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Editorial

Eosinófilos na DPOC: por que devo me importar?

Eosinophils in COPD: why should I care?

Frederico Leon Arrabal Fernandes

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562016000400001

O que define uma doença? Intuitivamente é muito simples diferenciar doença de saúde, mas é surpreendentemen-te difícil definir o que é "doença". Um médico é treinado exaustivamente a reconhecer sinais e sintomas em um paciente e atribuí-los a uma única doença. Esse modelo unicista, na prática, transforma os achados semiológicos em rótulos.(1)

O problema é que, ao se atribuir um rótulo a um doente, ele ganha um tratamento padrão que, muitas vezes, igno-ra as particularidades de seu caso. Os consensos internacionais do Global Initiative for Asthma e Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) para asma e DPOC, respectivamente, tiveram grande valor em sistemati-zar o atendimento e padronizar o tratamento dessas condições, mas, na verdade, são simplificações de uma infinida-de de apresentações clínicas que combinam características de ambas as doenças das vias aéreas. Para tentar corri-gir essa imprecisão foi lançado o conceito de asthma and COPD overlap syndrome (ACOS, síndrome de superposição asma e DPOC).

Diversos critérios já foram advogados para definir um paciente como portador de ACOS, que chegam a 30% dos casos entre os portadores de DPOC. No entanto, essa nova entidade é apenas mais uma simplificação de um com-plexo conjunto de características clínicas e sua relevância tem sido questionada.(2)

Há muito tempo se debate se asma e DPOC são doenças distintas ou dois lados da mesma moeda. A presença de indivíduos cujo diagnóstico entre uma e outra doença não se consegue definir e de indivíduos que apresentam carac-terísticas de ambas as doenças reforça o conceito de que asma e DPOC são espectros da mesma doença. Mesmo marcadores biológicos, como a avaliação do escarro, não conseguem separar adequadamente essas duas condições.

Um estudo recente comparou as características do escarro na DPOC e na asma. Foi possível dividir os resultados em três grupos: um claramente com predomínio de inflamação eosinofílica do tipo Th2 e outro com perfil mais neu-trofílico. O terceiro grupo, que compreendia um terço dos pacientes avaliados, não mostrava uma distinção clara entre os dois diagnósticos.(3)

Outro estudo avaliou a presença de eosinofilia no escarro em pacientes com DPOC que foram então tratados com corticoide sistêmico por duas semanas.(4) A eosinofilia foi um marcador de resposta clínica ao corticoide. Já foi de-monstrado que a avaliação sistemática de eosinofilia no escarro pode ajudar a prevenir exacerbações.(5)

Já foi estabelecido que há uma forte correlação entre eosinofilia no escarro e eosinofilia periférica na DPOC.(6) A eosinofilia periférica é um biomarcador de resposta ao uso de corticoide inalatório (CI). Análises de subgrupo de três grandes estudos demonstraram que o benefício do CI em prevenir exacerbações foi encontrado unicamente no sub-grupo de pacientes com eosinófilos acima de 2%.(7) A resposta ao CI no ritmo de queda de função pulmonar também parece ser marcada pela eosinofilia. Os pacientes com mais de 2% de eosinófilos, quando tratados com CI, mostra-ram expressiva redução na taxa anual de queda do VEF1 (de 74,5 ml para 40,6 ml). Na ausência desse marcador não houve mudança na queda de função pulmonar.(7)

No estudo publicado no presente número do JBP, Queiroz et al.(8) investigaram o perfil inflamatório no escarro de 37 pacientes com DPOC, dividindo-os entre aqueles com e sem resposta ao broncodilatador. Os achados principais foram os seguintes: pacientes com resposta ao broncodilatador tinham maior eosinofilia no escarro independente-mente do diagnóstico de asma ou de marcadores clínicos e laboratoriais de atopia (incluindo as citocinas dosadas); e a quantidade de eosinófilos no escarro se correlacionava inversamente com o VEF1, especialmente em pacientes classificados como GOLD III. Paradoxalmente, não foram encontrados eosinófilos no escarro de pacientes classifica-dos como GOLD IV.

Apesar das limitações do desenho transversal e do pequeno número de pacientes recrutados, os resultados do es-tudo de Queiroz et al.(8) levam a considerações importantes. A primeira delas é que a avaliação da eosinofilia na DPOC independe do diagnóstico de asma. A presença de eosinófilos no escarro é um forte marcador de gravidade e de resposta ao broncodilatador e não apenas mais um achado em pacientes com história ou características de atopia. Isso reforça a necessidade da caracterização laboratorial do tipo de processo inflamatório.

Outro achado interessante é que, corroborando estudos anteriores, a presença de eosinófilos na via aérea está as-sociada a gravidade e progressão da doença, mas, em algum momento da história natural da DPOC, o processo inflamatório se arrefece, sendo que seus marcadores são menos evidentes conforme ocorre a redução do VEF1. Esse dado ajuda a demonstrar a complexidade da DPOC, que se comporta de forma diferente, e aparentemente contradi-tória, nas diversas fases da doença. Por esse motivo, ensaios clínicos mostram o benefício do tratamento na doença mais precoce (estágios II ou III), quando o processo inflamatório é intenso.(9)

Ao invés de rotular doenças, ignorando que as variações são mais frequentes que a regra, devemos entender que existem marcadores objetivos que ajudam a compor o quadro clínico e laboratorial, permitindo a escolha adequada de uma linha de tratamento. A eosinofilia tem se firmado como um dos marcadores de maior importância.

Tratar doenças obstrutivas de vias aéreas baseado em rótulos desconsidera a complexidade biológica dessas con-dições e ignora a multiplicidade de apresentações clínicas. Leva a prescrição insuficiente ou excessiva de medica-mentos e limita o progresso da pesquisa, visto que pacientes que não se encaixam em uma ou outra definição são excluídos dos ensaios clínicos. Ao nos importarmos com os eosinófilos na DPOC, estamos garantindo um tratamento com maior chance de resposta e menos efeitos adversos e, assim, oferecendo a medicina personalizada, de melhor qualidade.(10)

REFERÊNCIAS

1. Scully JL. What is a disease? EMBO reports. 2004;5(7):650-3. http://dx.doi.org/10.1038/sj.embor.7400195
2. Bujarski S, Parulekar AD, Sharafkhaneh A, Hanania NA. The asthma COPD overlap syndrome (ACOS). Curr Allergy Asthma Rep. 2015;15(3):509. http://dx.doi.org/10.1007/s11882-014-0509-6
3. Ghebre MA, Bafadhel M, Desai D, Cohen SE, Newbold P, Rapley L, et al. Biological clustering supports both "Dutch" and "British" hypotheses of asthma and chronic obstructive pulmonary disease. J Allergy Clin Immunol. 2015;135(1):63-72. http://dx.doi.org/10.1016/j.jaci.2014.06.035
4. Brightling CE, Monteiro W, Ward R, Parker D, Morgan MD, Wardlaw AJ, et al. Sputum eosinophilia and short-term response to prednisolone in chronic obstructive pulmonary disease: a randomised controlled trial. Lancet. 2000;356(9240):1480-5. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(00)02872-5
5. Siva R, Green RH, Brightling CE, Shelley M, Hargadon B, McKenna S, et al. Eosinophilic airway inflammation and exacerbations of COPD: a randomised controlled trial. Eur Resp J. 2007;29(5):906-13. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00146306
6. Rufino R, Costa CH, Souza HS, Madi K, Silva JR. Induced sputum and peripheral blood cell profile in chronic obstructive pulmonary disease. J Bras Pneumol. 2007;33(5):510-8.
7. Pascoe S, Locantore N, Dransfield MT, Barnes NC, Pavord ID. Blood eosinophil counts, exacerbations, and response to the addition of inhaled fluticasone furoate to vilanterol in patients with chronic obstructive pulmonary disease: a secondary analysis of data from two parallel randomised controlled trials. Lancet Respir Med. 2015;3(6):435-42. http://dx.doi.org/10.1016/S2213-2600(15)00106-X
8. Queiroz CF, Lemos AC, Bastos ML, Neves MC, Camelier AA, Carvalho NB, et al. Inflammatory and immunological profiles in patients with COPD: relationship with FEV1 reversibility. J Bras Pneumol. 2016;42(4):241-7.
9. Eagan TM, Ueland T, Wagner PD, Hardie JA, Mollnes TE, Damas JK, et al. Systemic inflammatory markers in COPD: results from the Bergen COPD Cohort Study. Eur Resp J. 2010;35(3):540-8. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00088209
10. Agusti A, Anto JM, Auffray C, Barbe F, Barreiro E, Dorca J, et al. Personalized respira-tory medicine: exploring the horizon, addressing the issues. Summary of a BRN-AJRCCM workshop held in Barcelona on June 12, 2014. Am J Respir Crit Care Med. 2015;191(4):391-401. http://dx.doi.org/10.1164/rccm.201410-1935PP

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