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Fatores associados à sobrevida doença-específica em pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas

Factors associated with disease-specific survival of patients with non-small cell lung cancer

Mirian Carvalho de Souza1, Oswaldo Gonçalves Cruz2, Ana Glória Godoi Vasconcelos3

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562015000000069

ABSTRACT

Objective: Lung cancer is a global public health problem and is associated with high mortality. Lung cancer could be largely avoided by reducing the prevalence of smoking. The objective of this study was to analyze the effects of social, behavioral, and clinical factors on the survival time of patients with non-small cell lung cancer treated at Cancer Hospital I of the José Alencar Gomes da Silva National Cancer Institute, located in the city of Rio de Janeiro, Brazil, between 2000 and 2003. Methods: This was a retrospective hospital cohort study involving 1,194 patients. The 60-month disease-specific survival probabilities were calculated with the Kaplan-Meier method for three stage groups. The importance of the studied factors was assessed with a hierarchical theoretical model after adjustment by Cox multiple regression. Results: The estimated 60-month specific-disease lethality rate was 86.0%. The 60-month disease-specific survival probability ranged from 25.0% (stages I/II) to 2.5% (stage IV). The performance status, the intention to treat, and the initial treatment modality were the major prognostic factors identified in the study population. Conclusions: In this cohort of patients, the disease-specific survival probabilities were extremely low. We identified no factors that could be modified after the diagnosis in order to improve survival. Primary prevention, such as reducing the prevalence of smoking, is still the best method to reduce the number of people who will suffer the consequences of lung cancer.

Keywords: Lung neoplasms/epidemiology; Carcinoma, non-small-cell lung; Survival analysis.

RESUMO

Objetivo: O câncer de pulmão é um problema de saúde pública global e é associado a elevada mortalidade. Ele poderia ser evitado em grande parte com a redução da prevalência do tabagismo. O objetivo deste estudo foi analisar os efeitos de fatores sociais, comportamentais e clínicos sobre o tempo de sobrevida de pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas atendidos, entre 2000 e 2003, no Hospital do Câncer I do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Métodos: Estudo retrospectivo de coorte hospitalar com 1.194 pacientes. As probabilidades de sobrevida doença-específica em 60 meses foram calculadas com o método de Kaplan-Meier para três grupos de estadiamento. A importância dos fatores estudados foi avaliada por um modelo teórico hierarquizado após o ajuste de modelos de regressão múltipla de Cox. Resultados: Foi estimada uma taxa de letalidade doença-específica em 60 meses de 86,0%. A probabilidade de sobrevida doença-específica em 60 meses variou de 25,0%, nos estádios iniciais, a 2,5%, no estádio IV. A situação funcional, a intenção e a modalidade do tratamento inicial foram os principais fatores prognósticos identificados na população estudada. Conclusões: As probabilidades de sobrevida doença-específica estimadas na amostra estudada foram muito baixas, e não foram identificados fatores que pudessem ser modificados após o diagnóstico visando uma melhora da sobrevida. A prevenção primária, como a redução da prevalência do tabagismo, ainda é a melhor forma de evitar que mais pessoas sofram as consequências do câncer de pulmão.

Palavras-chave: Neoplasias pulmonares/epidemiologia; Carcinoma pulmonar de células não pequenas; Análise de sobrevida.

INTRODUÇÃO

O câncer de pulmão é o mais incidente no mundo; estima-se que, em 2012, ocorreram 1,8 milhões de casos no-vos.(1) No Brasil, em 2015, foram estimados 27.000 casos novos.(2)

Embora o câncer de pulmão tenha diversos tipos histológicos, a classificação mais utilizada é a que divide os tumo-res em carcinomas de pequenas células (15%) e carcinomas de células não pequenas (85%).(3)

A probabilidade de sobrevida em 60 meses de pacientes com carcinoma de células não pequenas de pulmão é menor que 15% na Europa.(4) Um estudo realizado nos EUA obteve estimativas que variaram entre 66%, no estádio Ia, e 4%, no estádio IV.(5) Outro estudo com pacientes de um hospital universitário na cidade do Rio de Janeiro en-controu uma probabilidade de sobrevida em 60 meses de 6%, sendo 14% para os estádios iniciais e 5% para os avançados.(6)

Dentre os fatores prognósticos estudados para pacientes com câncer de pulmão,(7) destacamos: estadiamento, si-tuação funcional,(8) perda de peso, sexo, idade, tabagismo, carga tabágica, qualidade de vida, situação conjugal, depressão e mutações genéticas.(6,9-11)

Estudos epidemiológicos indicam que os efeitos dos fatores socioeconômicos sobre os desfechos na saúde são indi-retos, se dando por meio de fatores comportamentais e clínicos. Nesse contexto, é importante estabelecer a hierar-quia entre esses fatores na determinação da ocorrência do câncer de pulmão, assim como na probabilidade de so-brevida de pacientes com esse tipo de neoplasia.(12,13)

O objetivo do presente artigo foi analisar a importância dos fatores sociais, comportamentais e clínicos sobre o tempo de sobrevida de pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas atendidos no Hospital do Câncer I do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (HCI/INCA), localizado na cidade do Rio de Janeiro, entre 2000 e 2003.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo observacional retrospectivo de coorte hospitalar, no qual o objeto de interesse foi o tempo entre o diagnóstico e o óbito por câncer de pulmão ou por suas metástases.

A população alvo foi composta pelos pacientes diagnosticados com câncer primário de brônquios e pulmões, do tipo carcinoma de células não pequenas, entre 2000 e 2003, que foram cadastrados no Registro Hospitalar de Câncer (RHC) do HCI/INCA, que é um hospital terciário de referência para o tratamento do câncer no estado do Rio de Janei-ro.

Foram classificados como elegíveis os casos procedentes do estado do Rio de Janeiro, onde está localizado o HCI/INCA, com diagnóstico confirmado por meio de exames de anatomia patológica do tumor ou de citologia e sem tratamento prévio. A lista de pacientes que atenderam aos critérios de elegibilidade foi extraída do RHC do HCI/INCA, cuja fonte primária de informações era os prontuários. No HCI/INCA, os prontuários não eram eletrônicos. Consultas à base de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do estado do Rio de Janeiro foram realiza-das para a atualização do estado vital dos pacientes, e, para aqueles sem essa informação, foi realizada uma busca ativa seguindo a rotina do RHC.(14) Além disso, foram coletados dos prontuários informações quanto à carga tabágica e situação funcional, que é quantificada por meio de escalas utilizadas para avaliar como a doença progride e afeta as habilidades da vida diária, a fim de se determinar o tratamento apropriado e o prognóstico. (8) Foram considerados fumantes aqueles que fumaram em algum momento da vida.

Dos 1.502 casos de câncer de pulmão de células não pequenas cadastrados entre 2000 e 2003 no RHC, 1.394 resi-diam no estado do Rio de Janeiro. Desses, 200 foram excluídos porque não foi possível identificar o estadiamento após a revisão dos prontuários.

Para diminuir a influência do viés de antecipação,(15) todas as análises foram estratificadas pelos grupos de estádio clínico segundo a classificação tumor-nódulo-metástase(16): estádio inicial (estádios I e II), estádio III e estádio IV. O agrupamento pelo estádio inicial foi adotado para dar maior estabilidade aos resultados dos modelos.

Os fatores identificados na revisão da literatura foram organizados em um modelo teórico hierarquizado (Figura 1).(1-6) No nível distal foram incluídos os fatores sociodemográficos e o histórico familiar de câncer; no nível interme-diário foram alocados os fatores comportamentais, os fatores de acesso e a resolutividade da rede de assistência, os quais, em geral, são influenciados por características sociodemográficas; e no nível proximal foram incluídas as características clínicas do paciente, da doença e do tratamento, que podem sofrer influências dos fatores dos níveis anteriores. Dos 28 fatores identificados, 10 não foram analisados porque não estavam disponíveis ou estavam pre-sentes em muito poucos prontuários. A categorização dos fatores estudados priorizou além da coerência com o obje-to de estudo, a estabilidade dos dados em função da casuística, principalmente em relação ao estádio inicial.
 



A idade no momento do diagnóstico foi incluída em todos os modelos de regressão múltipla por estar diretamente relacionada ao óbito (do ponto de vista biológico), por caracterizar a coorte de nascimento e por influenciar outros fatores (tabagismo, ocupação, etc.).

Para estimar a probabilidade doença-específica de sobrevida por câncer de pulmão em 60 meses, foi aplicado o método de Kaplan-Meier com os seguintes critérios: i) evento inicial: diagnóstico de câncer de pulmão; ii) evento final: óbito por câncer de pulmão ou por suas metástases; iii) tempo de sobrevida: tempo entre os eventos inicial e final ou até a perda de seguimento; e iv) censuras: casos perdidos durante os 60 meses, casos para os quais o óbito por câncer de pulmão ou por suas metástases não foi confirmado e sobrevida do paciente após os 60 meses de seguimento.

Para a determinação da existência de diferenças entre as curvas de probabilidades estimadas, foi utilizado o teste de log-rank. As variáveis com valor de p < 0,20 nesse teste foram incluídas nos modelos de Cox.(17) Os efeitos ajus-tados dos fatores sobre o tempo de sobrevida foram calculados, para cada estadiamento, utilizando o modelo de Cox, seguindo o modelo teórico hierarquizado proposto na Figura 1.

Na elaboração dos modelos, as variáveis foram inseridas em blocos. Primeiro, foram inseridos os fatores distais; aqueles com valor de p < 0,10 foram mantidos no modelo 1. Em seguida, os fatores intermediários foram acrescen-tados a esse modelo, e o mesmo critério de seleção foi aplicado (modelo 2). O mesmo procedimento foi repetido para os fatores proximais, obtendo-se o modelo final. No processo de modelagem, os fatores dos níveis anteriores que perderam sua significância com a inclusão de fatores dos níveis mais proximais foram mantidos. Para avaliar a qualidade de ajuste dos modelos, foram utilizadas a medida de razão de verossimilhança, a probabilidade de con-cordância e a medida global de qualidade do ajuste.(17)

O projeto de pesquisa que gerou o presente artigo está registrado nos comitês de ética em pesquisa do INCA e da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca sob os protocolos CAAE-012.0.007.031-11 e CAAE-0163.0.031.007-11.

RESULTADOS

Quando comparados os casos incluídos e excluídos segundo os critérios de elegibilidade, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas (teste do qui-quadrado) quanto à distribuição por sexo, escolaridade, taba-gismo, histologia e tratamento realizado.

A média de idade dos 1.194 pacientes incluídos no estudo foi de 62 anos, e essa diminuiu à medida que o estádio do tumor avançou (estádio inicial, 65 anos; estádio III, 62 anos; e estádio IV, 60 anos). A maioria dos casos era do sexo masculino e fumante; no estádio III, a razão fumante/não fumante atingiu seu valor máximo (20,9:1,0). A mé-dia de carga tabágica foi de 60 maços-ano e menos de um terço dos pacientes tinham o diagnóstico confirmado ao ser admitido no HCI/INCA (Tabela 1).
 



Mais da metade dos casos nos estádios I/II e III apresentava, no momento do diagnóstico, restrições para realizar atividades físicas vigorosas. A radioterapia foi o primeiro tratamento mais frequentemente adotado, e, no estádio inicial, apenas um quarto dos casos teve como primeiro tratamento a cirurgia. O adenocarcinoma predominou nos estádios I/II e IV, seguido por carcinomas escamosos, que se destacaram no estádio III (Tabela 2).
 



Ao final de 60 meses de seguimento, 1.027 casos (86,0%) morreram por câncer de pulmão, 66 (5,5%) morreram por outras causas, 70 (5,9%) permaneceram vivos, e 31 (2,6%) foram perdidos. As probabilidades de sobrevida doença-específica estimadas em 12 e 60 meses foram de 32,7% (IC95%: 30,0-35,5%) e 7,9% (IC95%: 6,3-9,7%), respectivamente. Foi estimada uma mediana de tempo de sobrevida de 17,7 meses para o estádio inicial; de 8,0 meses para o estádio III; e de 5,5 meses para o estádio IV.

Os pacientes não fumantes no estádio IV da doença apresentaram um melhor prognóstico do que aqueles que fu-maram. A admissão ao HCI/INCA com o diagnóstico confirmado dobrou a probabilidade de sobrevida dos pacientes no estádio III (Tabela 1). A sobrevida diminuía à medida que aumentavam as limitações detectadas na escala de situação funcional independentemente do estadiamento. Pacientes com localização do tumor especificada tiveram melhor prognóstico nos estádios I/II e III (Tabela 2).

No processo de modelagem, os casos com valores ausentes nas variáveis incluídas nos modelos finais foram ex-cluídos para permitir a comparabilidade entre os modelos dos diferentes níveis. Foram excluídos 20 casos no estádio inicial, 108 no estádio III e 75 no estádio IV. Os casos excluídos e os analisados foram comparados, e não foram observadas diferenças estatisticamente significativas em relação às variáveis sexo, idade, escolaridade, raça, situa-ção conjugal, tabagismo, tipo histológico, tratamento, estado vital e tempo de seguimento.

No estádio inicial, a idade, o sexo, a situação funcional, a localização detalhada do tumor, o tipo histológico, assim como a intenção e a modalidade do tratamento inicial, se revelaram importantes fatores prognósticos na análise bruta dos modelos de Cox e foram utilizados na modelagem hierarquizada.

Nenhum fator intermediário foi incluído no modelo de regressão múltipla do estádio inicial (p > 0,20 no teste de log-rank). Ao se acrescentar os fatores proximais no modelo 1, as estimativas de risco diminuíram. O risco de mor-rer, ajustado para as demais variáveis do modelo final, foi 2,34 vezes maior para os pacientes incapazes de realizar atividades de trabalho em relação àqueles ativos, o dobro para aqueles sem a localização do tumor especificada em relação àqueles com localização especificada e treze vezes maior para os não tratados em relação àqueles opera-dos. O risco de óbito associado ao uso de radioterapia ou quimioterapia foi elevado, quando comparado ao da cirur-gia (Tabela 3).
 



No estádio III, os fatores prognósticos utilizados na modelagem hierarquizada foram idade, diagnóstico anterior, distância entre a residência e o HCI/INCA, situação funcional, lateralidade e localização do tumor, assim como inten-ção e modalidade inicial de tratamento.

No modelo ajustado para o estádio III, ao se acrescentarem fatores intermediários no modelo 1, não foram obser-vadas diferenças nas estimativas; porém, quando os fatores proximais foram incluídos, a estimativa de risco da idade diminuiu. O efeito do diagnóstico anterior aumentou quando os fatores proximais foram incluídos. No modelo final foi detectado um excesso de risco de óbito de 70,0%, ajustado para os demais fatores, entre os pacientes sem diagnóstico anterior (Tabela 4).
 



A situação funcional manteve uma forte associação com desfecho no modelo final e apresentou gradiente crescente de risco de morte em relação à piora das condições físicas dos pacientes. Pacientes submetidos a tratamentos palia-tivos apresentaram um risco de morrer, ajustado para os demais fatores do modelo final, 2,48 vezes maior do que aqueles submetidos a tratamentos curativos. Entre os não tratados essa estimativa foi ainda maior (Tabela 4).

No estádio IV, as características estudadas sexo, tabagismo, carga tabágica, diagnóstico anterior, distância entre a residência e o HCI/INCA, situação funcional, lateralidade do tumor, tipo histológico e intenção e modalidade inicial de tratamento foram avaliadas na modelagem hierarquizada. A estimativa de risco associada à idade diminuiu e ganhou significância estatística quando os fatores proximais foram incluídos no modelo final. O efeito associado ao tabagismo diminuiu e perdeu significância estatística quando os fatores proximais foram inseridos. Esse comporta-mento provavelmente se dá porque o tabagismo tem seu efeito mediado por fatores proximais. Ajustado pelos de-mais fatores, foi observado um risco de óbito, ao final de 60 meses, 50,0% maior entre aqueles que não tinham diagnóstico anterior. Aqueles que residiam a um raio de 20-30 km de distância do HCI/INCA tiveram um risco de óbito ajustado 28,0% menor do que aqueles que residiam mais próximos ao HCI/INCA (Tabela 5).

A situação funcional manteve uma forte associação com o desfecho após o ajuste e apresentou um gradiente cres-cente de risco à medida que as condições físicas dos pacientes se deterioravam. Os riscos associados aos tratamen-tos não cirúrgicos são muito elevados nesse estádio, comparados aos cirúrgicos. Além disso, é atribuído um risco de morte, ao final de 60 meses, oito vezes maior aos pacientes não tratados quando comparados aos operados (Tabela 5).
 



A inclusão dos fatores proximais aos modelos mais distais aumentou significativamente a razão de verossimilhan-ça dos modelos finais independentemente do estadiamento. Além disso, a probabilidade de concordância desses modelos nos estádios I/II e III pode ser classificada como muito boa e, no estádio IV, como coerente. Quanto ao ajuste dos modelos de cada nível, todos foram significativamente diferentes do modelo nulo (p < 0,001) nos três estádios analisados (Tabelas 2, 3 e 4).

DISCUSSÃO

Dentre os fatores avaliados, a situação funcional, a intenção e a modalidade inicial do tratamento se destacaram por influenciar o tempo de sobrevida dos pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas atendidos no HCI/INCA entre 2000 e 2003 em todos os grupos de estadiamento. As magnitudes e direções dos efeitos estimados no presente estudo, relacionados a esses fatores, são consistentes com as reportadas em outros estudos e serão abordadas a seguir.(6,18,19)

Frequentemente estudos de sobrevida em pacientes com câncer de pulmão são aplicados a pacientes de ensaios clínicos. Na revisão da literatura foram encontrados dois estudos de sobrevida de pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas, ambos realizados na cidade do Rio de Janeiro; um em um hospital público, onde foram estimadas probabilidades de sobrevida em 60 meses,(6) e outro em uma clínica privada,(19) onde foram estimadas as probabilidades de sobrevida em 24 meses.

O predomínio de casos detectados nos estádios mais avançados da doença (40,3% no estádio IV), no sexo mascu-lino (71,5%) e em fumantes (92,0%) observado no presente estudo é consistente com a caracterização da população em outros estudos.(1,6,18-20)

Resultados consistentes e que convergem em direção a achados de estudos anteriores foram observados quanto à distribuição da população estudada segundo a carga tabágica (média de 60 maços-ano),(6) situação funcional (cerca de 90,0% apresentavam restrição) (6,18,19) e tipo histológico (mais de 40,0% com adenocarcinoma).(5,18,20)

A mediana de tempo de sobrevida estimada foi ligeiramente superior à registrada no estudo realizado em um hos-pital público no Rio de Janeiro para todos os estádios.(6) Possivelmente, o HCI/INCA, por ser uma unidade de refe-rência em oncologia, tem uma estrutura assistencial que favorece o melhor prognóstico dos casos, em comparação ao outro hospital público, que não é especializado em oncologia. Em contrapartida, a baixa proporção de casos operados, especialmente no estádio inicial, indica uma dificuldade de acesso a esse tratamento.

As probabilidades de sobrevida em 60 meses inferiores a 25,0% na maioria das categorias de análise do estádio inicial ilustram como essa enfermidade é devastadora, independentemente de quaisquer fatores avaliados, mesmo quando ela é diagnosticada nos estádios I ou II. Esse achado reforça a importância da prevenção primária com dois eixos principais: estímulo à cessação do tabagismo e conscientização dos jovens para que esses não iniciem esse comportamento.

Na avaliação dos fatores prognósticos por meio dos modelos de Cox, resultados consistentes com os de outros es-tudos foram observados para a situação funcional,(18) ou seja, pacientes com maiores limitações têm menores proba-bilidades de sobrevida.

Em relação à intenção inicial de tratamento e ao primeiro tratamento aplicado, os resultados ajustados dos mode-los finais do presente estudo estão de acordo com o que é esperado em oncologia,(21,22) ou seja, as probabilidades de sobrevida são mais elevadas entre aqueles tratados inicialmente com intenção curativa e entre os tratados com cirurgia, que é o tratamento que confere melhores chances de cura para esse tipo de neoplasia.

No estádio IV foi observada uma mediação de efeito do tabagismo através dos fatores proximais. Considerando-se que a inclusão das variáveis é feita em blocos, não é possível identificar qual dos fatores é responsável por esse efeito.(13)

Os resultados associados à distância entre a residência do paciente e o HCI/INCA podem ser explicados em função da organização do sistema de saúde no estado do Rio de Janeiro, no que tange ao tratamento do câncer de pulmão no período estudado. Para ser admitido ao HCI/INCA, o paciente deveria apresentar um encaminhamento médico, acompanhado de exames que indicavam a presença de um tumor maligno. Pacientes que residiam fora da cidade do Rio de Janeiro e que foram encaminhados para o HCI/INCA usualmente beneficiavam-se de um sistema de transpor-te gratuito e organizado oferecido pelas prefeituras de suas cidades. De forma geral, esse sistema facilitava a manu-tenção do tratamento e do acompanhamento desses pacientes. Talvez outras formas de avaliação quanto ao acesso ao hospital, em função do local de moradia, que considerassem os trajetos percorridos e os transportes utilizados segundo o relato dos pacientes, possam apresentar resultados mais consistentes em relação à análise de sobrevida.

No presente estudo, a falta de completude dos prontuários limitou o uso de alguns fatores do modelo proposto na Figura 1 e a inclusão de casos nas análises. Pela ausência de registros do estadiamento clínico perdemos 14,3% dos casos elegíveis, o que afetou a estabilidade das estimativas para algumas categorias de análise. Uma avaliação dos casos incluídos e excluídos em função da ausência de informações revelou uma diferença estatisticamente significa-tiva no que tange ao tratamento - cerca de 50,0% dos pacientes excluídos da análise não foram tratados, enquanto, entre os casos analisados, essa proporção foi de 14,9%. Essa perda poderia influenciar os resultados obtidos, mas não é possível avaliar a magnitude desse efeito dado que não conhecemos o estadiamento dos pacientes não anali-sados. A melhora progressiva da qualidade do registro de informações nos prontuários dos pacientes deve ser esti-mulada, pois esses documentos frequentemente são utilizados como fonte para a construção de bases de dados. Apesar das limitações inerentes aos estudos retrospectivos que utilizam registros médicos, esse tipo de estudo é de grande valor para ampliar o conhecimento sobre o acometimento de doenças nas populações que são atendidas nas unidades de saúde.

Em síntese, pode-se destacar que as probabilidades estimadas de sobrevida doença-específica em 60 meses foram muito pequenas, mesmo nos estádios iniciais. Além disso, não foram identificados fatores que podem ser modifica-dos após o diagnóstico, visando um aumento da sobrevida. O câncer de pulmão é uma enfermidade silenciosa, cujos sintomas são associados a outras doenças menos letais, o que pode levar a um atraso do diagnóstico em relação à história natural da doença. A melhor forma de evitar que mais pessoas sofram as consequências dessa doença é a prevenção primária, reduzindo o tabagismo.

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