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Artigo Original

Utilidade da avaliação de bactérias revestidas por anticorpos em aspirados traqueais para o diagnóstico de pneumonia associada à ventilação mecânica: um estudo caso-controle

The value of antibody-coated bacteria in tracheal aspirates for the diagnosis of ventilator-associated pneumonia: a case-control study

Otavio Tavares Ranzani1, Daniel Neves Forte2, Antonio Carlos Forte3, Igor Mimica3, Wilma Carvalho Neves Forte3

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562015000000244

ABSTRACT

Objective: Ventilator-associated pneumonia (VAP) is the leading type of hospital-acquired infection in ICU patients. The diagnosis of VAP is challenging, mostly due to limitations of the diagnostic methods available. The aim of this study was to determine whether antibody-coated bacteria (ACB) evaluation can improve the specificity of endotracheal aspirate (EA) culture in VAP diagnosis. Methods: We conducted a diagnostic case-control study, enrolling 45 patients undergoing mechanical ventilation. Samples of EA were obtained from patients with and without VAP (cases and controls, respectively), and we assessed the number of bacteria coated with FITC-conjugated monoclonal antibodies (IgA, IgM, or IgG) or an FITC-conjugated polyvalent antibody. Using immunofluorescence microscopy, we determined the proportion of ACB among a fixed number of 80 bacteria. Results: The median proportions of ACB were significantly higher among the cases (n = 22) than among the controls (n = 23)-IgA (60.6% vs. 22.5%), IgM (42.5% vs. 12.5%), IgG (50.6% vs. 17.5%), and polyvalent (75.6% vs. 33.8%)-p < 0.001 for all. The accuracy of the best cut-off points for VAP diagnosis regarding monoclonal and polyvalent ACBs was greater than 95.0% and 93.3%, respectively. Conclusions: The numbers of ACB in EA samples were higher among cases than among controls. Our findings indicate that evaluating ACB in EA is a promising tool to improve the specificity of VAP diagnosis. The technique could be cost-effective and therefore useful in low-resource settings, with the advantages of minimizing false-positive results and avoiding overtreatment.

Keywords: Pneumonia, ventilator-associated/diagnosis; Immunohistochemistry; Fluorescent antibody technique; Antibodies, bacterial/analysis; Trachea/microbiology; Intensive care units.

RESUMO

Objetivo: A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM) é o principal tipo de infecção adquirida no ambiente hospitalar em pacientes em UTIs. O diagnóstico de PAVM é desafiador, principalmente devido a limitações dos métodos diagnósticos disponíveis. O objetivo deste estudo foi determinar se a avaliação de bactérias revestidas por anticorpos (BRA) pode melhorar a especificidade de culturas de aspirado traqueal (AT) no diagnóstico de PAVM. Métodos: Estudo diagnóstico caso-controle envolvendo 45 pacientes sob ventilação mecânica. Amostras de AT foram obtidas de pacientes com e sem PAVM (casos e controles, respectivamente), e verificamos o número de bactérias revestidas com anticorpos monoclonais conjugados com FITC (IgA, IgM ou IgG) ou anticorpo polivalente conjugado com FITC. Utilizando microscopia de imunofluorescência, foi determinada a proporção de BRA em um número fixo de 80 bactérias. Resultados: A mediana das proporções de BRA foi significativamente maior nos casos (n = 22) que nos controles (n = 23) - IgA (60,6% vs. 22,5%), IgM (42,5% vs. 12,5%), IgG (50,6% vs. 17,5%) e polivalente (75,6% vs. 33,8%) - p < 0,001 para todos. A acurácia dos melhores pontos de corte para o diagnostico de PAVM em relação aos BRA monoclonais e polivalentes foi > 95,0% e > 93,3%, respectivamente. Conclusões: O número de BRA em amostras de AT foi maior nos casos que nos controles. Nossos achados indicam que a avaliação de BRA no AT é uma ferramenta promissora para aumentar a especificidade do diagnóstico de PAVM. A técnica pode ser custo-efetiva e, portanto, útil em locais com poucos recursos, com as vantagens de minimizar resultados falso-positivos e evitar o tratamento excessivo.

Palavras-chave: Pneumonia associada à ventilação mecânica/diagnóstico; Imuno-histoquímica; Imunofluorescência; Anticorpos antibacterianos; Traqueia/microbiologia; Unidades de terapia intensiva.

INTRODUÇÃO

A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM) afeta aproximadamente 25% dos pacientes submetidos a ventilação mecânica, com incidência de 2-16 episódios/1.000 hospitalizações.(1,2) Embora a PAVM esteja relacionada com elevada mortalidade, a mortalidade atribuível à PAVM pode ser baixa conforme a mescla de casos e os ajustes para fatores de confusão.(3-6) Além disso, a PAVM contribui para a falência de múltiplos órgãos em pacientes debili-tados, a hospitalização prolongada e o aumento dos custos de saúde.(7,8)

O diagnóstico da PAVM é um desafio, e diretrizes sugerem que sejam empregados métodos clínicos, microbiológi-cos ou ambos.(4,9-11) Demonstrou-se que o uso exclusivo de critérios clínicos apresenta baixa especificidade, pois várias outras patologias observadas na UTI podem imitar a PAVM.(11-13) No entanto, a elevada sensibilidade desses critérios é útil para levantar a suspeita de pneumonia.(9,12) Por outro lado, os clínicos não podem confiar apenas nos resultados microbiológicos, pois pode ser difícil lidar com resultados falso-positivos (para diferenciar colonização traqueal de infecção, por exemplo)(9) e falso-negativos (resultados negativos de cultura em virtude de uso prévio de antibióticos, por exemplo) durante a interpretação do resultado da cultura de um espécime do trato respiratório.(4,6,9) A combinação dos dois métodos (o clínico e o microbiológico) parece aumentar a exatidão do diagnóstico.(4,9,14)

Na prática médica, técnicas invasivas e não invasivas são usadas para obter amostras provenientes do trato respi-ratório inferior para avaliação microbiológica. Recentemente, um ensaio clínico(15) e uma meta-análise mostraram que não existem diferenças entre técnicas invasivas e não invasivas no tocante aos principais desfechos.(16) Embora a especificidade dos métodos invasivos seja maior que a da coleta do aspirado traqueal (AT), os métodos invasivos são mais caros e geralmente requerem orientação broncoscópica.(14,17)

Em todo o mundo, o AT é usado para diagnosticar PAVM e pode ser mais eficaz relativamente ao custo, o que o torna especialmente útil em locais onde haja poucos recursos. A fim de melhorar sua especificidade, é necessário um método capaz de diferenciar colonização de infecção. A avaliação de bactérias revestidas de anticorpos (BRA) é um método promissor que já foi aplicado em outras áreas.(18) Portanto, nossa hipótese foi a de que as BRA seriam mais prevalentes no AT de pacientes com PAVM do que no de pacientes sem a doença. Além disso, procuramos investigar se essa diferença poderia ser usada para aumentar a especificidade do diagnóstico de PAVM.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo diagnóstico caso-controle(19) realizado na UTI geral da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, um hospital-escola terciário na cidade de São Paulo (SP). O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição. Familiares ou representantes legais dos pacientes participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Estavam aptos para participar do estudo pacientes adultos (> 18 anos de idade) internados na UTI, submetidos a intubação orotraqueal com ventilação mecânica e sem diagnóstico ou suspeita de pneumonia no momento da admis-são à UTI.

Definição de casos

Foram considerados casos de PAVM os pacientes que preencheram critérios clínicos e microbiológicos. Os critérios clínicos foram sinais ou sintomas que sugerissem a presença de pneumonia - infiltrado radiológico novo ou pro-gressivo e pelo menos dois dos seguintes critérios após 48 h de ventilação mecânica: temperatura > 38°C ou < 36°C; leucocitose ou leucopenia; secreções purulentas - sem quaisquer sinais ou sintomas de outras infecções. O critério microbiológico foi uma cultura quantitativa positiva (≥ 105 UFC/ml) de uma amostra de AT colhida por meio da técnica-padrão.(9) As amostras de AT foram colhidas antes da introdução de um novo antibiótico. Amostras con-tendo > 25 neutrófilos polimorfonucleares e < 10 células epiteliais escamosas/campo de pequeno aumento foram consideradas representativas das secreções do trato respiratório inferior.

Definição de controles

Para compor o grupo controle, foram selecionados pacientes na proporção de 1:1, com amostragem simultânea.(20) Foram selecionados pacientes que estivessem recebendo ventilação mecânica e que não apresentassem nenhuma evidência clínica, bioquímica ou microbiológica de infecção no momento do diagnóstico e inclusão dos casos de PAVM. Os pacientes aptos para ser incluídos no grupo controle foram acompanhados durante uma semana, e só foram selecionados aqueles nos quais não houve suspeita de infecção durante esse tempo. Após a seleção, uma amostra de AT (para cultura e avaliação das BRA) foi colhida de cada paciente do grupo controle. O resultado da cultura do AT no grupo controle foi então classificado em colonização (crescimento ≥ 105 UFC/ml) ou negativo (cres-cimento < 105 UFC/ml).

Preparação das amostras respiratórias

As amostras de AT foram colhidas em dois tubos estéreis. Um tubo foi entregue ao laboratório de microbiologia e o outro foi entregue ao laboratório de imunologia. Para a avaliação das BRA, foi usado um mililitro do aspirado de cada amostra. As amostras foram lavadas a 300 g durante 15 min, o sobrenadante foi descartado, e o sedimento foi lavado duas vezes com solução salina a 0,9%. Após a lavagem final, 100 µl do sedimento foram diluídos a 1:5 com solução salina a 0,9%, pois o excesso de muco poderia dificultar a visualização das bactérias e a leitura da cultura.

Para investigar as BRA, foram realizados quatro ensaios: com três anticorpos monoclonais, contra IgA (anti-IgA), IgM (anti-IgM) e IgG (anti-IgG), respectivamente; e com um anticorpo polivalente, contra todos os três. Todos os anticorpos foram conjugados com FITC (Sigma BioSciences, St. Louis, MO, EUA). Uma diluição de 1:20 dos anticor-pos foi preparada com solução de Hanks. As amostras obtidas foram então colocadas em microtubos: 100 µl da secreção traqueal e 20 µl do anticorpo (anti-IgA, anti-IgM, anti-IgG ou o anticorpo polivalente). Os ensaios foram incubados a 37°C durante 15 min em completa escuridão e, em seguida, lavados duas vezes, por centrifugação, com solução de Hanks. Subsequentemente, 15 µl da solução foram pipetados com pipetas cujas pontas eram estéreis, e a solução foi espalhada em uma área correspondente a uma lamínula (24 × 24 mm). As lâminas foram previamente esterilizadas em um bico de Bunsen e cobertas com lamínulas estéreis. Para a coloração, foi usada a técnica de Gram convencional. Todos os ensaios foram realizados em duplicata, e os leitores não sabiam se a amostra provinha de um caso de PAVM ou de um controle.

Cada ensaio foi padronizado de modo a permitir que o leitor contasse 80 bactérias em três ou quatro campos. Para detectar as bactérias revestidas de anticorpos (três monoclonais e um polivalente) conjugados com FITC (quatro classes de BRA), foi usada a microscopia de imunofluorescência. Determinou-se então a proporção de BRA no total estipulado de 80 bactérias. A imunofluorescência inespecífica em microrganismos foi determinada a partir da incuba-ção de bactérias com anticorpos conjugados com FITC sem relação com os demais.

Análise estatística

Os dados contínuos são apresentados em forma de média ± desvio-padrão ou mediana e intervalo interquartil, conforme o caso. As variáveis categóricas são apresentadas em forma de frequência absoluta e relativa. Para com-parar as características dos casos e controles, usamos o teste de Mann-Whitney ou testes t não pareados para variá-veis contínuas e o teste exato de Fisher ou testes do qui-quadrado para variáveis dicotômicas. Para comparar as categorias de resultados da cultura (negativo, colonização e PAVM), usamos o teste de Kruskal-Wallis, com compara-ção post hoc por meio do teste de Mann-Whitney com correção de Bonferroni. A sensibilidade, especificidade, razão de verossimilhança positiva e razão de verossimilhança negativa foram calculadas por meio das fórmulas-padrão. Como este foi um estudo caso-controle, não calculamos valores preditivos positivos ou negativos. Para avaliar o desempenho global da quantificação de BRA no diagnóstico de PAVM, usamos um diagrama interativo de pontos, e o melhor ponto de corte para a proporção de BRA foi determinado por meio da maximização da sensibilidade e especi-ficidade. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o programa estatístico R, versão 3.1.1 (R Development Core Team, http://www.r-project.org/).

RESULTADOS

Foram incluídos 45 pacientes (22 casos e 23 controles). Os dois grupos eram comparáveis no tocante às caracterís-ticas demográficas (à exceção do gênero), comorbidades e motivos da internação na UTI (Tabela 1). No momento do diagnóstico, 9 (41%) dos 22 pacientes com PAVM apresentaram sepse, 10 (46%) apresentaram sepse grave, e 3 (13%) apresentaram choque séptico.
 



Resultados da coloração de Gram e cultura

Os resultados da avaliação microbiológica das amostras de AT são apresentados na Tabela 2. Foram observadas bactérias coradas pelo método de Gram em todos os casos e controles; a ocorrência de bactérias gram-negativas e gram-positivas nos dois grupos foi comparável. Contudo, a proporção de pacientes que apresentaram resultado positivo simultaneamente para bactérias gram-positivas e gram-negativas foi significativamente maior no grupo PAVM (96% vs. 65%; p = 0,02).
 



Os resultados da cultura do AT são apresentados na Tabela 2. Nos pacientes com PAVM, a doença foi causada por patógenos gram-positivos em 10 (46%), por patógenos gram-negativos em 5 (23%) e por mais de um patógeno em 7 (32%). Nos controles, os resultados da cultura foram negativos em 11 (48%) e positivos (interpretados como coloni-zação) em 12 (52%), dos quais 2 (17%) apresentaram resultado positivo para bactérias gram-positivas, 7 (58%) apresentaram resultado positivo para bactérias gram-negativas, e 3 (25%) apresentaram resultado positivo para ambas.

A Tabela 3 mostra os resultados da coloração de Gram e cultura em cada paciente. O patógeno gram-positivo mais comum foi o Staphylococcus aureus, e o patógeno gram-negativo mais comum foi o Klebsiella pneumoniae.
 



Avaliação imunológica

A mediana da proporção de BRA foi significativamente maior nos pacientes com PAVM do que naqueles sem a do-ença, para todas as classes de BRA: bactérias revestidas de IgA - 60,6% (54,7-65,3%) vs. 22,5% (17,5-26,3%), p < 0,001; bactérias revestidas de IgM - 42,5% (35,6-46,3%) vs. 12,5% (7,5-16,3%), p < 0,001; bactérias revestidas de IgG - 50,6% (43,1-59,1%) vs. 17,5% (13,7-22,5%), p < 0,001; e bactérias revestidas de anticorpo polivalente - 75,6% (72,5-84,1%) vs. 33,8% (26,3-40,0%), p < 0,001. A Figura 1 mostra as proporções de cada classe de BRA, por categoria de resultado da cultura (resultado negativo, colonização e PAVM).
 



Desempenho diagnóstico

Os gráficos interativos de pontos são apresentados na Figura 2. Houve boa diferenciação entre casos e controles no tocante a todas as classes de BRA. Ao maximizar a sensibilidade e especificidade, alcançamos uma acurácia de mais de 95% para todas as classes de BRA, exceto a de bactérias revestidas de anticorpo polivalente. A avaliação diag-nóstica completa é apresentada na Tabela 4.
 

 




DISCUSSÃO

Nosso estudo mostrou que a avaliação de BRA em amostras de AT parece ser uma ferramenta útil para facilitar o diagnóstico de PAVM. De fato, nesse contexto controlado, proporções maiores de BRA foram mais prevalentes em amostras provenientes de pacientes com PAVM confirmada clínica e microbiologicamente do que em amostras pro-venientes de pacientes com colonização apenas (cultura positiva sem nenhum sinal clínico que sugerisse a presença de PAVM) ou com resultados negativos de cultura. Além disso, a avaliação de BRA em amostras de AT teve bom desempenho como ferramenta auxiliar para diferenciar pacientes com PAVM daqueles sem a doença.

Poucos estudos avaliaram o papel das BRA no diagnóstico de pneumonia em pacientes sob ventilação mecânica. Em 1991, Wunderink et al.(21) analisaram BRA em 71 amostras de 36 pacientes sob ventilação mecânica. Os autores relataram que um valor de corte ≥ 5 BRA por campo de imersão apresentou sensibilidade de 52% (11 de 21 resulta-dos) e especificidade de 100% (11 de 11 resultados). Outros pequenos estudos relataram que a avaliação de BRA tem um bom desempenho no diagnóstico de infecções respiratórias.(22-24) É difícil comparar os achados de estudos anteriores com os de nosso estudo por causa das diferenças metodológicas, tais como a inclusão de pacientes que não estavam sob ventilação mecânica e a avaliação de pacientes com pneumonia adquirida na comunidade e de pacientes com pneumonia hospitalar.

O diagnóstico microbiológico de PAVM é baseado na determinação do número de unidades formadoras de colônias em amostras provenientes do trato respiratório inferior, embora a avaliação semiquantitativa também tenha sido usada, com resultados comparáveis.(4,9,25) O uso da avaliação de BRA para o diagnóstico de PAVM tem vantagens potenciais importantes, tais como a melhora da especificidade de um resultado positivo da cultura do AT, diminuindo assim a proporção de resultados falso-positivos. Além disso, a avaliação de BRA parece ser útil para diferenciar colonização de infecção ativa. Se assumirmos que todos os casos de PAVM (aqueles que preencheram os critérios clínicos e microbiológicos para o diagnóstico de PAVM) no presente estudo foram casos de infecção "verdadeira", a avaliação de BRA no AT aparentemente facilitou o diagnóstico de colonização (baseado em resultado positivo da cultura do AT na ausência de PAVM), pois as proporções de BRA foram muito menores do que na infecção "verdadei-ra". Com base no racional da avaliação de BRA, o diagnóstico deve ser sempre confiável, não obstante o uso prévio de antibióticos. (26) Especulamos que a avaliação de BRA poderia ajudar os clínicos a evitar o uso de antibióticos de amplo espectro por meio da redução do número de resultados falso-positivos de culturas de AT. Vale notar que pouquíssimos de nossos pacientes teriam adiado o tratamento com base nos resultados da avaliação das BRA, em virtude da elevada sensibilidade do método.

A avaliação de BRA já havia sido empregada em outras áreas, principalmente em infecções do trato urinário.(18) Nossa hipótese é a de que o método poderia ser otimizado e aplicado rotineiramente de modo a melhorar a avalia-ção de amostras provenientes do trato respiratório inferior. Embora estejam disponíveis novos métodos de diagnósti-co molecular,(27) especulamos que a avaliação de BRA poderia ser eficaz relativamente ao custo, o que a torna parti-cularmente útil em locais onde haja poucos recursos. De fato, após a padronização, o método poderia ser incorpora-do à rotina laboratorial e, em decorrência da redução dos resultados falso-positivos, diminuir os custos associados de antibióticos e seus efeitos colaterais (uma maior incidência de infecções por Clostridium spp., por exemplo).(7) Abordagens semelhantes foram empregadas para o diagnóstico da tuberculose, tais como o desempenho diagnóstico da avaliação do esfregaço de escarro reforçada por microscopia de fluorescência como alternativa em locais onde haja poucos recursos.(28)

Outros métodos foram usados para melhorar a acurácia diagnóstica de critérios clínicos e microbiológicos. Tais métodos incluem o uso dos biomarcadores disponíveis atualmente, tais como a proteína C reativa (PCR) e a procalci-tonina.(29,30) Por exemplo, um estudo revelou uma associação positiva entre os valores séricos de PCR e a carga bacteriana em amostras de AT em 68 pacientes com PAVM,(29) sugerindo que valores de PCR poderiam aumentar a acurácia diagnóstica da avaliação do AT na PAVM. Outros estudos mostraram que a determinação do número de bactérias intracelulares aumenta a especificidade da avaliação de amostras respiratórias.(15,31) Uma das principais limitações de nosso estudo é o fato de que não comparamos a avaliação das BRA com outros métodos, o que nos impediu de avaliar se o desempenho diagnóstico da avaliação de BRA difere do de outros métodos relatados.

O diagnóstico de PAVM é um desafio, principalmente por causa da falta de um método diagnóstico padrão ouro. Além disso, mesmo para fins de pesquisa, a biópsia pulmonar e a cultura de tecidos não são viáveis, e é provável que não sejam benéficas.(11,14,32) Discute-se também se métodos invasivos ou não invasivos são preferíveis para a obtenção de amostras provenientes do trato respiratório inferior. No presente estudo, decidimos avaliar a avaliação microbiológica por meio da avaliação de amostras de AT. Essa escolha foi feita em virtude da indisponibilidade da broncoscopia em nossa instituição e das dificuldades em obter broncoscópios e contratar pessoal treinado para ope-rá-los. A escolha também foi pragmática, pois acreditamos que nossa instituição seja representativa da maioria dos serviços públicos de saúde no Brasil e outros locais onde os recursos sejam poucos ou razoáveis. Contudo, é possí-vel que essa abordagem pragmática tenha reduzido nossa capacidade de estudar BRA em amostras respiratórias obtidas por métodos invasivos, que são geralmente mais específicos para o diagnóstico de infecções do trato respira-tório inferior.(2)

Este estudo tem outras limitações. Embora tenha sido um estudo diagnóstico caso-controle realizado em um único centro, tanto os casos de PAVM como os controles foram rigorosamente selecionados, o que aumenta as chances de identificação de casos "verdadeiros" de PAVM e controles sem qualquer suspeita de infecção. Contudo, por causa dessas restrições, o desempenho das BRA no diagnóstico de PAVM provavelmente seria diferente em outros contex-tos e desenhos de estudo. Não obstante, estudos diagnósticos do tipo caso-controle são úteis na fase preliminar de testes diagnósticos.(19) O desenho do estudo impediu-nos também de avaliar o impacto da avaliação de BRA em pacientes com suspeita clínica de PAVM, mas com resultado negativo de cultura de AT. Também não tivemos acesso aos números exatos de unidades formadoras de colônias nas culturas de AT, pois nós as quantificamos de forma binária (< 105 ou ≥ 105 UFC/ml). Portanto, não foi possível correlacionar a carga bacteriana com a proporção de BRA. Finalmente, não avaliamos outras variáveis que poderiam modular o desempenho diagnóstico, tais como o uso de antibióticos e corticosteroides.(33)

Em suma, o número de BRA observado nos pacientes com PAVM foi significativamente maior que o observado na-queles sem a doença. Acreditamos que a avaliação de BRA possa ser usada para melhorar a especificidade do diag-nóstico de PAVM, o que é necessário em virtude do desafio de chegar a um diagnóstico confiável nesse contexto. Justificam-se mais estudos nesse campo, pois a avaliação de BRA é potencialmente eficaz relativamente ao custo e, portanto, útil em locais com poucos recursos, com as vantagens de diminuir o número de resultados falso-positivos e reduzir a taxa de supertratamento.

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