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ISSN (on-line): 1806-3756

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Teste rápido molecular para tuberculose: avaliação do impacto de seu uso na rotina em um hospital de referência

Rapid molecular test for tuberculosis: impact of its routine use at a referral hospital

Marilda Casela1,a, Silvânia Maria Andrade Cerqueira1,b, Thais de Oliveira Casela2,c, Mariana Araújo Pereira3,d, Samanta Queiroz dos Santos3,e, Franco Andres Del Pozo4,f, Songeli Menezes Freire3,g, Eliana Dias Matos5,h

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562017000000201

ABSTRACT

Objective: To evaluate the impact of the use of the molecular test for Mycobacterium tuberculosis and its resistance to rifampin (Xpert MTB/RIF), under routine conditions, at a referral hospital in the Brazilian state of Bahia. Methods: This was a descriptive study using the database of the Mycobacteriology Laboratory of the Octávio Mangabeira Specialized Hospital, in the city of Salvador, and georeferencing software. We evaluated 3,877 sputum samples collected from symptomatic respiratory patients, under routine conditions, between June of 2014 and March of 2015. All of the samples were submitted to sputum smear microscopy and the Xpert MTB/RIF test. Patients were stratified by gender, age, and geolocation. Results: Among the 3,877 sputum samples evaluated, the Xpert MTB/RIF test detected M. tuberculosis in 678 (17.5%), of which 60 (8.8%) showed resistance to rifampin. The Xpert MTB/RIF test detected M. tuberculosis in 254 patients who tested negative for sputum smear microscopy, thus increasing the diagnostic power by 59.9%. Conclusions: The use of the Xpert MTB/RIF test, under routine conditions, significantly increased the detection of cases of tuberculosis among sputum smear-negative patients.

Keywords: Tuberculosis/diagnosis; Molecular diagnostic techniques; Sputum.

RESUMO

Objetivo: Avaliar o impacto do teste rápido molecular automatizado Xpert MTB/RIF, utilizado para a detecção de Mycobacterium tuberculosis e sua resistência à rifampicina, em condições de rotina, em um hospital de referência no estado da Bahia. Métodos: Estudo descritivo retrospectivo utilizando o banco de dados do Laboratório de Micobacteriologia do Hospital Especializado Octávio Mangabeira, localizado na cidade de Salvador, e um programa de georreferenciamento. Entre junho de 2014 e março de 2015, foram incluídas no estudo 3.877 amostras de escarro coletadas de pacientes sintomáticos respiratórios em condições de rotina. Todas as amostras coletadas foram submetidas tanto à baciloscopia quanto a Xpert MTB/RIF. Os pacientes foram estratificados por sexo, idade e georreferenciamento. Resultados: Das 3.877 amostras de escarro analisadas, Xpert MTB/RIF detectou a presença de M. tuberculosis em 678 pacientes (17,5%). Desses, 60 (8,8%) apresentaram resistência à rifampicina. O Xpert MTB/RIF detectou 254 pacientes com baciloscopia negativa, representando um acréscimo diagnóstico de 59,9%. Conclusões: A implantação do Xpert MTB/RIF, sob condições de rotina, teve um impacto significativo no aumento da detecção de casos de tuberculose em pacientes com baciloscopia negativa.

Palavras-chave: Tuberculose/diagnóstico; Técnicas de diagnóstico molecular; Escarro.

INTRODUÇÃO

Em 2010, a Organização Mundial de Saúde endossou o uso do teste molecular Xpert MTB/RIF (Cepheid Inc., Sunnyvale, CA, EUA) para o diagnóstico da tuberculose. O Xpert MTB/RIF é um teste rápido molecular automatizado, baseado na reação de cadeia de polimerase, que detecta DNA de Mycobacterium tuberculosis e, simultaneamente, resistência à rifampicina em duas horas.(1) Após a recomendação da Organização Mundial de Saúde, muitos países têm incorporado essa tecnologia na rotina de diagnóstico de tuberculose, substituindo a baciloscopia.(2) Embora muitos estudos tenham mostrado a alta sensibilidade e especificidade desse teste no diagnóstico da tuberculose e na detecção de resistência à rifampicina,(3-8) é relevante avaliar sua utilização na rotina de programas locais, considerando que muitas barreiras logísticas e do sistema de saúde podem influenciar o impacto desse teste na atenção ao paciente. No cenário brasileiro, a dificuldade de acesso à saúde e a má percepção dos sintomas por parte dos pacientes foram identificados como importantes fatores para retardo do diagnóstico e, consequentemente, do início do tratamento.(9) No Brasil, o diagnóstico de tuberculose, até julho de 2014, era baseado no quadro clínico-radiológico e em testes fenotípicos (baciloscopia e cultura para micobactérias).(10) Entretanto, a comunidade científica brasileira vinha enfatizando, há algum tempo, a necessidade de incorporação de novas tecnologias de diagnóstico no sistema de saúde pública brasileiro, incluindo os testes genotípicos, tanto para tuberculose pulmonar quanto para tuberculose extrapulmonar.(11-13) A nível mundial, um inquérito envolvendo especialistas em tuberculose em todo o mundo demonstrou a elevada aceitabilidade de novos testes rápidos para o diagnóstico de tuberculose e a ampla utilização do Xpert MTB/RIF (46,7% dos entrevistados).(14)

Um ensaio clínico pragmático, realizado em duas cidades brasileiras (Rio de Janeiro e Manaus), mostrou a viabilidade da implantação do teste Xpert MTB/RIF na rotina de Programa Nacional de Controle de Tuberculose, em um país de dimensão continental e imensas diferenças regionais na organização e qualidade dos serviços de saúde. Nesse estudo, Durovni et al.(15) observaram uma taxa de acréscimo de casos com confirmação laboratorial de 59% e redução do tempo do início do tratamento de 11 para 8 dias. Adicionalmente, no cenário brasileiro, alguns estudos têm demonstrado que o teste Xpert MTB/RIF é uma estratégia de diagnóstico para tuberculose custo-efetiva.(16,17)

Em setembro de 2013, o Xpert MTB/RIF foi aprovado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde para sua utilização no Sistema Único de Saúde, no Brasil.(18) A implantação desse teste no Brasil foi iniciada pelo Ministério da Saúde (MS) em julho de 2014, sendo criada a denominada Rede de Teste Rápido Molecular para Tuberculose. Desde então, o Programa Nacional de Controle de Tuberculose distribuiu 160 equipamentos para todo o país, contemplando, prioritariamente, todas as capitais das Unidades Federadas, municípios-sede de presídios, municípios de fronteira e aqueles com notificação superior a 130 casos de tuberculose por ano.(19)

Em 2014, o Brasil notificou 69.262 casos de tuberculose, com um coeficiente de incidência de 33,5 casos/100.000 habitantes. Dentre os estados brasileiros, a Bahia ocupa a terceira posição em relação à carga da tuberculose, com 4.833 casos notificados em 2014 (32 casos/100.000 habitantes).(20) O estado da Bahia recebeu do MS, em 2014, 5 equipamentos GeneXpert MTB/RIF, sendo 3 alocados no Hospital Especializado Otávio Mangabeira (HEOM), localizado na cidade de Salvador (BA). No contexto de pesquisa operacional, o presente estudo avaliou o impacto da utilização do Xpert MTB/RIF, sob condições de rotina, em uma unidade de referência para tuberculose na Bahia.

MÉTODOS

A pesquisa foi conduzida no setor de micobacteriologia do laboratório do HEOM, hospital de referência terciária para tuberculose e pertencente à rede pública estadual. O HEOM dispõe de uma unidade de hospitalização e uma unidade de atendimento ambulatorial, atendendo pacientes da capital e do interior do estado. Devido a dificuldades operacionais do diagnóstico laboratorial na rede de atenção básica local, aproximadamente 37% dos casos de tuberculose em Salvador são diagnosticados no laboratório do HEOM (dados não publicados do Programa Estadual de Controle da Tuberculose). No laboratório do HEOM, os resultados do Xpert MTB/RIF são disponibilizados no mesmo dia da coleta para todos os pacientes, e existe uma rotina de fluxo de retorno desses resultados para os diversos setores do hospital.

Trata-se de um estudo descritivo, retrospectivo e de base laboratorial, realizado no contexto de pesquisa operacional, sob condições de rotina. As informações foram obtidas utilizando o banco de dados do laboratório de micobacteriologia do HEOM e armazenadas em programa Microsoft Excel.

A amostra foi constituída de pacientes que realizaram Xpert MTB/RIF e baciloscopia, a partir da mesma amostra de escarro, durante o período entre 10 de junho de 2014 e 31 de março de 2015. O estudo teve como foco a comparação do desempenho das duas metodologias distintas, realizadas em condições de rotina laboratorial, seguindo algoritmos recomendados pelo MS(19) no cenário de uma unidade de referência na Bahia.

Os casos de tuberculose foram georreferenciados quanto a sua distribuição espacial e incidência demográfica. O objetivo foi geoprocessar os dados como informação geográfica, visando apoiar o planejamento e a gestão da saúde da referida unidade. Foi utilizado o sistema geodésico de referência em uso hoje no Brasil, denominado Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas 2000, que permite o uso direto da tecnologia Global Navigation Satellite Systems. Para a geração do mapa temático foi utilizado o método de Kernel. No mapa, a intensidade pontual de determinado fenômeno é plotada em toda a região de estudo.(21)

Análise estatística

As variáveis contínuas foram expressas em forma de média ± desvio-padrão, ao passo que as variáveis categóricas foram expressas em forma de números absolutos e proporções. A concordância entre os resultados de Xpert MTB/RIF semiquantitativo e de baciloscopia foi calculada utilizando o índice de kappa ponderado. Os dados foram analisados por meio do programa GraphPad Prism, versão 5.01 (GraphPad Inc., San Diego, CA, EUA).

Aspectos éticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública da Fundação Bahiana para o Desenvolvimento das Ciências (protocolo nº 119/2008, adendo em 2011). A confidencialidade dos dados e o anonimato dos pacientes foram assegurados na elaboração e no manuseio do banco de dados.

RESULTADOS

Durante o período do estudo (entre junho de 2014 e março de 2015), foram realizados no laboratório de micobacteriologia do HEOM 19.117 testes (baciloscopia, cultura para micobactérias e Xpert MTB/RIF) para o diagnóstico de casos suspeitos e o acompanhamento de casos de tuberculose. Desse total, foram identificados 3.877 pacientes que realizaram simultaneamente, na mesma amostra de escarro, Xpert MTB/RIF e baciloscopia. A média de idade da população do estudo foi de 41,5 ± 15,4 anos, e a predominância foi do sexo masculino (67,1%).

Do total de 3.877 pacientes, resultados positivos na baciloscopia e no Xpert MTB/RIF foram detectados em 424 (10,9%) e em 678 (17,5%), respectivamente (Tabela 1). O teste Xpert MTB/RIF foi capaz de detectar 254 positivos para tuberculose que foram negativos na baciloscopia, um ganho diagnóstico adicional de 59,9% de positividade.
 



O resultado positivo do Xpert MTB/RIF é disponibilizado em sua plataforma em quatro níveis de detecção semiquantitativa: muito baixo, baixo, médio e alto. Por outro lado, o resultado da baciloscopia é categorizado, na rotina de serviço, em: negativo, positivo (1-9 bacilos/100 campos examinados), 1+, 2+, 3+. A Tabela 2 mostra a correlação entre os resultados do Xpert MTB/RIF semiquantitativo e a carga bacilar no exame de baciloscopia. Todas as 424 amostras de escarro positivas na baciloscopia apresentaram resultados positivos também no Xpert MTB/RIF. Do total de resultados de detecção muito baixa no Xpert MTB/RIF, 92,6% (175/189) apresentaram baciloscopia de escarro negativa. As amostras com baixo nível de detecção no Xpert MTB/RIF representaram 68,9% (169/245) de resultados de carga bacilar de 1+ na baciloscopia. Das 57 amostras de escarro com média detecção no Xpert MTB/RIF, 54 (94,5%) corresponderam ao resultado 1+ e 2+ na baciloscopia. Em 187 amostras com alto nível de detecção no Xpert MTB/RIF, 142 (75,9%) apresentaram correlação com baciloscopia 3+. A análise estatística entre os resultados do Xpert MTB/RIF semiquantitativo quando comparado à carga bacilar na baciloscopia mostrou uma forte correlação (kappa ponderado = 0,82).
 



As notificações dos 175 pacientes com resultado de Xpert MTB/RIF positivo e baciloscopia negativa foram posteriormente revisadas no Sistema de Informação de Notificação de Agravos. Desse total, 146 (83,4%) eram casos novos, e 29 (16,6%) foram identificados como casos de retratamento (presença de uma ou mais notificações anteriores à data da realização dos dois tipos de exames). Entre os casos de retratamento, 10 tinham culturas positivas registradas, confirmando tuberculose ativa, e, nos 19 restantes, os registros de resultados de culturas eram indisponíveis. Entre os 175 pacientes com resultados positivos no Xpert MTB/RIF e resultados negativos na baciloscopia negativa, não foi possível confirmar a presença de tuberculose ativa em 19 casos (10,9%).

Entre os 424 pacientes com baciloscopia positiva, 9 (2,1%) tiveram como resultado "não detectado" no Xpert MTB/RIF resultou, sugerindo a possibilidade de presença de micobactérias não tuberculosas.

Do total de 678 casos confirmados pelo Xpert MTB/RIF (casos novos e retratamento de tuberculose), 60 (8,8%) apresentaram resistência à rifampicina (Tabela 3). Os pacientes com resistência à rifampicina foram encaminhados para o ambulatório de referência terciária do HEOM para seu acompanhamento.
 



A análise da distribuição espacial da incidência da tuberculose na população do estudo por subdistritos da cidade de Salvador mostrou uma maior concentração de casos na região leste, nos subdistritos Santo Antônio e São Caetano (Figura 1).
 



DISCUSSÃO

No presente estudo, conduzido em condições de rotina laboratorial em um hospital de referência terciária para tuberculose na Bahia, o Xpert MTB/RIF foi capaz de detectar 254 casos de tuberculose negativos na baciloscopia de escarro, o que representou um acréscimo de diagnóstico biologicamente confirmado de 59,9%. Uma ampla variabilidade de proporção de ganho diagnóstico foi observada em diversos estudos publicados comparando os dois métodos.(22-25) Ngbonziza et al., em Ruanda, utilizando ambos os métodos no mesmo grupo de pacientes, encontraram um acréscimo diagnóstico de 32,3%,(22) enquanto em Moçambique, Cowan et al. relataram uma proporção de 69% de ganho diagnóstico.(23) Em uma população HIV positiva envolvendo 401 indivíduos, Auld et al.,(24) no Camboja, encontraram uma menor proporção de incremento diagnóstico com o uso de Xpert MTB/RIF (26%). Avaliando dados de rotina de programa em 18 países, Ardizzoni et al.(25) observaram um ganho diagnóstico relativo médio do Xpert MTB/RIF, quando comparado à baciloscopia, de 42,3%. Entretanto, os autores ressaltaram a ampla variação na proporção de acréscimo diagnóstico entre os diversos países, que variou de 9,7% a 110%.(25) Essas diferenças observadas foram atribuídas a distintos cenários epidemiológicos entre os países avaliados e à heterogeneidade entre os estudos, com diversas metodologias empregadas.


No Brasil, Durovni et al.,(15) em um ensaio clínico realizado em duas cidades brasileiras com elevada incidência de tuberculose (Rio de Janeiro e Manaus), no período de pré-implantação do Xpert MTB/RIF no sistema de saúde pública, observaram um valor de acréscimo de diagnóstico bacteriologicamente confirmado de 59%. Os autores compararam dados do momento basal (durante o qual o diagnóstico era realizado pelo método de baciloscopia convencional em duas amostras) com aqueles encontrados após a implantação substitutiva do Xpert MTB/RIF. Portanto, a metodologia utilizada diferiu da empregada no presente estudo, quando o mesmo grupo de pacientes realizou concomitantemente ambos os exames (baciloscopia e Xpert MTB/RIF). Apesar de o presente estudo ter sido realizado em condições de rotina de serviço e com diferente metodologia, os resultados encontrados corroboraram os achados do estudo de Durovni et al.(15)

Algumas razões podem explicar a ampla variabilidade na proporção de acréscimo diagnóstico do Xpert MTB/RIF quando comparado à baciloscopia em diversos estudos. Primeiro, há diferentes contextos epidemiológicos entre distintas regiões, com heterogêneas taxas de incidência de tuberculose. Outra explicação plausível é a variação de sensibilidade da baciloscopia entre laboratórios e em localizações geográficas diferentes, sendo que a qualidade dos resultados do exame é muito dependente do treinamento dos profissionais responsáveis pela realização do mesmo. Assim, em laboratórios onde a sensibilidade da baciloscopia é baixa, o ganho relativo do diagnóstico com o Xpert MTB/RIF pode potencialmente apresentar um percentual artificialmente elevado. O nosso estudo foi realizado em uma unidade de referência terciária para tuberculose, e os profissionais de laboratório são capacitados periodicamente pelo MS para a realização da baciloscopia.

Embora com escassos estudos publicados, os resultados semiquantitativos do Xpert MTB/RIF estimam a carga bacteriana através da medição do ciclo limite (threshold cycle) de reação de cadeia de polimerase em tempo real. A carga bacteriana pode ser um biomarcador elementar para avaliação de gravidade da doença, risco de transmissão e resposta terapêutica.(26) No nosso estudo, foi observada uma forte correlação entre os resultados de baciloscopia e Xpert MTB/RIF semiquantitativo (kappa ponderado = 0,82), semelhante ao observado em outro estudo multicêntrico.(27) Na ausência de disponibilidade de resultados de cultura (como em considerável proporção de casos no presente estudo) ou no período de espera da liberação da mesma, o resultado do Xpert MTB/RIF semiquantitativo (especialmente os casos com baixo nível detecção) pode ser útil na identificação de casos de tuberculose ativa em pacientes sem tratamento prévio para tuberculose com quadro clínico-radiológico compatível. No presente estudo, em 175 casos (92,6%) com detecção muito baixa do Xpert MTB/RIF, a baciloscopia resultou negativa. É provável que a quantificação de Xpert MTB/RIF possa representar uma ferramenta importante na identificação precoce do subconjunto de pacientes potencialmente infecciosos, antes mesmo que o resultado da cultura para micobactérias esteja liberado. Entretanto, em casos de retratamento, esses dados devem ser interpretados com cautela, sendo conveniente esperar o resultado da cultura para o início do tratamento, pois podem representar um resultado falso-positivo.

A resistência à rifampicina no presente estudo foi de 8,8%. No Brasil, em um ensaio clínico pragmático, Durovni et al.(15) encontraram 3,8% de resistência à rifampicina (3,3% entre casos novos e 7,5% em casos de retratamento). Esse achado de maior proporção de resistência à rifampicina encontrada no nosso estudo pode ser explicado por alguns fatores. Primeiro, as diferenças metodológicas entre os estudos, com distintos delineamentos. Segundo, no nosso estudo, por esse ter sido realizado em um hospital de referência terciária para tuberculose (embora realize exames também para a rede básica), é possível que tenha ocorrido a introdução de um viés de seleção. Por outro lado, os dados do monitoramento da Rede de Teste Rápido Molecular para Tuberculose do MS do Brasil durante o primeiro ano de implantação, referente ao período entre junho de 2014 e maio de 2015, mostraram proporções mais elevadas de resistência à rifampicina, similares às encontradas no nosso estudo, no Brasil e na Bahia (4,6% e 7,2% em casos novos e 13,9% e 17,7% em casos de retratamento, respectivamente).(28)

O Xpert MTB/RIF tem elevada especificidade na detecção de resistência à rifampicina (98%), já bem estabelecida em estudos prévios.(6,29) Trajman et al.(30) mostraram o elevado valor preditivo positivo para resistência à rifampicina (90,2%), mesmo em países de uma relativa baixa prevalência para tuberculose resistente. Adicionalmente, os autores demonstraram que 82% dos casos resistentes à rifampicina detectados pelo Xpert MTB/RIF foram confirmados como casos de tuberculose multirresistente em teste de sensibilidade fenotípico.(30) Portanto, no nosso estudo, embora a amostra possivelmente não tenha representado fidedignamente a real proporção de resistência no estado, a importância da detecção de 8,8% de resistência à rifampicina deve auxiliar na identificação precoce de casos de tuberculose multirresistente no nosso meio.

A densidade mais alta de casos detectados no georreferenciamento nos subdistritos de Santo Antônio e São Caetano, no município de Salvador, pode ser atribuída à proximidade dessas regiões da cidade com o HEOM. Adicionalmente, outro aspecto a considerar é o fato de que esses dois subdistritos estão localizados em distritos sanitários do Centro Histórico e de São Caetano/Valéria, respectivamente, que apresentam elevadas taxas de incidência de tuberculose.

Muitas limitações podem ser identificadas no nosso estudo. Entre elas, o desenho retrospectivo, de base laboratorial e realizado em um hospital de referência terciária para tuberculose. Adicionalmente, algumas fragilidades na coleta de dados no início da implementação do Xpert MTB/RIF no HEOM não permitiram a identificação adequada de casos novos e de retratamento, constituindo uma limitação para sua comparação com outros estudos. Em cenários de alta prevalência de tuberculose, uma das grandes limitações do Xpert MTB/RIF é a possibilidade de ocorrer um resultado falso-positivo em pacientes que já tiveram a doença ativa, uma vez que o material genético pode ser detectado em escarro de indivíduos já curados. Além disso, outra importante limitação do nosso estudo é a pequena proporção de culturas realizadas, impedindo assim dirimir dúvidas em relação à tuberculose ativa, especialmente em casos de retratamento. Entretanto, para minimizar esse possível viés, as notificações dos 175 casos com Xpert MTB/RIF positivo e baciloscopia negativa, revisados na base de dados do Sistema de Informação de Notificação de Agravos, mostraram que não foi possível a confirmação de tuberculose ativa em 10,9% dos casos, podendo corresponder, teriocamente, à possibilidade de resultados falso-positivos no Xpert MTB/RIF. Especialmente nos casos de retratamento, a cautela de interpretação do resultado positivo no Xpert MTB/RIF (podendo representar resultado falso-positivo) e a importância da realização da cultura para micobactérias devem ser enfatizadas nas capacitações em relação à tuberculose para profissionais de saúde. Por outro lado, devemos também chamar a atenção para casos de baciloscopia positiva e Xpert MTB/RIF não detectado na mesma amostra de escarro (2,1% no nosso estudo), que pode representar a presença de micobactérias não tuberculosas, necessitando prosseguir a investigação com cultura e identificação de espécie.

Em conclusão, a introdução do Xpert MTB/RIF em condições de rotina contribuiu de forma significativa para o aumento da detecção de casos de tuberculose em pacientes com baciloscopia negativa, reduzindo dessa forma a falta de tratamento da doença ativa em pacientes não diagnosticados pela baciloscopia.

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