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Artigo Original

Correlação clínica e funcional da diferença entre capacidade vital lenta e CVF

Clinical and functional correlations of the difference between slow vital capacity and FVC

Jonathan Jerias Fernandez1,2, Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano3, Flavia de Almeida Filardo Vianna3, Sérgio Roberto Nacif1, Roberto Rodrigues Junior4, Sílvia Carla Sousa Rodrigues1,5

DOI: 10.1590/1806-3713/e20180328

ABSTRACT

Objective: To evaluate the relationship that the difference between slow vital capacity (SVC) and FVC (ΔSVC-FVC) has with demographic, clinical, and pulmonary function data. Methods: This was an analytical cross-sectional study in which participants completed a respiratory health questionnaire, as well as undergoing spirometry and plethysmography. The sample was divided into two groups: ΔSVC-FVC ≥ 200 mL and ΔSVC-FVC < 200 mL. The intergroup correlations were analyzed, and binomial logistic regression analysis was performed. Results: The sample comprised 187 individuals. In the sample as a whole, the mean ΔSVC-FVC was 0.17 ± 0.14 L, and 61 individuals (32.62%) had a ΔSVC-FVC ≥ 200 mL. The use of an SVC maneuver reduced the prevalence of nonspecific lung disease and of normal spirometry results by revealing obstructive lung disease (OLD). In the final logistic regression model (adjusted for weight and body mass index > 30 kg/m2), OLD and findings of air trapping (high functional residual capacity and a low inspiratory capacity/TLC ratio) were predictors of a ΔSVC-FVC ≥ 200 mL. The chance of a bronchodilator response was found to be greater in the ΔSVC-FVC ≥ 200 mL group: for FEV1 (OR = 4.38; 95% CI: 1.45-13.26); and for FVC (OR = 3.83; 95% CI: 1.26-11.71). Conclusions: The use of an SVC maneuver appears to decrease the prevalence of nonspecific lung disease and of normal spirometry results. Individuals with a ΔSVC-FVC ≥ 200 mL, which is probably the result of OLD and air trapping, are apparently more likely to respond to bronchodilator administration.

Keywords: Vital capacity; Plethysmography; Airway obstruction.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a relação da diferença entre a capacidade vital lenta (CVL) e CVF (ΔCVL-CVF) com dados demográficos, clínicos e de função pulmonar. Métodos: Estudo analítico, transversal, no qual os participantes responderam a um questionário de saúde respiratória e foram submetidos a espirometria e pletismografia. A amostra foi dividida em dois grupos: ΔCVL-CVF ≥ 200 mL e ΔCVL-CVF < 200 mL. Foram realizadas análises de correlações entre os grupos e de regressão logística binominal. Resultados: Foram selecionados 187 indivíduos. Na amostra total, a média da ΔCVL-CVF foi de 0,17 ± 0,14 L. Na amostra, 61 indivíduos (32,62%) apresentaram ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. O uso da manobra expiratória lenta reduziu a prevalência de distúrbio ventilatório inespecífico e resultados espirométricos normais, ao revelar distúrbio ventilatório obstrutivo (DVO). DVO e achados de aprisionamento aéreo (capacidade residual funcional elevada e capacidade inspiratória/CPT reduzida) foram preditores de ΔCVL-CVF ≥ 200 mL no modelo final da regressão logística (ajustada para peso e índice de massa corpórea > 30 kg/m2). Foi observada maior chance de resposta ao broncodilatador no grupo ΔCVL-CVF ≥ 200 mL: VEF1 (OR = 4,38; IC95%: 1,45-13,26) e CVF (OR = 3,83; IC95%: 1,26-11,71). Conclusões: O uso da manobra expiratória lenta diminuiu a prevalência de distúrbio ventilatório inespecífico e de resultados espirométricos normais, podendo a ΔCVL-CVF ≥ 200 mL ser resultado de DVO e aprisionamento aéreo, tendo maior chance de resposta ao broncodilatador.

Palavras-chave: Capacidade vital; Pletismografia; Obstrução das vias respiratórias.

INTRODUÇÃO

Diretrizes da American Thoracic Society/European Respiratory Society (ATS/ERS) recomendam o uso da CV lenta (CVL) como denominador para o índice de Tiffeneau.(1) A despeito dessa recomendação, a manobra expiratória lenta (MEL) não é utilizada de rotina na maioria dos laboratórios de função pulmonar no Brasil.

A CV é determinada pelos limites da inspiração e expiração máximas (CPT e VR, respectivamente), os quais compreendem a complacência e a retração elástica dos pulmões/caixa torácica, a força muscular respiratória, o colapso alveolar e o fechamento das vias aéreas (FVA).(2-4) Na ausência de anormalidades na parede torácica e nos músculos respiratórios, a CPT é determinada pela retração elástica dos pulmões.(5) Em jovens, o VR é determinado principalmente por fatores estáticos (retração elástica da parede e pressão dos músculos respiratórios); em idosos e na vigência de limitação ao fluxo aéreo (LFA), o VR é determinado por fatores dinâmicos (limitação ao fluxo expiratório e FVA).(3,6)

Dessa forma, a CV reflete as propriedades do parênquima pulmonar em indivíduos normais, mas também as propriedades das vias aéreas naqueles com pneumopatias obstrutivas crônicas.(5) Em pacientes com LFA, o FVA ocorre em altos volumes pulmonares.(7) Na manobra expiratória forçada (MEF), a compressão dinâmica e o colapso das vias aéreas podem antecipar o FVA, o que reduzirá a CVF. A menor compressão de gás observada na MEL explica o fato de que, mesmo em indivíduos saudáveis, existe uma diferença entre a CVL e a CVF (ΔCVL-CVF), que se acentua nas doenças obstrutivas.(5)

Poucos estudos avaliaram a associação de ΔCVL-CVF com dados demográficos, de função pulmonar, sintomas e doenças pulmonares.(4,8-10) Não há estudos, para nosso conhecimento, comparando a resposta ao broncodilatador em relação à ΔCVL-CVF.

O objetivo principal do presente estudo foi analisar a relação da ΔCVL-CVF com variáveis demográficas, parâmetros de espirometria e pletismografia, resposta ao broncodilatador e diagnóstico funcional, identificando os fatores independentemente associados com ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Os objetivos secundários foram avaliar a ΔCVL-CVF em relação à gravidade do distúrbio ventilatório obstrutivo (DVO), sintomas respiratórios e diagnóstico clínico, assim como comparar a interpretação da espirometria utilizando apenas os parâmetros da MEF em relação à inclusão dos parâmetros da MEL.

MÉTODOS

Desenvolvemos um estudo analítico e transversal. A amostra foi constituída por pacientes do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSPE), localizado na cidade de São Paulo (SP), encaminhados para a realização de testes de função pulmonar no período entre 21 de outubro de 2013 e 28 de julho de 2015. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IAMSPE (Parecer no. 373.763, de 05/08/2013).

Os pacientes foram convidados aleatoriamente a participar do estudo, e aqueles que concordavam liam e assinavam o termo de consentimento livre e esclarecido e respondiam a um questionário de saúde respiratória,(11) administrado por uma enfermeira com título de técnica em função pulmonar outorgado pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.

Os critérios de inclusão foram os seguintes: pacientes ambulatoriais, com características contempladas nas equações nacionais dos valores previstos para espirometria e pletismografia.(12,13) Foram considerados critérios de exclusão a obtenção de manobras de espirometria ou de pletismografia fora dos critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade preconizados pela ATS/ERS,(14,15) assim como CVL < CVF.

A Figura 1 mostra o fluxograma de seleção dos participantes. Os indivíduos selecionados foram submetidos a MEL, MEF e pletismografia (nesta ordem), utilizando-se um sistema Collins (Ferraris Respiratory, Louisville, CO, EUA). Os testes foram realizados pela enfermeira supracitada, estando o paciente sentado e usando um clipe nasal.
 



Os exames foram revisados pelo autor principal do estudo e pela coordenadora do laboratório de função pulmonar. Com relação à qualidade, foi dada ênfase à manobra para a medida da capacidade inspiratória (CI), realizada de modo relaxado, após pelo menos três respirações estáveis. A média de três medidas reprodutíveis (variabilidade ≤ 100 mL) definiu a CI. O maior valor de CVL foi selecionado dentre três medidas com reprodutibilidade ≤ 100 mL. Na MEF, as duas maiores medidas da CVF e do VEF1 tiveram diferença ≤ 150 mL, e as duas maiores medidas do PFE tiveram diferença ≤ 10%. Foram selecionados a maior CVF e o maior VEF1 dentre as manobras aceitáveis, dentro do critério de reprodutibilidade do PFE.(14,16)

Na pletismografia, o volume torácico gasoso foi a base para o cálculo da capacidade residual funcional (CRF), sendo essa determinada no final do volume de ar corrente. A CPT e o VR foram determinados a partir das seguintes fórmulas: CPT = CI + CRF e VR = CPT − CVL.(15)

A interpretação dos resultados seguiu os critérios da ATS/ERS.(1) A espirometria foi considerada normal quando os valores se encontravam acima do limite inferior da referência; considerou-se DVO quando VEF1/CV(F) < limite inferior da referência; a redução proporcional de CV(F) e VEF1 foi interpretada como distúrbio ventilatório inespecífico (DVI); quando o DVO associou-se à redução da CV(F), definiu-se DVO com CV(F) reduzida. Primeiro, analisamos a MEF; em seguida, analisamos a espirometria incluindo os parâmetros da MEL.

Posteriormente, avaliamos as variáveis pletismográficas. Sendo a condutância específica das vias aéreas (sGaw) também um parâmetro de LFA, valores de sGaw < 0,12 [com ou sem redução da razão VEF1/CV(F)] foram interpretados como DVO.(17,18) Aprisionamento aéreo foi diagnosticado se VR > 130% e hiperinsuflação pulmonar foi diagnosticada se CPT > 120%. A redução da CPT firmou o diagnóstico de distúrbio ventilatório restritivo. (19) Nesses casos, o uso de um limite fixo é aceitável por conta da dispersão decrescente dos dados em torno da reta da equação dos valores preditos.(20) Foi estimada uma medida teórica, o VR forçado (VRF), em valor absoluto e em percentual do previsto, referente à diferença entre a CPT e a CVF.

A classificação da gravidade de DVO baseou-se em critérios da British Thoracic Society(21): leve (VEF1 ≥ 60%); moderado (VEF1 = 41-59%); e acentuado (VEF1 ≤ 40%).

Um subgrupo de indivíduos com DVO foi submetido à espirometria 20 min após a aplicação de broncodilatador (400 µg de salbutamol spray). A prova foi considerada significativa se a variação da resposta fosse CVF e VEF1 ≥ 200 mL e ≥ 7% dos valores preditos; CVL ≥ 250 mL e ≥ 8% do predito; e CI ≥ 300 mL.(22)

A amostra foi dividida em dois grupos: grupo ΔCVL-CVF < 200, cuja ΔCVL-CVF < 200 mL, e grupo ΔCVL-CVF ≥ 200, cuja ΔCVL-CVF ≥ 200 mL, avaliados antes do uso de broncodilatador. O limite de 200 mL foi utilizado para separar os grupos, considerando-se que o valor encontra-se acima do critério utilizado para avaliar a reprodutibilidade entre manobras e acima das médias da ΔCVL-CVF observadas em indivíduos saudáveis.(8,9,23)

Análise estatística

Utilizamos o pacote estatístico IBM SPSS Statistics, versão 21.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). Os dados foram apresentados como médias e desvios-padrão para as variáveis quantitativas e como números absolutos e proporções para as variáveis categóricas. A hipótese de distribuição normal foi testada com o teste de Kolmogorov-Smirnov com correção de Lilliefors.

Para comparar os parâmetros funcionais, demográficos e clínicos entre os grupos utilizou-se o teste t de Student (distribuição normal confirmada) e o teste U de Mann-Whitney (distribuição normal não confirmada). O coeficiente kappa foi utilizado para analisar a concordância entre os diagnósticos espirométricos (MEF ou MEF + MEL). Os testes do qui-quadrado ou exato de Fisher foram utilizados para comparar as variáveis categóricas.

O coeficiente de Pearson ou de Spearman (de acordo com a apresentação dos dados na análise de correlação ter distribuição normal ou não normal, respectivamente) avaliou a correlação entre a ΔCVL-CVF e as variáveis demográficas, clínicas e funcionais.

Foi realizada análise de regressão logística (RL) para definir as variáveis independentemente preditoras da ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Primeiramente, uma análise de monofatores avaliou a razão de chance (OR) de cada variável demográfica. Então, aplicando o modelo de RL binominal, estudamos os parâmetros obtidos na espirometria e pletismografia, calculando a OR bruta e ajustada (para as variáveis isoladas na análise de monofatores) para prever uma ΔCVL-CVF ≥ 200 mL.

A análise de RL múltipla foi realizada para avaliar se a ΔCVL-CVF ≥ 200 mL seria preditora de variação significativa dos parâmetros da espirometria (VEF1, CVF, CVL e CI) após a aplicação do broncodilatador. A análise de RL múltipla também avaliou se, nos casos cuja espirometria indicava DVI ou DVO com CVF reduzida e resposta significativa ao broncodilatador, a ΔCVL-CVF ≥ 200 mL seria capaz de predizer CPT normal. O nível de significância de 5% foi adotado para todas as análises, com exceção do modelo inicial da análise de RL, que utilizou p < 0,20.

RESULTADOS

Foram selecionados 187 indivíduos (Figura 1). As características gerais da população recrutada e a comparação entre os grupos estão demonstradas na Tabela 1. A média da idade foi de 59,01 ± 12,80 anos, e 126 indivíduos (67,40%) eram do sexo feminino. As médias da altura e peso foram de 159,90 ± 9,60 cm e 78,46 ± 18,48 kg, respectivamente. A média da ΔCVL-CVF foi de 0,17 L, sendo que 61 indivíduos (32,62%) apresentaram ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Foi observada ΔCVL-CVF ≥ 200 mL em 28 (45,90%) dos 61 homens e em 33 (26,20%) das 126 mulheres, (p = 0,007). Indivíduos no grupo ΔCVL-CVF ≥ 200 apresentaram maior estatura (p = 0,002) e peso do que aqueles no grupo ΔCVL-CVF < 200 (p = 0,017). Não ocorreram diferenças significativas no índice de massa corpórea (IMC) nem em parâmetros clínicos (tabagismo e dispneia) entre os grupos. O grupo ΔCVL-CVF ≥ 200 apresentou menores valores no índice de Tiffeneau e maiores volumes pulmonares que o grupo ΔCVL-CVF < 200. A ΔCVL-CVF foi significativamente mais frequente no DVO, sendo independente da gravidade da obstrução ao fluxo aéreo.
 



A Tabela 2 mostra a concordância entre os diagnósticos funcionais obtidos com a análise da MEF e análise de MEF + MEL (kappa = 0,653). Das 73 espirometrias interpretadas como normais pela análise da MEF, 21 foram reclassificadas como DVO após a análise da MEL. Dos 32 casos diagnosticados como DVI pela MEF, 17 foram reinterpretados após a análise da MEL. Das 28 espirometrias interpretadas como DVO com CVF reduzida pela MEF, 8 foram reclassificadas apenas como com DVO após a análise da MEL. Dos 91 casos de DVO definido pela MEL, apenas 54 tiveram a mesma interpretação com a avaliação apenas da MEF. Quando resultados normais da espirometria foram excluídos da análise, o valor de kappa foi menor (0,506).
 



No questionário de saúde respiratória,(11) indivíduos do grupo ΔCVL-CVF ≥ 200 referiram mais frequentemente melhora da sibilância com o uso de broncodilatador dos que aqueles no grupo ΔCVL-CVF < 200 (p = 0,04). Dos 17 indivíduos com história pregressa de tuberculose, apenas 1 pertencia ao grupo ΔCVL-CVF ≥ 200 (p = 0,011). De acordo com os diagnósticos clínicos, não foram observadas diferenças significativas entre os dois grupos (Tabela 3).
 



Aplicando o coeficiente de Pearson ou de Spearman, (dados não demonstrados), observamos correlações positivas da ΔCVL-CVF com altura, CVF (em L), CVL (em L), CVL (em % do predito), CI (em L), CPT (em L) e VRF (% do predito) e correlações negativas com a relação VEF1/CV(F), VR (em % do predito) e VR/CPT.

Na Tabela 4, empregando a RL binominal, observamos que o peso e o IMC > 30 kg/m2 foram preditores da ΔCVL-CVF ≥ 200 mL (p < 0,20). Aplicando a RL para os parâmetros de espirometria e pletismografia, calculamos a OR bruta e ajustada para peso e IMC > 30 kg/m2. Observamos que menores valores de VEF1 (em % do predito), VEF1/CVF, VEF1/CVL e CI/CPT, assim como maiores valores de CRF (em L) e VRF (em L), foram preditores independentes de ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Maiores valores de CVL, CI e CPT foram associados com a ΔCVL-CVF ≥ 200 mL apenas no modelo bruto. O DVO (definido pela redução da VEF1/CVL e/ou de sGaw) foi independentemente associado com ΔCVL-CVF ≥ 200 mL.
 



Na Tabela 5, utilizando o modelo de RL múltipla, observamos que indivíduos com ΔCVL-CVF ≥ 200 mL apresentaram maior chance de variação significativa do VEF1 (OR = 4,38; IC95%: 1,45-13,26) e CVF (OR = 3,83; IC95%: 1,26-11,71) após a aplicação do broncodilatador. No entanto, nos casos cujos resultados da espirometria indicavam DVI ou DVO com CVF reduzida e resposta significativa ao broncodilatador, a ΔCVL-CVF ≥ 200 mL não foi capaz de predizer CPT normal (OR = 1,705; IC95%: 0,333-8,721).
 



DISCUSSÃO

No presente estudo, foi observado que o uso da CVL e da razão VEF1/CVL diminuiu a frequência do diagnóstico de DVI e de resultados espirométricos normais ao revelar obstrução ao fluxo aéreo que pode ficar oculta quando analisadas apenas a CVF e a razão VEF1/CVF. Reduções do VEF1 em % do previsto e da razão VEF1/CV(F), a presença de DVO e achados sugestivos de aprisionamento aéreo (CRF aumentada e CI/CPT reduzida)(24) foram fatores independentemente associados com ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Uma resposta significativa após o uso de broncodilatador foi mais provável de ocorrer nos casos com ΔCVL-CVF ≥ 200 mL.

A inclusão da análise dos parâmetros da MEL teve impacto em alterar o diagnóstico funcional em relação à análise apenas dos parâmetros da MEF. No presente estudo, dos 73 pacientes com espirometria normal pela análise da MEF, 21 receberam o diagnóstico de DVO quando incluídos os parâmetros da MEL. Um estudo observou que a razão VEF1/CVL aumenta a prevalência do diagnóstico de DPOC em relação à razão VEF1/CVF em indivíduos com doença leve.(25) Portanto, o uso da razão VEF1/CVL passa a desempenhar um papel importante ao revelar LFA em indivíduos tabagistas com sintomas respiratórios e prejuízo da qualidade de vida, quando a razão VEF1/CVF ainda é normal, podendo contribuir para o diagnóstico precoce da DPOC. A ΔCVL-CVF ≥ 200 mL, no entanto, foi independente da gravidade do DVO, observação contrária à de outros estudos.(4,5)

A análise da MEL alterou a interpretação da espirometria em 8 de 28 casos de DVO associado à redução da CVF, que foram reclassificados apenas como DVO, e em 12 de 32 casos de DVI, que foram reclassificados como normais (4 casos) e DVO (8 casos). A CV representa cerca de 75% da CPT,(19) sendo o achado de CVL normal um dado importante, que poderia em casos selecionados (considerando a dificuldade de acesso e o gasto dos serviços de saúde com exames mais avançados) evitar a necessidade da pletismografia, principalmente naqueles cuja probabilidade de distúrbio ventilatório restritivo é menor. No entanto, a ΔCVL-CVF ≥ 200 mL não foi capaz de predizer CPT normal em nossa amostra.

Observamos, no modelo inicial da RL, que peso e IMC > 30 kg/m2 foram preditores de ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Imaginamos que a associação entre o peso e a ΔCVL-CVF possa ser resultado da precocidade no FVA, já que não houve associação com sGaw. Dados de um grande estudo sugerem que a ΔCVL-CVF é proporcional ao aumento do IMC, sugerindo que a obesidade reduz a CVF mais do que a CVL; contrariamente, em indivíduos com IMC normal e sem DVO, a CVL pode ser até menor do que a CVF.(10)

Wang et al.(26) separaram um grupo de indivíduos com CVL = CVF e outro com CVL > CVF e encontraram 65% de indivíduos com CVL > CVF, sendo esse achado mais frequente nas pessoas mais velhas. No presente estudo, a idade não foi associada com a ΔCVL-CVF; porém, a média da idade de nossa amostra foi consideravelmente alta (59 anos), não sendo possível a comparação com indivíduos mais jovens.

Na análise de RL, volumes pulmonares (CPT, CRF, CVL e CI) foram preditores de ΔCVL-CVF ≥ 200 mL apenas na análise bruta, enquanto marcadores de LFA (VEF1/CVF e VEF1/CVL reduzidos) e achados de aprisionamento aéreo (como CRF aumentada e CI/CPT reduzida)(24) foram preditores independentes de ΔCVL-CVF ≥ 200 mL.

Na análise de correlação, a magnitude da ΔCVL-CVF correlacionou-se negativamente com o VR e positivamente com o VRF. Isso foi confirmado na RL, onde o VRF (mas não o VR) foi independentemente associado à probabilidade de ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Uma explanação para isso seria o fato de que, durante a MEL, devido à menor compressão de gás, uma maior CV seria medida, o que poderia levar a um menor VR se considerarmos que a CPT não sofreu variação. Ao contrário, durante a MEF, uma maior compressão de gás poderia limitar o fluxo, levando à redução da CVF e, consequentemente, ao aumento do VRF.

Observamos, pela análise de RL múltipla, que indivíduos do grupo ΔCVL-CVF ≥ 200 tiveram maior frequência de resposta de VEF1 e CVF pós-broncodilatador. Essa observação nos convida a questionar, nos indivíduos com achado isolado de ΔCVL-CVF ≥ 200 mL, se a resposta ao broncodilatador poderia diferenciar obstrução verdadeira de uma variante da normalidade, de acordo com a variação da resposta ao broncodilatador (significativa ou não significativa, respectivamente). Nós avaliamos vários grupos de doenças, obstrutivas e não obstrutivas, mas nenhuma delas teve associação com a ΔCVL-CVF.

O presente estudo apresenta algumas limitações. O rigor nos critérios de inclusão estreitou o tamanho da amostra e não tivemos um grupo controle com pessoas saudáveis, sendo a maior parte da população constituída de doentes.

Esperamos que estudos futuros possam avaliar se a ΔCVL-CVF pode predizer hiperinsuflação pulmonar aos esforços e sua associação (por meio de técnicas de imagem e bioquímica) com as pequenas vias aéreas.
Em conclusão, o uso da MEL diminuiu a prevalência do DVI, podendo a ΔCVL-CVF ser resultado de LFA e aprisionamento aéreo, embora possa ser apenas uma expressão da compressão dinâmica das vias aéreas aos esforços. Indivíduos com ΔCVL-CVF ≥ 200 mL têm maior chance de apresentar resposta significativa ao broncodilatador.

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