Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
9208
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Reprodutibilidade da versão em português do Brasil do European Organization for Research and Treatment of Cancer Core Quality of Life Questionnaire em conjunto com seu módulo específico para câncer de pulmão*

Reproducibility of the Brazilian Portuguese version of the European Organization for Research and Treatment of Cancer Core Quality of Life Questionnaire used in conjunction with its lung cancerspecific module

Juliana Franceschini, José Roberto Jardim, Ana Luisa Godoy Fernandes, Sérgio Jamnik, Ilka Lopes Santoro

ABSTRACT

Objective: The assessment of the quality of life in patients with lung cancer has become one of the main goals in current clinical trials. To assess the quality of life of these patients, the most widely used instrument is the 30-item European Organization for Research and Treatment of Cancer Core Quality of Life Questionnaire (EORTC QLQ-C30) in conjunction with its supplemental 13-item lung cancer-specific module (QLQ-LC13). The objective of this study was to assess the reproducibility of the Brazilian Portuguese version of these questionnaires. Methods: A prospective study involving 30 stable outpatients with lung cancer who completed the instruments on the first day of the study and two weeks later. Results: The test-retest reproducibility using the intraclass correlation coefficient for the EORTC QLQ-C30 and the QLQ-LC13 ranged from 0.64 to 1.00 and from 0.64 to 0.95, respectively. No correlations were found between the domains of the instruments and clinical parameters. Conclusions: Our findings show that these instruments were reproducible in this sample of patients with lung cancer in Brazil.

Keywords: Lung neoplasms; Reproducibility of results; Quality of life.

RESUMO

Objetivo: A avaliação da qualidade de vida em pacientes com câncer de pulmão tem se tornado um dos principais objetivos em ensaios clínicos atuais. Para avaliar a qualidade de vida desses pacientes, o instrumento mais utilizado é o 36-item European Organization for Research and Treatment of Cancer Core Quality of Life Questionnaire (EORTC QLQ-C30) em conjunto com seu módulo específico para câncer de pulmão com 13 itens (QLQ-LC13). O objetivo deste estudo foi avaliar a reprodutibilidade da versão em português do Brasil desses questionários. Métodos: Estudo prospectivo com 30 pacientes ambulatoriais estáveis com câncer de pulmão, os quais completaram os instrumentos no primeiro dia do estudo e duas semanas depois. Resultados: A reprodutibilidade teste-reteste através do coeficiente de correlação intraclasse para o EORTC QLQ-C30 e o QLQ-LC13 variou de 0,64 a 1,00 e de 0,64 a 0,95, respectivamente. Não houve correlações entre os domínios dos instrumentos e os parâmetros clínicos. Conclusões: Estes achados demonstram a reprodutibilidade dos instrumentos utilizados nesta amostra de pacientes com câncer de pulmão no Brasil.

Palavras-chave: Câncer de pulmão; Reprodutibilidade dos testes; Qualidade de vida.

Introdução

O câncer de pulmão é uma das neoplasias mais frequentes no mundo e, apesar dos avanços nos últimos anos, persiste com prognóstico ruim, com uma taxa de sobrevida global em cinco anos menor que 15%.(1) No Brasil, o número de casos novos de câncer de pulmão estimados para 2010 é de 17.800 entre homens e de 9.930 entre mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 18 casos novos a cada 100 mil homens e de 10 casos novos a cada 100 mil mulheres.(2)

No passado, estudos com pacientes portadores de neoplasia de pulmão eram focados em desfechos tradicionais, como sobrevida, intervalos livres de doença ou controle local. Contudo, devido à alta morbidade e mortalidade dessa doença, a inclusão de instrumentos para avaliar a qualidade de vida como medida de desfecho se tornou extremamente importante.(3)

As escalas de Karnofsky(4) e do Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG),(5) muito usadas para a avaliação do desempenho físico do paciente, são baseadas apenas na observação do profissional da saúde e não levam em conta a visão do próprio paciente. Entretanto, a avaliação da qualidade de vida por meio de questionários genéricos ou específicos fornece informações não somente sobre questões físicas, mas também sobre aspectos psicossociais, funcionais e espirituais, e mais importante, sob a ótica do paciente. O questionário 30-item European Organization for Research and Treatment of Cancer Core Quality of Life Questionnaire (EORTC QLQ-C30) - em conjunto com seu módulo específico para câncer de pulmão com 13 itens (Quality of Life Questionnaire Lung Cancer 13; QLQ-LC13) - foi criado especificamente para avaliar a qualidade de vida de pacientes portadores de câncer de pulmão e é o instrumento mais utilizado mundialmente em estudos clínicos. Esse questionário possui propriedades psicométricas adequadas, com reprodutibilidade e validade já demonstradas em diversas línguas. Além disso, a escala global (EORTC QLQ-C30) é considerada uma variável preditora de sobrevida em pacientes com câncer de pulmão.(6) Embora esse questionário seja utilizado no Brasil em estudos multicêntricos internacionais, não há estudos de avaliação da reprodutibilidade do uso desse instrumento em língua portuguesa do Brasil. O uso de questionários reprodutíveis é fundamental, pois aumenta a sua validade interna em estudos individuais.(7) Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar a reprodutibilidade da versão em português do Brasil do questionário EORTC QLQ-C30 em conjunto com o QLQ-LC13 em uma amostra de pacientes com câncer de pulmão.

Métodos

Este é um estudo observacional, prospectivo, no qual foram incluídos 30 pacientes com diagnóstico de neoplasia de pulmão e em acompanhamento no Ambulatório de Oncopneumologia da Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, São Paulo (SP). Foram considerados como critérios de inclusão deste estudo o diagnóstico de neoplasia de pulmão, confirmado citológica ou histologicamente, a estabilidade clínica (ausência de mudanças nos sintomas de tosse, expectoração ou dispneia, dados esses inseridos em uma ficha estruturada de acompanhamento ambulatorial, indicando também a ausência de modificações no esquema terapêutico ou de internações nos 10 dias que antecederam a entrevista) e pontuação maior ou igual a 21 no MiniExame do Estado Mental (MEEM).(8) O estudo foi previamente aprovado pelo comitê de ética da instituição e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Na primeira visita, os pacientes foram submetidos à avaliação clínica, segundo uma ficha estruturada e especialmente delineada para pacientes portadores de neoplasia de pulmão, e responderam ao MEEM (Figura 1).As variáveis independentes coletadas foram gênero (proporção de pacientes do gênero masculino e feminino), idade (anos), história e carga tabágica (maços-ano), tipo histológico (adenocarcinoma,carcinoma espinocelular, carcinoma de pequenas células ou outros), (9)estadiamento (de acordo com a classificação tumor-node-metastasis de 1997, pela qual pacientes portadores de câncer de pulmão não pequenas células foram estadiados em IA, IB, IIA, IIB, IIIA, IIIB e IV),(10) escala de Karnofsky,(4) espirometria (VEF1, CVF em porcentagem do previsto e relação VEF1/CVF em porcentagem),(11) pontuação no MEEM e nos escores dos questionários EORTC QLQ-C30 e QLQ-LC13.(12)

A escala de Karnofsky foi aplicada antes dos questionários nas duas visitas.(4)

A espirometria foi realizada ao final da primeira entrevista, utilizando-se as normas estabelecidas pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(11)

A reprodutibilidade teste-reteste do EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13 foi determinada após a aplicação do questionário por duas vezes, em um intervalo de 15 dias, pelo mesmo pesquisador (Figura 1). Além disso, os escores médios obtidos nas diferentes escalas do questionário foram comparados aos valores de referência estabelecidos pelo grupo de qualidade de vida da EORTC, baseado na diferença mínima clinicamente significante que, para esse instrumento, varia de 5 a 10 pontos,(13,14) assim como foram realizadas comparações com outros estudos de reprodutibilidade desse instrumento para outras línguas.(1,15-20)





O protocolo utilizou a versão em português do EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13 fornecida pelo grupo de pesquisa em qualidade de vida da EORTC, responsável pela elaboração do questionário, e seguiu os métodos utilizados na avaliação de reprodutibilidade e adaptação cultural de outros instrumentos no Brasil.(7,21-23)

O questionário geral (EORTC QLQ-C30) inclui 30 perguntas relacionadas a cinco escalas funcionais (física, funcional, emocional, social e cognitiva), uma escala sobre o estado de saúde global, três escalas de sintomas (fadiga, dor e náuseas/vômitos) e seis itens de sintomas adicionais (dispneia, insônia, perda de apetite, constipação, diarreia e dificuldades financeiras). O QLQ-LC13 é um questionário específico para tumores de pulmão, adicional ao EORTC QLQ-C30, com 13 questões relacionadas a uma escala de sintomas (dispneia) e nove itens de sintomas e efeitos adversos ao tratamento (tosse, hemoptise, mucosite, disfagia, neuropatia periférica, alopecia, dor no tórax, dor no braço ou ombro e dor em outras partes).(1,6) A pontuação é obtida de acordo com o tipo de resposta escolhida pelo paciente. As opções permitidas pelo questionário são "não" (um ponto), "pouco" (dois pontos), "moderadamente" (três pontos) ou "muito" (quatro pontos). Nas duas questões referentes à escala de estado de saúde global, as opções de escolha variam de um (péssima) a sete pontos (ótima). Os escores do questionário variam de 0 a 100. Em relação às escalas funcionais e de estado de saúde global, maiores pontuações relacionam-se a melhor qualidade de vida; porém, para as escalas de sintomas, maiores pontuações correspondem a maior presença do referido sintoma e, consequentemente, a pior qualidade de vida.(12)

Os pacientes responderam ao questionário acompanhando a leitura das questões, conforme orientação do manual. O ambiente era calmo e não foram permitidas interrupções durante o processo de preenchimento. O tempo gasto para responder o questionário foi cronometrado nas duas visitas.

Para a análise estatística, as variáveis foram expressas em médias e desvios-padrão. O coeficiente de correlação intraclasse (CCI) foi calculado para avaliar a reprodutibilidade do questionário, enquanto o coeficiente de confiabilidade kappa foi calculado para avaliar a reprodutibilidade questão a questão. Para comparar dois grupos, foi utilizado o teste do qui-quadrado para variáveis categóricas, o teste t de Student para variáveis contínuas paramétricas e o teste de Mann-Whitney para variáveis contínuas não paramétricas. Foi utilizada ANOVA, com teste complementar de Bonferroni, para a comparação entre três ou mais subamostras de pacientes diferentes, separados por variáveis categóricas, visando determinar se as subamostras apresentavam distribuição semelhante. Para as correlações entre as variáveis de espirometria e os escores do questionário, foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman. As análises estatísticas foram feitas com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Todos os testes de hipóteses foram bicaudais, e o nível de significância considerado foi de 5%.

Resultados

As características principais dos 30 pacientes que concluíram o estudo estão demonstradas na Tabela 1. Dos pacientes estudados, 63,3% tinham mais de 60 anos.



Não houve diferenças estatisticamente significantes entre os gêneros em relação à idade, escala de Karnofsky, espirometria, MEEM, estadiamento ou tipo histológico.

Dos três pacientes que nunca fumaram, apenas um tinha histórico de fumo passivo. Houve predomínio do vício de fumar no gênero masculino (p = 0,04). Houve uma diferença estatisticamente significante entre os gêneros em relação à carga tabágica, que foi maior para os homens, com média de 53,2 ± 31,6 maços-ano, enquanto a carga tabágica média para as mulheres foi de 29,6 ± 25,5 maços-ano (p = 0,02).

Dos pacientes que participaram do estudo, 8 (26,7%) tinham diagnóstico de DPOC, de acordo com as diretrizes do Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease.(24)

Todos os pacientes preencheram os critérios de estabilidade, não havendo alterações importantes do ponto de vista clínico, conforme a avaliação médica. O esquema terapêutico medicamentoso utilizado pelos pacientes foi mantido, sem quaisquer alterações no intervalo de 15 dias entre as aplicações dos questionários.

Os valores médios para cada escala do EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13 nas duas visitas encontram-se na Tabela 2.





Foi observada excelente reprodutibilidade intraobservador para todos os escores do questionário EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13 (Tabela 2). Todos os CCI apresentaram p < 0,01.

Os valores do coeficiente de confiabilidade kappa e de p, calculados individualmente para cada questão do EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13 na primeira visita contra o EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13 na segunda visita, com o objetivo de se definir a reprodutibilidade das questões após 15 dias de estabilidade clínica, foram menores que 0,4 para as questões 12, 16, 18, 22, 26, 27 e 43b. Para as questões 5, 13, 14, 15, 17, 19, 20, 21, 23, 30, 32, 36, 37 e 38, não foi possível o cálculo do coeficiente. As demais questões apresentaram nível de concordância de moderado a bom.

Não houve correlação entre as variáveis de espirometria e as escalas do questionário estudado através do coeficiente de correlação de Spearman.
A pontuação média, observada neste estudo, para as escalas funcionais do EORTC QLQ-C30 foi maior que a pontuação média de referência nos domínios estado de saúde global e capacidade social; em relação às escalas de sintomas, a pontuação média observada foi menor que aquela de referência para fadiga, sendo semelhante nas demais.(14)

Quanto ao QLQ-LC13, todas as escalas apresentaram pontuação semelhante às médias de referência.(14) As médias de referência e as observadas por diferentes autores para as escalas do EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13, em estudos de reprodutibilidade e adaptação cultural para outras línguas com pacientes portadores de neoplasia de pulmão, encontram-se na Tabela 3.





Durante o período de aplicação do questionário, foi anotado o tempo gasto pelos pacientes para o preenchimento individual. A média, mediana, desvio-padrão e variação do tempo de preenchimento estão relacionados na Tabela 4. Houve uma diferença estatisticamente significante nos tempos de preenchimento entre a primeira e a segunda visita para os três instrumentos utilizados, analisados através do teste t de Student.





Os pacientes responderam algumas perguntas sobre as dificuldades no preenchimento do questionário EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13. Em relação ao tamanho, 94% o acharam adequado, 2% o acharam curto, e 8% o acharam longo. Em relação à dificuldade, 92% responderam que o instrumento é fácil de ser entendido, e 8% referiram que algumas questões eram confusas. Em relação a termos utilizados no questionário, 92% dos pacientes não sabiam o significado da palavra "obstipado", referente à questão 16, que foi explicado como sendo "intestino preso". Outro termo que gerou dúvida, em 16% da amostra, estava na questão 10, com a pergunta "Você precisou repousar?". "Repousar" foi explicado como "descansar". No módulo QLQ-LC13, a questão 33 ("Sentiu falta de ar enquanto repousava?") gerou dúvida em 12% da amostra. "Repousava" foi explicado como "descansava".

Discussão

O objetivo deste estudo foi avaliar, em uma população de brasileiros, a reprodutibilidade do questionário EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13 em uma versão adaptada para o português do Brasil. A sua aplicação em duas ocasiões, com o intervalo de 15 dias, em uma população de pacientes com tumor de pulmão mostrou excelente reprodutibilidade.

O EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13 é um instrumento válido e amplamente utilizado em várias línguas e culturas para avaliar a qualidade de vida de pacientes com câncer de pulmão.(1,15-20,25) No geral, os pacientes deste estudo apresentaram pontuações para as escalas funcionais e de sintomas muito semelhantes aos valores de referência estabelecidos pelo grupo de qualidade de vida da EORTC. No entanto, a avaliação dos resultados dos estudos com esse questionário em outros países mostra que há grande variabilidade.(1,15-20,25) Diversos fatores podem contribuir para essa variabilidade. Um deles é a existência de diferenças culturais importantes entre os países, que influenciam a conceituação e a reação a diversos instrumentos de medida. Existem diferenças substanciais nos escores de muitas escalas entre países, especialmente aquelas relacionadas à percepção de sintomas.(17,19)

A reprodutibilidade foi avaliada pelo método de teste-reteste. Os valores de reprodutibilidade do questionário EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13, encontrados neste estudo, variaram de 0,64 a 1,00 e são muito semelhantes aos valores em estudos prévios de validação desse instrumento em outras línguas. A variação do CCI foi de 0,46-0,85 para a versão em chinês (Taiwan),(25) 0,32-0,80 na versão em chinês,(20) 0,58-0,90 na versão em italiano,(15) 0,70-0,94 na versão em turco(17) e 0,63-0,90 na versão em japonês.(18)

A maioria das escalas do questionário EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13 apresentou valores de CCI maiores que 0,75, à exceção das escalas de insônia, obstipação e alopecia. Uma possível razão para correlações mais baixas nessas escalas é o fato de que, em nossa amostra, predominaram indivíduos idosos (63,3% acima de 60 anos), nos quais esses sintomas são mais instáveis e passíveis de alterações com maior facilidade; nossos dados são concordantes com os achados no estudo de validação do EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13 para a língua chinesa.(20) Em outras palavras, CCI baixos estão relacionados a escalas que medem sintomas que são vulneráveis à mudança de percepção em curtos espaços de tempo.

Desse modo, podemos considerar que o EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13 demonstrou boa reprodutibilidade em sua versão para língua portuguesa do Brasil nesta amostra de pacientes. Do mesmo modo, foi observada uma reprodutibilidade satisfatória para a maioria das questões, conforme os resultados do coeficiente kappa.

Não foram observadas correlações entre o questionário analisado e o estádio da doença neste estudo, embora outros autores tenham demonstrado tal associação.(1,26) Isso pode ser resultado da distribuição não homogênea de nossa amostra, na qual a maioria dos pacientes encontrava-se em estádios iniciais (46,7% nos estádios I e II) e em acompanhamento pós-tratamento (76,7%), quando a presença de sintomas é muito menor. Sabe-se que pacientes com doença progressiva têm maior prevalência de sintomas não controlados, principalmente fadiga, dispneia, dor e anorexia.(26)

Em relação à função pulmonar, geralmente é esperado que pacientes com VEF1 reduzido tenham escores funcionais piores e maior presença de sintomas, principalmente dispneia.(1) Entretanto, estudos com pacientes oncológicos não relataram correlações entre função pulmonar alterada e qualidade de vida, como os de dois grupos de autores(27,28) que avaliaram a qualidade de vida de pacientes sobreviventes, em longo prazo, de câncer de pulmão não pequenas células.

No presente estudo, o valor médio de VEF1 foi de 75% do previsto e, do mesmo modo que nos estudos citados acima, não foram observadas correlações entre os parâmetros da prova de função pulmonar (CVF, VEF1, VEF1/CVF) e os escores de qualidade de vida. Esse fato pode estar relacionado à habilidade limitada que os testes fisiológicos apresentam para explicar a variabilidade na percepção individual de sintomas.(29)

Além disso, em nossa amostra, havia um número muito pequeno de pacientes com VEF1 abaixo de 50% do previsto, o que pode ter contribuído para a falta de correlação entre essa variável e os escores de qualidade de vida.

Em um estudo, demonstrou-se que a qualidade de vida é afetada negativamente, embora não de forma significante, pelo tabagismo.

Segundo o mesmo estudo, a qualidade de vida dos indivíduos que continuam a fumar depois do diagnóstico tende a ser pior, ao passo que há uma diminuição na morbidade e mortalidade com a cessação do tabagismo após o diagnóstico.(30) Em nosso estudo, nenhum paciente continuou a fumar após o estabelecimento do diagnóstico. Por isso, não foi possível avaliar o impacto da continuidade do tabagismo na qualidade de vida dos pacientes.

O EORTC QLQ-C30 em uso associado ao QLQ-LC13, neste estudo, levou, em média, menos de dez minutos para ser completado. Isso ocorreu pela simplicidade das questões e de opções de respostas, e os pacientes consideraram esse instrumento de fácil entendimento. O tempo de resposta na segunda visita foi menor que na primeira. Esse fato pode estar relacionado à familiarização do paciente com a utilização de questionários, pois, para a maioria dos entrevistados, esse fora o primeiro contato com instrumentos desse tipo. Como a avaliação da qualidade de vida geralmente se faz de forma contínua, a familiarização diminui o tempo gasto e, consequentemente, o trabalho tanto da equipe de saúde, quanto do próprio paciente.

Neste estudo, a avaliação da reprodutibilidade do questionário EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13 foi realizada com uma amostra de conveniência, de tamanho semelhante ao de outros estudos de validação de diversos instrumentos para a língua portuguesa.(7,21-23)

Nenhuma modificação foi realizada na versão enviada pelos criadores do instrumento original. Contudo, uma dificuldade encontrada neste estudo está relacionada a alguns aspectos específicos da tradução do questionário. A palavra "obstipação" era desconhecida da maioria dos pacientes. Dessa forma, sugerimos aos criadores do questionário que a mesma seja trocada por "intestino preso", para facilitar a compreensão e, consequentemente, a utilização do instrumento para pacientes brasileiros.

Concluímos que o instrumento EORTC QLQ-C30+QLQ-LC13 na versão em português do Brasil possui reprodutibilidade muito semelhante à da versão original e é de fácil utilização e entendimento para o paciente, levando poucos minutos para ser respondido.


Referências


1. Nicklasson M, Bergman B. Validity, reliability and clinical relevance of EORTC QLQ-C30 and LC13 in patients with chest malignancies in a palliative setting. Qual Life Res. 2007;16(6):1019-28.

2. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2010: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2009.

3. Franceschini J, Santos AA, El Mouallem I, Jamnik S, Uehara C, Fernandes AL, et al. Assessment of the quality of life of patients with lung cancer using the Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey. J Bras Pneumol. 2008;34(6):387-93.

4. Karnofsky DA, Golbey RB, Pool JL. Preliminary studies on the natural history of lung cancer. Radiology. 1957;69(4):477-88.

5. Oken MM, Creech RH, Tormey DC, Horton J, Davis TE, McFadden ET, et al. Toxicity and response criteria of the Eastern Cooperative Oncology Group. Am J Clin Oncol. 1982;5(6):649-55.

6. Aaronson NK, Ahmedzai S, Bergman B, Bullinger M, Cull A, Duez NJ, et al. The European Organization for Research and Treatment of Cancer QLQ-C30: a quality-of-life instrument for use in international clinical trials in oncology. J Natl Cancer Inst. 1993;85(5):365-76.

7. Camelier A, Rosa FW, Salim C, Nascimento OA, Cardoso F, Jardim JR. Using the Saint George's Respiratory Questionnaire to evaluate quality of life in patients with chronic obstructive pulmonary disease: validating a new version for use in Brazil. J Bras Pneumol. 2006;32(2):114-22.

8. Almeida OP. Mini mental state examination and the diagnosis of dementia in Brazil [Article in Portuguese]. Arq Neuropsiquiatr. 1998;56(3B):605-12.

9. Uehara C, Santoro I, Ferreira R. Câncer de pulmão: diagnóstico e estadiamento. In: Nery LE, Fernandes AL, Perfeito JA, editors. Pneumologia. Barueri: Manole; 2006. p. 495-509.

10. Mountain CF. Revisions in the International System for Staging Lung Cancer. Chest. 1997;111(6):1710-7.

11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes para Testes de Função Pulmonar. J Pneumol. 2002;28(Suppl 3):S1-S82.

12. Fayers P, Aaronson N, Bjordal K, Groenvold M, Curran D, Bottomley A. The EORTC QLQ-C30 Scoring Manual. Brussels: EORTC Quality of Life Group; 2001.

13. Young T, De Haes H, Curran D, Fayers P, Brandberg Y, Vanvoorden V, et al. Guidelines for assessing quality of life in EORTC clinical trials. Brussels: EORTC Quality of Life Group; 2002.

14. Scott NW, Fayers PM, Aaronson NK, Bottomley A, de Graeff A, Groenvold M, et al. EORTC QLQ-C30 Reference Values. Brussels: EORTC Quality of Life Group; 2008.

15. Apolone G, Filiberti A, Cifani S, Ruggiata R, Mosconi P. Evaluation of the EORTC QLQ-C30 questionnaire: a comparison with SF-36 Health Survey in a cohort of Italian long-survival cancer patients. Ann Oncol. 1998;9(5):549-57.

16. Chie WC, Yang CH, Hsu C, Yang PC. Quality of life of lung cancer patients: validation of the Taiwan Chinese version of the EORTC QLQ-C30 and QLQ-LC13. Qual Life Res. 2004;13(1):257-62.

17. Guzelant A, Goksel T, Ozkok S, Tasbakan S, Aysan T, Bottomley A. The European Organization for Research and Treatment of Cancer QLQ-C30: an examination into the cultural validity and reliability of the Turkish version of the EORTC QLQ-C30. Eur J Cancer Care (Engl). 2004;13(2):135-44.

18. Kobayashi K, Takeda F, Teramukai S, Gotoh I, Sakai H, Yoneda S, et al. A cross-validation of the European Organization for Research and Treatment of Cancer QLQ-C30 (EORTC QLQ-C30) for Japanese with lung cancer. Eur J Cancer. 1998;34(6):810-5.

19. Schwarz R, Hinz A. Reference data for the quality of life questionnaire EORTC QLQ-C30 in the general German population. Eur J Cancer. 2001;37(11):1345-51.

20. Wan C, Zhang C, Tu X, Feng C, Tang W, Luo J, Meng Q. Validation of the simplified Chinese version of the quality of life instrument EORTC QLQ-LC43 for patients with lung cancer. Cancer Invest. 2008;26(5):504-10.

21. Carpes MF, Mayer AF, Simon KM, Jardim JR, Garrod R. The Brazilian Portuguese version of the London Chest Activity of Daily Living scale for use in patients with chronic obstructive pulmonary disease. J Bras Pneumol. 2008;34(3):143-51.

22. Sousa TC, Jardim JR, Jones P. Validação do Questionário do Hospital Saint George na Doença Respiratória (SGRQ) em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica no Brasil. J Pneumol. 2000;26(3):119-28.

23. Kovelis D, Segretti NO, Probst VS, Lareau SC, Brunetto AF, Pitta F. Validation of the Modified Pulmonary Functional Status and Dyspnea Questionnaire and the Medical Research Council scale for use in Brazilian patients with chronic obstructive pulmonary disease. J Bras Pneumol. 2008;34(12):1008-18.

24. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. Pocket guide to COPD diagnoses, management and prevention - A guide for healthcare professionals. Bethesda: National Institutes of Heart, Lung, and Blood Institute; 2009.

25. Nowak AK, Stockler MR, Byrne MJ. Assessing quality of life during chemotherapy for pleural mesothelioma: feasibility, validity, and results of using the European Organization for Research and Treatment of Cancer Core Quality of Life Questionnaire and Lung Cancer Module. J Clin Oncol. 2004;22(15):3172-80.

26. Griffin JP, Koch KA, Nelson JE, Cooley ME; American College of Chest Physicians. Palliative care consultation, quality-of-life measurements, and bereavement for end-of-life care in patients with lung cancer: ACCP evidence-based clinical practice guidelines (2nd edition). Chest. 2007;132(3 Suppl):404S-422S.

27. Ozturk A, Sarihan S, Ercan I, Karadag M. Evaluating quality of life and pulmonary function of long-term survivors of non-small cell lung cancer treated with radical or postoperative radiotherapy. Am J Clin Oncol. 2009;32(1):65-72.

28. Sarna L, Evangelista L, Tashkin D, Padilla G, Holmes C, Brecht ML, et al. Impact of respiratory symptoms and pulmonary function on quality of life of long-term survivors of non-small cell lung cancer. Chest. 2004;125(2):439-45.

29. Jones PW, Bergman BL. Life quality assessment in obstructive lung disease. Poor correlation between spirometry and patients' evaluation. [Article in Swedish]. Lakartidningen. 1990;87(16):1372-5.

30. Tammemagi CM, Neslund-Dudas C, Simoff M, Kvale P. Smoking and lung cancer survival: the role of comorbidity and treatment. Chest. 2004;125(1):27-37.



Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Ilka Lopes Santoro. Rua Botucatu, 740, 3º andar, CEP 04023-062, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 5576-4238. E-mail: ilka@pneumo.epm.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 25/2/2010. Aprovado, após revisão, em 26/5/2010.



Sobre os autores

Juliana Franceschini
Fisioterapeuta Responsável pelo Ambulatório de Oncopneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, São Paulo (SP) Brasil.

José Roberto Jardim
Professor Adjunto Livre-Docente. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, São Paulo (SP) Brasil.

Ana Luisa Godoy Fernandes
Professora Associada Livre-Docente. Disciplina de Pneumologia, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, São Paulo (SP) Brasil.

Sérgio Jamnik
Médico Responsável pelo Ambulatório de Oncopneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, São Paulo (SP) Brasil.

Ilka Lopes Santoro
Professora Afiliada. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, São Paulo (SP) Brasil.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia