínicas e os fatores associados a maior gravidade da asma em amostra de pacientes acompanhados no Programa para Controle da Asma na Bahia, na cidade de Salvador (BA). Nesse estudo transversal, os autores incluíram 473 adultos com asma que foram reavaliados sistematicamente entre 2013 e 2015. O estudo valeu-se de metodologia adequada, com a aplicação de questionários validados para a avaliação da adesão ao tratamento e da qualidade de vida. Na amostra referida, 88 pacientes (18%) preencheram os critérios de asma grave de acordo com as diretrizes da European Respiratory Society/American Thoracic Society. (3) Os resultados identificaram predomínio no gênero feminino (87%), com sobrepeso/obesidade, sintomas de rinite crônica e doença do refluxo gastroesofágico. Merecem destaque a ausência de tabagistas ativos, a boa adesão ao tratamento (77%) e a correta técnica de uso dos dispositivos inalatórios. Maior número de eosinófilos foi associado a chance 42% menor de asma grave. Não houve relatos de uso de corticosteroide oral no momento da avaliação, embora a maioria (71%) apresentasse controle da asma e qualidade de vida comprometidos.
O diagnóstico de asma grave pode ser desafiador; por exemplo, a distinção entre asma de difícil tratamento e asma não responsiva ao tratamento. Os achados do artigo de Alves et al.(4) mostram ainda a importância do diagnóstico e tratamento dos fatores associados modificáveis, como obesidade e doença do refluxo gastroesofágico, que aumentam o fardo da doença e que foram comuns na população estudada. A disfunção de cordas vocais/distúrbio do padrão ventilatório (condição respiratória caracterizada por padrão anormal de respiração e dispneia que podem ocorrer na ausência de doenças identificadas) e a apneia do sono são outros exemplos de elementos chave na asma grave que não foram abordados no estudo,(4) mas que geralmente estão associados com o uso inadequado de medicamentos e devem constar do protocolo diagnóstico e da avaliação da asma grave.(5)
A avaliação do número de eosinófilos no sangue e da inflamação da via aérea (eosinófilos no escarro e medida do óxido nítrico no ar exalado), assim como da função de pequenas vias aéreas não estão disponíveis na maioria dos serviços brasileiros, e é necessário desenvolver recomendações sobre quais medidas são prioritárias e fundamentais para o manejo do paciente com asma grave. Os modelos de atendimento dos pacientes devem priorizar o desfecho do paciente, a garantia de equidade e cuidados adequados para pacientes em todas as regiões do país.
Nós recomendamos prudência na interpretação dos resultados do estudo de Alves et al.(4) Trata-se de estudo em um único centro especializado e de referência para o tratamento de pacientes com asma de difícil tratamento. Portanto, não representa a maioria dos serviços onde asmáticos são atendidos. Embora os achados sejam, na sua maioria, concordantes com os descritos na literatura, alguns dados necessitam de reflexão. A proporção de asmáticos graves na amostra estudada, por exemplo, foi bem maior que a descrita no documento da Global Initiative for Asthma de 2019 para pacientes com boa adesão ao tratamento e boa técnica inalatória (3,7%).(6)
No manejo dos asmáticos, é fundamental que problemas quanto à adesão ao tratamento e à técnica de uso dos dispositivos sejam excluídos antes de se classificar o paciente como portador de asma grave.(6) As altas taxas de adesão e a técnica adequada verificadas no estudo evidenciam o impacto positivo da ação de uma boa equipe multidisciplinar com educação continuada. Esses resultados devem ser almejados constantemente no tratamento dos asmáticos em todos os níveis de atenção à saúde. (7,8) Dados coletados pelo estudo mostram queda dos níveis de adesão ao tratamento quando comparados os dados de autorrelato do paciente (77%) com os obtidos por meio de registros da farmácia (57%). Esse dado indica que, em alguns períodos, os pacientes precisam arcar com os custos do tratamento por falta da medicação na rede pública, dificultando a adesão ao tratamento, uma vez que os custos do manejo da asma grave podem comprometer até 24% da renda familiar em populações mais vulneráveis.(9)
Outro fator associado com a gravidade da asma é o tabagismo ativo, que também interfere negativamente no controle da doença e na eficácia da terapêutica proposta; assim, todos os pacientes com asma de qualquer gravidade devem ser incluídos em programas de cessação tabágica.
Em resumo, os dados de centros especializados no tratamento da asma são fundamentais para a divulgação do conhecimento sobre as características dos asmáticos graves. Eles reforçam a necessidade de que, em serviços de atendimento ao asmático em todos os níveis de atenção, é preciso estar atento para a realização de avaliações básicas gerais, verificação da técnica de uso dos dispositivos e o grau de adesão ao tratamento, assim como devem ser afastadas exposições a alérgenos e tratadas as comorbidades. Pacientes com hipótese diagnóstica de asma grave devem ser encaminhados para centros que disponham dos instrumentos apropriados para o manejo da doença, que são os centros de referência.(10)
REFERÊNCIAS
1. Brito TS, Luiz RR, Silva JRLE, Campos HDS. Asthma mortality in Brazil, 1980-2012: a regional perspective. J Bras Pneumol. 2018;44(5):354-360. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000235
2. Cardoso TA, Roncada C, Silva ERD, Pinto LA, Jones MH, Stein RT, et al. The impact of asthma in Brazil: a longitudinal analysis of data from a Brazilian national database system. J Bras Pneumol. 2017;43(3):163-168. https://doi.org/10.1590/s1806-37562016000000352
3. Chung KF, Wenzel SE, Brozek JL, Bush A, Castro M, Sterk PJ, et al. International ERS/ATS guidelines on definition, evaluation and treatment of severe asthma [published correction appears in Eur Respir J. 2014 Apr;43(4):1216. Dosage error in article text] [published correction appears in Eur Respir J. 2018 Jul 27;52(1):]. Eur Respir J. 2014;43(2):343-373.
4. Alves AM, Mello LM, Matos ASL, Cruz ÁA. Clinical features and associated factors with severe asthma in Salvador, Brazil. J Bras Pneumol. 2020;46(3):e20180341.
5. McDonald VM, Gibson PG. Treatable traits and their application in high-, middle- and low-income countries. Respirology. 2019;24(10):942-943. https://doi.org/10.1111/resp.13626
6. Global Initiative for Asthma [homepage on the Internet]. Bethesda: Global Initiative for Asthma; [cited 2020 Apr 1]. Global Strategy for Asthma Management and Prevention (2019 update). Available from: http://www.ginasthma.org
7. Marchioro J, Gazzotti MR, Nascimento OA, Montealegre F, Fish J, Jardim JR. Level of asthma control and its relationship with medication use in asthma patients in Brazil. J Bras Pneumol. 2014;40(5):487-494. https://doi.org/10.1590/S1806-37132014000500004
8. Israel E, Reddel HK. Severe and Difficult-to-Treat Asthma in Adults. N Engl J Med. 2017;377(10):965-976. https://doi.org/10.1056/NEJMra1608969
9. Costa E, Caetano R, Werneck GL, Bregman M, Araújo DV, Rufino R. Estimated cost of asthma in outpatient treatment: a real-world study. Rev Saude Publica. 2018;52:27. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000153
10. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) [homepage on the Internet]. Brasília: SBPT; c2020 [cited 2020 Apr 1]. Centros de diagnóstico e tratamento de asma. [Adobe Acrobat document, 14p.]. Available from: https://sbpt.org.br/portal/wp-content/uploads/2019/08/Centros-de-Referencia-em-Asma-Brasil.pdf