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Editorial

A importância da caracterização molecular no câncer de pulmão

The importance of molecular characterization in lung cancer

Gilberto de Castro Junior1,2,a, Guilherme Harada2,b, Evandro Sobroza de Mello3,c

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20190139

O câncer de pulmão é o segundo principal tipo de câncer e a causa mais comum de morte por câncer em todo o mundo.(1) Na avaliação diagnóstica inicial do câncer de pulmão, é essencial reconhecer o fato de que se trata de uma doença altamente heterogênea. A caracterização molecular precisa é fundamental para melhorar a compreensão da patogênese do tumor, determinar o prognóstico e definir um plano de tratamento personalizado baseado em biomarcadores preditivos. Portanto, desde 2010, a Association for Molecular Pathology (Associação de Patologia Molecular), o College of American Pathologists (Colégio Americano de Patologistas) e a International Association for the Study of Lung Cancer (Associação Internacional de Estudo do Câncer de Pulmão) têm trabalhado juntos para examinar as principais evidências referentes à análise molecular e suas implicações. A diretriz mais recente, publicada em 2018, inclui muitas recomendações relevantes, uma das quais é a de que todos os pacientes com carcinoma pulmonar de células não pequenas (CPCNP) não escamoso sejam submetidos a testes de mutações ativadoras do gene EGFR, rearranjos do gene ALK e rearranjos do gene ROS1; caso haja material adequado disponível, devem ser também testados os genes BRAF, MET, RET, ERBB2 (HER2) e KRAS, por exemplo.(2) Além disso, as amostras devem ser submetidas a testes de biomarcadores preditivos de resposta a bloqueadores de correceptores imunes cujos alvos sejam a via programmed death 1/programmed death-ligand 1 (PD-L1, ligante de morte celular programada 1), tais como a expressão de PD-L1 nas células tumorais e inflamatórias, e a carga de mutação do tumor deve também ser avaliada.

A importância da caracterização molecular do CPCNP foi demonstrada em muitos ensaios,(3,4) o que teve um grande impacto na prática clínica. Pacientes cujos tumores albergam alterações genéticas oncogênicas que podem ser alvo de terapias direcionadas, e que têm acesso às terapias correspondentes apresentam melhores taxas de resposta, maior sobrevida livre de progressão e melhor pontuação referente à qualidade de vida do que pacientes não selecionados tratados com quimioterapia tradicional. (3,4) De fato, o Lung Cancer Mutation Consortium (Consórcio de Estudo de Mutações no Câncer de Pulmão) analisou tumores de 1.007 pacientes com CPCNP e demonstrou ganhos absolutos na sobrevida global nos pacientes nos quais um agente oncogênico foi identificado em amostras obtidas por meio de biópsia e que receberam as terapias específicas correspondentes em comparação com aqueles que não receberam terapias voltadas para os genótipos (3,5 anos vs. 2,4 anos, razão de risco = 0,69; p = 0,006). (5) Outro avanço fundamental que deve ser mencionado está relacionado à superioridade do pembrolizumabe (um anticorpo anti-programmed death 1) em comparação com a quimioterapia baseada em platina no que tange a taxas de sobrevida global em pacientes com CPCNP e tumor proportion score de PD-L1 ≥ 50%.(6) Portanto, a identificação desses biomarcadores preditivos é uma etapa importantíssima do processo de decisão a respeito do tratamento para pacientes com CPCNP.

No presente número do JBP, Oliveira et al.(7) descrevem a frequência de mutações do gene EGFR, rearranjos do gene ALK e expressão de PD-L1 em amostras tumorais avaliadas em um laboratório de patologia cirúrgica no Nordeste brasileiro. Por meio de uma técnica de sequenciamento sensível de última geração, os autores descobriram que a frequência de mutações ativadoras do gene EGFR foi 22%. Por meio de imuno-histoquímica com o clone D5F3, detectaram a expressão de ALK em 10,4% das amostras, e a imuno-histoquímica com o clone SP263 revelou uma taxa surpreendentemente baixa de expressão positiva de PD-L1 (50,9%). Em comparação com outros estudos realizados no Brasil, a taxa de mutação do gene EGFR foi semelhante,(8) ao passo que o nível de expressão do gene ALK foi maior.(9) Um viés de seleção (em virtude de limitações geográficas e amostras pequenas) poderia explicar essas discrepâncias. Amostras maiores avaliadas em estudos multicêntricos seriam mais informativas. No tocante à expressão de PD-L1, a alta proporção de tumores negativos para PD-L1 (49,5%) é notável em comparação com os 30% observados no ensaio KEYNOTE-189.(10) Em um estudo recente realizado no Brasil, 61,39% dos 1.018 tumores avaliados (com o clone 22C3) apresentaram expressão negativa de PD-L1,(11) o que sugere que pode haver diferenças entre pacientes no Brasil quanto à epidemiologia desse biomarcador.

O Brasil enfrenta muitos desafios no que tange à ampliação do acesso ao diagnóstico de patologia molecular e à tecnologia da saúde em geral. Além do diagnóstico tardio de CPCNP, é baixa a proporção de pacientes que têm acesso aos testes moleculares recomendados.(8) Apenas metade de todos os pacientes com CPCNP avançado que recebem diagnóstico de adenocarcinoma pulmonar são submetidos a testes de mutações ativadoras do gene EGFR, e menos ainda são testados no sistema público de saúde. Dados sobre rearranjos de ALK e expressão de PD-L1 são escassos. Tudo isso tem impacto direto nas taxas de sobrevida global, que diferem entre pacientes tratados no setor público e aqueles tratados no setor privado(12); a mediana de sobrevida global em pacientes com adenocarcinoma em estágio IV é de 14,2 meses nos que são submetidos a testes moleculares e de 8,5 meses nos que não o são.

Entre os obstáculos ao acesso a testes moleculares e terapias específicas correspondentes no Brasil estão as dimensões continentais do país e as amplas desigualdades sociais internas, além de questões pré-analíticas, tais como a baixa qualidade da formalina em muitos hospitais e o manuseio inadequado de amostras pequenas de tecido em laboratórios de patologia. O acesso às tecnologias da saúde mais recentes é limitado a poucos centros, o que compromete a prevenção, o diagnóstico e o tratamento. Há uma demora considerável na aprovação de novas terapias e na ativação de ensaios clínicos por parte das agências reguladoras, o que dificulta ainda mais a ampliação do acesso a novas tecnologias. Algumas das maneiras de superar alguns dos obstáculos supracitados são a colaboração internacional, a criação de bancos de dados maiores e a educação (de médicos e pacientes), bem como o fomento de um diálogo positivo entre sociedades médicas, empresas farmacêuticas e grupos de apoio (advocacy).(13)

Na prática clínica diária, a oncologia de precisão, na qual são incorporados ao processo de decisão dados patológicos e moleculares (referentes a biomarcadores prognósticos e preditivos, por exemplo), pode identificar os melhores candidatos a certas terapias moleculares. Portanto, descrever o perfil molecular dos pacientes com CPCNP no Brasil é essencial para ampliar o acesso a terapias mais seguras e eficazes.

REFERÊNCIAS


1. Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):394-424. https://doi.org/10.3322/caac.21492
2. Lindeman NI, Cagle PT, Aisner DL, Arcila ME, Beasley MB, Bernicker EH, et al. Updated Molecular Testing Guideline for the Selection of Lung Cancer Patients for Treatment With Targeted Tyrosine Kinase Inhibitors: Guideline From the College of American Pathologists, the International Association for the Study of Lung Cancer, and the Association for Molecular Pathology. J Thorac Oncol. 2018;13(3):323-358. https://doi.org/10.1016/j.jtho.2017.12.001
3. Mok TS, Wu YL, Thongprasert S, Yang CH, Chu DT, Saijo N, et al. Gefitinib or carboplatin-paclitaxel in pulmonary adenocarcinoma. N Engl J Med. 2009;361(10):947-57. https://doi.org/10.1056/NEJMoa0810699
4. Soria JC, Tan DSW, Chiari R, Wu YL, Paz-Ares L, Wolf J, et al. First-line ceritinib versus platinum-based chemotherapy in advanced ALK-rearranged non-small-cell lung cancer (ASCEND-4): a randomised, open-label, phase 3 study. Lancet. 2017;389(10072):917-929. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)30123-X
5. Kris MG, Johnson BE, Berry LD, Kwiatkowski DJ, Iafrate AJ, Wistuba II, et al. Using multiplexed assays of oncogenic drivers in lung cancers to select targeted drugs. JAMA. 2014;311(19):1998-2006. https://doi.org/10.1001/jama.2014.3741
6. Reck M, Rodríguez-Abreu D, Robinson AG, Hui R, Csőszi T, Fülöp A, et al. Pembrolizumab versus Chemotherapy for PD-L1-Positive Non-Small-Cell Lung Cancer. N Engl J Med. 2016;375(19):1823-1833. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1606774
7. Oliveira ACSM, Alves da Silva AV, Alves M, Cronemberger E, Carneiro BA, Melo JC, et al. Molecular profile of non-small cell lung cancer in northeastern Brazil. J Bras Pneumol. 2019;45(3):e20180181.
8. Araujo LH, Baldotto C, Castro G Jr, Katz A, Ferreira CG, Mathias C, et al. Lung cancer in Brazil. J Bras Pneumol. 2018;44(1):55-64. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000135
9. Gomes JR, Amarante MPF, D'Alpino RDA, Moreira RB, Sousa TTS, Lino ADR, et al. Mutation profile in non-small cell lung cancer: Analysis of a Brazilian population. J Clin Oncol. 2015;33(15 suppl):e19115.
10. Gandhi L, Rodríguez-Abreu D, Gadgeel S, Esteban E, Felip E, De Angelis F, et al. Pembrolizumab plus Chemotherapy in Metastatic Non-Small-Cell Lung Cancer. N Engl J Med. 2018;378(22):2078-2092. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1801005
11. Gelatti AC, Moura F, Gaiger AMF, Macedo MP, Lopes LF, Zaffaroni F, et al. Lower prevalence of PD-L1 expression in advanced non-small lung cancer in Brazil. Journal of Clinical Oncology. 2018;36(15 suppl):e21140. https://doi.org/10.1200/JCO.2018.36.15_suppl.e21140
12. Cronemberger E, Baldotto C, Marinho F, De Marchi P, Araujo LH, Franke F, et al. P3.01-12 EGFR Mutation and Targeted Therapies: Difficulties and Disparities in Access to NSCLC Treatment in Brazil. J Thorac Oncol. 2018;13(10 Suppl):S871-S872. https://doi.org/10.1016/j.jtho.2018.08.1572
13. Santos M, Coudry RA, Ferreira CG, Stefani S, Cunha IW, Zalis MG, et al. Increasing ac-cess to next-generation sequencing in oncology for Brazil. Lancet Oncol. 2019;20(1):20-23. https://doi.org/10.1016/S1470-2045(18)30822-2

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